sábado, 10 de novembro de 2018


SCHUMPETER E O MARXISMO: VISÃO GERAL (extratos do livro Capitalismo, socialismo e democracia)

Prof Eduardo Simões

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__ Na abertura da I Parte de seu livro, Schumpeter faz menção ao uso dos ensinamentos de Marx, que ele aparentemente respeita como analista econômico, no sentido em este que busca dar sentido lógico e empírico àquilo que afirma, na formação do comunismo soviético:

É profundamente característico do processo de sua canonização [reparem neste termo] que, entre o verdadeiro significado da mensagem de Marx e a prática e ideologia bolchevistas, haja pelo menos tão grande distância quanto havia entre a religião dos humildes galileus e a prática e ideologia dos príncipes da igreja e dos senhores da guerra na Idade Média

__ No capítulo 1, curiosamente titulado de “Marx o profeta”, ele já começa arrematando:

Em certo e importante sentido, o marxismo é uma religião. Em primeiro lugar, proporciona, ao crente, um sistema de fins últimos que envolvem o significado da vida e constituem critério absolutos para o julgamento de acontecimentos e ações. Em segundo lugar, apresenta um guia para tais fins, que implica em um plano para salvação, e a indicação dos males de que a humanidade, ou parte dela, será salva

__ E seria justamente, esse caráter religioso, que explicaria o sucesso ou a sobrevivência do marxismo, mesmo depois de tantos insucessos acumulados, até os dias de hoje.

A qualidade religiosa do marxismo também explica a atitude característica dos marxistas ortodoxos para com seus adversários. Para eles, como para todos os crentes de uma fé, o adversário não está somente em erro, mas também em pecado. A dissenção é condenada, não só intelectualmente, mas também moralmente... pois a mensagem já foi revelada” [É interessante notar nos inúmeros vídeos disponíveis na internet, mostrando debates de esquerdistas, em especial os petistas, como outros de convicção oposta, que eles quase não se referem a fatos, mas ficam divagando, reproduzindo palavras de ordens ou velhos refrões (um representante da OAB chega a citar como critério, num debate, a autoridade de o Capital, como se nada tivesse mudado nos últimos 150 anos! Essa postura também não explicaria a terrível virulência com que eles se digladiam entre si?].

__ Explicando o sucesso inicial do credo marxista, com base na enormes mudanças provocadas pela surgimento da sociedade industrial na metade do século XIX, Schumpeter afirma:

Então, para milhões de corações humanos, a mensagem marxista do paraíso terrestre do socialismo equivaleu a novo raio de luz e a novo significado na vida. Pode-se, se quiser, dizer que a religião marxista e a falsificação ou a caricatura da fé... Deve-se seu bom êxito, por um lado, de haver formulado, com inexcedível vigor o sentimento de ser oprimido e maltratado, que é a atitude autoterapêutica da maioria frustrada, e, de outro, por haver proclamado que a libertação socialista desses males era uma certeza baseada em prova racional... Analisar o processo social somente interessaria a algumas centenas de especialistas. Mas pregar [meu destaque] sob o manto da análise, e analisar tendo em vista as verdadeiras necessidades, foi o que conquistou adeptos apaixonados, e ao marxista a suprema vantagem: que aquilo que crê não pode ser derrotado, e venderá fatalmente” [ou seja, o grande mérito de Marx não é a descrição objetiva, científica, da economia e das relações sociais de sua época, mas antes na capacidade de empatia emocional que seus escritos provocam nas mentes mais sensíveis e/ou pouco críticas, embora, como uma concessão à época, ele não cesse de ressaltar o testemunho da ciência em seu favor, como Jesus aludia ao testemunho do “Pai”, para si].

__ Mas nem a percepção dos sentimentos das massas, presente na obra de Marx, pode ser considerada como objetiva ou “científica”:

Não foi, é evidente, uma formulação verdadeira de sentimentos reais, conscientes ou inconscientes, dos mal-sucedidos. Preferimos qualifica-la de tentativa de substituição de sentimentos verdadeiros por uma falsa ou verdadeira revelação da lógica social. Assim fazendo, e atribuindo às massas o seu próprio conceito de consciência de classe, Marx, sem dúvida, falsificou a verdadeira psicologia do trabalhador (centralizada no desejo de se tornar pequeno-burguês, e ser auxiliado pela força política para chegar a tal situação [não é assim, por exemplo, que agem os nossos pequenos e grandes empresários, sempre a pedir uma ajudinha do estado para preservar nichos de mercados da concorrência estrangeira, atitude esta que sempre encontrou guarida na nossa esquerda e até em nossa direita reacionária?])

