quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A Herança do Primeiro Bispo

Professor Eduardo Simões

Dom Pero Fernandes Sardinha, nomeado Bispo de Salvador em 22 de junho de 1552, portanto ainda no governo de Tomé de Sousa, é um desses personagens "condenados" a ser polêmicos na história.

Apesar de sua grande erudição teológica e de ter suas qualidades morais gabadas pelos seus contemporâneos, é consenso entre os padres jesuítas que aqui estavam, segundo as cartas trocadas entre eles, que o bispo jamais entendeu as peculiaridades de nossa terra, nela permanecendo como um estranho ou alguém em permanente estado de choque, até o "espetacular" desfecho de sua vida.

Ao desembarcar no Brasil, Sardinha vinha muito sobrecarregado:

Primeiro por uma vasta erudição acumulada nos corredores e salas de aula das melhores universidades europeias, num país em que até hoje o excesso de erudição e saber causam estranheza.

Segundo por uma autossuficiência que afastava os bons conselheiros, indispensáveis para o enfrentamento bem-sucedido de uma nova realidade; e terceiro por normas de um direito canônico adaptado a uma realidade cultural estranha à da diocese que ele ia assumir. A receita certa do mais completo fracasso.

Primeiros conflitos
No início, ele foi muito ajudado pelos jesuítas de Manuel da Nóbrega e recebeu destes todo o apoio, mas logo começaram os atritos, aparentemente por causa de sua visão pastoral oposta à destes em relação aos indígenas.

Isso porque enquanto os jesuítas de Nóbrega criam numa conversão gradual dos índios, respeitando os seus costumes e desvinculando o cristianismo da cultura europeia, a percepção do bispo era fortemente eurocêntrica.

Sua visão começava por combater acirradamente qualquer insinuação de nudez ou a simples mostra de partes do corpo durante a liturgia, como faziam os europeus de seu tempo, sem falar na obrigatoriedade do uso da língua portuguesa na liturgia e nos sacramentos – inclusive naquele que é, até hoje, considerado como fulcral para a aquisição e o aprimoramento da fé católica: a confissão. 
"Confundindo... a religião com a cultura, queria o bispo que se exigisse dos índios, antes de serem admitidos ao batismo, a capitulação diante da civilização ocidental" (Sérgio B. de Hollanda; História geral da civilização brasileira; vol.2; Bertrand Brasil; pág. 58)


O passo seguinte foi ainda mais grave: os índios, na visão do bispo, segundo cartas dos jesuítas aos seus superiores em Portugal e até ao rei, não passavam de selvagens, no sentido mais pejorativo do termo, incapazes de assimilar corretamente o cristianismo como era praticado na Europa que, segundo a mentalidade do bispo, era o único correto, o que justificaria, inclusive, a sua escravização, contrariando uma bula do Papa Júlio III, de 1537, que declarava ilícita a escravidão dos índios.

O choque de concepções foi tão forte que Nóbrega, pretextando dar uma ajuda à fundação do aldeamento de São Paulo, pediu licença a Sardinha e viajou para o sul, em 1552. O bispo ficou entregue aos seus próprios pré-conceitos e aos membros menos preparados do clero de Salvador.

Segundo Pedro Calmon, em sua História do Brasil, o bispo cometeu outro grave erro ao se cercar de vários clérigos despreparados e até mal-afamados, para formar o seu cabido – conjunto de padres que servem junto ao bispo no serviço de uma catedral – o que só serviu para agravar a situação.

Com auxiliares tão despreparados, o bispo começa a meter os pés pelas mãos também com os colonos, exigindo de forma muito acintosa que eles cumprissem os seus deveres de fiéis cristãos, em especial no pagamento do dízimo, feito com guarda armada e ameaças, o que era aceitável para os padrões daquele tempo, mas não por pessoas que estavam longe de serem exemplos de "bons cristãos", como os colonos aqui estabelecidos.

Sardinha completou as suas medidas, excomungando o donatário da Capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, que, deprimido pelo fracasso de seu empreendimento, deu-se ao vício indígena do fumo, algo inconcebível para o bispo, que o apartou oficialmente da igreja Católica, não sem antes submetê-lo à humilhação pública de ser expulso de um ato religioso.

Fora de controle
Com a chegada do segundo governador, Duarte da Costa, em 13 de julho de 1553, trazendo o seu filho primogênito Álvaro da Costa, a situação tomou um rumo inesperado, pois, segundo uma certa tradição, ele era um jovem impetuoso e dado a farras – como nas baladas de hoje.

