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Índice Cronológico
Mona Lisa - Ana Bolena - Ivan O  Terrível - Zemsky Sobor - Batalha de Rocroi - Fronda - Vatel - Levantes Streltsy - Massacre de Boston



MONA LISA (1503-1518)


Prof Eduardo Simões

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         Em 1503, Leonardo já era um pintor afamado e estabelecido em Florença, o principal reduto da arte renascentista na Itália, quando, foi procurado por um rico comerciante de tecidos florentino, Francesco del Giocondo, para pintasse um retrato de sua amada esposa, Lisa Gherardini. É o que se sabia, até pouco tempo, graças ás informações do pintor e historiador da arte italiano Giorgio Vasari, da geração seguinte à de Leonardo. Vasari nasceu oito anos antes da morte de da Vinci.
         Leonardo pôs mãos a obra, fazendo uso, inclusive, da presença de artistas saltimbancos, seja para manter mais leve e feliz o ambiente de trabalho seja para conseguir da modelo, talvez muito tímida ou reservada, o estado de espírito que ele queria retratar. Leonardo, entretanto, tinha uma característica pessoal complicada: gostava de pegar muitos trabalhos, enchendo a cabeça de planos a respeito do que fazer à frente, mas raramente concluía o que começava.

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         Com esse quadro não foi diferente, e seja lá porque razão, o certo é que nem ele viu a cor do dinheiro combinado nem Giocondo ficou com o retrato da mulher, em compensação, e sem qualquer explicação objetiva, nunca mais Leonardo se afastaria desse quadro, levando-o para onde quer que fosse, até um pouco antes de sua morte, acontecida em 1519. No ano anterior, o seu discípulo Gian Giacopo Caprotti da Oreno, conhecido como Andrea Salai, que teria herdado a Mona Lisa de Leonardo, o vendeu para o rei de França, Francisco I, por uma boa quantia, pelo menos assim diz a história oficial do Louvre, o museu nacional da França, onde esse quadro está hoje.
         O quadro passou à história com o nome de Mona Lisa – “mona” seria o diminutivo de “madona”, “senhora”, em italiano, e Lisa o seu prenome – ou Gioconda – o sobrenome feminilizado do marido, que ela devia usar – e apresenta vários mistérios intrigantes, sobre os quais se gastaram rios de tinta, tantas foram as pessoas que se dispuseram a decifrá-los. Entre esses mistérios destacamos:
         a) o sorriso sutil, enigmático, da retratada, só claramente perceptível quando nos afastamos da tela ou focamos mais nos olhos que nos lábios dela.
         b) o fundo atrás dela mostra o relevo da paisagem do lado direito mais elevado que a do lado esquerdo, sem que isso mostre qualquer alteração nos cursos de água, que ali aparecem, na forma de rios e lagos calmos, e não como torrentes, como seria o natural.
         c) de um lado e de outro, também no fundo, aparecem as bases de duas colunas, como se o quadro tivesse sido pintado de uma esplanada ou um corredor, com vistas a uma paisagem.
         d) a mulher retratada no quadro parece uma senhora próxima dos 40 anos, o que não bate com os 24 que Lisa Giocondo tinha, quando posou para Leonardo, mas seria mais ou menos essa a sua idade, quando Leonardo se desfez do quadro, o que sugere que ele continuou modificando-o ao longo do tempo em que viveu longe de Lisa: uns 15 anos. A mulher do quadro foi como que envelhecendo com ele...
         O aspecto meio nebuloso, um tanto indefinido, da cena atrás da tela é proposital. Trata-se de uma técnica de pintura chamada “sfumato”, esfumaçado, como quando baixa uma névoa.
Outra característica incomum, para os dias de hoje, é que a imagem não foi pintada numa tela de tecido, mas numa tábua de madeira, de choupo, de 77 x 53 cm.

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         O quadro de da Vinci já era famoso no momento mesmo em que ele o estava pintando. A partir dele começaram a surgir inúmeras versões, de pintores diversos, retratando senhoras da nobreza, sentadas, com as mãos se cruzando, olhando enigmaticamente para o espectador do quadro. Mas também surgiram paródias, como aquelas que a apresentam com o busto nu, e um sorriso não tão sutil, como no quadro acima, chamado de Monna Vanna, presumidamente do discípulo predileto de Leonardo da Vinci, Andrea Salai, que teria pintado o seu rosto no lugar do da dama.
         Ao longo dos séculos o quadro foi alvo de inúmeras controvérsias, inclusive de que não representaria, sequer, uma mulher de verdade, mas antes um homem travestido, que poderia ser o discípulo predileto de Leonardo, Salai, ou ele próprio, todas baseadas em pesquisas “científicas”, ou arrazoados de doutos psicanalistas, procurando “apimentar” a discussão, transferindo-a do campo da arte para o da sexualidade de da Vinci, até que, em 2005, um pesquisador alemão descobriu num manuscrito antigo, na Alemanha, uma anotação feita por um oficial florentino, Agostino Vespucci, da época de Leonardo, confirmando que Giorgio Vasari já dissera sobre o quadro: ele era de fato imagem de Lisa Giocondo, ou Gherardini, seu nome de solteira, e foi iniciado em outubro de 1503. Não há mais qualquer dúvida, séria, a esse respeito.

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         Esse quadro de da Vinci é o mais famoso, e valioso, do mundo, considerado por muitos como o maior ícone da arte ocidental, de todos os tempos – seu valor é incalculável, pois por dinheiro algum os franceses se desfarão dele, mas quando sai em exposição, o seu seguro é avaliado em uns 760 milhões de dólares. Essa fama, entretanto granjeou-lhe inimigos, na pessoa dos artistas modernos, que se propunham a renovar a arte ocidental, em fins do século XIX e início do XX, principiando pela demolição daquelas obras consideradas icônicas, clássicas, pelo grande público e por especialistas da arte, principalmente a Mona Lisa.
Em 1919, o escultor e pintor franco-americano Marcel Duchamp abalou o mundo das artes ao fazer, num pôster, uns rabiscos sobre o rosto da Mona Lisa e colocar, embaixo, as inciais LHOOQ, que, lidas em francês, produzem um som semelhante ao de uma expressão, que, traduzida para o português, quer dizer: “ela tem fogo no rabo”. A partir daí, as paródias do quadro não param de crescer, mas a elas Mona Lisa resiste sobranceira, a ponto de um analista justificar o seu sorriso, como sendo de pena, pena em relação àqueles que lhe querem destruir, em vão, o seu papel de ícone da arte ocidental.

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         Entretanto, nada é simples na vida de Leonardo e da Gioconda. Existia, desde 1666, no inventário do patrimônio dos reis de Espanha, uma prancha de madeira, na qual se achava desenhada uma mulher, cuja autoria, segundo o inventário, se devia a “Leonardo Abince”, com medidas um pouco maiores que a Mona Lisa do Louvre, mas exatamente o mesmo rosto, e mesma pose. Era outra Mona Lisa, só que com um fundo todo negro, sem falar que a qualidade da sua madeira, a nogueira, superior à do choupo do quadro do Louvre. Pesquisas posteriores, feitas no quadro, comprovaram: ele fora realizado no atelier de Leonardo, mais ou menos no mesmo período que o similar francês, usando-se de tintas e técnica semelhantes. É quase certo que, embora a obra deva ser de um discípulo de Leonardo, a mão do mestre passeou por esse quadro também... Como esse quadro se encontra no Museu do Prado, em Madrid, ele também é conhecido como Mona Lisa do Prado.