__ Mas Marx tinha méritos, e um deles é justamente o de não se parecer muito com os “marxistas”...

Sempre se conservou inteiramente liberto de qualquer tendência, tão visível em alguns de seus adeptos, para bajular os trabalhadores. Tinha provavelmente percepção muito clara do que eram as massas e colocava-se muito acima delas... e bem além do que pensavam e desejavam. Nunca, igualmente, defendeu qualquer ideal, como uma criação sua... Há dignidade em tudo isso, o que compensa muita pequenez e vulgaridade, com as quais, em seu trabalho e em sua vida, tal dignidade formou uma estranha aliança” [Schumpeter ressalta também, que, ao contrário de muitos marxistas, já fanatizados pela vivência acrítica na doutrina, Marx foi capaz de perceber grandes méritos na burguesia e em seu produto mais acabado, o capitalismo, tecendo em relação a ambos, no Manifesto Comunista, os mais rasgados e justos elogios].

__ Nesse artigo usei trechos de uma versão online do livro de Schumpeter, traduzido por Ruy Jungmann, editado por Fundo de Cultura e OrdemLivre.org, Rio de Janeiro, 1961. As páginas não testavam numeradas.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

OS DEMÔNIOS OU A PERFEITA OPRESSÃO

Prof Eduardo Simões

O rosto do mal

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Reparem no olhar apertado, como se quisesse ver as entranhas de seu interlocutor, como a dizer: “eu conheço ou vou conhecer os teus ‘podres’, e eu vou usá-los contra ti”, assim era Sergey Guenadievitch Nechayev, nascido em 1847, no seio de uma família pobre – seu pai era um pintor de parede e a mãe uma costureira, filha de servos alforriados – numa pequena cidadezinha da Rússia. Autodidata, trabalhou em muitos ofícios, mas nunca se formou ou se especializou em nada, a não ser em “revolução”: era “revolucionário” 24 horas por dia, na falta de mais tempo, um compulsivo. Nechayev cedo se enveredou por uma corrente russa terrorista de “extrema-esquerda”, o niilismo, e o seu ódio à sociedade civilizada “burguesa”, levou-o ao encontro de um dos titãs da esquerda: Mikhail Bakunin (1814-1876), um líder anarquista, que, como muitos outros, ficou arrebatado, pelo estranha energia que emanava de Nechayev, a tal ponto que mesmo depois de Nechayev ser expulso da Internacional Anarquista, por roubos, chantagens e patifarias diversas, Bakunin, resistia a cortar relações com ele. O lance mais extravagante dessa biografia tenebrosa foi quando, preso numa penitenciária de segurança máxima, por ordem direta do tzar, ele cooptou dezenas de carcereiros e guardas, fazendo-os levar e trazer mensagens de grupos terroristas fora da prisão – parece que algo assim acontece no Brasil – envolvendo-os em um plano para viabilizar a sua fuga, só descoberto pela da traição de um preso. Durante o inquérito os guardas detidos, 69 ao todo, dos quais 34 seriam condenados, disseram que emanava dele uma força estranha, tipo hipnótica, que os deixava exangues diante de suas ordens. Nechayev morrerá, em 1882, das terríveis condições que experimentará na prisão.     