Nesse caso, Álvaro da Costa seria o patrono de todos os "filhinhos de papai" que até hoje infernizam o sono da gente trabalhadora – que começaram a incomodar os moradores mais sossegados e a desafiar a autoridade do bispo, que, como era do seu feitio, fez um duro sermão a respeito desses acontecimentos na frente dos interessados.

O efeito foi imediato: o governador tomou o lado do filho e a pequena cidade do Salvador viu-se dividida em duas facções inconciliáveis. Chegou-se à beira do conflito generalizado, enquanto na periferia os troca-tapas, as ameaças, os desaforos e as prisões arbitrárias começaram a ocorrer. Nada de novo sob o sol!

Esse conflito, retratado de diferentes maneiras, conforme o autor se coloca, quer a favor do bispo ou quer a favor do governador, revela bem a imaturidade psicológica dos principais envolvidos, o que nos faz desconfiar de sua condição de "novo-rico", gente que emigrou muito rapidamente de uma posição social desfavorecida para uma muito eminente.

Muito parecido ocorreu com a nova nobreza após a Revolução de Avis (1383-85), processo esse que só fez aumentar com o incremento do comércio colonial e, como nós observamos na história recente do Brasil, nós sabemos o quanto a sensibilidade e o amor próprio dessa gente é sensível e dado a reações explosivas, públicas e desproporcionais.

Os índios aldeados ao redor da cidade, provavelmente contrariados tanto com a política de catequese do bispo como dos excessos cometidos contra eles pelo filho do governador e percebendo o conflito entre os portugueses, aproveitaram-se para levantar-se em 1556, obrigando os dois lados a uma trégua.

O comando da reação colonial foi entregue a Álvaro da Costa, que conseguiu, com uma grande mortandade de índios, uma vitória incontestável, debelando a rebelião, enquanto deixava a situação do bispo ainda mais difícil, afinal, a função do clero, prevista no Padroado Régio, carta que regulava as relações entre o estado e a Igreja em Portugal, era de apaziguar os espíritos para viabilizar a colonização e a cristianização que daí adviria.

Ora, a ação de D. Sardinha estava longe de atingir esse objetivo, por isso ele foi destituído do cargo em 2 de junho de 1556 e convocado, junto a alguns de seus partidários, para ir a Portugal para dar explicações ao rei.

Em 15 de junho de 1556, D. Sardinha embarcou no navio "Nossa Senhora da Ajuda", mas no dia seguinte o navio, levado por ventos e corrente contrários, foi dar em uma praia onde encalhou, e seus ocupantes, passageiros e tripulação foram capturados, mortos e devorados pelos índios locais em um festim canibal.

As controvérsias de Moacyr Soares Pereira
O impacto da morte de Sardinha na Europa foi tremendo, nunca antes um alto clérigo da Igreja Católica sofrera um fim tão "selvagem" para a mentalidade do europeu da época, por isso o estado colonial português apressou-se em cair como um raio sobre os responsáveis.

Em 1557, a regente de Portugal, Catarina da Áustria, declarou guerra perpétua e autorização para escravizar os índios caetés, supostos causadores da morte do bispo, segundo podemos ver no artigo do falecido professor Moacyr Soares Pereira, "O naufrágio e morte de D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil; sua revisão histórica" (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; abril-junho, 1995, pág. 285).

a) A responsabilidade dos caetés.
A responsabilidade dos caetés sempre esteve muito ligada à crença que se construiu ao longo da história de que o naufrágio ocorreu na barra do rio Cururipe, em Alagoas, terra tradicionalmente habitada pelos índios caetés, de fala tupi, senhores da faixa litorânea que ia de Alagoas até o sul da Paraíba.

Essa versão tem sua principal fonte nos escritos de um senhor de engenho da época chamado Gabriel Soares, em seu Tratado descritivo do Brasil, que, vindo de Portugal, chegou aqui em 1577.

O problema é que documentos antigos, pelo menos quatro, feitos por contemporâneos desse acontecimento, ignorados ou só recentemente encontrados, revelam que a nau do bispo naufragou não na barra do Cururipe, mas na barra do rio Vaza-Barris, mais ao sul, no território de Sergipe, área tradicionalmente associada aos índios tupinambás, também de língua tupi, mas inimigos dos caetés.

Entretanto, também é certo que entre esses dois povos havia uma guerra interminável e, não raro, a fronteira entre eles se movia conforme um ou outro avançava nos territórios dos adversários.