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         Em 2010, após um surpreendente exame espectográfico, tipo raios-X, feito no quadro, procedeu-se a limpeza do fundo escuro da Mona Lisa, causado por diversas coberturas de verniz escuro, e o que se achou foi impressionante: uma paisagem de fundo muito mais nítida, mais clássica, que         a do Louvre, colunas mais destacadas, um horizonte mais horizontal e compatível com o natural. O rosto da modelo também é diferente: parece um pouco mais jovem

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         Confusão pouca é bobagem! Sabia-se, desde o início do século XX, que havia uma cópia da Mona Lisa, acima, nas mãos de uma família aristocrática inglesa há mais de cem anos, até que, em 1913, essa cópia foi comprada por um rico colecionador, e guardada no seu estúdio, em Isleworth, Londres, indo em seguida para os EUA, onde foi vendida, em 1962, a um rico colecionador e marchand americano, ficando na família deste até 2008, quando foi comprada por um consórcio de investidores, tão discretos quanto sabidos na arte de fazer dinheiro. Desde 1978, esse quadro se encontra depositado no cofre forte de um banco suíço, rendendo muito dinheiro aos seus misteriosos proprietários, toda vez que sai em exposição.
         Duas coisas chamam a atenção na Mona Lisa de Isleworth:
         a) ela tem as feições bem mais jovens que as duas anteriores, a do Prado e a do Louvre, mais compatível com os 23 anos que Lisa tinha quando posou para Leonardo.
         b) no fundo do quadro as colunas parecem mais destacadas, e a paisagem parece inacabada. Ora, em seu livro, Giorgio Vasari disse que Leonardo da Vinci deixou o quadro de Lisa Giocondo inacabado, de onde os membros do consórcio defenderem que esta foi a primeira versão do quadro feita por Leonardo.
         Enquanto isso o debate sobre a autenticidade ou não do quadro, a autoria de da Vinci, segue quente e dividindo os especialistas. Os membros do consórcio não colaboram em nada para o esclarecimento, ois sabem que, quanto mais celeuma e dúvida houver, mais o quadro fica famoso e mais eles ganham dinheiro.


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         O consorcio da Mona Lisa de Isleworth, em seu site, monalisa.org, traz uma evidência impressionante: o desenho acima, atribuído a Rafael Sanzio, amigo de Leonardo, que esteve no seu atelier, lá por volta de 1504, viu o quadro de Leonardo, e dele teria feito o desenho cima.  É ou não é a cara da Mona Lisa de Isleworth?

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         Leonardo da Vinci era um homem muito inteligente, sensível e obcecado, com uma notável visão de futuro, que, de alguma forma, percebeu o valor extraordinário daquele quadro, ou a ele se apegou, como Pigmalião da mitologia, e daí o apego ao quadro, com as mudanças que ele foi fazendo no rosto, à medida que os anos corriam, como se ela estivesse envelhecendo junto com ele, afinal Lisa Gherardini já era uma mulher casada, e ele só podia se apegar a ela dentro dos padrões do Amor Cortês, típico dos grandes artistas da Idade Média, onde uma mulher inacessível era idolatrada e possuída, mas apenas idealmente, no intelecto, a parte mais “nobre” do ser humano.
Segundo consta na mitologia grega, Pigmalião era o rei de Creta e ansiava muito por encontrar a mulher perfeita, e, não a encontrando, transferiu o seu ideal de mulher na confecção de uma estátua, que adquiriu tal formosura, aos seus olhos, que ele se apaixonou por ela perdidamente, e perdido ficou por amar algo que não lhe era semelhante. Diz ainda a mitiologia, que Vênus, a deusa do amor, apiedada do sofrimento de Pigmalião, e considerando que ele era uma pessoa boa, correta, resolveu intervir e dar vida à estátua, que Pigmalião batizara como Galateia. Ao amanhecer Pigmalião tem a surpresa espetacular, ao ver a sua estátua convertida em uma bela mulher, a mulher de seus sonhos, com a qual se casou, e com quem teve uma filha: Pafos.
O mito de Pigmalião lembra ao homem a sua extraordinária capacidade de mudar a realidade, mas também de se alienar dela, caindo em um estado onde nem ele nem a realidade mudam. A propósito conheço uma história realmente exemplar:
Havia um homem que viva procurando a mulher ideal, a mulher perfeita. Os anos se passaram ele envelheceu e... nada. Certa vez, quando um amigo lamentava o fato de ele nunca ter encontrado a mulher perfeita, ele retrucou:
- Mas eu encontrei a mulher perfeita!
- Mas então, disse o amigo espantado, por que você não casou com ela?
- É que ela também estava procurando o homem perfeito, respondeu ele, desconsolado.

ANA BOLENA (1501? – 1536) 

Prof Eduardo Simões


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Filha de uma importante família da nobreza, Ana bolena – Anne Boleyn para os ingleses – foi convidada para ser dama de companhia da rainha Catarina de Aragão, uma princesa espanhola, que se casara com o rei Henrique VIII, sendo descrita como uma mulher “sem grande beleza, mas até aqueles que a detestavam não podiam deixar de admitir que ela possuía um grande encanto. Sua cútis morena e seus cabelos muito negros lhe davam uma aura exótica, em uma cultura onde o branco pálido como leite era considerado padrão de beleza. Seus olhos também eram ‘notavelmente negros e formosos’, descreveu um contemporâneo, enquanto outro afirmou que eram sempre ‘muito atraentes’, e que ela ‘sabia usá-los com eficácia´” (palavras da historiadora inglesa Karen Lindsey, citada na Wikipedia espanhola, tradução livre). Dizia-se, ainda, que ela tinha muito bom gosto para a moda, modos muito avançados para o seu tempo (jogava, bebia e contava piadas à inglesa), além de viver cercada por gente jovem e alegre.


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Fonte Wikipedia

Os encantos e a juventude da bela dama de companhia não passaram desapercebidos pelo principal interessado: o marido da rainha, Henrique VIII. Agastava-se Henrique pelo fato de a rainha já não ter mais a beleza da juventude, que a tornara famosa, e por esta não ter lhe dado um filho homem, pretexto um tanto pueril, já que na Inglaterra não havia a Lei Sálica, que proibia a subida de mulheres ao trono. Talvez o fato de Ana ser de15 a 20 anos mais jovem que a titular, tenham pesado mais. A gravura do século XIX, acima, mostra bem o clima de romance entre o rei e Ana, nas famosas caçadas reais. Ela, aparentemente, caça um bicho, mas o rei, outra coisa...



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Desenlace inevitável, tendo criado uma igreja só para si, Henrique VIII, consegue a aprovação de seu divórcio e se une à ex-amante, mal conseguindo se conter, em maio 1533. A Catarina resta, retira-se de sua condição de rainha, compungida e em luto fechado, para amargar o exílio e a desimportância, dentro da Inglaterra, sem falar da enorme desonra que lhe fora a acusação de Henrique VIII, aprovada pelos bispos de sua Igreja, de que ela o traíra com seu irmão Arthur, e que justificava oficialmente a ação de divórcio, segundo o Evangelho de Mateus 5,32.


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fonte Wikipedia

O feitiço se vira contra a feiticeira. No dia que Catarina morre, Ana perde o único filho homem que teve com Henrique, esvaziando o objetivo mais explícito deste, sem falar das pressões espanholas – Henrique estava tentando acordos com a Espanha – e, o que é pior, neste caso: o rei já estava se enrabichando por outra mulher, quase dez anos mais jovem que Ana. Acusada pelo rei de adultério e até de incesto!, Ana é mandada presa para a Torre de Londres, a fim de ser executada.

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Desenlace inevitável. Tocado pelas lembranças de seu romance, Henrique não quis que a ex-mulher-de-sua-vida tivesse a cabeça decepada por um machado, curvada sobre um cepo, em posição humilhante, ficando de quatro. Por isso pediu para vir da França um espadachim que cortou a cabeça de Ana com um golpe de espada, estando essa de joelhos, como que em oração. A execução foi em 19 de maio de 1539, quase três anos exatos do casamento a tornara rainha da Inglaterra.
Ana Bolena ficou tão marcada por esse julgamento e execução, que até mesmo sua filha, enquanto viveu, preferiu não tocar no seu nome, nem fez qualquer movimento de reabilitação a seu favor. Nome dessa filha: rainha Elizabeth I, da Inglaterra..
Fontes: www.governmentalwaysfails.com  -  farm4.static.flickr.com - wikipedia em espanhol e inglês

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IVAN IV O TERRÍVEL (1547-1584)

Prof Eduardo Simões

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Um gênio psicopata, assim era a pessoa de Ivan IV, governante da Rússia numa época de afirmação do poder do monarca, e expansão territorial, após o pesado domínio mongol da Horda de Ouro (de 1240 a 1480). Ivan foi criado num ambiente pesadamente conspiratório, com as grandes famílias da nobreza russa, os boiardos, disputando a mão armada o controle sobre o soberano – acredita-se que a sua mãe, Helena Vasilievna Glinskaya, tenha sido envenenada, no meio dessa disputa. Educado pelo Metropolita (arcebispo) de Moscou, Macario, na concepção do direito divino dos monarcas, o que era do interesse da Igreja Ortodoxa Russa, a religião oficial e exclusiva no reino, Ivan chegou ao poder pronto para exterminar quem contestasse seu poder. O quadro acima, de Viktor Vasnetsov, é, coincidentemente, bem fiel à reconstituição forense feita recentemente no crânio de Ivan.


