Índice Cronológico
Luzia - Caramuru - Tomé de Sousa - Pero Fernandes Sardinha - Santidade de Jaguaripe - Terremoto de Lisboa - Viagem de D João
A DECLARAÇÃO DE TOMÉ DE SOUSA (1549-1553)
Luzia - Caramuru - Tomé de Sousa - Pero Fernandes Sardinha - Santidade de Jaguaripe - Terremoto de Lisboa - Viagem de D João
LUZIA (11.500 ANOS)
Prof Eduardo Simões
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Em 1974-75, na caverna da Lapa Vermelha (foto) – já famosa devido aos trabalhos arqueológicos aí feitos pelo pesquisador dinamarquês Peter Lund, o pioneiro da arqueologia no Brasil – foi descoberto, entre outras coisas, um crânio e alguns ossos de uma mulher, que não estavam fossilizados, por uma equipe dirigida pela arqueóloga franco-russa Annete Laming-Emperaire. Esses ossos foram, posteriormente enviados para a USP, e lá ficaram guardados em um laboratório, até que o arqueólogo e antropólogo Walter Neves, estudando aquele crânio, viu nele algumas características incomuns aos outros povos indígenas e aos fósseis já descobertos.
Neves viu nele um indício de algo que ele já vinha suspeitando: antes da migração de povos mongoloides, que deram origem aos índios, houve uma, de povos aparentados aos australianos, melanésios e africanos, que acabou por sendo suplantada e exterminada pela nova corrente. Esse grupo mais antigo é chamado de aborígenes americanos, e aquele esqueleto, de características negroides era a evidência mais forte disso – na defesa dessa teoria, Neves contou com o apoio do arqueólogo argentino Hector Pucciarelli. Em correlação com o fóssil de Lucy, com mais de um milhão de anos, descoberto na Etiópia, em novembro de 1974, Neves nomeou a dona daquele crânio de Luzia.
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Youtube
Um modelo m três dimensões do crânio de Luzia foi enviado para a Universidade de Manchester, e entregue aos cuidados do doutor Richard Neave, um dos mais renomados experts do mundo em reconstituição facial forense, uma técnica científica que permite reconstituir as feições de uma pessoa a partir de um crânio somente. Ora, a reconstituição do doutor Neave mostrou de maneira irrefutável que Luzia tinha sim, características tipicamente negroides, como se pode ver acima.
Outros estudos permitiram nos dar uma ideia de como ela e a sua gente eram e viviam. Ela era “pequena”, 1,5 m, e morreu jovem, com uns 20 anos, e a sua morte deve ter sido violenta ou súbita, uma vez que seus ossos foram encontrados no fundo de uma caverna, sem qualquer cuidado de sepultamento. Seu estilo de vida era errante (nômade) e viviam da coleta cotidiana de frutos, tubérculos e folhagens, e da caça eventual de algum animal de pequeno porte, ou encontrado morto – enquanto convivia e se protegia de grandes animais e predadores formidáveis como o tigre de dentes de sabre, o mastodonte, a preguiça gigante, o gliptodonte, a macrauquênia, o toxodonte, etc. – a revista VEJA, de 25/08/1999, traz uma interessante e muito didática reportagem sobre isso.
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Wikipedia
A hipótese de Neves, por enquanto, está em suspenso, enquanto transcorrem discussões intermináveis sobre o significado desse achado. A principal fonte de resistência é o sistema acadêmico americano, que, infelizmente, controla as mais prestigiosas publicações internacionais sobre o assunto, e financia os principais projetos, e que, como nós sabemos, odeia tudo que não confirme que eles são os primeiros e os melhores em tudo. É uma compulsão cultural. Enquanto isso pesquisadores australianos respondem a Neves, dizendo que as diferenças notadas em Luzia, e seu grupo, são fruto da deriva genética, microalterações que ocorrem, natural e casualmente, nos genes das populações, mostrando que o maior herói da América, e dos povos de língua inglesa, não é o Super-Homem, mas o acaso darwiniano. Acima, reconstituição do rosto de Luzia feita por computador.
CARAMURU (1510-1557)
Prof Eduardo
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__ Sabemos que após Cabral “descobrir”
oficialmente o Brasil para Portugal, algumas expedições oficiais estiveram por
aqui, como a de Gonçalo Coelho e a de Gaspar de Lemos. Porém, certamente houve
outras, cujos registros se perderam ou foram mantidas em sigilo, por uma
questão de segurança da rota para as Índias, cujo monopólio os portugueses, zelosamente,
tentavam preservar. Havia ainda o caso de navios isolados, que arrastados pelas
correntes vinham dar no Brasil, inclusive de outros países.
__ Sabemos também que internamente a
sociedade portuguesa era muito fechada e repressora, absolutista, quase desde a
sua precoce formação, que refletia na brutalidade de seu código penal, expresso
nas chamadas Ordenações – refletindo sobre isso o historiador brasileiro
Raymundo Faoro, em seu livro Os donos do
Brasil, chega a dizer que eram tantas as circunstâncias que previam o
exílio de alguém para o Brasil, que era de admirar que todo o povo português
não tenha sido mandado para cá em degredo. Isso esvazia a balela de o Brasil “não
dá certo”, porque foi habitado por degredados, por criminosos, como se o Estado
português, e a sua elite, fossem a melhor coisa do mundo e os degredados só
gente ruim. Não era raro o contrário. Isso também abre outra possibilidade: o
envio de degredados ao Brasil, para os quais o Estado não se preocupava em
cuidar muito da documentação.
__ As justificativas acima, talvez,
expliquem um episódio curioso da nossa história: a existência de europeus
morando já há algum tempo entre os índios, quando teve início a colonização oficial
do Brasil.
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__ Entre esses indivíduos misteriosos aqui
chegados estava Diogo Álvares, que foi encontrado pela expedição de Martim
Afonso de Sousa, de 1530, no chamado arraial do Rio Vermelho, atual praia do rio
Vermelho, junto a baía de todos os Santos. Segundo se soube então, esse homem
teria naufragado nessa região, por volta de 1510, e ganho a simpatia dos índios
tupinambás locais, que o acolheram e o fizeram um dos seus, casando-o com uma
índia de nome Paraguaçu.
__ Essa versão tem alguns furos, uma vez
que os seus mais antigos cronistas, como o senhor de engenho Gabriel Soares e o
Padre Simão Vasconcellos, apesar de afirmarem que ele era náufrago, pouco dizem
sobre a sua origem ou as razões de estar ali – Frei Simão de Vasconcellos
afirma que ele nasceu em Viana do Castelo. Os registros oficiais nada
esclarecem sobre isso, se limitando a descrever e elogiar todo o seu empenho em
ajudar aos funcionários portugueses. Para estes era só isso que bastava.
__ Tampouco se sabe porque razão ganhou o
nome de “caramuru”. Segundo uma lenda, inventada posteriormente, algum tempo depois
de naufragar na barra do rio Vermelho, ele viu-se repentinamente cercado por
índios ferozes que queriam devorá-lo. Correndo na direção dos destroços de sua
embarcação, para um lugar onde guardara armas e munição, sacou de um arcabuz e
com ele deu um tiro certeiro numa ave que, tombando morta, encheu de medo aos
índios que gritavam: “Caramuru!” “Caramuru!”, que significaria “filho do trovão”,
embora pesquisas recentes a desmintam, pois o termo “caramuru”, em língua tupi
quer dizer “moreia”, um peixe que mora entre as pedras dos arrecifes, como
alguns que existem nessa região, e pode ter sido, abrigado entre esses
arrecifes, que eles encontraram Diogo Álvares pela primeira vez. Como ele
escapou de ser devorado pelos índios? Não dá para saber. Eles podem
simplesmente não ter querido devorá-lo ou ficado curiosos demais para por fim
àquele espetáculo. Caramuru também pode ter feito algum truque, inclusive com
uso de pólvora e um arma, que impressionou aos seus anfitriões...
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__ Como se deu o encontro com Paraguaçu,
filha de um poderoso cacique, que ninguém sabe o nome? Com certeza a união se
deu no âmbito do cunhadismo, que era o costume generalizado entre os ameríndios
de dar uma moça da aldeia em casamento ao estrangeiro que fosse aceito pela
comunidade, como forma de selar aliança. Ora, como os pais de família da
comunidade e de aldeias próximas, gastariam muito se tornar parentes de um
guerreiro poderoso, como Caramuru, que logo se viu cercado de propostas de
união, que seria uma ofensa grave negá-las, da mesma forma que não deixava de
ser fonte de dor de cabeça, pois sempre havia uma preferida, o que gerava
ciúmes. É provavelmente dessas múltiplas uniões que vão surgir os diversos
ramos das famílias descendentes de Diogo Álvares, um dos mais prolíferos
patriarcas do Brasil.
__ No poema Caramuru, escrito em 1781, pelo
frade agostiniano brasileiro José de Santa Rita Durão, o casal Diogo Álvares e
Paraguaçu é invejado, de longe, pela irmã desta, Moema, que toma o lugar
histórico das outras tantas esposas do Caramuru de verdade, e, quando este
resolve tomar um barco, para rever os seus parentes, junto com a amada
Paraguaçu, Moema, a não se conformar com a perda do amado, nada atrás da embarcação até morrer afogada. A
existência de Moema é apenas literária, puramente fantasiosa. Mas aqui também
começa outra questão espinhosa: a estadia de Diogo Álvares e Paraguaçu na
França, entre 1527 e 1528, negada por alguns historiadores, mas comprovada por
um batistério recém-descoberto (1), de
onde retorna ao Brasil, sem conseguir autorização do rei de França para ir a
Portugal. O navio em que Diogo e Paraguaçu embarcam na Bahia é francês, e provavelmente
contrabandeava pau-brasil na Bahia, e é na França, no porto de Saint-Malo, que
ela é batizada, em 30/07/1528, e recebe o nome de Catarina Álvares Paraguaçu do
Brasil, é lá também que os dois se casam, em data desconhecida.
