segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A VOLTA DO PARAFUSO

Prof Eduardo Simões

            O parafuso da sociedade brasileira completou mais um ciclo, e lá está de novo a classe média brasileira, ensaiando tomar as ruas, para exigir a invalidação de uma eleição, bem típico, ou o apressamento do resultado de investigações ainda em curso, ou seja, acelerar a condenação, porque as pessoas dessa classe social, assim como crianças mimadas, não gostam de esperar por nada, querem tudo logo. E o querem de forma agressiva, atacando fisicamente as pessoas que discordam de sua imaturidade e facilidade de ser manipulada, como aconteceu numa manifestação em São Paulo, noticiada pelos órgãos de imprensa sérios.
            Convenhamos que a atual presidenta e o seu incrível exército de Brancaleone do PT colaboraram muito para que as coisas chegassem a esse ponto, mas querer torná-los os únicos e piores bandidos dessa história é absolutamente inconcebível, pois todos os órgãos de imprensa sérios, inclusive aquela revista que não é tanto, mostram que a grande massa dos que sangraram a Petrobrás está ligada a outros partidos, principalmente o PMDB, de Calheiros, Sarney, Temer, etc., ídolos da classe média nordestina, assim como o PP, de Paulo Maluf, eterno “perseguido” da justiça, que recebeu da classe média paulista uma votação consagradora, assim como o palhaço Tiririca.
            Por que então só se fala em “PT”, “petralha”, e se minimiza a ação desses outros partidos, frequentadores muito mais assíduos na folha policial que aquele? Será que se está buscando, com essas mobilizações, criar uma cortina de fumaça de sorte a deixar incólumes os maiores ladrões nessa história toda, e nesse caso a “birra” da classe média estaria sendo habilmente manipulada contra seus próprios interesses de classe? Afinal, qual é o interesse ou o valor determinante de nossa classe média?
            Historicamente vamos encontrar essa classe média, pequena é verdade, mas já ativa, em 1822, clamando pela independência do Brasil, no momento em que a prosperidade do reino português se transformara em cinzas e em lembranças de um passado glorioso. A riqueza fazia-se ao mar.
            Durante o Império vemos a classe média conviver tranquilamente com o espancamento de homens nus em praças públicas, pelourinhos, e que ela fingia não ver, para não ter que se comprometer mais com sua consciência cristã católica, capaz de assistir compungida a uma missa, voltar para casa, e em seguida mutilar um escravo que lhe causara um pequeno aborrecimento. A classe média não suportava contrariedade, espera, etc. Mas quando todos perceberam que a escravidão não era economicamente tão vantajosa assim, e a fuga dramática de escravos, associada à crise econômica gerada pela Guerra do Paraguai, agravava a crise econômica do país, essa classe média descobriu-se, “bestificada”, que a escravidão era um horror, a Princesa Imperial um anjo, mas ela, classe média, que sempre fora republicana. O Império cai sem resistência.
            E assim, de crise em crise econômica caem os grandes mitos de nossa história: a Primeira República, com a crise de 1929 – a queda de Getúlio, em 1945, seria uma exceção, mas o seu suicídio em 1954 tinha como ingredientes a fragilidade da sua política econômica e o desejo de seu ministro em melhorar, paternalisticamente, a vida dos trabalhadores, já massacrados em greves desde 1917, ante a indiferença e o temor da classe média, sossegada pela Lei Adolfo Gordo, que mandou de volta à Europa aqueles que não se adaptavam ao escravismo endêmico de nossas relações de trabalho. A prosperidade econômica cria uma aura mística em torno de Juscelino Kubitschek.
            Uma crise econômica derruba o governo de João Goulart, não antes de a classe média descobrir as ruas, em espalhafatosas marchas da Família com Deus Pela Liberdade, em 1964. Pois bem, a liberdade foi para a cova, mas os militares pagavam bem, e diante do milagre manipulado e construído à custa da pobreza da classe trabalhadora, do surgimento da miséria absoluta em nossas cidades, das crianças sem teto e da destruição dos valores familiares tradicionais, que ainda davam algum sentido à nossa sociedade, a classe média se calou e, da mesma forma que fazia para não ouvir os gritos dos negros espancados no século anterior, se afastou de viagem para a Disneylândia.
            A Oligarquia Militar tentou se eternizar no poder, e teria conseguido, se não fosse a crise econômica dos anos 1980, quando essa classe média se descobriu, de novo, muito “democrática”, e foi para as ruas apoiar a emenda Dante de Oliveira e comemorar a eleição de Tancredo Neves, este que, até bem pouco tempo atrás, era visto como “comunista”, ou no mínimo simpatizante. O dinheiro está curto no bolso, então os militares são uns... O início de problemas econômicos traz Lula ao Poder Federal e o início de outra ameaça a eternização do PT aí, enquanto os indicadores econômicos, à revelia do desmanche das relações sociais e da educação, mantém o PSDB eterno no governo de São Paulo.
            Acho que descobrimos, afinal, qual é o valor que move a nossa classe média e porque razão o parafuso seria a melhor imagem para descrevê-la, e porque cada ciclo voltarmos exatamente para onde estávamos antes: o dinheiro, e só ele.

            Mergulhando cada vez mais fundo nas contradições, por essa classe mesma, criadas, nossa sociedade, já sem valores intangíveis, se vê, senão veja, às voltas com uma crise de proporções bíblicas, gestadas pincipalmente no estado onde essa classe média se sente mais segura, enquanto o céu azul e abrasador do eterno verão dos trópicos, o símbolo da nossa nacionalidade alegre e irresponsável, prenuncia, para o início do ano que vem, a tempestade perfeita.

(visite o blogue construindopiaget.blogspot.com.br)

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