O trabalho dos pesquisadores Marcos Eugênio O. Lima e Alan M. Matos de Almeida da UFS, assim como a página do professor Ivan Paulo sobre a história de Sergipe sustentam que havia caetés em Sergipe. A autoria dos caetés, portanto, pode até ser descartada, mas não por causa do critério geográfico.

Outra questão surge do costume dos próprios índios. Um sucesso tão arrasador como esse (que redundou na prisão e devoramento de dezenas de pessoas) seria um motivo de glória para uma tribo.

Surge, então, a indagação: Por que os tupinambás, que também eram inimigos incondicionais dos portugueses, como os caetés, abririam mão dessa "glória" para deixar a "culpa" e a "glória" recaírem toda sobre os caetés se eles, naturalmente, pouco se importavam com o desconforto e os valores dos portugueses e nem acreditavam que estes fossem tão poderosos assim (tanto é que nunca deixaram de travar contatos com os franceses)?

Para mim, uma coisa até esse momento é absolutamente certa: o naufrágio ocorreu na barra do Vaza-Barris em Sergipe – se alguém quiser se aprofundar a respeito, eu recomendo o artigo citado de Moacyr Pereira na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro constante em http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=20.

b) A punição contra os caetés
Segundo o mesmo Moacyr, a acusação contra os caetés fez parte de uma campanha orquestrada e colonialista para justificar a guerra justa contra esses índios, sendo a sua extinção, ocorrida poucos anos depois, um mero genocídio: "o maior genocídio contra do índio brasileiro no primeiro século da nossa história".

Desconsiderando que o termo genocídio só surgirá na linguagem jurídica mundial em 1944 e oficializado pela comunidade mundial na Carta de Londres de 8 de agosto de 1945, sendo, por conseguinte, totalmente inadequado para caracterizar um evento do século XVI, a decisão de atacar e destruir os índios de Alagoas e Sergipe não era tão simples assim.

Portanto, precisa ser enquadrada dentro da lógica colonial, esta sim condenável, embora não deva ser julgada pelos mesmos valores de hoje, sob pena de caírmos em anacronismo – concepção que desconsidera a evolução das sociedades ao longo do tempo.

b.1. É certo que os colonos portugueses nunca precisaram de acontecimentos tão dramáticos para obterem a autorização real para fazerem suas guerras se tornarem "justas" no Brasil, quando se davam a esse trabalho, sem falar que os caetés já vinham há muito tempo movendo guerra contra os colonos de Pernambuco, que os desalojaram de sua terra.

A morte do bispo não acrescentou nada ao status dos caetés com os colonos portugueses, não se justificando a tese de um complô que se deu ao trabalho de ir até Portugal para "fazer a cabeça" da regente contra os caetés.

b.2. Gabriel Soares fala em sua obra que os caetés foram punidos com a extinção cultural por essa “desfeita sacrilega” ao poder colonial, pouco tempo depois do ocorrido.

O professor Moacyr Pereira concorda com isso e, inclusive, esclarece-lhe o tempo: 5 anos após o massacre do bispo. Mas aí começam os problemas para a tese do professor Moacyr.

b.2.1. Segundo Soares, o fim dos caetés está ligado a uma confederação de tribos tupis e jês da Bahia e do Pernambuco, formada logo após o incidente com o bispo para dar uma lição nos caetés, em vista de sua "excessiva" agressividade e ardor guerreiro.

Ainda segundo Soares, foi o ataque dessa confederação de tribos que de fato desmantelou os caetés, ficando aos portugueses a oportunidade de ajudar no extermínio com ataques secundários, além da incorporação de muitos caetés ao plantel dos escravos na colônia. Aqui Moacyr Pereira e Gabriel Soares divergem.

b.2.2. Um texto constante no livro O feudo: a Casa da Torre de Garcia DÁvila, de Moniz Bandeira, pág. 133, Google Books (versão online) – além de Pedro Calmon – diz que uma expedição punitiva-escravagista contra os caetés foi enviada a Sergipe (?) pelo Governador-Geral Manuel Teles Barreto.

Tal expedição foi completamente massacrada pelos caetés de Sergipe, aliados aos franceses, junto ao Rio Real, na fronteira com a Bahia, entre 1583 e 1587.

Eis um trecho do livro de Moniz Bandeira que narra esse episódio: "quando os caetés que habitavam o rio Sirigi (Sergipe), acima do rio Real, na enseada do Vaza-Barris...".