__ Voltando ao Brasil ele torna-se um
importante colaborador do projeto colonial, ajudando tanto aos donatários como
aos primeiros governadores-gerais, embora não tenha tido muita sorte com o primeiro
donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho, em companhia do qual naufragou na
ilha de Itaparica, sendo preso pelos tupinambás locais. Caramuru, segundo
Gabriel Soares, foi liberado graças ao seu domínio da língua tupi, enquanto Coutinho,
que não tinha a mesma habilidade, ficou para repasto dos índios.
__ Uma das histórias que se conta é que
Paraguaçu recebeu, durante um sonho, uma visão de uma imagem de Nossa Senhora,
que mais tarde foi encontrada numa aldeia tupinambá, resgatada de um barco
espanhol naufragado. Essa imagem foi posta numa ermida, que mais tarde se
tornou a igreja de Nossa Senhora da Graça, em Salvador, onde estão os restos
mortais de Paraguaçu, morta em 1583, 26 anos após a morte de Caramuru. Dessa forma
ela se torna também uma importante figura do projeto colonial, ajudando a
reforçar a fé trazida pelos portugueses, ao mesmo tempo em que é um dos
símbolos da nossa justamente afamada propensão à mistura racial (2).
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__ Infelizmente, quando se fala do Caramuru
as pessoas só pensam no lado ruim dessa história como, por exemplo, na
contribuição que ele deu ao sistema colonial explorador, como se houvesse outro,
diferente, naquela época; nas falhas que existem no relato de sua vida,
injustamente incompleta; pela fantasia excessiva e deturpada criada por alguns
de seus descendentes, ou supostos, na criação de uma falsa nobreza indígena,
para que não fique “deslustrada” a raiz de famílias importantes; e outras
bobagens desse calibre ou piores, e se esquecem do exemplo de iniciativa,
coragem, criatividade, força física e mental, necessárias para se sobreviver às
provações que eles e outros, que viveram nessa terra, deixaram e das quais nós somos
herdeiros diretos, muito mais abençoados do que os herdeiros de uma nobreza que
adora lustrar seus brasões e prataria com o suor ou as lágrimas daqueles por
ela explorados.
Nota
(1) O documento original é reproduzido em http://www.ubaldomarquesportofilho.com.br/paginas.aspx?id=202&tipo=2
(2) fiz amplo uso do texto de Janaína Amado; Diogo Álvares, o Caramuru e a fundação mítica do Brasil PDF
A DECLARAÇÃO DE TOMÉ DE SOUSA (1549-1553)
Prof Eduardo Simões
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Tomé de Sousa, nascido em 1503, era filho natural de um importante padre português, João de Sousa, prior do mosteiro de Rates, tão nobre de sangue quanto despreocupado dos votos de sua condição eclesiástica – teve vários filhos, de mulheres diferentes. Mas como tinha sangue nobre foi dado ao seu primogênito, Tomé, um lugar à sombra da alta nobreza portuguesa, sem jamais ascender a esta, é claro, principalmente por causa de sua condição de “bastardo”, permanecendo sempre “fidalgo”. Algo entre o plebeu e a nobreza de sangue, afinal era por meio desse título que o rei cooptava gente do povo na luta contra a nobreza, sem desmoralizar de vez com essa classe, tão ciosa da pureza de seu sangue, que, afinal de contas, era a sua, do rei, também. Entre 1548 e 1549 foi lembrado para a concessão da honra de se estropiar pelo rei, em uma colônia distante e esquecida, o Brasil, pobre, mas estratégico para a rota das naus que se dirigiam ou vinham da Índia, sendo nomeado Governador-Geral do Brasil. O retrato de Tomé de Sousa acima é presumido, pois não há nenhuma imagem contemporânea dele.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Tomedesousaindio.jpg
Fonte: Wikipedia
Ao fazê-lo Governador-Geral, o rei João III, lhe deu muitos poderes, por meio do Regimento do Governador, mas não confiança, pois embora fosse o “Governador”, os outros funcionários da equipe de gestão colonial, Antônio Cardoso de Barros, o provedor-mor, Pero de Borges, o ouvidor-mor, e Pero de Góis, o capitão mor da costa, se reportavam diretamente ao rei e não a Tomé de Sousa. A esquadra, de seis embarcações, partiu de Lisboa em 1/2/1549, e chegou à Capitania de Todos os Santos, adquirida pelo rei ao donatário, em 29/3/1549. A expedição vinha equipada com quase tudo o necessário para montar uma estrutura de governo nos moldes europeus: um médico, um farmacêutico, padres jesuítas, uns 300 funcionários públicos, 600 militares, centenas de degredados, lavradores, reses, ferramentas e sementes agrícolas. Logo ao chegar, todos os que eram aptos foram trabalhar para levantar os muros e os prédios da administração da futura capital do Brasil, Salvador, entre os quais o próprio Governador-Geral, que foi virar massa junto dos peões, numa tal pressa que, poucos meses depois, uma boa parte da muralha externa desabou sozinha.
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Fonte: Wikipedia
Muito ciente dos seus poderes, e ansioso por agradar ao rei, Tomé de Sousa, que aparece na gravura sendo recebido por um célebre náufrago português, Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que viva na Baía de Todos os Santos, imediatamente começou a fiscalizar as áreas mais degradadas da colônia, percebendo o tamanho do desastre que acometera a maioria das capitanias, em especial as situadas mais ao sul, mas não pode entrar na mais bem-sucedida delas, a Capitania de Pernambuco, pois o seu donatário, Duarte Coelho, percebendo a ruptura de contrato e o esbulho que se fazia aos seus poderes, garantidos no foral de 1534, e pelos quais arriscara tudo para construir a fama de sua capitania, não quis se submeter ao arbítrio de Tomé de Sousa, apelando ao rei, que mandou o seu governador não se meter com Coelho, embora tenha riscado a este do rol de seus protegidos.
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Fonte http://portrsdasletras.blogspot.com.br/
Tomé de Sousa deu muita atenção à catequese dos índios, sem esquecer as punições tremendas contra os que se levantaram contra a dominação portuguesa, em especial ao seu amigo próximo e superior dos jesuítas, padre Manuel da Nóbrega, que certa vez escreveu ao rei dizendo que o único defeito de Tomé era o de ser “um pouco mais amigo da Fazenda de Vossa Alteza, do que deve”, ou seja, um cobrador compulsivo de impostos, já prenunciado o principal e quase único caráter da colonização portuguesa em nossas terras, o que mostra também a ingenuidade de Nóbrega, e um traço cultural destacado nos nossos governantes, até os dias de hoje.
Fonte Wikipedia
Em julho de 1553, ele recebe o seu substituto, o Governador-Geral Duarte da Costa, e embarcar para Portugal no mesmo navio que aquele, terminando os seus dias no país natal, nunca mais pisando aqui. Coube, porém, a esse homem tão fundamental e obscuro, a primeira e uma das mais tocantes declarações de amor ao Brasil, que, segundo dizem, aconteceu no momento em que soube que o seu substituto estava a caminho, e foi mais ou menos o seguinte: “vede isso meirinho? Verdade é que eu desejava muito, e me crescia a água na boca, quando cuidava para ir para Portugal; mas não sei porquê agora me seca a boca de tal modo que quero cuspir e não posso”. Na foto o farol da Barra, dentro do forte de Santo Antônio da Barra, situado na ponta da Barra, local onde Tomé de Sousa desembarcou há quase 500 anos atrás.
Fonte: Grandes personagens de nossa história; Abril Cultural; São Paulo; 1972
(visite o blogue construindopiaget.blogspot.com.br)
PERO FERNADES SARDINHA (1552-1556)
Prof Eduardo Simões
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Fonte http://barrasmiguelcultura.blogspot.com.br/
Graças aos esforços de Tomé de Sousa, foi criado um bispado para Salvador, na Bahia, o primeiro bispado do Brasil, e por isso o Bispo de Salvador é também chamado de Primaz, em 1551, sendo nomeado para o cargo, o prelado português, Pero Fernandes Sardinha, sagrado bispo em 7 de fevereiro de 1552, tomando posse, em Salvador, no dia 22 de junho de 1552.
Sardinha, conforme testemunhos da época, era um estudioso brilhante, um homem de letras e um burocrata, mandado para uma região muito diferente, inóspita, para os padrões portugueses, com problemas graves e novos, que exigiam um intensa ação pastoral e muita flexibilidade, diante da natureza estranha das situações que aqui se criavam. Justo o contrário do temperamento do novo bispo.
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Fonte http://guiadoestudante.abril.com.br/
Logo ao chegar começou se desavindo com os jesuítas, que, por sua ação, sempre muito independente do estado português, não eram vistos com bons olhos pelo clero secular, mais ligado aos interesses do Estado, e mais dispostos a ceder às ingerências políticas deste.
De uma maneira geral os jesuítas eram muito rigorosos em matéria de moral, principalmente com os colonos portugueses, e “frouxos” na aculturação indígena; o bispo era justo o contrário, e começou e interferir fortemente no trabalho dos jesuítas, nos aldeamentos em torno de Salvador. O estresse dele com o Superior dos jesuítas, o padre Manuel da Nóbrega, chegou a tal ponto que este preferiu largar o trabalho em Salvador para se deslocar, definitivamente, para o extremo sul, no planalto de Piratininga, em São Paulo, onde havia um importante aldeamento jesuíta.
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Fonte http://ocontornodasombra.blogspot.com.br/
Para o Bispo, a noção de cristianismo estava profunda misturada com a de cultura europeia, como se apenas esta era capaz de expressar adequadamente as exigências da moral cristã. Cristianizar, para ele era europeizar, e por causa disso foram proibidos:
1º - Qualquer forma de nudez indígena, mesmo sem a exibição de genitais, nas celebrações litúrgicas; 2º - os cantos indígenas adaptados à liturgia; 3º- tradutores durante nas confissões: os índios que aprendessem o português .