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“Não passa de um simples rapaz russo, de aspecto semelhante a um operário, ainda não de todo adaptado à vida urbana [um pobre rapaz do campo], que não é metido a saber tudo [humilde], que gostava de brincar e rir com prazer”. Assim Alexandra Ivanovna Zasulich descreve Nechayev, a quem conheceu pessoalmente (Franco Venturi, historiador italiano, em seu livro Populismo russo, citado na Wikipedia em italiano). Mais uma conquista. Fora isso Nechayev responde, junto com Bakuni, pela formação do estranho Catecismo revolucionário – para que ninguém duvide que se trata de uma seita religiosa – cujos trechos se reproduz abaixo.
“Negação de um Deus real, extramundial [fora deste mundo], pessoal, e por consequência também, de toda revelação... A liberdade é o direito absoluto de todos homem e mulher maiores, de não buscar, absolutamente, outra sanção para os seus atos senão sua própria consciência e sua própria razão... Só existe um único dogma, uma única lei, uma única base moral para os homens: a liberdade...”. Bem, essa é a parte boa, porque se formos à outra, que fala de como deve ser um revolucionário, colheremos essas pérolas: “O revolucionário é um homem que sacrificou sua vida. Não tem negócios nem assuntos pessoais, nem sentimentos nem laços, nem propriedade, sequer nome... é inimigo implacável dessa sociedade [a nossa], e se ainda vive nela é exclusivamente para destruí-la... Um revolucionário despreza qualquer teoria (...) Só conhece uma ciência: a da destruição; com esse fim exclusivo estuda química, física, mecânica [para preparar atentados] e ocasionalmente medicina [quando algo der errado]... Deve ter dia e noite um só pensamento, uma única meta: a destruição inexorável. Perseguindo com sangue frio e sem descanso o comprimento desse destino...” (Chega!) (Bakunin; Catecismo Revolucionário – programa da sociedade da revolução internacional; trad. Plinio Augsuto Coêlho; Imaginário; São Paulo; 2009, e Bakunin-Netchaiev; Catecismo Revolucionario; resenha de Juan C. Alcalde, em espanhol, com um resumo biográfico dos autores). Mas as maquinações do mau, não foram suficientes para enganar a sabedoria do gênio; em uma carta ao editor do livro Os demônios, Fiodor Dostoievski reconhece que, em que pese as semelhanças entre o personagem principal de seu livro e Nechayev, eles não são exatamente a mesma pessoa, porque, segundo ele “esses abortos não são dignos de entrar para a literatura” (Gianlorenzo Pacini F. M. Dostoievski, Bruno Mondadori, Milão, 2002, citado na Wikipedia em italiano)

__ Entretanto, algo deu errado no sumiço do corpo de Ivanov, e aconteceu que, quatro dias depois, em 25 de novembro (8 de dezembro), o corpo de Ivanov, com os braços abertos, ascendeu à superfície, ficando visível através da camada de gelo, que se adelgaçara. A polícia se mobiliza, e em pouco tempo todos os membros da célula estavam presos e respondendo a processo.
__ No inquérito, e durante o julgamento, que empolgou a sociedade russa, levando Dostoievski a escrever seu livro mais denso e sombrio, na opinião de mestres da literatura, ficou-se sabendo que Ivanov nunca fizera nada que merecesse morte tão trágica e traiçoeira; segundo eles tudo apontava para uma questão pessoal, uma vez que Ivanov resistia em seguir sem pestanejar as ordens do chefe. Certa ocasião, por conta de uma discussão sobre como proceder com os recursos levantados pela célula, Nechayev afirmou já agastado: “O comitê central já decidiu”, e Ivanov ripostou: “Não seria Sergey Guenadievitch, esse comitê central?” Mas parece que a gota d’água foi a recusa de Ivanov em espalhar panfletos revolucionários no refeitório e na biblioteca da Academia de Agricultura. “A polícia vai intervir, e estudantes inocentes terão graves problemas”, e ficou irredutível.
__ Depois dessa discussão, Nechayev desapareceu durante duas semanas e voltou dizendo para os que obtivera, junto ao “comitê central”, provas de que Ivanov era informante da polícia, e que, segundo a recomendaçãp do “comitê”, fazia-se mister matá-lo. Embora surpresos, ninguém contestou, e deram cabo de sua miserável tarefa.
__ O inquérito que se seguiu arrastou a julgamento, cerca de 87 pessoas, ligadas ao assassinato e à célula terrorista de Nechayev, menos ele próprio, que, conseguiu fugir para a Suíça, onde se reencontraria com Bakunin. Todos foram condenados ao exílio na Sibéria ou em regiões distantes, ficando para aqueles que participaram diretamente do assassínio, a pena mais pesada de 7 a 15 anos de trabalhos forçados no exílio. Deve-se notar ainda que, segundo Juan Alcalde, os antigos companheiros tudo fizeram para justificar, isentar ou reduzir a participação de Nachayev no evento.    