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Externamente Ivan travou guerras bem-sucedidas contra os tártaros, ao sul, tomando-lhes cidades importantes, como Kazan (em 1552) e Artrakan (em 1556), sendo detido pelo colosso turco, não sem antes garantir o domínio russo sobre boa parte da bacia do mar Cáspio, e estabelecer ligações comerciais com os persas – na ilustração vemos a tomada de Kazan. Em 1582, o aventureiro cossaco Yermak Tomofeievich começou, com apenas 840 homens, a conquista da Sibéria, ocupada por uma miscelânea de povos ainda muito apegados a suas tradições tribais, o que favoreceu à sagaz política de divisão implementada por Yermak: “dividir para conquistar”. Em pouco tempo milhões de quilômetros quadrados e milhões de habitantes foram anexos ao império de Ivan. No Ocidente ele não foi tão bem, derrotado pela Suécia na Guerra da Livônia (1558-1583), teve que ceder algumas cidades.


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Mas nem sempre suas relações com o Ocidente foram tumultuadas, e cabe a ele a primazia de tentar estabelecer relações comerciais e culturais consistentes com os países ocidentais. A gravura mostra o tzar, já velho, sentado em uma cadeira tentando convencer ao embaixador inglês na Rússia, Jerome Horsey, a vantagem de relações comerciais entre os dois países – na época os ingleses estavam tentando chegar à Índia, fonte das famosas especiarias, circunavegando o litoral norte da Rússia, numa busca infrutífera da Passagem do Nordeste. Para quê ir tão longe se a Rússia podia oferecer tanto?

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Sua vida pessoal foi um horror! Nesse quadro do século XIX, Ivan admira sua sexta esposa, Vasilisa Melentyeva (ele teve oito!), que ele, aparentemente amava, qualificando-a como “bela e de boa índole”, dormindo em paz, sem saber que já chegara ao conhecimento dele um caso que ela tivera com um nobre da corte. O despertar será amargo. Vasilisa será obrigada a assistir a execução do amante por empalamento, tendo em seguida a cabeça raspada e mandada para um convento, até o final de seus dias. Ela morrerá em 1579. Nem todas as suas ex-esposas tiveram a sua sorte, pois algumas foram mortas pelas mãos do marido furioso, sem falar dos desafetos políticos (alguns milhares), executados das mais bárbaras formas.

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Seu maior erro aconteceu numa sexta-feira, 16 de novembro de 1581, quando, furioso com a roupa que a nora estava vestindo, espancou-a, apesar de grávida, causando-lhe posterior aborto. Seu filho, o tzarevich (príncipe herdeiro) Ivan, tomou acintosamente a defesa da esposa, e o pai lhe bateu com o pesado bastão real na cabeça, causando-lhe a morte. Isso o deixou completamente arrasado e a partir daí se acentuaram as flutuações de humor já visíveis no seu comportamento, típicas de um estado próximo à loucura (em seus acessos arrancava os pelos da barba a puxavancos e arranhava as paredes). Em termos práticos, esse acesso de fúria decretou o fim de uma dinastia de governantes que vinha desde o ano 862. Hoje, acredita-se que seus acessos descontrolados vinham de remédios à base de mercúrio, que o tzar tomava para manter a sua sífilis (uma doença venérea muito comum na época) sob controle, que em altas doses provoca mudanças súbitas de humor, embora a sua inteligência privilegiada, colocada a serviço de uma mente obcecada, fosse capaz de dar as mais bizarras mostras de ironia, sarcasmos e nós na lógica, presentes nos textos de sua correspondência, como quando inquire a um príncipe conspirador que fugira "Se você está tão certo da justiça, por que fugir a preferir o martírio em minhas mãos?" É autor de hinos religiosos, e um grande conhecedor da religião ortodoxa. 


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Triste epílogo. Após a morte do príncipe Ivan, o único que sobrara para assumir o trono era Fiodor ou Teodoro I, um indivíduo absolutamente simplório, mentalmente incapaz, que passava o seu tempo em leituras de livros religiosos e orações, além do imenso prazer que tinha em tocar os sinos das igrejas do Kremlin (complexo palacial onde moravam os tzares em Moscou). Fiodor reinou de 1584 a 1598, mas de forma puramente burocrática, entregando o poder de fato nas mãos de Boris Godunov, um importante boiardo, que aparece na ilustração acima, recebendo uma corrente de outro de Fiodor, símbolo de seus status superior. Em 1594, quando morreu a sua única filha, Fiodor entrou em depressão e abandonou de vez o governo. Em 1591, já morrera em circunstâncias misteriosas, o único filho ainda vivo de Ivan IV, Dimitri Ivanovichi, caindo sérias acusações sobre Godunov. Este consegue virar o jogo e assume o trono, não sem antes mandar raspar a cabeça de Maria Nagaya, última esposa de Ivan, mãe de Dimitri, acusando-a de negligência criminosa pela morte do filho, internando-a em um mosteiro.
Méritos de Ivan IV
É importante que Ivan IV não seja apresentado como mero psicopata, e dar vazão às mais doentias formas de crueldade, como se isso fizesse parte da “alma” russa, havendo para isso, inclusive, a justificativa do clima péssimo, criado dentro da corte, pelas intrigas dos boiardos – os representantes da grande nobreza fundiária – ansiosos por se apossar do poder.
Alega-se também que houve uma mudança notável no seu comportamento, após o ano de 1560, quando faleceu a sua primeira esposa, Anastácia Romanovna Zakharina, que exercia uma influência positiva, moderadora, no seu temperamento explosivo, seguida pela morte de seu grande amigo, o patriarca Macário, e uma grave doença que lhe acometeu, ele colapsou de vez e assou a fazer jus à fama com que passou à história, principalmente por causa da desconfiança de que Anastácia tinha sido envenenada – suspeita confirmada por análise química feita por médicos russos, nos restos da tzarina, no final do século XX.

Antes disso, porém, ele fez coisas notáveis e muito positivas para a evolução da sociedade russa: criou um conselho composto de mercadores e da pequena nobreza, reduzindo o poder nefasto dos boiardos; impulsionou as artes e as letras, introduzindo a imprensa no país; convocou o primeiro Zemski Sobor, em 1549, a primeira experiência de parlamento da Rússia; mandou fazer uma grande revisão na legislação russa, abrindo o acesso dos camponeses ao sistema legal e à administração local; iniciou frutuosas relações comerciais com a Inglaterra – chegou a pedir a rainha Elizabeth I em casamento, mas ela recusou... diplomaticamente – percebeu a importância da Rússia ter portos permanentes; expandiu enormemente os territórios do reino; reformou e modernizou o exército; etc.


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Detalhe da personalidade estapafúrdia e inesperada de Ivan: corroído de remorsos por seus últimos crimes, ele pede ao superior do mosteiro de Pskov-Pechorsky, abade Kornily, que o aceite como monge. O abade foi sábio o bastante para não aceitá-lo... com muito cuidado.   