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fonte http://www.bahia-turismo.com/
Disposto a combater tudo que pudesse remeter ao “contágio” do elemento indígena, o bispo, durante uma missa, simplesmente expulsou a cerimônia e em seguida excomungou ao infeliz proprietário da Capitania de Todos os Santos, Francisco Pereira Coutinho, porque esse, certamente deprimido após ter perdido tudo, ficou dado ao hábito indígena do fumo, além de outras atitudes agressivas com os fieis, que o desgastaram muito.
A situação, porém, saiu do controle quando ele resolveu atacar, do púlpito da matriz, o comportamento festeiro do filho do Governador, o jovem Álvaro da Costa, dado aos “agitos da galera” da época, pois o pai deste, Duarte da Costa, preferiu ficar do lado do filho. Isso levou à polarização da comunidade que se dividiu: uma parte do lado do Governador, outra do lado do Bispo – na foto se vê o aspecto da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Salvador, BA, na década de 1940, já bastante modificada de seu aspecto original. Essa igreja foi a primeira catedral do Brasil, entre 1552 e 1553, e foi nela que o bispo Sardinha começou a se meter em encrenca. Sardinha também pontificou na segunda catedral construída em 1553, mais tarde deslocada para outro prédio, onde está a atual Sé Primacial do Brasil. A segunda catedral foi simplesmente demolida, em 1933, para facilitar o fluxo de bondes (segundo www.bahia-turismo.com)
Ora, a principal função dos representantes de uma religião, principalmente os mais graduados, num sistema onde tal religião é oficial e goza de vários privilégios, é pacificar os corações e a sociedade, para facilitar ou reduzir os custos da dominação, e D. Pero não estava fazendo nada disso, pelo contrário, só criava problemas, por isso o rei resolveu chamá-lo de volta para esclarecimentos, e afastá-lo daqui.
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Fonte http://alaboas.blogspot.com.br/
Final trágico de uma sequência de erros trágicos. Em 2 de junho de 1556, Sardinha renuncia ao cargo de Bispo, e no dia 15 de junho embarca em um navio ironicamente chamado Nossa Senhora da Ajuda, rumo a Portugal, mas no dia seguinte o navio encalha em uns baixios na foz de um rio, talvez o Cururipe, em Alagoas, talvez o Vaza-Barris, em Sergipe, habitada por inimigos dos portugueses: os índios caetés, de cultura tupi.
Não se sabe exatamente o que aconteceu, mas pelo testemunho de 3 ou 2 sobreviventes, se espalhou a notícia que toda a tripulação e passageiros, umas 90 pessoas, inclusive o bispo, foram mortas e devoradas por esses índios, o que suscitou expedições punitivas, que junto com as eternas contendas intertribais levaram essa nação à extinção.
A morte de Sardinha foi um choque tremendo para o mundo da época, não se falou de outra coisa na Europa, e ainda séculos depois ela mobilizou um dos mais importantes movimentos culturais do Brasil: o Movimento Antropofágico, de Oswald de Andrade, que em 1928 pregava a valorização da cultura nacional, em detrimento da estrangeira, em especial europeia, tomando como exemplo o Bispo Sardinha, que queria transformar os índios em europeus, mas foi ele que se transformou em índio, literalmente. Da mesma forma nós deveríamos pegar todas as influências estrangeiras e reformulá-las de acordo com os padrões e valores de nossa cultura. O quanto isso é necessário nos dias de hoje!
SANTIDADE DE
JAGUARIPE (1585)
Prof Eduardo
Simões
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyZXSzgk1qUPoK4eODtxJkAq70DNHnhstg0HbzeODj12LU1V7ZLy8kQExadAl5Vm32S4UFp_ICmzQrx2xEa-Z3ZEiSPdZz4IA-cRQaFH7Fvn_F9RkPy1JWUwqCWPNHKuMmMJ7bCzeEhSNe/s1600/ind%C3%ADgena.jpg
http://ashtarsheran14.blogspot.com.br/
Na ilustração um índio americano.
__ Em sua
resistência natural contra o regime de espoliação de terras e escravização,
imposto pelo colonizador português, os indígenas brasileiros se valeram de
diversos artifícios ou pontos de apoio. Um deles foi a religião, um dos poucos
elementos do universo indígena capazes de romper o imperioso isolamento tribal,
e impor uma união de povos, até então, inimigos mortais, por causa, exatamente,
dessa mesma religião.
__ Gilberto
Freyre, em seu “Casa-grande e senzala”, embora chamando mais a atenção para os
costumes e as peculiaridades sexuais de sua cultura, destaca a enorme
resistência oferecida pelos pajés ao processo de aculturação portuguesa, via
missionários católicos, em especial os jesuítas. Bem, uma das formas mais
graves, para os portuguesdes, que tomou essa resistência foi a Santidade de
Jaguaripe.
__ O movimento
natural de resistência indígena começou desde os primeiros contatos com os
padres, como se relata a biografia do Padre Manuel da Nóbrega que, ao chegar a
uma aldeia próxima a Salvador, soube que um índio estava sendo preparado para
ser sacrificado em homenagem a ele, Nobrega, e a seus companheiros. Os padres,
horrorizados, acorreram para desamarrar o “pobre” prisioneiro e impedir aquilo.
Os homens da aldeia, que deviam estar caçando ou em atividades na mata,
avisados pelas mulheres, foram atrás dos padres, que tiveram que entrar às
presas nas muralhas da cidade, acompanhados do “lanche” de seus
catequizandos...
__ Embora os
livros de história não as citem com frequência, a verdade é que sempre houve
resistência e fuga dos aldeamentos organizados pelos padres, uma vez que,
conscientes ou não, eles, os padres, eram a ponta de lança de um projeto que
submetia tudo, inclusive a fé, aos interesses comerciais de uma minoria, que
redundava, na sua extremidade, em uma grande violência contra a natureza humana
e os princípios universalistas básicos da fé que os missionários representavam.
Uma dessas fugas aconteceu num colégio jesuíta em Tinharé, e envolveu um jovem
índio chamado Antônio.
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http://www.institutoipro.org/
__ Na mata, o
jovem Antonio, dono de uma grande inteligência e conhecedor de muitas coisas da
cultura portuguesa, passou pela experiência fundamental, que transforma um
índio comum no mais poderoso tipo de pajé: o caraíba, que Câmara Cascudo chama
sacaca (1). Por volta de 1580, do
seu esconderijo na mata, Antonio começou a sublevar as tribos aldeadas em torno
do Recôncavo Baiano, aumentando o volume e a frequência das fugas, ao mesmo
tempo em que observavam-se rebeliões de índios que trabalhavam,
compulsoriamente ou não, nas fazendas e vilas próximas (2).
__ O mote
principal da pregação de Antonio aos seus seguidores era alcançar, por meio de
alguns rituais mágicos, a chamada “Terra sem males”, onde as plantas frutíferas
brotariam naturalmente do solo, as flechas caçariam sozinhas, as mulheres
velhas recobrariam o viço e a fertilidade da juventude e os homens seriam
imortais. Quanto aos portugueses, estes deveriam ser mortos, expulsos ou
escravizados.
__ Em meio ao
tumulto, o Governador-Geral Manuel Teles Barreto, resolveu agir como típica
autoridade colonial: organizou expedições punitivas, que conseguiram apenas
resultados parciais. Foi aí que se manifestou a misteriosa figura do poderoso dono
do engenho de Jaguaripe, Fernão Cabral de Ataíde. Cabral conseguiu convencer ao
governador que o melhor meio de lidar com a revolta era atrair, prometendo
vantagens, o líder do movimento, Antonio, e sua gente, para junto dos
portugueses e aos poucos amansá-los e reinseri-los no sistema colonial, e ainda
ofereceu suas terras para ser o centro desse curioso experimento.
__ Para alcançar
Antonio, e estabelecer negociações, foi designado o mameluco Domingos Fernandes
Nobre, o Tomacaúna, que, após vários meses embrenhado nos sertões, chegou à
maloca de Antonio, transmutando-se em índio, para ganhar a confiança do chefe
rebelado. Após algum tempo ele conseguiu convencer Antonio a se mudar, junto
com seus seguidores, para o engenho Jaguaripe, sendo recebido de braços abertos
por Fernão.
__ O tempo que
Antonio passou em Jaguaripe foi muito importante para se conhecer as
características singulares de seu movimento que, apesar da repulsa radical à
colonização portuguesa e a valorização da cultura indígena, não deixou de
assimilar e repercutir, de uma maneira muito original, algumas práticas da
religiosidade cristã portuguesa. Antonio se autodenominava “Papa”, e não só
isso: ele era o verdadeiro papa da Igreja, e sua esposa índia era chamada de “Santa
Maria Mãe de Deus”, enquanto os seus auxiliares mais próximos eram os “santos”.
À frente da grande maloca onde seus adeptos se reuniam para as suas cerimônias,
havia um enorme cruz. Havia ainda o rito do batismo, além do rebatismo para os
que já haviam sido batizados pelos padres. Nesse momento muitos recebiam o nome
de santos da tradição íberocatólica. Essa é razão pelo que esse movimento é
chamado “santidade”
http://www.institutoiepe.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Aldeia-Santidade-2.jpg
http://www.institutoiepe.org.br/
__ Mas os
elementos indígenas também estavam presentes. Antonio se dizia a encarnação de
Tamandaré ou Taré, um herói mítico indígena, que escapara de um dilúvio,
subindo na plameira mais alta que havia – o Noé tupi-guarani – e suas
cerimônias, realizadas numa grande maloca, consistiam em danças e movimentos
rítmicos inesgotáveis, feitos em torno de um pequeno ídolo, Tupanaçu, com
aspecto de figura humana, colocado bem no meio. Enquanto dançavam os índios
fumavam abundantemente até ficar em transe, e nesse momento tinham contato com
seus ancestrais no mundo dos espíritos. Detalhe curioso, eles dançavam
portando, em uma das mãos, um terço católico!