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Os odientos, o pragmático e o sanguinário. A mensagem e os métodos de niilistas e anarquistas eram muito diretos, muito sinceros, para não provocar repulsa e resistência imediatas; por isso, como que para “dourar” a pílula, surgiu a doutrina marxista, fruto de hábeis contorcionistas mentais, capazes de dizer ou prometer a mesma coisa que Nechayev e seu grupo, só que de uma maneira mais palatável ao público , ao dar-lhes ares de estudo “científico”. “Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é sempre um meio de ampliar, enriquecer e melhorar cada vez mais a existência dos trabalhadores... O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o direito de escravizar o trabalho de outrem... Quando os antagonismos de classe, no interior das nações, tiverem desaparecido [o que acontecerá no comunismo, segundo Marx], desaparecerá a hostilidade entre as próprias nações... Em lugar da antiga sociedade burguesa... surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos... Os comunistas não se rebaixam a dissimular... proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda ordem existente” (Marx-Engels; Manifesto comunista; Ridendo Castigat Mores; 1999; eBooksBrasil.com). Por mais que os dois primeiros, Marx e Engels tenham sido “moderados”, no sentido que não mandaram executar ninguém, Lenin, já avançou com truculência contra os contra os inimigos externos e internos do estado soviético, eliminando-os sem hesitação; mas que dizer de Stalin, que instalou um verdadeiro regime de terror, que não raro se voltava contra os próprios cidadãos soviéticos? A esquerda não admite, sob pena de forte contradição, uma vez que o socialismo avança para acabar com as “maldades” do capitalismo, mas a existência e a doutrina de Marx e Engels foi necessária e fundamental para a existência do Terror Stalinista indiscriminado, que é o terror para a qual a esquerda sempre tenderá, sob pena de perder a razão de sua existência.

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A volta completa! Acima vemos o ditador comunista Josef Stalin esbanjando incontida felicidade, entre o ministro nazista das relações exteriores, Joachim von Ribbentrop, à esquerda, e o seu ministro do exterior, Vyacheslav Molotov, de bigode, à direita, após a assinatura do pacto Germano-Soviético, assinado em 23 de agosto de 1939, que tornou os dois países aliados de fato. Na foto abaixo vemos o resultado do “pacto”: três oficiais e um suboficial nazistas conversam alegremente com um oficial e um tanquista soviéticos, após o massacre da Polônia. Se Hitler era um demônio ou a essência do mal, o que será aquele se aliou oficialmente a ele? Tanta fé tinha Stalin nesse acordo que resistiu até o último instante a reagir à invasão alemã do território de seu país, sendo por isso, com razão, também responsável pela hecatombe humana da Rússia durante a Segunda Guerra. A última tentativa da esquerda de se descolar desse monstro foi inventar que ele, Stalin, era, na verdade, um agente da polícia tzarista disfarçado, que enganou a todos.       