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ZEMSKY SOBOR (1549-1686)

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         O termo russo “Zemsky Sobor”, quer dizer “Assembleia da Terra”, e se refere a uma iniciativa de Ivan IV, o Terrível, em 1449, para dar mais abrangência ao seu poder e de, por meio do Zemsky, dar um início formal ao estado nacional russo. Foi, portanto, uma iniciativa “modernizadora”. No quadro acima vemos Ivan IV abrindo a primeira Zemsky Sobor. De costas, todos de preto, estão os membros do clero ortodoxo, enquanto de frente, usando barba e roupas bem chamativas, estão os boiardos, os representantes da nobreza russa.
         A Zemsky Sobor equivale às Cortes, em Portugal e Espanha, e aos Estados Gerais, da França, e, como estes, era formada por representantes das classes sociais russas, classificadas de forma tripartite, como na Europa Ocidental. No caso da Rússia, o clero era representado pelos altos sacerdotes da Igreja Ortodoxa Russa, a nobreza pelos boiardos e o povo por representantes de grandes mercadores e habitantes das principais cidades.
         Assim como as Cortes e os Estados Gerais, a Zemsky Sobor era convocada sempre que havia alguma emergência nacional ou quando havia projetos de largo alcance, sujeitos a controvérsias, para serem analisados, da mesma forma que, como aqueles, eram um órgão consultivo, ou seja, o tzar só seguia as decisões da Zemsky Sobor se quisesse. Por isso Ivan IV fará ouvidos de surdo quando uma delas pediu-lhe para extinguir a sua polícia secreta: a Oprichnina, em 1566.
         Ao longo dos séculos a Zemsky Sobor interviu, principalmente, nos momentos de crise para dar alguma estabilidade ao país, sempre às voltas com crises provocadas pela ambição dos vizinhos e da alta nobreza, mas à medida que o poder dos tzares se consolida, e as crises são vencidas, graças em grande parte á ação da Zemsky Sobor, ela é cada vez menos convocada, até que, durante o reinado de Pedro o Grande ela cai em desuso, da mesma forma com aconteceu na França e nos países ibéricos.
         A última convocação de uma Zemsky Sobor foi uma espécie de canto do cisne do regime tzarista, que sempre a instituição. Aconteceu em agosto de 1922, durante a guerra civil, convocada pelo general tzarista Mikhail Dieterichs, no extremo oriente da Rússia, com o intuito de fortalecer a sua luta contra os comunistas – um dos pontos da pauta seria pedir o retorno da monarquia, derrubada em 1917. Com a ausência dos principais representantes da família imperial e do clero, a assembleia não foi pra frente, e dois meses depois os comunistas tomaram a região.

         


BATALHA DE ROCROI (1643)

Prof Eduardo Simões


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A cidade francesa de Rocroi, situada perto da fronteira com a Bélgica (no mapa o quadrado vermelho com moldura branca e preta destacada), estava situada numa rota estratégica que levava diretamente a Paris, e por isso havia se tornado um ponto de defesa crucial para os franceses, sendo reforçada por diversas fortalezas. Em 1643, no auge da Guerra dos Trinta Anos, França e Espanha disputavam ferozmente a hegemonia sobre vastas áreas da Europa Central, que até ali estiveram sob o controle de espanhóis e austríacos.
Embora França, Espanha e Áustria fossem países fortemente católicos, e essa guerra tivesse claras conotações religiosas, os franceses preferiram se aliar aos príncipes protestantes da Alemanha, colocando seus interesses nacionais estratégicos acima da questão religiosa.
Em resposta à invasão da Espanha, um exército espanhol com 24 mil infantes, 8 mil cavaleiros e 18 canhões (!) invadiu o norte da França e impôs cerco a cidade fortificada de Rocroi, que na ocasião tinha uma guarnição de pouco mais de 400 homens – os espanhóis eram comandados pelo general português, a serviço da Espanha, Francisco de Melo.

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fonte Wikipedia
Os franceses mandaram, para libertar Rocroi, um exército com 17 mil infantes, 6 mil cavaleiros e 14 canhões, comandados pelo príncipe Luis II de Bourbon-Condé, também conhecido como Duque de Enghien, com apenas 21 anos de idade! No quadro acima, o “Grande Condé” (pronuncia, ‘condê’), como ele também era conhecido, aparece com uma roupa superchamativa, como era moda naquele tempo, ao lado de seu filho, este com armadura de apresentação – não se usava mais esse equipamento nas guerras – anos depois da batalha de Rocroi.
 

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A missão de Condé não é fácil, pois as tropas espanholas eram, em sua maioria, formadas pelos temíveis terços, tropas espanholas de elite, considerados os melhores soldados da Europa. Só perdiam uma batalha quando estavam em condição de inferioridade muito grande, e esse não era o caso em Rocroi, pelo contrário. Em 17 de maio, os dois exércitos estão frente a frente, se estudando.
A batalha começou por iniciativa os franceses, em 19 de maio, às 3:00 a manhã. Eles partem para o ataque com sua cavalaria, mas sofrem um vigoroso contra-ataque da cavalaria e da infantaria adversária, sofrendo peadas perdas, inclusive da totalidade de seu canhões.
A situação é desesperadora, mas Condé, observou que a cavalaria espanhola avançara muito, expondo-se. Ele então lidera um contra-ataque, causando muitas baixas aos espanhóis e ao próprio Condé, que saiu ferido na refrega. As forças espanholas, constituídas de tropas de diversas procedências são muito desiguais. Os italianos à primeira carga se dispersam, deixando a infantaria espanhola em apuros, e a coisa fica pior ainda quando acaba a munição dos canhões espanhóis, a maior vantagem deles na batalha. Com a confusão da infantaria inimiga, os franceses conseguem retomar seus canhões e os dirigem contra os espanhóis.  Enquanto isso, as tropas a retaguarda espanhola, advertidas pelos fugitivos, demoram a entrar luta, e quando chegam já é tarde.


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Fonte Wikipedia
Finalmente só restavam dois terços espanhóis incompletos no campo de batalha, em condições absurdamente adversas, o comandante francês, ofereceu-lhes condições muito honrosas de rendição. Um terço aceitou, mas outro permaneceu ainda um tempo sob fogo intenso até que se rendeu também. As perdas totais foram: 4.500 franceses entre mortos e feridos, e 7.300 espanhóis, entre mortos, feridos e prisioneiros.
O quadro acima, pintado pelo espanhol Víctor Morelli y Sánchez Gill, de 1912, mostra o momento da primeira oferta e rendição dos franceses, orgulhosamente rejeitada pelos espanhóis.

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Fonte Wikipedia
Cada um vê o que quer. Neste quadro, do pintor francês François-Joseph Heims, de 1833, o Duque de Enghien segura seus homens, para impedir que estes, traumatizados pela dureza do combate e pela morte de muitos camaradas, se atirem contra os prisioneiros espanhóis, massacrando-os. Os espanhóis são mostrados como coitadinhos, de joelhos, pedindo pelo amor de Deus por suas vidas.

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Fonte Wikipedia
A última e maravilhosa herança iconográfica da batalha de Rocroi. O quadro espetacular do pintor espanhol Augusto Ferrer-Dalmau, pintado em 2011, chamado “O último terço de Rocroi”, mostrando a batalha em todo o seu sangrento desfecho, mas de uma forma que enche os espanhóis de orgulho, pois representa os soldados do último terço, já sem nenhuma chance de vitória, encarando de frente, com coragem e orgulho um inimigo muito superior, não dando condições para uma rendição que não seja honrosa. Arriba España!!

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Fonte Wikipedia
Um detalhe acrescentado ao quadro, por sugestão de um amigo de Ferrer-Dalmau, chamou muito a atenção: “El perro de Rocroi”, um cachorrinho, tipo vira-latas, que o artista acrescentou, como se fora o mascote da tropa, estrategicamente pintado entre um adolescente, tocando um tambor, como era tradicional naqueles tempos, e um velho veterano, de lança em punho. Esse cachorro representaria o homem do povo espanhol, quiçá o povo mais pobre, esquecido, abandonado e maltratado pelos poderosos, mas que nos grandes momentos está lá, firme, sobre as quatro patas, olhando de frente o seu destino, tão trágico quanto glorioso.