__ Entretanto
algo mudou a proposta original de Fernão, pois ao invés de cooptar os índios de
Antonio para o sistema, foi o índio quem o “ganhou” para a sua seita – mais
tarde soube-se que Fernão ia orar aos pés do ídolo e participar das cerimônias
da santidade, e não só: de seu engenho ele permitiu que os membros da seita
partissem para aliciar índios em aldeamentos, engenhos e fazendas próximas,
retomando-se os atropelos de antes. A explicação mais prática para a atitude do
poderoso senhor de Jaguaripe seria a de que, abrigando a santidade, ele não
teria problemas com os seus índios, além de ter acesso à mão de obra fugida de
outras fazendas (3). Nesse meio tempo, um engenho e uma igreja foram
destruídos.
http://miniaturasjm.com/userdata/image/480x672xlosconquistadores_03.jpg.pagespeed.ic.EnT8Otq_JQ.webp
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Soldados espanhóis da metade do século XVI. Na época da Santidade de Jaguaripe, o Brasil estava sob o poder da Espanha.
__ Seja como
for, a crença de Fernão Cabral não ia muito longe em nada, pois assim que as
tropas de Bernaldim da Grã, enviadas pelo governador, sob pressão de padres e
fazendeiros, alcançaram os portões de sua fazenda, ele imediatamente indicou a
direção da maloca dos índios. Houve correria, repressão e violências. A maloca
foi incendiada, o ídolo apreendido, três dirigentes da santidade, entre eles
Santa Maria, foram desterrados (não se sabe para onde), enquanto o Papa fugiu
sem deixar rastro e desapareceu da história, alimentando o mito do grande poder
dos pajés caraíbas. Mostrando o caráter ambíguo da justiça colonial e o seu
atrativo pela impunidade ou pela punição seletiva, Cabral tem uma longa e
proveitosa negociação com o governador, e ganha, deste, uma certidão de ajudara
na destruição daquele “abusão”!
__ Em 1591,
porém, um visitador do Santo Oficio, a Inquisição, chamado Heitor Furtado de
Mendonça, chega à Bahia para apurar os acontecimentos e Fernão Cabral é
indiciado e condenado a pagar pesada multa além de desterro por dois anos da
capitania.
https://tangatamanu.files.wordpress.com/2011/01/jaguaripe1.jpg
https://tangatamanu.wordpress.com
Jaguaripe
hoje.
Notas
(1) Segundo
Cascudo, em seu Dicionário do folclore
brasileiro, Ediouro, Pagé-sacaca
seria “um pajé de grande poder... Acredita-se que possam permanecer dias ou
semanas seguidas sob a água ou viajar enormes distâncias com a maior rapidez...
Os sacacas não morrem como a gente comum, desaparecem para viver no “reino
encantado”, do fundo das águas” (p 663). Diferente do pajé comum, uma função
compartilhada, por exemplo, pelos morubixabas tupis, os caraíbas, em geral,
viviam sós, isolados, e podiam ter contato direto com o mundo dos mortos sem
sofrer mal algum; é dos mortos, por sinal, que recebem o receituário para curar
casos graves de doenças ou ferimentos. Certa vez, num documentário da TV, um
desses pajés disse que podia, mesmo estando em um buraco debaixo da terra, ver
tudo o que acontecia acima dela. A primeira moção de uma pessoa “civilizada”
seria dizer: “vamos fazer um experimento?” Mas isso nem passa pela cabeça do
índio, pois implicaria em descrer do poder que lhe foi atribuído por uma
entidade fantasmagórica, que encararia essa desconfiança como ofensiva,
retirando-lhe tal poder. É uma questão de fé.
(2) A pregação
revolucionária de Antonio foi muito ajudada por uma violenta epidemia de
varíola, chamada no Brasil antigo de “mal das bexigas”, que aconteceu nos anos
1560, que reduziu os 40 mil índios dos aldeamentos jesuíticos a um quarto.
Ronaldo Vainfas, em seu artigo Santos e
rebeldes, no número um da Revista de
História da Biblioteca Nacional, escreve: “Os
infectados – e febris – se diziam tomados de um “fogo no coração”, segundo
contou um padre, e depois rebentavam as purulências pelas faces, mãos, pés,
“tão asquerosas e hediondas que não havia quem as pudesse suportar com a
fetidez que delas saía”. Outro padre não ficou atrás na descrição: “bexigas tão
nojososas e de tão grandes fedores que punham espanto”. O quadro era infernal:
gritos dos doentes, cadáveres mal enterrados, porcos devorando defuntos. Os
jesuítas se esforçavam em vão para cuidar dos doentes, que morriam como
moscas...” Ficou muito fácil associar essas doenças aos portugueses e a tudo
que lhes dizia respeito, ou pelo menos quase tudo.
(3) Fernão
Cabral de Ataíde era um homem de certo recurso, originário do Algarve, sul de
Portugal, mas ao mesmo tempo extremamente ganancioso e brutal. Diz Vainfas que,
certa vez, amolado pela indiscrição de uma índia que trabalhava na sua fazenda,
delatando à sua esposa, uma aventura sexual sua, ele ordena que a índia seja
jogada viva na fornalha do seu engenho. Percebendo a hesitação dos empregados
ante a barbaridade do ato, ele ameaça jogar lá também todo aquele que se
atrever a tentar salvar a índia, e assim a mulher é jogada sem mais na
fornalha. Ora, lá dentro o ventre da índia, que estava grávida, se rompe,
exibindo o feto, que tem uma morte horrível junto com a mãe. Acrescentando
horror ao horror, a índia, dizem, ao ser lançada ao fogo clamava por Deus, mas,
ao se ver sem escapatória, pôs-se a clamar pelo diabo dos infernos. Algo muito
chocante e cruel, até para os padrões coloniais luso-brasileiros. Mas para que
se tenha uma ideia melhor do caráter desse homem, basta que se saiba que ele,
durante o processo inquisitorial, foi acusado por: “participação
e consentimento da Santidade do Jaguaripe, mandar matar uma índia cristã,
queimada viva em sua fornalha; acometer (forçar) a comadre Luisa D’Almada a ter
relação sexual com ele dentro da Igreja de sua Sesmaria; desrespeito ao clero e
ao sacramento, apadrinhar o matrimônio de um bígamo, ser judeu novo; praticar
sodomia com uma índia virgem; louvar fornicações e aceitar em suas terras uma
feiticeira” (trecho da Wikipedia em português – Nazaré (Bahia)).
http://www.jaguaripe.tur.br/?page_id=1414
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/santos-e-rebeldes
http://diversitas.fflch.usp.br/node/2202
TERREMOTO DE
LISBOA (1755)
Prof Eduardo
Simões
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMBu-VtymgcK4DjSW3J9PcncL9M2et8231zZP2BX2k4WVe1MwR75Zz3ASXMG73kZFBcEiPTkt3nlzfgzXO5bgDEX4KjuzbVQE014gSII3NqYDTmyim8e_jIIByw1QrH36q9ltRwoNKtGU/s640/lisboa-1-de-novembro-de--large-msg-1130932261-2.jpg
http://digitalblue.blogs.sapo.pt/383698.html
__ No sábado,
dia de Todos os Santos, de primeiro de novembro de 1755, um dia de sol
brilhante e convidativo, para curtir a vida e filosofar sobre o encanto e a
vantagem de morar numa cidade à beira-mar. O céu estava límpido, sem uma nuvem,
e fazia uma temperatura agradável: uns 18°C. Por volta das 9:30/9:40 horas, o
povo de Lisboa se encontrava ainda em
bom número nas igrejas, a rezar a hora terça – uma dos sete momentos diários de
oração oficial da Igreja Católica, que se inicia ás 9:00 h – quando se ouviu um
barulho grave e imenso, saindo do interior da terra, semelhante, como disseram
alguns, a uma manada de elefantes, que avança pisoteando tudo.
__ Nesse
instante, os prédios da cidade começaram a sacudir-se violentamente, inclusive
as grandes e vetustas igrejas, lotadas, que foram caindo, uma após a outra,
esmagando seus devotos ocupantes (1).
Trincas, ora estreitas ora largas, algumas com cinco metros de largura,
começaram a rasgar o solo abaixo da cidade, estragando o calçamento das ruas,
aumentando a velocidade de queda das edificações, enquanto muitas pessoas, aos
gritos, corriram, cambaleantes, aos lugares abertos, as praças, onde esperavam
escapar do esmagamento, pelo colapso das grandes estruturas de pedra e
alvenaria, em especial a área junto a orla marítima.
__ Um dos pontos
de concentração de pessoas foi o amplo Terreiro do Paço, ou Praça do Comércio,
uma das maiores da Europa, bem em frente ao Palácio Real, onde elas puderam ver
uma coisa impressionante: o recuo extravagante de mar, permitindo ver o resto
de cascos e cargas de navios, há muito naufragados na foz do rio Tejo. Elas
devem ter ficado atônitas, entorpecidas, ante tal acontecimento, torpor esse
que foi sacudido pelo avanço, em sua direção, de uma formidável parede de água,
calculada em uns seis metros de altura. Um tsunami! Acima, fotograma de uma
reconstituição do maremoto de 1755, feita pelo Smithsonian Channel da CBS –
EUA, encontrado em https://www.youtube.com/watch?v=FGhv6zcBPxQ
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgE42YVmo_XiqpAu0WfyGZShKf9pVfMHOvkbHpbuC8BXL-uxJFI_9do0Gc1z5AyHy1qSOD4ZU8gmDcXtcfAe3a_DHdITX62zNXL5WUz41ialDsk0pHSExaJsWlZ9j-FWQQx1hTc0u5h5Zc/s1600/Recriac%25C3%25A3o+do+maremoto+ap%25C3%25B3s+o+terramoto+de+Lisboa+em+1755+arq.+Smithsonian+Channel.jpg
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Um vagalhão
invade o Terreiro do Paço
__ A onda
invadiu a parte baixa da cidade, justo onde estava os bairros mais pobres e
populosos como S. Nicolau, Sta Justa, Socorro,
Santos, Encarnação, Alfama ou Castelo, arrastando
grandes embarcações para terra firme, pondo a pique muitas outras, antes de
voltar ao seu leito natural. Ao mesmo tempo que, em virtude do estremecimento
da terra assim convulsionada e do desabamento das edificações, eleva-se do solo
uma enorme nuvem de poeira que obscurece o céu, até então límpido e azul,
misturando-se com a fumaça que se erguia dos incêndios que se propagam.