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By Pudelek (Marcin Szala) - Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=16974379
No final dos anos 70, houve uma discussão em nossa célula do PCB sobre o livro de Alexander Soljenitsin, Arquipélago gulag, muito comentado pelo público. O nosso orientador, um ex-ferroviário, homem de boa índole, mas muito simplório e inculto a tudo que não fosse a versão oficial do partido asseverou-nos: “Ele é um saudosista [de fato, Soljenitsin o era]! O que ele descreveu no livro é o que acontecia na Russia tzarista, isso jamais aconteceu na União Soviética!” Naquela época a explicação nos pareceu satisfatória, mas o problema é que a União Soviética acabou, e a verdade apareceu na forma de gulags, campos de concentração políticos dos comunistas, que não só existiam, mas também eram tão brutais quanto os campos de concentração dos nazistas na 2ª Guerra. Nesse período surgiu um livro arrasador, composto por uma série de mais de cem pranchas iconográficas, onde era mostrado, por meio de desenhos realistas e minuciosos, todos os horrores do cotidiano dos gulags soviéticos. Seu autor era um ex-guarda desses campos, Danzig Baldaev, e aquilo horrorizou o mundo. Na ilustração mais acima, vemos um guarda recebendo, com uma mangueira de incêndio aberta, os prisioneiros políticos, oposicionistas, recém-chegados ao seu campo, após horas tiritando em temperaturas abaixo de zero, o diretor ordenava que entrassem; Os prisioneiros políticos eram maldosamente misturados aos piores bandidos e psicopatas russos, que cumpriam pena pelos mais horrendos crimes comuns, e que tinham rédea soltas para ficar a vontade com os “inimigos do povo”. Eram comuns jogos de cartas, forçados, onde se apostava a vida, com o derrotado pagando o preço combinado, ante a indiferença completa dos circundantes, gente da pior espécie e guardas do campo; Não raro os criminosos assassinavam os “inimigos do povo”, “da civilização”, “da verdadeira democracia”, soterrando-os sob milhões de metros cúbicos de concentro armado, durante a construção de alguma barragem, transformada em um cemitério vertical; Mas também havia piedosos fuzilamentos em massa, principalmente de prioneiros que já estivessem muito fracos e incapazes de trabalhar (Baldaev também relata execução a bala de crianças pequenas, nascidas dos prisioneiros); Foto do prédio principal do Perm 36, o último gulag na Rússia, onde ainda funcionava um museu, fechado em 2015 por pressão e má vontade das autoridades russas. E assim o atual governo russo, liderado por um ex-agente da polícia secreta soviética, Putin, se protege, e a seus antigos camaradas, de lembranças embaraçosas, e apaga algo que pode constrangê-los; Ainda existem alguns restos de gulags em países dominados pelos russos, como os bálticos, que tentam preservar o que sobrou dessas estruturas, destruídas pelos soviéticos em sua saída, e que comprovam a fidelidade das ilustrações de Baldaev.

__ Entretanto, ainda sobra uma questão: como a polícia descobriu a relação entre o cadáver no lago e o grupo de Nechayev? Você, leitor, lembra-se que Nechayev encarregou-se de esvaziar os bolsos de Ivanov, após o assassínio. Pois bem, a polícia encontrou nas vestes de Ivanov o cartão da biblioteca da Academia Petrovski, pertencente a Kuznetsov, com quem Ivanov dividia um aposento, e assim chegou a ele e ao resto do grupo.
__ Ai aparece outra questão: como Nechayev deixou passar isso? Esse erro foi fruto do nervosismo ou foi proposital: Nechayev estaria um tanto aborrecido com as démarches de sua célula, e resolveu livrar-se dela? Um dos indícios nessa direção é que ele foi o único que conseguiu escapar da polícia. Mas ele faria isso, mesmo sabendo que no grupo estaria, muito comprometido, Nikolay Nikolayev, que lhe era cem por cento leal e seu amigo de infância? Uma frase do catecismo do revolucionário, reproduzido pela Wikipedia em francês, nos ajuda a elucidar isso;
__ “NÃO É REVOLUCIONÁRIO QUEM TEM COMPAIXÃO POR ALGUMA COISA NESSE MUNDO” (traduzido)

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O mal não venceu de todo. Alexei Kirillovich Kuznetsov, cujo cartão foi a causa da prisão de todos – menos Nechayev – foi enviado para o exílio perpétuo na Sibéria, próximo à fronteira russo-chinesa, agravado por dez anos de trabalhos forçados, em 1873. Lá se dedicou a atividades culturais, tendo, inclusive se interessado muito por fotografia. Inaugurador de museus, mas trapalhão incorrigível, se envolveu de novo, em 1905, com movimentos de revoltas e viu seu exílio agravado, indo para o extremo norte, até que, em 1908, foi parcialmente perdoado, devido ao seu estado de saúde, e voltou para junto da fronteira chinesa, até que, provavelmente perdoado pelos comunistas, voltou para casa, e morreu em Moscou em 1928, aos 83 anos. Enquanto esteve em Ust-Kara, Kuznetsov formou uma coleção de 74 chapas fotográficas nas quais ele eternizou o ambiente e o aspecto de guardas, prisioneiros e pobres camponeses que circundavam os campos de trabalho da Rússia tzarista, das quais vemos dois exemplares acima. Na primeira vemos prisioneiros de trabalhos forçados descarregando mantimentos das barcaças, em Nerschinsk. Na segunda vemos um guarda dos presidiários, com uma cruel “disciplina” na mão, e um olhar que demonstra toda a sua feroz vontade de usá-la. Ao invés de acabar com isso os comunistas agravaram-na. As fotos de Kuznetsov, em especial as que retratam os presos, são maravilhosas!