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Fonte http://europa-nacional-blog.blogspot.com.br/

Outra fonte de inspiração para os espanhóis: o soldado cego, amparado pelo companheiro, mas empunhando a sua espada, próximo às bandeiras do terço. É a vitória da vontade e da honra. O clima criado pelo quadro é tão glorioso que, embora apresente o lado derrotado, inverte emocionalmente o resultado da batalha real. Um povo que não conhece nem ama a sua história não tem futuro.


FRONDA (1648-1653)

Prof Eduardo simões


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Fronda (= revolta, em francês) é o nome que se dá a uma revolta acontecida na França, como consequência do aumento de impostos para pagar as despesas do país na Guerra dos Trinta Anos e como uma forma de resistência ao absolutismo monárquico de Luís XIV, lentamente construído no reinado de seus antecessores, Henrique IV e Luís XIII, e às intervenções de bastidores de políticos muito hábeis como o Cardeal Richelieu e o Cardeal Mazarino – este, apesar de ser feito cardeal, nunca seguiu a carreira religiosa, sequer foi ordenado padre.
A Fronda começa pela tentativa da burguesia parisiense de reduzir o poder real, na declaração dos 27 artigos, de 15 de junho de 1648, agravada pelo aumento da carga tributária fomentada pelo Cardeal Mazarino, a principal figura da corte de Luís XIV, que ainda mandou prender, em 26 de agosto de 1648, a Pierre Broussel, e mais dois conselheiros, ferozes dos tributos, e muito populares em Paris. O descontentamento explode e Paris se enche de barricadas (os números oscilam entre 600 e 1.200).
A ilustração acima mostra o Primeiro Presidente do Parlamento de Paris (órgão da burguesia), Mateus Molé, com longas vestes vermelhas, sendo cercado pela multidão furiosa para conseguir sem mais delongas a libertação dos aprisionados ou a retenção de Mazarino como refém. Molé conseguiu a liberdade de Broussel e seus companheiros e as barricadas foram desfeitas no dia seguinte.


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Mazarino, entretanto, quer submeter os burgueses de Paris, fazendo-a cercar por milhares de mercenários alemães, enquanto também tentava enquadrar a nobreza francesa, sempre, sempre disposta a contestar o absolutismo real, o que acabou por provocar uma nova onda de descontentamento entre os nobres, ansiosos não só de deter o crescimento do poder real, mas principalmente em implodir o poder de Mazarino junto à Família Real – nessa época ele era o preceptor e principal conselheiro do jovem rei Luis XIV.
Quem liderou esse movimento foi nada menos que Luis II de Bourbon-Condé, o “Grande Condé”, um dos mais competentes generais da França, que acabara de vencer os tercios espanhóis em Rocroi. Era o início da segunda fase da Fronda, ou a Fronda dos Príncipes, quando elementos da mais elevada nobreza se coligavam para acabar com as pretensões absolutistas de Luiz XIV e seu ambicioso conselheiro. O país mergulhou numa sangrenta guerra civil.

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Fonte http://fineartamerica.com/

Mas do lado do rei também havia um general muito competente: Henri de la Tour, o Visconde de Turenne, ou só Turenne. No seu auge, a França sobrava em todas as áreas. Condé, que ordinariamente detestava os burgueses, se alia aos amotinados de Paris e tenta romper o cerco a que Turenne a submete, conseguindo-o a muita custa em uma batalha no subúrbio de Santo Antônio, um bairro de Pairis, à sombra da prisão-fortaleza da Bastilha, em 2 de julho de 1652.



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Um dos episódios mais marcantes dessa batalha foi quando, Anne Marie de Orleans, a “Grande Mademoiselle” (Grande Senhorita), então em Paris, subiu no alto do castelo-prisão da Bastilha e ordenou aos guardas fazerem fogo sobre as tropas do rei, possibilitando a entrada de Condé na cidade, rompendo o cerco – Anne Marie é inimiga jurada de Mazarino, uma vez que este se opusera com sucesso ao casamento dela com seu primo-irmão, o rei Luís XIV, sem falar de seus sentimentos pelo próprio Condé, que preferiu outra. O jeito foi passar para a história com o apelido de Grande Senhorita, após um pseudocasamento com um farsante, e pelo seu mau gênio.
Nesse momento aflora a contradição de classe entre os amotinados: Condé faz massacrar 30 parlamentares burgueses que eram favoráveis à pacificação e faz reinar o terror. A burguesia, cansada da guerra, se afasta de Condé, e este, isolado, é obrigado a fugir, buscando refúgio entre os espanhóis, seus inimigos de véspera, e que financiam secretamente a Fronda dos Príncipes, loucos para ver o “circo da França” pegar fogo.

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Mazarino, inteligentemente, se exila por um tempo, ajudando a acalmar os ânimos, sem deixar de, mesmo longe, influenciar as decisões do rei, enquanto as tropas reais vão ganhando uma batalha pós outra, encurralando o principal sustentáculo dos revoltosos: a Espanha. Não resta a Condé, e aos outros nobres, senão submeter-se ao rei, como é apresentado nesse esplêndido quadro de Jean-Léon Gerome, pintado em 1877.
O cenário é perfeito: no alto do primeiro lance de escada, 
Luís XIV, com jeitão de ‘metido’, ao lado de seu filho, igualmente cheio de ‘pose’, observam com desdém, a solene inclinação de Condé, ao pé da escada. Dos dois lados, subindo a escadaria, soldados portam bandeiras com as insígnias dos príncipes e nobres que se revoltaram e foram capturadas. Ao lado de Condé, de azul, com chapéus empenachados, dois oficiais da guarda dos mosqueteiros reais – os jovens de azul devem ser jovens cadetes, aprendendo o que faz bem, e o que não faz bem, à ‘saúde’ de um homem. Acima do rei, no segundo lance de escadas, dos dois lados e em balcões no alto, centenas de homens e mulheres, nobres, bispos e serviçais, formam o séquito do rei, para ficar bem claro a Condé o quanto ele está isolado e fraco diante do rei.


O BANQUETE DE VATEL (1671)

Prof Eduardo Simões


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François Vatel é filho de um humilde camponês suíço que se entusiasma pela cozinha e pelo mundo da alta nobreza, entrando a serviço de um burguês rico e nobilitado, Nicolas Fuquet, Visconde de Mellun e Vaux. Vatel  é incorporado à cozinha de Fuquet com 22 anos, e começa a chamar a atenção pela sua perícia culinária e na sua capacidade de organização. Lá ele conhece o seu auge, em 17 de agosto de 1661, quando serviu ao rei Luis XIV, com 24 anos, e sua mãe, a rainha Ana da Áustria, um grande banquete que fez fama.
Lá também viu a desgraça de seu senhor. Preso por corrupção e desvio de verbas, e, com medo de represálias fugiu, precipitadamente, para a Inglaterra, sem saber que o rei tinha projetos de aproveitar os serviçais de Fuquet no seu palácio em Versalhes. Podemos dizer que ele correu de sua ‘grande chance’.

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Na Inglaterra ele entra em contato com um amigo de Fuquet que, por sua vez o apresenta ao príncipe Luís II de Boubon-Condé, o Grande Condé, para o qual entra em serviço, em 1663, tornando-se “contrôleur général de la Bouche” (literalmente “controlador geral da boca”), uma espécie de mordomo-chefe, maître, responsável não só pela qualidade da comida oferecida como de todo o clima ou ambiente em que transcorreria a refeição. Foi outra péssima escolha! Condé, ainda estava caído em desgraça, desde que participara da Fonda dos Príncipes, entre 1649 e 1653.
Foi nesse transe que, confiado na experiência de Vatel, Condé pensou em recepcionar toda a corte do rei no seu imponente palácio em Chantilly (foto acima), tentando, através da barriga, ganhar de volta as boas graças do rei. A pressão era gigantesca: o futuro de Condé estavam nas mãos de Vatel.