__ Tochas e
velas, usadas abundantemente na iluminação interna de palácios e casas comuns,
sem falar dos braseiros usados para aquecer nas noites frias, era o auge do
outono, ou os fogões a lenha onde muitas famílias preparavam a próxima
refeição, vêm ao chão e espalham suas chamas e brasas pelos assoalhos de madeira,
cortinas e móveis, fazendo irromper incêndios copiosos, que se manifestarão
pelos próximos cinco dias, até serem debelados. O que escapou do terremoto não
escapou do tsunami, e o que escapou do terremoto e do tsunami não escapou dos
incêndios...
Lista de danos
__ Os bairros da
parte baixa, com muitas moradias populares, estavam em ruínas, como em ruína
estavam as edificações reais no Terreiro do Paço, onde se situavam o Palácio
Real, o Paço da Ribeira; o porto de atracagem e estaleiros, a Ribeira das Naus;
a Casa da Índia, órgão de controle da política e do comércio colonial, com
vastos e preciosos armazéns de especiarias; o Arquivo Real, e outras
repartições. Na Praça do Rossio veio abaixo o Palácio da Inquisição.
http://photos1.blogger.com/blogger/8140/903/1600/terra1_f.jpg
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__ Dos 65
conventos, só cinco permaneciam em condições de abrigar aos necessitados que se
avolumavam. Na Igreja do Carmo a abóbada despencou, esmagando os fieis que
assistiam à missa. Mais de trinta palácios, da mais alta nobreza portuguesa
vieram abaixo, embora poucos nobres tenham morrido no evento – a maioria se
encontrava fora da capital, em outras propriedades. Do deslumbrante edifício da
Ópera do Tejo, com capacidade para 600 lugares e trinta e oito camarotes,
revestido em ouro – do Brasil, é claro – inaugurado em 31 de março, junto à
Ribeira das Naus, e ainda inconcluso, veio abaixo. As paredes das grandes
prisões, como a Cadeia Municipal do Tronco e o Limoeiro, com uns 500 detentos,
colapsaram, despejando vários marginais perigosos nas ruas, que, junto a outros
desajustados, começaram a assaltar pessoas e saquear propriedades. Seis
hospitais vieram ao chão, inclusive o majestoso Hospital Real de Todos os
Santos, um dos maiores da Europa, que esmagou, em sua queda, vários pacientes
em seus leitos. Das 20 mil casas, mais de 2 mil estavam completamente
destruídas e só uma três mil tinham condições plenas de habitabilidade. Das 40
igrejas paroquiais, 35 desmoronaram. Diz-se que em Alcântara, um dos bairros ou
freguesia da cidade, marginal ao Tejo, saíram, das fendas no chão, vapores
fétidos, sulfurosos, como que anunciando a proximidade do inferno da literatura.
Reação ao Evento
__ Segundo
testemunhos de portugueses e estrangeiros residentes na cidade, o povo miúdo
reagiu, como é típico nessas situações, exacerbando um traço dominante da
cultura portuguesa antiga: o seu ardente e pouco esclarecido catolicismo. De
princípio, todos saíram de casa com a roupa, ou falta de roupa, que estavam.
Pessoas quase nuas eram vistas nas praças, e, junto a elas padres ainda
paramentados, com as vestes da missa que tinham abandonado às carreiras. Depois
houve a vazão natural do temor da morte e do juízo de Deus; por isso, muitos,
de joelhos, punham-se a rezar compulsivamente ou a recitar ladainhas, enquanto
outros, com a consciência a lhes arder, punham-se a confessar, aos seus
desafetos ou às pessoas que estavam por perto, os seus pecados ou maus sentimentos.
__ O rei, José
I, embora nada tenha sofrido, assim como seus familiares mais próximos, ficou tão
impressionado com a extensão e gravidade do fenômeno, que nunca mais se abrigou
sobre um teto de alvenaria, passando o resto de sua vida num complexo de tendas
luxuosas, que mandou levantar no Alto da Ajuda, onde mais tarde sua filha,
Maria da Glória I, a rainha louca, mandará levantar um palácio de alvenaria, o
Palácio da Ajuda, de onde o seu filho, João VI, partirá para o Brasil, em 1808.
Por 20 anos Sua Majestade não porá os pés na parte baixa de Lisboa.
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Pombal e sua
equipe
__ Nesse
episódio destacou-se a iniciativa de um ministro: Sebastião José de Carvalho e
Melo, Ministro de Assuntos Estrangeiros e da Guerra, e futuro Marquês de
Pombal, a quem se atrbui, inclusive, a famosa frase símbolo da política de
reerguimento de Lisboa: “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”, mas que na
verdade foi dita por outro conselheiro do rei, o Marquês de Alorna, segundo uma
das fontes: Carlos Jaca, O terramoto de
1755 – 1ª parte: Reconstrução de Lisboa. Carvalho e Melo foi cartesiano e
implacável. Mandou que tropas do exército cercassem a cidade e detivessem
qualquer homem jovem e são que estivesse, junto com milhares de outras pessoas,
tentando fugir da cidade, para usá-los na busca por soterrados e limpeza das
ruas e isolamento de cadáveres. Quanto a estes, por causa do seu grande número,
e enfrentando a desaprovação da Igreja, o ministro ordenou que fossem postos em
barcos e jogados em alto-mar, reduzindo o estresse dos vivos diante dos corpos
em putrefação, enquanto esperavam sepultamento, ou queimando em grandes
fogueiras. Para dar fim aos saques mandou construir mais seis cadafalsos em
pontos elevados da cidade e neles fez enforcar, sumariamente, todos os que
fossem pegos nessas atividades. Após 34 execuções, a paz voltou às ruas de
Lisboa.
__ O ritmo de
reconstrução da cidade, sob o seu controle, foi alucinante, e em menos de um
ano a cidade estava quase toda reconstruída – quando percebemos o que se
sucedeu à enchente na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, nos sentimos
provocados (2). Carvalho e Melo
mostrou-se ser um homem providencial, e digno de, futuramente, ser chamado de
Marquês de Pombal, entretanto ele tinha contra si duas coisas: não pertencia à
grande nobreza por nascimento e, acometido de um profundo ressentimento
pessoal, era demasiado cruel, não sabia quando parar. Seus méritos quanto ao
reerguimento de Lisboa foram inegáveis, assim como a sua promoção a Secretário
de Estado do Reino (Primeiro-Minitro ou Chanceler), nesse mesmo ano, mas isso
ocasionou, já no ano seguinte, um movimento de nobres para derrubá-lo, pois ele
não havia “nascido” para ocupar aquele cargo.
__ O padre
confessor da rainha, o jesuíta Gabriel Malagrida, com passagem marcante, embora
desconhecida, pelo Brasil, de 1723-1751, lança um opúsculo onde revela as
causas espirituais do terremoto, e conclama o povo a uma série intensiva de
procissões, jejuns e retiros espirituais, para reforma dos costumes – uma fonte
afirma que ele chegou, inclusive, a pregar contra a reconstrução da cidade,
pedindo aos lisboetas que se afastassem daquele lugar “amaldiçoado” por Deus –
o que irritou profundamente a Carvalho e Melo, que precisava de todos os braços
e vontades disponíveis, para reconstruir a capital do reino, e por isso o fez
exilar em Setúbal. Afora isso, ele se dedicou de tal forma ao estudo e à busca
de soluções para outras ocorrências desse tipo, e gerou uma tal massa de dados
e propostas de caráter científico, que ele é considerado por muitos como um dos
“pais” da sismologia, a ciência dos movimentos da crosta terrestre.
__ De onde
vieram, entretanto os recursos, para uma obra tão colossal, ainda mais que,
desde 1703, os portugueses graças a um acordo miserável com os ingleses, viam
seus recursos internos serem progressivamente carreados para a Inglaterra? Das
minas do Brasil. Arrouxou-se a cobrança da finta de 100 arrobas, e, sem
considerar a falência natural dos veios de ouro, lançou-se, a partir de 1765, a
famigerada derrama, com uma brutalidade e violência típicas do Ministro. E
Lisboa foi reerguida...
__ Para além das
fronteiras de Portugal o terremoto gerou reações muito impactantes e
inesperadas. Os maiores representantes do pensamento europeu da época não
pouparam esforços e estudos para emitir sua opinião sobre o evento, o que
acabou dando azo a hipóteses curiosas e acesas rixas filosóficas. O cerne da
questão era o fato de que, no continente, viscejava a filosofia iluminista que,
apregoando os poderes da razão humana, prenunciava o progresso e o “melhor dos
mundos” à humanidade, liberada de sua única fonte de atrasos e trevas mentais e
morais: o cristianismo católico. Agora eles estavam diante de algo que inexorável,
que ultrapassava os poderes razão humana e que estava longe de justificar
anseios otimistas.
__ O filósofo
alemão Imannuel Kant tentou, numa série de três livretos, formular uma teoria
sobre a origem dos terremotos, associando-os a existências de cavernas e
deslocamento de gases aquecidos no interior da terra. O filósofo francês
Voltaire usou do terremoto para ironizar a teoria otimista predominante, em
especial a de Rousseau, tendo inclusive nesses embates criado a figura do
ingênuo Cândido, um aprendiz de filósofo das luzes, que, no estilo de Leibniz
(outro ilustre filósofo alemão da geração anterior), vivia a imaginar o “melhor
dos mundos possíveis”, vivendo a eterna esperança de que: “tudo acabará bem!”
