sábado, 11 de fevereiro de 2017

LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 (DE PASI SAHLBERG)

Tradução, entre aspas e em itálico, e comentários [entre colchetes]: Eduardo Simões

https://www.hastac.org/sites/default/files/styles/main/public/upload/images/post/assessment_comic_-_climb_tree.jpg?itok=P0QuHorB
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A representação mais exata que eu encontrei sobre os testes de avaliação que no presente torturam professores e alunos em nossas escolas, e que definem índices como SARESP, IDEB, IDESP, AAP, etc. O avaliador diz aos animais à sua frente: “Para haver uma seleção justa é necessário submeter a todos ao mesmo exame: Por favor subam naquela árvore!”

Comentário de Diane Ravitch
O Presidente Barack Obama e o Ministro da Educação Arne Duncan foram defensores entusiásticos de “reforma” no ensino. Seu programa, chamado de “Corrida para o topo”, foi lançado em 2009, e apresentava os seguintes ingredientes chaves: testagens [contínuas avaliações, que só podem ser feitas, por motivos óbvios, por meio do sistema eufemisticamente chamado de “múltipla escolha” ou prova “objetiva”], controle [ou centralização], seleção. Os educadores foram pegos de surpresa, uma vez que eles esperavam que a proposta de Obama acarretasse o fim do tão odiado programa do ex-presidente George Bush, “Nenhuma criança para trás” (NCPT). Porém, o programa de Obama foi montado justamente sobre as bases do NCPT. Ao invés de extinguir os testes de alta performance, o Corrida para o topo aumentou ainda mais a sua importância. Agora, não somente alunos e escolas seriam medidos pelos testes, mas também professores poderiam receber bônus ou serem demitidos em função de seus resultados”.
[O teste de alta performance é uma criação de prestidigitadores americanos, gurus da nova era da gestão empresarial, todos eles confortavelmente instalados, que sobrecarrega de estresse e responsabilidades os testados, ainda mais porque em função dos resultados desses testes, em geral de múltipla escolha, o futuro de uma criança ou um profissional pode ser definitivamente sepultado]

Uma matéria de capa do Newsweek Magazine, nesta primavera [em 2010], dizia: “Nós devemos demitir os maus professores”, como se asa escolas estivessem lotadas de “maus” professores. Nesse outono, o filme “Esperando pelo superman” foi lançado com uma propaganda massiva. Sua mensagem era: as nossas escolas públicas estão falhando, e a única esperança para uma criança presa em uma escola pública “falha” é emigrar para uma escola administrada pela iniciativa privada” [a chamada Charter School, cujo prédio pertence ao Estado mas a administração é entregue a uma empresa privada]

Vários estados como Michigan, Wisconsin e Indiana voltaram atrás em acordos coletivos, barganhando direitos, e os sindicatos de professores se tornaram bodes expiatórios, acusados pelos baixos índices nos testes e pelos altos custos da educação, em virtude dos auxílios-pensões e gratificações a professores”.
[alguma diferença da caça às bruxas levadas a cabo no Brasil, em especial em São Paulo?]

O que muitos educadores americanos amam em Lições finlandesas 2.0 é que elas são o retrato de uma realidade alternativa, onde se respeita o professor e se os capacita para fazer um trabalho melhor... Sahlberg reconhece que a experiência finlandesa em educação contrasta com o que acontece nos EUA e em outros países, orientados por movimentos educacionais que reforçam os controles e a seleção, que ele chama de Movimento Global de Reforma Educacional (MGRE).
Sim, enquanto EUA, Inglaterra e outros países [Brasil e São Paulo, especialmente] estão contaminados pelo MGRE, Lições finlandesas 2.0 são a desinfecção [existe melhor comparação?]. Elas nos lembram que uma nação pode construir um admirável sistema escolar, se focar a sua atenção nas necessidades das crianças, se seleciona e prepara bem a seus professores, se constrói comunidades educacionais não apenas fisicamente atraentes, mas que também são capazes de recuperar a alegria de ensinar e aprender”. 

Comentário de Andy Hargreaves
[após fazer uma breve síntese dos percalços da educação americana na segunda metade do século XX, sempre a correr atrás de suas congêneres opostas: a soviética nos anos 60 e a chinesa, mais recentemente, Andy Hargreaves conclui] Apesar de já termos percorrido duas décadas de reforma educacional, tudo que os EUA, e outros países de cultura anglo-saxônica, fizeram foi confirmar aquele dito popularizado por Einstein: “se você apenas acrescenta mais do mesmo, você não pode esperar um resultado diferente”. Força, pressão, ameaça, intervenções de cima para baixo, destaques, competição, modelagem, controle por meio de exames, facilitar e acelerar a aprendizagem, enquadramento de escolas fracas, demissão de professores e diretores ineficientes e novos começos com novos professores, em escolas recentemente criadas, são estratégias que nesses últimos vinte anos vêm sendo continuamente propostas e repropostas, com o mesmo vigor e determinação” [não é isso que copiam de forma tão escancarada, salvo detalhes, os governos de Brasil e São Paulo?].