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Era um desafio excepcional. Haveria algo em torno de 2 a 3 mil convidados, do mais elevado grau de nobreza, a começar pelo rei, que deveriam ser entretidos por nada menos de 3 dias e 3 noites, em vários eventos diferentes, que incluíam a queima de fogos, apresentações teatrais, caçadas, etc., e uma infinidade de situações repletas de constrangimentos, competição, ciúmes, acidentes, diversidade de opiniões, sem falar da comida, que deveria ser do mais elevado grau de sabor e capacidade de agradar a tantos apetites diferentes, etc. Sem falar que havia muita gente interessada em que o banquete não desse certo. Vatel teve quinze dias para preparar o cenário de uma festa inesquecível
Na foto um momento do filme Vatel - um banquete para o rei, de 2000, com o ator francês Gerard Depardieu como Vatel. 


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No dia 23 de abril de 1671, os convidados entram no castelo, depois de um dia inteiro exercitando-se em caçadas (abrindo o apetite), onde será apresentado um espetáculo de fogos de artifício, que não consegue o efeito desejado em virtude de um nevoeiro. Às mesas outro incidente: 75 convidados extras fizeram falhar o serviço das carnes em duas mesas. Vatel começa a falar em honra e a lembrar que já está há doze dias sem dormir direito. Condé vai até o seu quarto tentar tranquilizá-lo. Novo fotograma do filme citado acima.

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No dia 24, pela manhã, a coisa parece que sai de controle. Ele, desprezando os peixes de rio, que julgava muito comuns, ele prefere investir em peixes e frutos do mar entrando em contato com alguns fornecedores de vários pontos do litoral, alguns situados a 217 km de Chantilly. A quantidade é imensa. Às 4:00 h ele já está de pé, mas só chegam duas cestas. Não dá para nada. Até às 8:00 não chega mais nenhuma remessa do que fora combinado.
Vatel colapsa. Ele se dirige ao seu auxiliar principal, Herault de Gourville, e diz: “Senhor, eu não conseguirei sobreviver a essa afronta, eu tenho uma honra e uma reputação a perder”, e foi para o seu quarto. Lá, ele escora sua espada na porta e por três vezes se atira sobre ela, até o ferimento fatal, aos 41 anos de vida. Seu corpo é descoberto justo quando alguém vem lhe dizer que os peixe, tão esperados, haviam acabado de chegar (segundo a Wikipedia em francês e em inglês).
Curioso esse fim de Vatel, justificado pelo apego a uma virtude tipicamente aristocrática, a honra, justo no momento em que a aristocracia de sangue, começava cada vez mais a abrir mão de tal virtude, para viver como pedinte, a expensas do rei, comportando-se como parasitas de luxo em sua corte, mais interessados em patrocinar escândalos financeiros e sexuais, do que em cuidar de sua imagem. Para os gastrônomos modernos fica a questão: o final de Vatel pode ser considerado como o exemplo máximo de dedicação à profissão ou é antes sintoma de falta de criatividade, em uma situação crítica, qualidade indispensável a um gastrônomo digno do nome.
Dizem as crônicas que o Grande Condé chorou ao anunciar a morte de seu mordomo-chefe, a quem estava muito ligado, e que aquela assembleia de fúteis e vulgares teve, afinal, um gesto de ‘nobreza’, recusando-se a comer do peixe, que fora a causa da morte daquele plebeu genial. Condé é aceito de volta à corte de Luís XIV e Vatel trem direito a uma sepultura em um cemitério eclesiástico, apesar de ser um suicida, indicando a interferência pessoal do rei no assunto.

O banquete fora um grande sucesso.


LEVANTES STRELTSY (1682)

Prof Eduardo Simões


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Fonte Wikipedia

Criada por Ivan IV, em tono de1450, para ser a guarda pessoal dos tzares, a milícia strelsy sempre esteve muito próxima às práticas tradicionais e abusivas de culto da pesa do monarca, e talvez por isso se sentisse, como um todo, de certa forma participe direta e controladora desse poder.
A ocasião para esse jogo perigoso aconteceu quando, em 27 de maio de 1682, morreu o jovem tzar da Rússia Alexis III Romanov, sem deixar descendentes, ficando como herdeiros ao trono seu irmão Ivan V, um doente mental, e um seu meio-irmão, chamado Pedro. Dois grupos familiares disputam então o poder: os Miloslavski, comandados pela irmã de Alexis III, e meia-irmã de Pedro, Sofia Alexeievna Romanova, e os Naryshkin, comandados por Nathalia Naryshkina, mãe de Pedro e madrasta de Sofia.

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Fonte Wikipedia

Manobrando nos bastidores, Sofia faz espalhar um boato entre os streltsy que a madrasta, e o seu grupo político haviam envenenado o jovem Ivan V, para garantir o trono para Pedro, além de outras notícias tão alarmantes quanto inverídicas.
Em 11 de maio, por conta desses boatos, a rebelião explode, e os regimentos streltsy de Moscou, somando uns 20 mil soldados, se rebelam em massa e investem contra o Kremlin exigindo que lhes seja mostrado o tzarevich (príncipe herdeiro) Ivan, no que são satisfeitos, e aproveitam o ensejo para massacrar alguns oficiais e nobres, acusados, com ou sem razão, de crimes diversos, entre os quais o grande diplomata e mecenas Artamon Matveev, atirado à turba enfurecida para ser linchado da maneira mais cruel.
Nesse quadro de Nicolau Dmitriev-Orenburg, feito em 1861, aparecem Nathalia, junto ao parapeito, mostrando que o jovem Ivan V estava vivo, ele está de branco, apontando para si, enquanto ao lado o jovem Pedro, de amarelo, olha com desdém para tudo aquilo, enquanto um pouco à frente o patriarca de Moscou, Joaquin, tenta com uma cruz deter a fúria dos soldados.

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Fonte wikipedia

Bem, o boato fora desmascarado, mas faltava a segunda parte do plano. No dia 17 de maio os streltsy invadem de novo o Kremlin e massacram vários membros do clã dos Naryshkin, inclusive dois irmãos de Natália e tios de Pedro, Kiril e Ivan, à vista de ambos (ao todos uns 70 membros dessa família foram mortos). A multidão empobrecida se une aos revoltosos e a cidade é vítima de uma pilhagem generalizada. Em sequência o meio-irmão retardado de Pedro, Ivan V, é declarado como primeiro na linha sucessória, enquanto a sua irmã, Sofia, torna-se regente. Pedro e sua mãe, Nathalia, são mandados para o exílio em uma vila miserável de camponeses, Preobrajensky, perto de Moscou. Mas ambos estão vivos: grande erro de Sofia!
O quadro de Alexei Korzukhin, pintado em 1881, mostra o momento em que os streltsy arrastam o corpo ensanguentado de um dos irmãos de Nathalia, que, de joelhos, se lamenta e chora, consolada por seu filho, Pedro, que nessa época tinha dez anos, enquanto de pé, atrás, Sofia olha a cena com indisfarçável satisfação, afinal o seu objetivo de anular seus maiores opositores fora atingido, enquanto finge ser também uma vítima da situação.

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Fonte Wikipedia

Sofia se torna regente da Rússia em 8 de junho de 1682, e sua regência, começada com uma traição, também amargou as suas, sendo obrigada a reprimir violentamente vários elementos importantes para o levante de 1682, como o movimento dos “Antigos Crentes”, que esperam que ela forçasse  cúpula da Igreja Ortodoxa a impugnar a reforma o patriarca Nikon, de 1654; o excesso de ambição do príncipe Khovansky, uma peça chave no levante dos streltsy, de quem se tornara comandante, decapitado em dezembro de 1682, junto a 37 estreltsy, baixando a “bola” da tropa, mas deixando-a cheia de rancores.
A regência de Sofia trouxe alguns avanços internos: fez concessões às posads (comunidades de comerciantes e artesãos que existiam nas cidades, mas em comunidades separadas, fora das muralhas; reduziu as situações de castigos para os servos – o que a desgastou junto aos boiados; tentou modernizar o exército; criou a Academia Eslava-greco-latina, a primeira instituição de Ensino Superior da Rússia; assinou de tratados de paz com a Polônia, a China, e ordenou duas campanhas fracassadas contra a Turquia, na Crimeia.