Voltaire chegou ainda a escrever um poema sobre o terremoto. Poema sobre o desastre de Lisboa, onde
volta a atacar o otimismo reinante. Rousseau, o filósofo, o típico “cândido”,
na visão de Voltaire, revida dizendo que o terremoto é, ao contrário, a melhor
defesa de sua tese, afinal se os lisboetas não estivessem tão confinados em uma
cidade, se vivessem mais próximos da natureza, não teria acontecido tantas
mortes e destruição...
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fe/Ruins_of_Igreja_do_Carmo_at_2009-06-15.jpg/1024px-Ruins_of_Igreja_do_Carmo_at_2009-06-15.jpg
Por Bert K. from Roermond, Netherlands -
Lisboa / Lisbon / Lissabon, CC BY 2.0,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11763192
Ruínas da Igreja
do Carmo, testemunho perene do terremoto de 1755
As maiores perdas
__ O número de
vítimas fatais desse terremoto na capital é por vezes cifrado entre 90 e 100
mil pessoas, o que nos parece um exagero, considerando uma população total entre
200 e 250 mil pessoas, da Lisboa de então. Os números mais moderados ficam em
torno de 10 a 30 mil, e é a eles que me atenho. A verdade é que, por motivos
estratégicos, o governo portugês tinha interesse em ocultar o montante real das
perdas humanas.
__ Junto à
Riberia das Naus estava a Biblioteca Real, uma instituição cujo acervo vinha
sendo minuciosamente enriquecido desde o reinado de João II (1477-1495),
agrupando livros desde o início da dinastia de Avis, em 1385, e que em 1755
contava uns 70 mil exemplares, uma das bibliotecas mais espetaculares da Europa,
pela raridade de suas obras. Essa biblioteca perdeu-se completamente.
__ Nesse
terremoto aconteceu também o maior desastre da história do Brasil de todos os
tempos. Uma quantidade imensa de documentos oficiais referente às navegações e
aos primeiros séculos da colonização portuguesa em nossas terras, constantes no
Arquivo Real, também se perderam. Com certeza é aí que se deve encontrar também
a reposta a um mistério colocado pelo astrônomo Rogério Mourão em seu livro
sobre as navegações ortuguesas do século XV-XVI, que é o desaparecimento da
rica e muito gabada cartografia portuguesa, os mapas, anteriores a 1500. Quanto
coisa não nos revelariam esses mapas e cartas náuticas.
__ Ao sul de
Portugal os registros falam de ondas de até dez metros se abatendo sobre várias
comunidades ribeirinhas, matando milhares de pessoas. No Marrocos e extremo
noroeste da África, onde se abateram as maiores ondas, 20 m, a mesma destruição
e perda de vidas: uns dez mil mortos. Nas ilhas da Madeira e dos Açores, os
danos foram consideráveis, embora poucas as mortes. As ondas ainda alcançaram
os Estados Unidos, Inglaterra. As prais do Nordeste brasileiro experimentaram
ondas de até dois metros.
__ A região ao
sul da Espanha também foi muito castigada tanto pelo maremoto como pelo
terremoto, e dados confiáveis apontam para umas 5.300 vítimas fatais,
principalmente nas aldeias consteiras que sofreram muito com os dois fenômenos,
e tiveram que enfrentar ondas de até 12 m. Nas grandes cidades, houve queda
total ou parcial de edifícios como em Sevilha,
Córdoba, Palencia, Salamanca, Valladolid, etc. Cádiz, à beira-mar, também
sofreu com o maremoto.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f9/1755_Lisbon_Earthquake_Location.png
Por
User:Stepanovas - Domínio público,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=33929811
Segundo
pesquisas modernas, o epicentro do terremoto se deu no encontro das placas
tectônicas da África e a Euroasiática, entre 150 e 500 Km a sudoeste de Lisboa,
numa região submarina conhecida como Banco de Gorringe. Como se vê acima.
Quanto à intensidade do sismo em Lisboa ela é calculada entre 8 e 9,5 na Escala
Richter
O poema de Voltaire
O poema sobre o desastre de Lisboa
Trad. Vasco Graça Moura
Ó míseros mortais! Ó terra deplorável!
De todos os mortais monturo inextricável!
Eterno sustentar de inútil dor também!
Filósofos que em vão gritais: "Tudo está
bem";
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas,
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam!
Aos gritos mudos já das vozes expirando,
à cena de pavor das cinzas fumegando,
direis: "Efeito tal de eternas leis se colha
que de um Deus livre e bom carecem de uma
escolha?"
Direis do amontoar que as vítimas oprime:
"Deus vingou-se e a morte os faz pagar seu
crime?"
As crianças que crime ou falta terão, qual?,
esmagadas sangrando em seio maternal?
Lisboa, que se foi, pois mais vícios a afogam
que a Londres ou Paris, que nas delícias vogam?
Lisboa é destruída e dança-se em Paris.
Tranquilos a assistir, espíritos viris,
vendo a vossos irmãos as vidas naufragadas,
vós procurais em paz as causas às trovoadas:
Mas se à sorte adversa os golpes aparais,
mais humanos então, vós como nós chorais.
Crede-me, quando a terra entreabre abismo ingente,
ais legítimos dou, lamento-me inocente.
Tendo a todo redor voltas cruéis da sorte,
e malvado furor, e armadilhada a morte,
dos elementos só sofrendo as investidas,
deixai, se estas conosco, as queixas ser ouvidas.
É o orgulho, dizeis, em sedição maior,
que quer que estando mal, ‘stivessemos melhor.
Pois ide interrogar as margens lá do Tejo;
nos restos remexei sangrentos do despejo;
perguntai a quem morre em tão medonho exílio
se é o orgulho a gritar: "Céu, vem em meu
auxílio!
desta miséria humana, ó céu, sê solidário!"
"Tudo está bem, dizeis, e tudo é
necessário."
Todo o universo então, sem o inferno abissal,
sem Lisboa engolir, se acresceria em mal?
Seguros estarei de a causa eterna aqui,
que tudo sabe e faz, tudo criou para si,
não nos poder lançar em tão triste clima
sem acender vulcões, andando nós por cima?
Pois assim limitais a mais alta potência?
Assim a proibis de excercitar clemência?
O eterno artesão em suas mãos não tem
prontos meios sem fim aos fins que lhe convêm?
Quisera humilde, e sem que ao mestre recalcitre,
que esse gosto a inflamar o enxofre e o salitre
seu fogo fosse atear lá no deserto imerso.
Eu respeito o meu Deus, porém amo o universo.
Se ousa o homem gemer de um flagelo horrível,
não é orgulho, não! Apenas é sensível.
Os que habitam em dor os bordos desolados,
dos tormentos, do horror, seriam consolados
se lhes dissesse alguém: "Caí, morrei
tranquilos;
para um mundo feliz, perdeis vossos asilos;
outras mãos erguerão vosso palácio a arder,
nos muros a ruir, mais povos vão nascer;
o Norte ganha mais com tudo o que perdeis;
vosso mal é um bem, segundo as gerais leis;
Deus vê-vos tal e qual ele olha os vermes vis
de que na cova sois a presa e que nutris?"
Aos desvalidos é horrível tal linguagem!
Minha dor, ó Cruéis, não consintais que ultrajem.
Não, não me apresenteis ao peito em ansiedade
as imutáveis leis de uma necessidade,
corpos a encadear, e espíritos e mundos.
Ó sábios a sonhar! Quiméricos profundos!
Deus segura a cadeia e não é encadeado;
seu benfazejo ser tudo há determinado;
é livre e justo, e não cruel nem vingativo.
Porque sofremos pois num jugo equitativo?
Mister o nó fatal seria desatar,
nosso mal curareis tratando de o negar?
Cada povo, a tremer, sob uma mão divina,
na origem para o mal que vós negais se obstina.
E se essa eterna lei que move os elementos
penhascos faz cair sob o esforçar dos ventos,
se aos carvalhos o raio a vasta fronde abrasa,
não sentem todavia o golpe que os arrasa:
Mas vivo, mas sinto eu, mas, coração opresso,
a esse Deus que o formou o seu socorro peço.
Filhos do Omnipotente e míseros nascemos
e para o pai comum as mãos eis que estendemos.
O vaso, sabido é, não diz nunca ao oleiro:
"Porque sou eu tão vil, tão fraco e tão
grosseiro?"
Da fala não tem dom, não tem um pensamento;
essa urna que ao formar-se cai no pavimento,
não recebeu da mão do oleiro um coração
que bens quisesse ter e sentisse aflição.
"Essa aflição, dizeis, é o bem de um outro
ser."
Do meu corpo a sangrar mil vermes vão nascer;
quando a morte põe fim ao mal que eu hei sofrido,
bela consolação, por bichos ser comido!
Calculadores vãos dos dramas humanais,
não me consoleis pois, que as penas me azedais;
em vós não vejo eu mais que esforço impotente
de orgulho em sorte má que finge ser contente.
Do grande todo só fraca parte
hei-de eu ser:
sim, mas os animais, forçados a viver,
e todo ser que sente e à mesma lei nasceu
têm de viver na dor e de morrer como eu.
Sob a tímida pressa, o encarniçado abutre
dos membros dela em sangue a bel-prazer se nutre;
para ele tudo é bem; porém e sem demora
a águia de bico de aço o abutre já devora;
o homem com mortal chumbo atinge a águia altaneira:
e ele em campo de Marte acaba sobre a poeira,
dos golpes a sangrar, junto aos mais moribundos,
de pasto indo servir aos pássaros imundos.
Os seres de todo o mundo assim todos padecem;
nados para o tormento, uns por outros perecem:
e vós arranjareis, nesse caos fatal,
do mal de cada ser, ventura universal!
Que ventura! Ó mortal, que és fraco e miserável!
Gritais: "Tudo está bem" e a vós é
lamentável,
o mundo vos desmente e vosso coração
cem vezes vos refuta a errada concepção.