[Após chamar o programa de Obama de “Corrida dos lemingues ao topo”, ironizando a corrida lendária desses roedores do estremo norte para o mar, onde morrem afogados, Hargreaves cita um crítico da reforma de Obama: Fullan] A estratégia [de Obama], diz Fullan, dá pouca ou nenhuma atenção à capacitação de diretores e professores ou tenta integrá-los como em um sistema, antes se baseia na premissa falsa de que a qualidade do ensino melhora automaticamente em um sistema de recompensas competitivas e se apoia num modelo muito equivocado de gestão, onde cada gestor é responsável exclusivo pela sua unidade escolar e o único responsável pelos resultados, enquanto compete com outros diretores por, criando feudos, ilhas, nas escolas, desestimulando esses profissionais a ajudarem uns aos outros... O plano [de Obama] promove a entrega da gestão de escolas públicas para iniciativa privada, mesmo quando as evidências mostram não haver diferenças consistentes entre estas e as públicas, e que elas simplesmente “atraem os melhores alunos das comunidades pobres [cujos pais estão sedentos para verem seus filhos numa boa escola privada, trombeteadas como “melhores” pelas autoridades educacionais, de lá e de cá].

Yong Zhao, reconhecida autoridade americana em reformas educacionais na China e no Sudeste Asiático, assinala que a China... está descentralizando o seu currículo, diversificando a sua avaliação [enquanto nos EUA, e aqui, observa-se o monopólio, até por uma necessidade prática, do sistema “múltipla escolha” ou prova “objetiva”], encorajando a inovação e a autonomia local... enquanto a China descentraliza e Singapura busca promover um ambiente de criatividade na escola, insuflado pelo slogan “Ensine menos e aprenda mais”, os americanos seguem submissamente “na direção do autoritarismo... (Zhao, 2009)”” [isso é tanto mais irônico, porque os americanos entraram nesse autoritarismo todo tentando copiar as nações orientais, em especial japoneses e coreanos, dos anos 80, que já apresentavam índices de aprendizagem melhores em testagens internacionais, se é que essas testagens merecem confiança]

[OBS: É interessante considerarmos as críticas de Diane Ravitch e Andy Hargreaves ao sistema americano de ensino, porque é exatamente este sistema que nós procuramos reproduzir aqui no Brasil, em sua versão mais diluída e aparentemente mais bem-sucedida... no PISA...: o sistema “australiano”. Hargreaves e Ravitch, menos manhosos e mais transparentes, e também mais “por dentro” dessa realidade, tratam esses sistemas todos como uma coisa só, chamada “países anglo-saxões”. É sempre mais do mesmo!]

[Após apresentar o autor do livro, Pasi Sahlberg, Hargreaves apresenta alguns segredos do sucesso finlandês]
“ * Eles desenvolveram uma filosofia própria de mudança social e educacional vinculadas à inclusão e à criatividade, sem fazer concessão a visões bitoladas e estandardizadas vindas de fora.
* integraram e uniram professores muito bem treinados, e com uma alta qualificação acadêmica, com títulos de Mestrado e Doutorado, muito motivados a cumprir sua missão social com autonomia e todo o suporte que necessitam – compare-se isso com a facilidade de ingresso e formação às pressas [em São Paulo temos o costume de suprir as carências de professores em cursos de fins de semana ou palestras pela TV!], além da intensa rotatividade dos professores, como acontece na Inglaterra e Estados Unidos[e no Brasil].
* há uma estratégia especial de educação inclusiva onde aproximadamente metade das crianças recebem algum tipo de reforço pelo menos uma vez durante a educação básica de nove anos, ao invés de uma estratégia de educação especial baseada na identificação legal, colocação, e rotulagem, favorecido pelos anglo-saxões [no sistema americano, a criança deficiente ou superdotada é logo identificada e recebe tratamento especial, em detrimento de sua integração ao grupo, em especial as do segundo grupo]   
* eles desenvolveram nos professores a responsabilidade e a capacidade de, em grupo e com autonomia, de desenvolver tanto o currículo como a avaliação diagnóstica, mais que apenas seguir um currículo prescrito, escorado por testes de avaliação estandardizados, impostos pelo governo central.
* eles ligaram a reforma educacional ao desenvolvimento criativo da competitividade econômica assim como o estímulo à coesão social, inclusão e solidariedade comunitária dentro da sociedade nacional.

[O último parágrafo de Hargreaves é valioso e cabe como uma luva no nosso sistema escolar, em especial São Paulo] Uma das formas dos professores melhorarem o seu trabalho é trocando experiências uns com os outros. Escolas melhoram realizando trocas com outras escolas. Nós temos despendido décadas estimulando o isolamento de nossos professores dentro de nossas escolas. É tempo de acabar com a ideologia da diferenciação ou do destaque dentro dos Estados Unidos e nações anglo-saxônicas, se nós queremos fazer reformas que realmente inspirem os nossos professores a melhorar a aprendizagem de todos os nossos alunos – em especial aqueles que têm mais dificuldades [massacrados nos EUA, abandonados por aqui]. Nesse quesito em especial Pasi Sahlberg é um dos melhores professores do mundo.   

[a quebra da unidade dos professores e do sistema é feita, aqui em São Paulo, por meio dos exames para receber aumento de salários, pelo sistema de bônus ligado a resultado de provas, pela classificação das escolas de acordo com SARESP e outras pseudoavaliações, pelo distanciamento hierárquico do cargo de diretor, inatingível, como se fora um “feitor” dentro das escolas].