Acredita-se que a política interna de Sofia tenha exercido uma forte e benéfica influência sobre o seu sucessor, Pedro o Grande, ainda adolescente em 1682, com vimos, mas o que ficará para a história e para os seus contemporâneos é a sua participação no infeliz e sangrento levante, de tal sorte que se criou ao seu redor uma multidão e ressentidos e oportunistas, só esperando a sua queda, que afinal aconteceu em setembro de 1689.


LEVANTES STRELTSY (1698)

Prof Eduardo Simões


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Fonte Wikipedia

Pedro I Alexeievich ou Pedro o Grande, tomou o poder de sua meia-irmã, a regente Sofia Alexeievna, por meio de um golpe de força, quando tinha apenas 17 anos, governando a princípio em parceria com seu outro meio-irmão, Ivan V Alexeievich, uma pessoa física e mentalmente incapaz, com um propósito bem definido: modernizar a Rússia, aproximando-a o máximo possível do Ocidente, inclusive na moda – acima vemos os dois tzares com suas opostas personalidades e visão de mundo: Pedro com uma roupa escura, não muito chamativa, e com uma atitude leve e descontraída, enquanto Ivan, com um semblante enrustido, desconfiado, parecendo um boneco enorme, dentro dos tradicionais trajes russos. Representantes estrangeiros, com roupas escuras, olham para Pedro e ignoram Ivan.

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Um dos sinais de modernização mais visíveis foram as forças armadas, em especial o exército, equipado, treinado e uniformizado de acordo com os mais modernos conceitos da guerra da Europa Ocidental, com muita arma de fogo, organização tática, movimentos de grandes unidades em conjunto, apoio de artilharia, etc., bem longe do estilo dos tradicionais streltsy de Ivan IV o Terrível, que até ali eram a tropa de elite dos tzares.

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Fonte Wikipedia

Para Pedro os streltsy eram uma das mais antigas e funestas representações do atraso russo, agravado pelo fato de que ele e sua mãe quase foram vítimas da fúria descontrolada desses soldados, portando de grandes e primitivas alabardas em um mundo dominado pela tecnologia da arma de fogo. Por isso ou por aquilo, Pedro, depois que subiu ao poder, começou a tratar os streltsy “nos cascos”, expulsando as unidades de Moscou para localidades distantes, como um exílio, sem nenhuma ajuda de transporte ou manutenção.
Essas condições brutais de existência fizeram com 175 deles largassem suas unidades e fossem para Moscou apresentar seus reclamos e entrar em contato com Sofia para que intercedesse por eles. Grave erro! Ao serem mandados de volta começou o levante geral da tropa, e uns 2,6 mil marcharam contra Moscou, no dia 6 de junho de 1698, aproveitando que Pedro estava na Europa em viagem de negócios e conhecimento. Eles tinham com um objetivo explícito: destronar o atual tzar e colocar Sofia no trono, ou outro que acolhesse seus reclamos – não se sabe ao certo se ela estava por trás dessa aventura ou não. Fere-se uma breve escaramuça, no dia 18 de junho, próximo ao mosteiro de Voskresensky, 56 km a oeste de Moscou, e as tropas leais a Pedro são vitoriosas.



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http://www.russianpaintings.net/

Pedro, que nessa ocasião estava em Viena, volta às pressas disposto a dar-lhes uma lição definitiva, e o fez de uma forma arrepiante, afinal ele era moderno sim, mas, em questão de poder, continuava sendo muito ‘tradicional’.
Ele participou pessoalmente das sessões de tortura como aquela que estica o sujeito até suas articulações se romperem; o suplício do parafuso usado nos dedos das mãos e dos pés; uso abundante de ferro em brasa, inclusive com o requinte de deitar o indivíduo em grelhas incandescentes, etc. Alguns suspeitos foram chicoteados até a morte. Após tudo isso veio o ‘espetáculo’ público, com a participação do próprio tzar, que fez questão de decapitar pessoalmente os cinco principais chefes da revolta, como se vê na gravura acima, com um bando de corvo, ao fundo, anuncia o começo de novos velhos tempos.

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Fonte Wikipedia

Esse quadro de Vasily Surikov, de 1880, mostra o momento em que os sreltsy, condenados chegam à praça em frente ao Kremlin, para serem executados publicamente, como um exemplo para a população russa. Eles trajam uma bata branca, a cor os condenados, e estão acorrentados dentro de carroças precárias, sendo retirados e conduzidos por soldados ao local do suplício, que pode se ver ao fundo na forma e grandes travessões de madeira, junto aos muros do Kremlin, onde serão enforcados, empalados, esquartejados, etc., cercados por seus familiares: mães, esposas e filhos, em desespero, pedindo inutilmente ao tzar, montado em seu cavalo, do lado direito do quadro, que tenha piedade. Na torre do Kremlin ao fundo, vê-se um bando de corvos, a ave que na Europa faz às vezes do nosso urubu ou abutre. Ao todo serão executados uns 1.182 streltsy, cujos corpos ficarão expostos por meses aos olhos estupefatos da população. Se os russos tinham alguma dúvida que o processo “modernizador” do tzar mudaria significativamente as suas vidas, agora não têm mais nenhuma. A modernização da Rússia, como a do Ocidente, se fará em meio a um banho de sangue, para por fim à barbárie dos antigos!
Antes, porém, que se possa considerar os russos excessivamente cruéis por causa de episódioso de sangue como este, é bom lembrar que eles, em suas execuções públicas, preservavam eclesiásticos e mulheres, que os revolucionários franceses não o fizeram, além de estes ainda escarafuncharem vergonhosamente as sepulturas dos antigos monarcas, sem falar no auge a barbárie, acorrido na Segunda Guerra, com os alemães nazistas, em pleno século XX, como se em termos morais a humanidade estivesse evoluindo  contrário.

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Fonte Wikipedia

Após a tomada do poder, em 1689, Pedro, não esquecendo o papel que sua meia-irmã Sofia Alexeievna, então regente da Rússia, desempenhara na primeira rebelião dos streltsy, e em todo sofrimento que ela impingira aos seus familiares, fê-la internar no mosteiro de Novodévichi, sem a necessidade de tomar o véu, numa espécie de exílio interno. Porém, como a participação de Sofia, consciente ou não, voltou a ser mencionada na revolta de 1698, daí por diante, ela foi condenada ao mais absoluto isolamento, só podendo ser vista ou ver as outras pessoas na Páscoa, dando mais ênfase à demonização histórica de sua pessoa.
O embaixador da França disse sobre ela: “físico de uma envergadura monstruosa, com uma cabeça grande como um alqueire, com pelos no rosto e úlceras nas pernas [como é que ele viu?!]... o seu perfil é tão largo, curto e grosseiro, tanto quanto o seu espírito é ágil e político, e, sem jamais ter lido ou tomado lições sobre Maquiavel [talvez no sentido mais pejorativo], ela conhece intuitivamente todas as suas máximas”. Em especial aquela que diz que “os fins justificam os meios”.
No quadro acima, pintado pelo genial Ilia Repin, o retratista da alma russa, em 1879, ela aparece enorme, um tanto desfigurada pelos olhos esbugalhados, sintoma da solidão, do sentimento de culpa e da perda progressiva da razão. No fundo uma criança, uma aia para servi-la, e na janela uma sombra fantasmagórica, que pelo seu contorno dá para perceber que é um streltsy, seja chamando-a para uma nova conspiração seja para lembrá-la de sua responsabilidade na morte tão cruel dos chefes da revolta de 1698. Aliás, Pedro fez pendurar os cadáveres de vários streltsy bem em frente à janela de sua cela no mosteiro.

Má sorte a de Sofia, afinal a sua revolta, em 1682, não foi nem de longe tão sangrenta e cruel como as represálias de seu “moderno” irmão, mas é ela que passará para a história com o estigma de “monstro”, a “tzarina bogatyr” (rústicos cavaleiros da mitologia russa), etc. Será por conta do contexto em que ela apareceu na história ou será apenas pelo fato de ela ser uma mulher?