Frei Vicente do Salvador fala desse episódio no seu livro "História do Brasil", Livro Quarto, Capítulo Décimo Sétimo, "De uma grande traição que o gentio de Sergipe fez aos homens da Bahia, e a guerra que o governador fez aos Aimorés", embora lhe dê uma motivação bem diversa daquela dada pelos autores precedentes.

A data e o posicionamento geográfico dos caetés nesses textos levam de roldão quase tudo o que se afirmou nos parágrafos acima.

b.2.3. Frei Vicente do Salvador no Livro Quarto, Capítulo Vigésimo, pág. 96, edição online, fala que Cristovão Barros, o filho bastardo de Antônio Cardoso de Barros – donatário fracassado da Capitania do Ceará e um dos devorados no naufrágio do Vaza-Barris – resolveu se vingar dos índios que haviam morto o seu genitor, e que habitariam em Sergipe.

"Muito estimou Cristovão de Barros entrar no governo para poder ir vingar assim a traição, que o gentio de Sergipe fez aos homens da Bahia (no massacre do rio Real)... como a morte de seu pai Antonio Cardoso de Barros, que ali mataram e comeram, indo para o reino com o primeiro bispo desta Bahia".

O professor Moacyr ganha um ponto precioso em sua tese ao mesmo tempo em que sofre uma derrota acachapante: a expedição punitiva de Cristovão de Barros ao gentio sergipano (tupinambá ou caeté?). Se o relato de frei Vicente for plenamente confiável, deu-se em fins de 1589, 33 anos após o naufrágio do bispo! Como fica a tese da "guerra santa" e do "genocídio" imediato contra os assassinos do bispo?

O texto de frei Vicente dá muito mais ênfase ao desejo de vingança pessoal de Cristovão de Barros do que a uma pretensa política "genocida" do estado português, na qual elementos de justiça bruta "guerra tão justa dada com o consentimento de el-rei", seja por conta da morte do bispo seja por causa da aliança, estreita e contínua, que os índios de Sergipe faziam com corsários franceses, misturam-se interesses bem pessoais com políticos e outros muito objetivos; "esperaram trazer muitos escravos".

O rescaldo
O incrível fim de Pero Sardinha – não conheço a história de outro bispo da Igreja Católica que tenha conhecido morte semelhante – sacudiu durante séculos o imaginário do povo brasileiro, ora condenando ora aplaudindo, e até procurando ver nele o sinal da nossa afirmação cultural.

Houve reflexo também no "Manifesto Antropofágico" de Oswald de Andrade, de 1927, que via no fim do bispo um símbolo – este, que tanta questão fazia que os índios se tornassem espiritualmente europeus, acabou sendo transformado, literalmente, em índio – e termina o seu texto em uma ironia ácida autodatada no "ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha".

O final do Manifesto pode até valer como uma nota de humor negro, mas aquilo que ele vê no acontecido não podia ser mais equivocado, pois a morte do bispo desencadeou fortes paixões e motivação psicológica que levou a uma das mais raivosas matanças de índios de nossa história, enfraquecendo as possibilidades de afirmação cultural destes ao longo dos primeiros séculos.

Será esta a vingança final do bispo ou um aviso de que não convém que política e religião andem juntas?

O caráter pendular de nossas reações emocionais acaba por se refletir no caráter também pendular em nossa forma de abordar os problemas nacionais e a nossa história.

À historiografia "tradicional", sempre preocupada em apontar para a estabilidade e o consenso social em torno de valores e figuras históricas consagradas pelo costume ou a tradição, sucedeu outra que só consegue ver conflitos, luta de classes etc., usando deste como uma camisa de força tal qual os costumes e a tradição faziam antes em relação aos "grandes personagens".

Assim, logo se veem conspirações, genocídios etc., em que um sentido histórico mais moderado veria um conjunto de situações historicamente condicionadas, levando para um desfecho que não é exatamente aquele que desejaria o historiador.

É, por acaso, função de a história completar as lacunas do tempo com as sobras dos historiadores?

É tão absurdo assim ver, no massacre dos índios de Alagoas e Sergipe, o resultado de movimentos históricos profundos e gigantescos, não necessariamente sob o completo controle dos agentes, como o quer a "historiografia das intenções" ou "das conspirações", tão comum em nossa intelectualidade de esquerda?

Seria muito complicado ver índios e colonos envolvidos por acontecimentos e/ou movimentos que ultrapassavam de muito a sua compreensão imediata, o seu discernimento e o seu poder de decisão, enquanto se procura, por meio de uma análise linear, comprovar em apenas um acontecimento a única crença possível que alguns alimentam acerca das motivações e movimentos históricos?

