LUCIANO HUCK OU A VERGONHA DE SER BRASILEIRO
Prof Eduardo Simões
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Faço a
chamada no 1º Ano do Ensino Médio. “Caroline!”. Uma aluna, uma graciosa mulata,
vem até mim e pergunta: “como está escrito?” Estranhei, mas soletrei para ela.
“Está errado, é com dois ípsilones”. Conferi de novo o nome é lá estava:
Caroline. Fui à secretaria da escola e pesquisei na sua ficha de matrícula e
nas fotocópias de documentos. “Nos seus documentos está escrito com ‘i’ e ‘e’!”
Ela insiste: “mas eu quero que seja escrito com dois ípsilones”. Escaldado pela
enorme quantidade de alunos com nomes estropiados, na tentativa de pais
semianalfabetos em reproduzir termos da cultura inglesa – já tive até uma
“Kerollen” – tentei lhe convencer já estava perfeitamente adequado à grafia
inglesa original, até lhe ensinei a pronúncia: “kerolain”, mas não adiantou; a
cultura inglesa era muito pouco “inglesa”, para ela. Logo ela, que só pelas
características raciais, poderia sofrer preconceito se fosse morar no principal
atrativo da cultura inglesa: os EUA. Pelo menos, ela não mais correria o risco
de ser esterilizada, sem o saber ou sofrer linchamento público, como amargaram
as pessoas de pele escura algumas décadas antes. Coisa que ela, e os outros,
nem imaginam.
Isso me
preocupa, pois historicamente era apenas a elite econômica que costumava mostrar
ojeriza pelo povo e a cultura da terra, tendo sido necessário um monumento
literário do porte de um “Sertões”, de Euclides da Cunha, de 1902, para mostrar
às nossas elites da época, que havia um Brasil para além de seus muros e das
vitrines de Paris, uma elite deveras ingrata, pois devia os imensos privilégios
e prestígio ao povo e ao país que tanto desprezava, e que não os experimentaria
em nenhum outro local do mundo “civilizado”, tanto a seu gosto.
Bem, já
que não dá para se transferir para Europa ou Estados Unidos, carregando os
privilégios junto, porque não tentar trazer o mundo “civilizado” para cá,
assegurando, a manutenção do privilégio e da fama. Semana passada, um quadro do
progrma de Luciano Huck, chamado “Um por todos. Todos por um”, frase retirada
do romance “Os três mosqueteiros”, do francês Alexandre Dumas, penso, chamou-me
a atenção.
Tudo
começou com a descoberta de um projeto extremamente meritório, de um agente
penitenciário de Aquidauana, MS, uma cidade cujo nome está ligado a um dos mais
imponentes e esquecidos feitos militares da história de nosso país: a Retirada
da Laguna, em 1867, quando quase dois mil homens e mulheres deram a sua vida ou
o seu sangue, para que aí se continuasse falando português e valendo as nossas
leis. Que prevalecesse a nossa cultura.
Descoberto
por Huck, o emotivo e bem brasileiro agente, instrutor de basquete nas horas
vagas, foi envolvido, junto conosco, em uma aventura de mágica, que contou com
a presença de astros genuinamente nacionais como Oscar Schmidt e Hortência
Marcari, sendo o tal agente, inclusive, levado pela produção do programa para
assistir um jogo do Cleveland Cavaliers, onde conheceu Anderson Varejão, e a
frase slogan do time: “All for one. One for all!”. O título, em inglês, do
quadro de Luciano Huck!
Tudo
bem, nada de mais, como nada de constrangedor havia no presente que a produção
deu ao agente ao turbinar, com uma bela reforma, o espaço a ser usado pelos
alunos do agente, em geral filhos de presidiários e gente pobre, não fosse o
nome escolhido, pela produção, para o time recém-criado: “AQUIDAUNA
ALLIGATORS”, exatamente como é o costume nos Estados Unidos e Canadá, inclusive
com a inversão, na frase, entre possuidor e a coisa possuída, como ocorre na
língua inglesa.
Aligátor,
amigo, é um animal que só existe nos Estados Unidos, no Brasil, se é que é para
por um nome de animal, conforme o costume americano, o que existe são jacarés.
Qual a razão dessa cópia tão grosseira de um costume americano no interior do
Brasil, no centro da América do Sul, tão abandonada e esquecida pelos
“brothers”? Por que razão impor, de foram tão agressiva, ao povo pobre de
Aquidauana, vergonha por sua própria cultura, ou será que todos vão conseguir olhar
para aquele escudo do time, onde está escrito “alligators”, e ler sem
dificuldade “aligueirô”, como Luciano Huck fez questão de ressaltar e até
gritar, no final do programa, como que para ninguém esquecer a pronúncia
correta do inglês dos EUA? Por que razão é importante que as pessoas se sintam
analfabetas, ou inferiores, toda vez que olharem para o escudo do seu time de
coração e não entenderem nada, até ficarem com vergonha por viverem em um lar ou
em uma cidade onde só se fala português? O Departamento de Estado dos EUA,
alguma empresa de lá, pelo menos, financiou alguma coisa? Eles vieram de lá
trabalhar no projeto? Se isso aconteceu, por que foi omitido?
Isso não é brincadeira, estamos ignorando
coisa séria e está na hora de termos mais cuidado e zelo nossa cultura. Certa
vez eu estava dando aula e pronunciei displicentemente “eipou”, a propósito de
“apple”, afinal eu não faço nenhum esforço em ser castiço na pronuncia do meu
inglês no meu país – eu sou brasileiro e não americano ou inglês – quando um
aluno, semianalfabeto em português e analfabeto em história do Brasil, por
resistir à aprendizagem, me interrompeu para corrigir: “é épou”. Ou seja,
enquanto nas universidades doutores e mestres recomendam não corrigir os erros
de português dos alunos, a pretexto de preservar a autoestima, constrangimento
de classe ou sei lá que outra mitologia, os brasileiros, alguns
semianalfabetos, estão se cobrando nas ruas a pronuncia correta do inglês, e o
programa de Luciano Huck, infelizmente, deu mais força a esse desatino.
E quem
fica na corda bamba numa realidade como esta? A principal fonte de cultura
luso-brasileira: a escola com os seus professores, vistos cada vez mais como
antifuncionais, porque tentam passar conhecimento e valores que programas como
os de Luciano Hulk afirmam gratuitamente ser inadequados ou ultrapassados, na
melhor das hipóteses, ou talvez ele, como a maioria, nem saiba o que está
fazendo, afinal tem um quadro felicíssimo chamado “soletrando”, ainda que
baseado em antiquíssimas competições americanas de soletração. Mas vale, é uma
boa iniciativa.
Como a
escola e professores podem resistir a pressões dessa envergadura e garantir uma
boa qualidade e quantidade de aprendizagem? Enquanto isso, “especialistas”,
mobilizados pelas principais revistas do país, clamam ter encontrado a solução
à descaracterização e desvalorização da cultura e o seu prolongamento
necessário, a desvalorização do conhecimento adquirido nessa cultura: a culpa é
dos professores e a solução é acabar com a estabilidade no emprego e quaisquer
outras vantagens para a carreira, afinal ele é um profissional como outro
qualquer, da mesma forma que as crianças, os seres humanos, são um bem como
outro qualquer? Afinal não é nisso que se acredita nos Estados Unidos?
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