MASSACRE DE BOSTON (1770)

Prof Eduardo Simões

O massacre de Boston

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__ Boston era a principal cidade da colônia de Massachusettes e um centro de fortes atritos com a Inglaterra, principalmente depois da forte recusa da Assembleia local em obedecer aos Atos de Towsend, de 1768, além de enviar correspondência à outras colônias, incitando-as a resistir aos ditos Atos, a partir da premissa: “sem representação não pode haver tributos”, alertando para o fato de os colonos não tinham representantes no Parlamento inglês. Preocupado com os desdobramentos, o ministro inglês para as colônias, Lord Hillsborough, enviou uma ordem ao comodoro Samuel Hood, para que deslocasse un navio de guerra, com uma guarnição de apoio, para garantir a atuação da alfândega de Boston, que estava sob pressão direta da população. O HMS Romney atracou em Boston, em 1 de outubro de 1768, e nela desembarcou quatro regimentos de infantaria, permanecendo, posteriormente, apenas dois: o 29º Regimento a Pé, de Worcestershire (acima), e o 14º Regimento a Pé, de West Yorkshire.
__ Começada a operação, imediatamente os ingleses prenderam um barco de John Hancock, um importante comerciante local, suspeito de contrabando. A tensão cresce na cidade. Em 22 de dezembro, uma multidão hostil se junta em frente à casa do funcionario da alfândega, Ebenezer Richardson. Ele se apavora e atira na multidão, matando um garoto de apenas 12 anos, Christopher Seider, que se juntara, talvez inocentemente, aos revoltosos. Os bostonianos transformam o funeral de Seider num acontecimento político: mais de 2.000 pessoas, de uma população de 16 mil comparecem ao ato. O governo inglês, entretanto, aceita a tese de legítima defesa e perdoa Ebenezer. Os sentimentos se aguçam.

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__ Na noite de 5 de março de 1770, um joven aprendiz, Edward Garrick, vai até a Duana de Boston, e reclama do tenente John Goldfinch o pagamento de uma peruca comprada por este. O oficial ignora-o, dizendo que já havia pago a mercadoria. O aprendiz, entretanto não aceita e começa a desancar o oficial, que nem se dá ao trabalho de responder. Um soldado, entretanto, compra as dores do oficial, discute com Garrick e dá-lhe uma coronhada na cabeça, fazendo-o chorar e gritar de dor, com muito espalhafato. Outras pessoas, abaladas pela cena, se acercam e começam a hostilizar os soldados, dirigindo-lhes insultos e bolas de neve. Alguém toca um sino próximo, sinal convencional, nas cidades coloniais americanas, para o ajuntamento da população por causa de alguma emergência. Logo entre 300 e 400 pessoas raivosas estavam em fente à alfandega. Nesse momento, o oficial de dia, Capitão Thomas Preston chega correndo, com mais uns nove soldados, com baionetas caladas, e formam uma meia lua em frente à porta da aduana. Acima um soldado do 29º que interviu no massacre de Boston. Eles não usavam o grande quepe peludo, que aparece na gravura que abre esse verbete.
__ Nisso um soldado dispara contra a multidão, e os outros seguem atrás. Há um tiroteio findo o qual três manifestantes estavam mortos e oito feridos, dois dos quais morreriam nos dias seguintes. Entre os mortos havia um de condição singular: Crispus Attuck, um negro, que, segundo dizem, foi o primeiro a morrer. A sedição ganhou as ruas, com ajuntamentos muito exaltados, levando o governador de Massachusetts Thomas Hutchinson, em pessoa, a se dirigir à multidão, prometendo um julgamento justo ao Capitão Preston e seus soldados – além deles foram acusados alguns funcionários civis que, segundo uma testemunha, abriram fogo, de dentro da alfândega, contra a multidão. O sepultamento das vítimas juntou a maior multidão já vista em Boston até aquela data. Veja-se, abaixo, o retrato presumido de Attuck.

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__ Em 27 de novembro de 1770, os soldados foram levados a julgamento, em Boston, com um júri composto só por colonos americanos.  Os soldados ingleses, estranhamente para os nossos padrões, foram defendidos por dois dos melhores advogados americanos da época, e patriotas (anti-ingleses) convictos: John Adam, que seria o futuro segundo presidente dos Estados Unidos e Josiah Quincy II, que era simplesmente o porta-voz do grupo “Filhos da Liberdade”, um dos mais ativos na propaganda oposicionista colonial, e ambos conseguiram que o capitão Preston e a maioria dos soldados fossem absorvidos, sendo que apenas dois foram condenados a sofrer uma marca no polegar. A tese da defesa, vencedora, foi a de que os soldados haviam agido em legítima defesa, provocados e agredidos que foram pela multidão, podendo, eventualmente, terem se defendido com força desmedida.
__ Graças à denuncia de um servo, quatro funcionários civis da alfandega foram levado a júri, em 13 de dezembro, mas todos absolvidos por falta de prova. Comprovada a má fé do servo, ele foi punido com algumas chicotadas e expulso da Massachusetts.
__ Tudo enfim não passara de uma vil provocação, que, deveria apenas causar um grande tumulto, dando força à principal tese dos patriotas de que a presença das tropas inglesas apenas complicava as coisas, mas que acabou saindo de controle, ocasionando um massacre que ninguém esperava nem queria, tanto que, apesar da gravidade do acontecimento, rapidamente o assunto foi esvaziado, e o Massacre de Boston. Embora tenha servido muito à propaganda revolucionária da época, por todas as suas ciscuinstâncias agravantes, para o lado dos americanos, sequer sobreviveu como uma data nacional – a comemoração dessa data ocorreu apenas entre 1771 e 1783, engolida pelo 4 de julho, bem mais consequente.
__ O objetivo principal dos patriotas americanos, entretanto, foi atingido, e os ingleses retiraram as tropas que ainda permaneciam em Boston, até a sua volta, em 1776, em plena efervescência revolucionária.

Massacre e Racismo?
__ È sabido, pelas crônicas do evento, que o primeiro homem a tombar morto pelos tiros dos soldados ingleses foi o negro Crispus Attuck, de origem desconhecida – não se sabe se era escravo fugido, um liberto, um marinheiro de um dos navios que estavam atracados na cidade – cujos restos mortais se encontram , junto com os de outras vítimas dos massacre: Samuel Gray, James Caldwell, Samuel Maverick e Patrick Carr, no Cemitério de Granary Burying Ground, em meio aos despojos de personagens lendários da história americana como Samuel Adams, John Hancock, e outros. Entretanto o papel ou a etnia de Attuck nem sempre ficou clara nas representações posteriores do evento.

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By Engrav'd Printed & Sold by Paul Revere Boston. The print was copied by Revere from a design by Henry Pelham for an engraving eventually published under the title "The Fruits of Arbitrary Power, or the Bloody Massacre,". Revere's print appeared on or about March 28, 1770. - http://hdl.loc.gov/loc.pnp/ppmsc.00174, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4415919

__ Essa é uma das gravuras mais antigas do Massacre de Boston preservada. Ela é de autoria dos bostoninano Paul Revere, de 28 de março de1770, que a copiou de um original. Colorizada, ela oculta, se propositalmente não sei, o fato de uma das vítimas, a primeira delas, ter sido um homem negro – os feridos e mortos parecem brancos. Isso por muito tempo mexeu com os nervos da comunidade afroamericana. Além disso, no seu arrazoado no tribunal Adams desqualificou os agressores de seus clientes, caracterizando-os como uma “multidão de vagabundos, descarados, negros, mulatos, irlandeses brutos, estrangeiros errantes” (Wikipedia em espanhol – Crispus Attuck).

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/03/Boston_massacre2.gif
Di James Wells Champney, (1843-1903) - https://www.art.com/products/p22112560293-sa-i7626488/james-wells-champney-death-of-crispus-attucks-at-the-boston-massacre-5th-march-1770-1856.htm, Pubblico dominio, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=660208

__ Às vésperas da Guerra Civil, o movimento abolicionista americano estava muito ativo, e por meio de John Bufford De 1856 recriou a gravura de Revere, destacando a persença de Crispus Attuck. Fez-se justiça, em um episódio muito constrangedor para os dois lados.

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