Humanos, animais, elementos em guerra.
Preciso é confessar que o mal está na terra:
seu princípio secreto é-nos desconhecido.
Do autor de todo o bem o mal terá saído?
Pois o negro Tifão, o bárbaro Arimano,
nos forçam a sofrer por seu mando tirano?
Meu espírito não crê em monstros odiosos
de que o mundo a tremer fez deuses poderosos.
Mas como conceber, só de bondade, um Deus
que os bens prodigaliza aos caros filhos seus
e neles derramou só males às mãos cheias?
Que olhar poderá ver-lhe o fundo das ideias?
Não ia o mal nascer do ser que é mais perfeito;
não vem de mais ninguém, se é Deus o só sujeito.
E todavia existe. Oh, bem tristes verdades!
Oh, mistura de espanto e de contrariedades!
A nossa raça aflita um Deus vem consolar
e a terra visitou sem a modificar!
Que o não pôde, um sofista em arrogância diz;
diz outro "Pode sim, o ponto é que o não quis;
decerto há-de querer"; e enquanto se arrazoa
há fogo subterrâneo a engolir Lisboa
e de cidades trinta os restos a espalhar,
do ensanguentado Tejo ao gaditano mar.
Ou nasce o homem culpado e Deus pune-lhe a raça,
ou único senhor que ser e espaço traça,
sem pena e sem se irar, tranquilo, indiferente,
da sua própria lei vai na eterna torrente;
ou contra ele a matéria informe se rebela
e em si defeitos traz necessários como
ela;
ou Deus nos põe a prova e essa mortal viagem
para um eterno mundo estreita é a passagem.
Nós sofremos aqui dor passageira, sim:
a própria morte é um bem que às misérias põe fim.
Mas um dia ao sair desse caminho atroz,
dirá que mereceu ventura algum de nós?
Seja lá como for, é certo que se trema.
Nada sabido é, nada há que não se tema.
À natureza muda as questões pôr não vale;
precisa-se de um Deus que ao género humano fale.
Só ele poderá a sua obra explicar,
ao fraco dar consolo e ao sábio iluminar.
Sem ele, abandonado, erra, duvida e falha,
o homem que busca em vão apoio numa palha.
Leibnitz não me ensinou por quais nós invisíveis,
na ordem do melhor dos mundos já possíveis,
em desordem eterna, um caos de desventura
a nosso vão prazer a dor real mistura,
nem por que é que os dois, culpado e inocente,
o inevitável mal sofrer hão-de igualmente.
Nem posso conceber tudo estivesse bem:
sendo eu como um doutor, ah, nada sei porém.
O homem, diz Platão, já teve asas; e mais:
impenetrável corpo às agressões mortais;
o passamento, a dor não vinham a seu lado.
Quão diverso hoje ele é desse brilhante estado!
Rasteja, sofre, morre; e assim quando se gera;
e na destruição a natureza impera.
Frágil composto pois, de nervos e ossos feito,
e a qualquer colisão de elementos atreito;
tal mistura de sangue e líquidos e pó,
para se dissolver se reuniu tão-só;
e em seu pronto sentir, os nervos delicados
se submetem à dor, ministra de finados:
da voz da natureza é quanto me asseguro.
Abandono Platão, mando embobra Epicuro.
Mais que os dois sabe Bayle; e eu vou-o consultar:
de balança na mão, ensina a duvidar,
sábio e grande demais para não ter sistema,
a todos destruiu, e é contra si que rema:
como o cego a lutar que os Filisteus prenderam
sob os muros caiu que as mãos dele abateram.
Do espírito que pode a mais vasta conquista?
Nada; o livro da sorte encerra à nossa vista.
O homem, estranho a si, é do homem ignorado.
Onde estou, onde vou, quem sou, donde tirado?
Átomos em tortura em lama que se empasta,
cuja sorte se joga e a morte então arrasta,
mas postos a pensar, e átomos que viram,
guiados pela mente os céus que já mediram;
ao seio do infinito aspira o nosso ser,
sem um momento só nos ver, nos conhecer.
O mundo, este teatro, orgulho e erro abalam,
e é de infortúnios só que de ventura falam.
Busca-se o bem-estar em queixas a gemer:
a morte ninguém quer, ninguém quer renascer.
Às vezes, quando à dor os dias consagramos,
pela mão do prazer os prantos enxugamos;
mas o prazer se vai e como a sombra passa;
sem conta nossos são perdas, choro e desgraça.
O passado é-nos só uma lembrança triste;
e o presente é atroz, se o porvir não existe,
se a noite tumular no ser que pensa avança.
Bem será tudo um dia, é essa a nossa esp’rança;
hoje tudo está bem, é essa a ilusão.
Com sábios me enganei e só Deus tem razão.
Humilde nos meus ais, sofrendo em impotência,
eu não atacarei porém a Providência.
Viram que outrora em tom não lúgubre cantei
do mais doce prazer a sedutora lei:
outro tempo e costume: a idade dá sageza,
do humano extraviar partilho ora a fraqueza,
quero na treva espessa a mim iluminar,
e apenas sei sofrer e já não murmurar.
Um califa uma vez, como a sua hora desse,
ao seu Deus foi dizer apenas uma prece:
"Ser sem limite e rei único na verdade,
trago-te o que não tens na tua imensidade,
faltas, erro, ignorância e males em pujança."
Mas inda ele juntar podia a esperança.
Copiado de http://whispernorbury.blogspot.com.br/2011/09/o-poema-sobre-o-desastre-de-lisboa.html
Notas
(1) Segundo uma
fonte (http://www.publico.pt/destaque/jornal/9-minutos--que-abalaram-o-mundo-46357), houve três tremores principais: o primeiro de um minuto e meio, um
segundo de dois minutos e um terceiro de três minutos e meio, entremeados de
alguns segundos de intervalo, perfazendo um total de nove minutos, mas a
dinâmica exata do evento varia de uma fonte a outra.
(2) O jornal O
Globo de 16/01/2016 diz que apenas metade 1945, das 4.573 casas prometidas aos
desabrigados, foram entregues. Em Petrópolis, de 1500 casas prometidas, só 50
foram entregues! Três mil trezentas e dez famílias continuam recebendo aluguel
social de R$500,00, um custo maior que o da reconstrução das casas de muitos.
Falta eficiência, mas sobram escândalos e desvio impune de recursos.
http://s2.glbimg.com/vwGzl86Nhv2l1Ko0KCu5cyqLvRo=/620x465/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2015/07/25/corrego_dantas_3.jpg
http://g1.globo.com/
Até quando?
Fontes
http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/cadeia-do-limoeiro-centro-de-estudos-judiciarios
http://www.esas.pt/jaca/docs/TERRAMOTO%20DE%201755%201PARTE.pdf
http://www.publico.pt/destaque/jornal/9-minutos--que-abalaram-o-mundo-46357
A VIAGEM DE D.
JOÃO AO BRASIL (1807-1808) – BASEADO EM ARTIGO DA REVISTA DE HISTÓRIA DA
BIBLIOTECA NACIONAL
Prof Eduardo
Simões
http://sermelhor.com.br/images/artigos/livro_1808_embarque_da_familia_real.jpg
http://www.sermelhor.com.br/
__ Esgotada todas
as táticas protelatórias do príncipe regente D. João, frente á pressão francesa
para que Portugal se incorporasse ao Bloqueio Continental, contra a Inglaterra,
e já com um exército franco-espanhol nas suas fronteiras, o príncipe e seus
conselheiros chegaram à conclusão, na madrugada de 25 de novembro de 1807, que
estava na hora de transferir o reino para o Brasil. Para ajudá-lo em tão
angustiosa decisão estava uma esquadra inglesa, ancorada ao largo do porto de
Lisboa, soberana completa dos mares, após a vitória em Trafalgar, dois anos
antes, oferecendo a opção oposta: se Portugal optasse pelos franceses os
ingleses isolariam o país de sua indispensável colônia americana.
__ Portugal já
não era mais a grande potência marítimo-comercial do século XV, e há muito
tempo, desde 1580, se discutia a possibilidade de transferência da sede do
reino para as terras do Brasil, uma atitude lógica, em virtude do caráter
atlântico do estado português e da potencialidade econômicas do Novo
Continente. A questão racial-cultural, entretanto, predominou, negando essa
alternativa, até que, dessa vez, um soberano português, por sinal muito mal
compreendido pela história tradicional – costumeiramente apresentado como “tolo”
um “indeciso” – teve a coragem de fazê-lo. E em que condições?
__ Tratava-se,
agora, de transferir a sede do Reino, com todas as suas repartições, arquivos e
respectivos funcionários e, embora essa possibilidade já estivesse sendo
aventada a muito tempo, alguns meses antes (desde agosto), foi todo mundo pego
de surpresa e a improvisação, a confusão, para não dizer o completo caos, tomou
conta de tão grave empreendimento. Um fiel funcionário Joaquim José de Azevedo
foi chamado às pressas ao Palácio da Ajuda, e nomeado superintendente de
embarque, responsável por fornecer as guias àqueles que deveriam embarcar, e em
que navio iriam, além de documentos e outros materiais necessários à viagem.
__
Imediatamente, Azevedo pôs uma barraca junto ao cais do porto e começou a
organizar o embarque, mas o que ficou claro desde o princípio é que uma coisa
eram os critérios oficiais para o ajuntamento ao séquito do príncipe, e outro o
resultado final seja por pressão dos nomes das altíssimas autoridades envolvida
seja por conta da venalidade do encarregado (1). E assim, a lista oficial do embarque consta do “Visconde de
Barbacena e sua família” (quantos?); “mais sessenta pessoas, entre homens e
mulheres, sem contar as famílias que os acompanhavam” (idem); Duque de Cadaval,
com esposa filhos e irmão, “mais onze criados, incluindo “um homem pardo para
varrer””, etc. etc. onde fica claro o desrespeito, em nome dos privilégios de
classe, das mais elementares normas de organização. Outra consequência disso é
que não se tem, certo, o número que embarcaram com a Corte.
