A VOLTA DO PARAFUSO
Prof Eduardo Simões
O
parafuso da sociedade brasileira completou mais um ciclo, e lá está de novo a
classe média brasileira, ensaiando tomar as ruas, para exigir a invalidação de
uma eleição, bem típico, ou o apressamento do resultado de investigações ainda
em curso, ou seja, acelerar a condenação, porque as pessoas dessa classe
social, assim como crianças mimadas, não gostam de esperar por nada, querem
tudo logo. E o querem de forma agressiva, atacando fisicamente as pessoas que
discordam de sua imaturidade e facilidade de ser manipulada, como aconteceu numa
manifestação em São Paulo, noticiada pelos órgãos de imprensa sérios.
Convenhamos
que a atual presidenta e o seu incrível exército de Brancaleone do PT
colaboraram muito para que as coisas chegassem a esse ponto, mas querer torná-los
os únicos e piores bandidos dessa história é absolutamente inconcebível, pois
todos os órgãos de imprensa sérios, inclusive aquela revista que não é tanto,
mostram que a grande massa dos que sangraram a Petrobrás está ligada a outros
partidos, principalmente o PMDB, de Calheiros, Sarney, Temer, etc., ídolos da
classe média nordestina, assim como o PP, de Paulo Maluf, eterno “perseguido”
da justiça, que recebeu da classe média paulista uma votação consagradora,
assim como o palhaço Tiririca.
Por que
então só se fala em “PT”, “petralha”, e se minimiza a ação desses outros
partidos, frequentadores muito mais assíduos na folha policial que aquele? Será
que se está buscando, com essas mobilizações, criar uma cortina de fumaça de
sorte a deixar incólumes os maiores ladrões nessa história toda, e nesse caso a
“birra” da classe média estaria sendo habilmente manipulada contra seus próprios
interesses de classe? Afinal, qual é o interesse ou o valor determinante de
nossa classe média?
Historicamente
vamos encontrar essa classe média, pequena é verdade, mas já ativa, em 1822,
clamando pela independência do Brasil, no momento em que a prosperidade do
reino português se transformara em cinzas e em lembranças de um passado
glorioso. A riqueza fazia-se ao mar.
Durante
o Império vemos a classe média conviver tranquilamente com o espancamento de
homens nus em praças públicas, pelourinhos, e que ela fingia não ver, para não
ter que se comprometer mais com sua consciência cristã católica, capaz de
assistir compungida a uma missa, voltar para casa, e em seguida mutilar um
escravo que lhe causara um pequeno aborrecimento. A classe média não suportava
contrariedade, espera, etc. Mas quando todos perceberam que a escravidão não
era economicamente tão vantajosa assim, e a fuga dramática de escravos,
associada à crise econômica gerada pela Guerra do Paraguai, agravava a crise
econômica do país, essa classe média descobriu-se, “bestificada”, que a
escravidão era um horror, a Princesa Imperial um anjo, mas ela, classe média, que
sempre fora republicana. O Império cai sem resistência.
E assim,
de crise em crise econômica caem os grandes mitos de nossa história: a Primeira
República, com a crise de 1929 – a queda de Getúlio, em 1945, seria uma exceção,
mas o seu suicídio em 1954 tinha como ingredientes a fragilidade da sua política
econômica e o desejo de seu ministro em melhorar, paternalisticamente, a vida
dos trabalhadores, já massacrados em greves desde 1917, ante a indiferença e o
temor da classe média, sossegada pela Lei Adolfo Gordo, que mandou de volta à
Europa aqueles que não se adaptavam ao escravismo endêmico de nossas relações
de trabalho. A prosperidade econômica cria uma aura mística em torno de
Juscelino Kubitschek.
Uma
crise econômica derruba o governo de João Goulart, não antes de a classe média
descobrir as ruas, em espalhafatosas marchas da Família com Deus Pela Liberdade,
em 1964. Pois bem, a liberdade foi para a cova, mas os militares pagavam bem, e
diante do milagre manipulado e construído à custa da pobreza da classe
trabalhadora, do surgimento da miséria absoluta em nossas cidades, das crianças
sem teto e da destruição dos valores familiares tradicionais, que ainda davam
algum sentido à nossa sociedade, a classe média se calou e, da mesma forma que
fazia para não ouvir os gritos dos negros espancados no século anterior, se
afastou de viagem para a Disneylândia.
A Oligarquia
Militar tentou se eternizar no poder, e teria conseguido, se não fosse a crise
econômica dos anos 1980, quando essa classe média se descobriu, de novo, muito “democrática”,
e foi para as ruas apoiar a emenda Dante de Oliveira e comemorar a eleição de
Tancredo Neves, este que, até bem pouco tempo atrás, era visto como “comunista”,
ou no mínimo simpatizante. O dinheiro está curto no bolso, então os militares são
uns... O início de problemas econômicos traz Lula ao Poder Federal e o início
de outra ameaça a eternização do PT aí, enquanto os indicadores econômicos, à
revelia do desmanche das relações sociais e da educação, mantém o PSDB eterno
no governo de São Paulo.
Acho que
descobrimos, afinal, qual é o valor que move a nossa classe média e porque razão
o parafuso seria a melhor imagem para descrevê-la, e porque cada ciclo voltarmos
exatamente para onde estávamos antes: o dinheiro, e só ele.
Mergulhando
cada vez mais fundo nas contradições, por essa classe mesma, criadas, nossa
sociedade, já sem valores intangíveis, se vê, senão veja, às voltas com uma crise
de proporções bíblicas, gestadas pincipalmente no estado onde essa classe média
se sente mais segura, enquanto o céu azul e abrasador do eterno verão dos trópicos,
o símbolo da nossa nacionalidade alegre e irresponsável, prenuncia, para o início
do ano que vem, a tempestade perfeita.
(visite o blogue construindopiaget.blogspot.com.br)
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