Voltamos à camisa de força, ao dogma, à mistura explosiva de religião com política, transformando a política em religião.

Agitar gratuitamente um conceito, procurando moldá-lo a tudo que, ainda que distante, se assemelhe ao seu uso original é desmoralizá-lo por completo.

Esse fato é grave quando nos referimos a um tão carregado de significado e emotividade como "genocídio", que nos induz logo à imagem de homens, mulheres e crianças desarmados, que não representavam o menor perigo objetivo, sendo levados ao matadouro pelo simples fato de estarem ali, como se a sua simples existência já fosse uma provocação, conforme o conceito foi originalmente criado em meados dos anos 1940.

Será que o que aconteceu em Sergipe no século XVI se enquadra nesse conceito?

Sem negar que em muitas partes houve uma matança desnecessária, injustificada e covarde de índios, neste caso há controvérsias:

a) Os autores antigos são unânimes em dizer que esses índios estavam em estreita aliança com contrabandistas e piratas franceses, e que em função disso a ligação terrestre entre a capitania mais rica, Pernambuco, e a capital da colônia, Salvador, distando apenas uns 800 km, estava cortada.

b) Que os franceses não apenas contrabandeavam o pau-brasil local como também armavam e orientavam militarmente os índios locais (caetés ou tupinambás?).

c) Que os franceses participaram ativamente no combate à expedição luso-indígena massacrada junto no rio Real, sem falar que durante o embate final entre Cristovão de Barros e os índios de Sergipe, acima referido, estes mostraram uma grande sofisticação bélica, com armadilhas e manobras diversionistas, comuns a um exército europeu, mas estranhas à concepção de guerra indígena.

d) O texto de Pedro Calmon diz o seguinte: "O mesmo missivista da Companhia de Jesus (provavelmente o visitador Cristovão de Gouveia) explicava: "...De três anos a esta parte somente nesta Capitania (Sergipe), são mortos em semelhantes entradas perto de 500 homens brancos, e que com estes são agora alguns seiscentos (o autor se refere ao grupo massacrado no rio Real, que constava de uns 130 portugueses e mestiços), pág. 929-930.

O livro de Muniz Barreto diz: "o número de portugueses mortos pelos índios em semelhantes entradas naqueles últimos três anos subiram a mais de 600" (pág. 133).

O que houve em Sergipe foi uma guerra, uma guerra duríssima para ambos os lados, na qual os nativos levaram a pior e sofreram as maiores perdas.

Certamente, foram por razões de ordem econômica e política que moveram a metrópole a dar guerra de extermínio aos índios de Sergipe, servindo a morte do bispo apenas como um pretexto menor ou secundário.

A morte do bispo, então, serviu para enfurecer e mobilizar o homem comum, o soldado, a bucha de canhão, que partiram para lá pensando em mover uma guerra santa, em serem o braço da vingança divina, logo ele que era tão humilhado e desprezado no seu cotidiano, da mesma forma como motivou os índios a darem mais de si, a confiarem que a vitória era possível.

Afinal, se eles haviam sido bem-sucedidos no episódio do naufrágio, por que não o seriam agora?

Outra coisa que fica clara é o desencontro entre as diversas fontes. Abundam omissões, lacunas, contradições etc.

Isso é raro na nossa história? É tão difícil assim aceitar isso e se conter para não sair completando, sem esclarecer ao leitor, o que falta às crônicas originais, considerando que a retirada ou o corte de uma informação, nessas condições, seria um crime de lesa memória?

Desde que os impostos estivessem sendo pagos em dia, em nada interessava ao estado colonial coletar dados sobre acontecimentos sociais relevantes, afinal não havia, para o Estado, nada relevante fora do fisco, como parece acontecer até hoje.

Bibliografia
BANDEIRA, Moniz. O feudo: a Casa da Torre de Garcia DÁvila. Google-Book: online. p 132-135, 148. Acesso em 22/02/2012.
CALMON, Pedro. "História do Brasil". In: Enciclopédia Delta Larousse. 2ª ed. Rio de Janeiro: Delta, v. II, 1964. p 929-930.
HOLLANDA, Sergio Buarque (org). História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 119, 125, 132 v.I e p.58 v.II.
PEREIRA, Moacyr Soares. "O naufrágio e morte de D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil; sua revisão histórica". In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. abril-junho, 1995. p. 285. edição online.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. p 93-94. edição online.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil. edição online.

(visite o blogue construindopiaget.blogspot.com.br)

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