__ Outra
consequência dessa regra de embarque “oculta” e acima da lei foi que pessoas
que deviam embarcar, como o Núncio Apostólico, D Lourenço Caleppi, apesar da
altíssima dignidade e do apreço que lhe tinha o Regente, não conseguiu
embarcar. Igual destino teve os caixotes enormes, contendo o acervo da
Biblioteca Real, uma das mais importantes, ricas e preciosas do mundo, que,
esquecida durante caótico embarque, ficou ao relento no cais do porto (2). E para complicar, segundo Lilian
Schawrcz (RHBN, n° 1) “Lisboa vinha sendo castigada por um forte vento sul;
chovia torrencialmente e as ruas e caminhos se transformaram em passarelas de
lama... até o cais de Belém”.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/28/Autor_n%C3%A3o_identificado_-_Embarque_da_Fam%C3%ADlia_Real_Portuguesa.jpg
Por Desconhecido
Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18377159
__ A medida que
se aproximava a hora do embarque, em especial quando da chegada de D. João (3), o caos e o desespero dos que ainda
não tinham conseguido embarcar aumentou: “nas praias do cais do Tejo, até Belém
[onde ficava o cais de embarque], espalahavam-se pacotes, caixas e baús
largados na última hora... a prataria da Igreja Patriarcal, trazida em catorze
carros, foi esquecida na beira do rio [Tejo]... Carros de luxo foram deixados,
muitos sem terem sido descarregados... O Marquês de Vagos percebeu, um pouco
tarde, que as carruagens e os arreios da Casa Real tinham sido esquecidos”
(Schwarcz, idem). Segundo alguns testemunhos, ao verem os navios levantarem
âncora, vários homens e mulheres se atiraram ao mar, desesperados por alcançá-los,
afogando-se. Apreciando aquele espetáculo deprimente, patrocinado pela elite do
país, estavam os moradores de Lisboa e mais uns três mil camponeses que,
assustados com o avanço das tropas franco-espanholas, largaram tudo e acorreram
à capital, contando, para sobreviver, apenas com a caridade pública e privada.
Em meio à escuridão, chuva e ventania ouviam-se gritos de terror e desespero,
entremeados por imprecações, ofensas e vaias do povo, desamparado e abandonado
por seu rei. Era o dia 29 de novembro de 1807.
__ Algumas
questões se colocam nesse momento:
1º) Quantos
embarcaram para o Brasil? Como vimos acima, não se fez uma listagem dos
passageiros minimamente confiável, de sorte que os números oscilam em torno de
10 mil.
2º) Quanto
navios compunham a esquadra do Príncipe Regente? A frota oficial compunha-se de
15 navios, mas como havia outros navios particulares acompanhando a esquadra
real esse número, segundo a Marinha Inglesa seriam de 56 navios, à noite do
primeiro dia de viagem.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFPAjltLIYsrhxZmzlqIXXI-WHXmcFawwqwGslWBcAPd7AkayU7HNJg3evJXPDXCSKJowKZ_c1SGwGdf70UhKhie1tA2xicX08gJYqRufsa50N1CYzj6UehdXWyNVaJTGk2GjK7sT3lSk_/s1600/02+-+EMBARQUE+para+o+BRASIL.png
http://naofoinogrito.blogspot.com.br/
__ O almirante
inglês Sidney Smith, comandante da frota inglesa que, ao largo, observava tudo,
destacou quatro barcos grandes de combate para acompanhar aos portugueses, sob
o comando do capitão Graham Moore. Os navios de combate lusitanos, embora poucos,
estavam bem armados, e de princípio a viagem não oferecia grandes riscos, a não
ser pelo tempo da viagem, a precariedade das instalações e o excesso de
passageiros.
__ No dia
seguinte à partida, pela manhã, a vanguarda das tropas franco-espanholas de 26
mil homens entrou em Lisboa. Os soldados estavam de tal forma esfrangalhados e
esgotados, que davam a impressão que qualquer resistência minimamente
organizada teria conseguido repelir a invasão, aumentando ainda mais a
frustração e o ressentimento do povo contra o seu rei, já tratado por muitos
como notório covarde.
__ A viagem foi
difícil. “Famílias desmembradas e alojadas em diferentes
navios, bagagens desviadas ou largadas no cais, racionamento de comida e água,
excesso de passageiros e falta de higiene – que obrigou as mulheres a cortar os
cabelos para evitar a ação dos piolhos – foram alguns dos problemas decorrentes
da emergência do embarque. E pela frente, cerca de dois meses de viagem... muitos sem cama
onde dormir, cadeira, banco para sentar, deitando-se ao relento, sobre as
tábuas nuas dos conveses, sem prato certo onde comer, disputando em sórdidas
gamelas, nas cozinhas, o alimento frugal” (idem) (4).
__ Mas afinal, depois de uma tempestade ter
dispersado a frota, o grupo no qual viajava o Príncipe Regente, em função da
perigosa escassez de recursos, resolveu dirigir-se a Salvador, na Bahia, onde
aportou em 18 de janeiro de 1808, numa viagem de 54 dias, com todos os
passageiros incólumes: um milagre! A fragata Minerva, que até a hora da partida
não tinha sido plenamente reparada de um desequilíbrio no seu centro de
gravidade, chegou ao porto com os estoques de alimentos a zero.
__ Naquele dia os habitantes de Salvador
viram um fato inédito na história das Américas, que mais tarde teria
consequências fundamentais na nossa formação nacional: a visita de um soberano
europeu a uma de suas colônias americanas, oficialmente tão desprezadas, mas
perdidas com muita resistência e pena. Só um rei de Portugal, talvez o mais
astuto, incompreendido e vilipendiado da história, teve a ousadia, a coragem e
o bom senso de, sacudindo as prevenções de seus súditos e conselheiros mais
próximos, perceber a importância e tentar valorizar o maior patrimônio de seu
país, a sua colônia americana, e daqui só saiu, a história quanto a isso é bem
clara, à força, muito mais do que quando para aqui veio.
Notas
(1) Joaquim José
de Azevedo (1762-1835), um típico funcionário palaciano, servidor tanto de João
VI de Portugal como de Pedro I do Brasil, tanto que preferirá, posteriormente,
ficar no Brasil, morrendo no Rio de Janeiro, foi nobilitado com os títulos de
Barão, e depois, Visconde do Rio Seco. A seu envolvimento em assuntos
financeiros e negociatas, além de seu rápido e acentuado enriquecimento, deram
ensejo a um surdo ressentimento do povo contra a sua suposta venalidade,
fazendo com que surgissem quadras poéticas, zoando com a sua ganância: “Quem
furta pouco é ladrão,/ Quem furta muito é Barão./ Quem mais furta e esconde,/
Vai de Barão a Visconde”.
(2) Ao
perceberem o engano, os funcionários que ficaram imediatamente esconderam os
caixotes num lugar seguro, para evitar o seu saque e destruição pelos
invasores. Posteriormente a Biblioteca Real veio para o Brasil, a partir de
1810, e boa parte de seu acervo, que ficou no Brasil após a volta de João VI,
foi assumido pela Biblioteca Nacional. A história das vicissitudes dessa
biblioteca foi magistralmente escrita por Lilia Moritz Schawrcz, com Paulo
César de Azevedo e Angela marques Costa, em A
longa viagem da biblioteca dos reis, da editora Companhia das Letras.
(3) O
ressentimento e a mágoa marcam a descrição da discreta chegada do Príncipe
Regente ao cais de embarque. Uns afirmam que ele chegou vestido de mulher,
outros que chegou sozinho, acompanhado apenas de um sobrinho, outros, como
Carla Camurati, em seu filme Carlota Joaquina, de 1994, o mostra sendo levado
pelas mãos de camareiros fieis, por estar com os olhos vendados, por medo dos
raios e trovões – esse filme, aliás, foi muito mal recebido em Portugal.
(4) Aqui há uma
divergência entre a informação prestada pela historiadora e antropóloga Lilia
Schawrcz e a de Laurentino Gomes, jornalista, que escreveu um livro com título extremamente
apelativo, sensacionalista e injusto, excelente para alimentar o nosso
compulsivo sentimento de inferioridade e turbinar as vendas: 1808 - Como uma rainha louca, um príncipe
medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal
e do Brasil, pois neste o autor fala de mortes por escorbuto (conferir em https://maniadehistoria.wordpress.com/a-fuga-da-familia-real-portuguesa/)
enquanto a primeira afirma categoricamente que, apesar dos desconfortos,
ninguém morreu, ver Revista de História
da Biblioteca Nacional n° 1, 21/09/2007, e A longa viagem da biblioteca dos reis, pg 104, o que é mais
verossímil, tanto pela curta duração dos trechos em mar percorrido pela esquadra,
como pelo fato de que, desde 1753 já se sabia da relação entre o escorbuto e a
falta de vitamina C, sem falar que desde 1794 se usava, nas grandes marinhas da
Europa, levar carregamentos de frutas cítricas em navios para prevenir a
moléstia.
(5) Segundo Lilia
Schwarcz, a lista de navios da frota oficial seria de quinze embarcações, mas
no artigo da Wikipedia em português sobre o assunto, Transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, aparecem dezesseis
embarcações, assim nomeadas e classificadas:
Naus – Príncipe Real, a nau capitânea, onde
viajava D João e seus familiares; D João
de Castro, Afonso de Albuquerque,
Rainha de Portugal, Medusa, Príncipe do Brasil, Conde D
Henrique, Martins de Freitas (ao
todo 8 embarcações).
Fragatas – Minerva, Golfinho, Urânia (3
embarcações)
Brigues – Lebre, Voador, Vingança (3
embarcações)
Escunas – Furão e Curiosa (2 embarcações)
Comandava essa
esquadra o vice-almirante Manuel da Cunha Souto maior
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