segunda-feira, 31 de agosto de 2015

SABEDORIA PARA ESCOLARES-II

Prof Eduardo Simões

As pessoas vivem, enquanto são lembradas, e morrem, quando são esquecidas.

         Quantas pessoas não há que causam tantos dissabores aos outros, que as vítimas, não raro, dizem: “não quero nem me lembrar disso!”... ou “dele (a)”, como se a simples menção dessa pessoa magoasse uma cicatriz já fechada. As pessoas que causam esse mal-estar, que em geral são golpistas imaturos, e se consideram muito espertas, embora estando ainda nesse mundo, na verdade estão mortas para muitas pessoas, e o seu destino é o esquecimento geral rápido.
         Bem diferentes são aquelas, ou aqueles, que, buscando ajudar aos outros, criam uma boa memória ao seu redor, de tal sorte que muitos lamentam seu afastamento ou partida desse mundo. Estes, mesmo estando mortos, são rememorados com prazer ou saudade e essa memória faz com que eles, mesmo ausentes, continuem a atuar no mundo, de alguma forma modificando-o, ajudando a melhorá-lo. Alguns, devido ao seu elevado caráter ou circunstâncias históricas, chegam a se transformarem em monumentos, e são relembrados por milênios, depois de sua passagem neste mundo... pelo bem que fizeram.
         Esse dito de sabedoria nos recomenda duas coisas:
Primeiro, que cada um cuide bem da sua imagem, da memória que pretende deixar para o seu próximo, de tal sorte que cause saudade e não horror, e desejo de esquecimento.

Segundo, que cada um assuma o fardo de suas escolhas com sinceridade; com as suas consequências, pois não há coisa pior do que o medíocre, o inconsciente, o que só faz porque viu os outros fazerem. Foi a respeito dele que um autor sagrado deixou uma mensagem preocupante de Deus, para quem age assim: “Conheço as suas obras, e sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente. Assim... estou a ponto de vomitá-lo de minha boca” (Ap 3, 15-16)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SABEDORIA PARA ESCOLARES-I

Prof Eduardo Simões

         O nosso sistema escolar tornou-se uma chocadeira de aleijões.
         Obcecadas com resultados “objetivos”, mensuráveis, de curto prazo, e em reproduzir internamente modismos pedagógicos, criados em realidades alienígenas, nossas autoridades empobreceram radicalmente o currículo da educação nacional, e em especial o da escola pública, que é o que mais me interessa, embora não exclusivamente.
         A preocupação com “desempenhos mensuráveis” trouxe de volta o câncer da antiga escola: a compulsão pelos exames ou provas objetivas sobre os temas do conteúdo de cada disciplina, agravada pela necessidade de explorar ao máximo as questões objetivas, tipo “risca, risca”, onde vários “X”, colocados aleatoriamente, podem fazer a diferença entre o falso gênio, o incapaz sortudo e o pilantra tecnológico – na escola em que eu trabalho ocorreram, em avaliações promovidas pelo Ministério e Secretaria de Educação, dessas que determinam o futuro de investimentos no setor, dois casos exemplares: no primeiro, um garoto INTEL, aparentemente autista, e um dos mais relaxados alunos de uma turma foram os únicos que acertaram uma questão, segundo os estatísticos, “difícil”. Numa recente olimpíada de matemática, apenas um menino e uma aluna, claramente incapaz, também INTEL, foram os únicos promovidos para a segunda fase, deixando fora outra, muito inteligente e superdotada para a arte.
          E se uma coisa não dá certo, o que se faz? Insiste-se mais ainda nela, como na proposta de tornar cada prova bimestral, desde o 6º Ano, uma espécie de simulado de vestibular. O câncer voltou mais forte do que nunca, com indicação de septicemia.
         Num sistema desses, tão cego, pertinaz e deslumbrado pelo “desempenho”, evidente que não há lugar para outra coisa que não seja comportamento cognitivo estereotipado e politicamente correto, logo burro, o único que se presta à mensuração de caráter estatístico, o que transforma os escolares, aos olhos das ”autoridades” educacionais, em cabeças, que pensam em termos da “lógica” socialmente aceita, que predispõem a mobilizar seus braços apenas para o trabalho, e suas pernas para correr atrás das promoções, afinal a única pesquisa que se conhece e se valoriza nesse país é a pesquisa de preços.
         Enfiamo-nos de cabeça na “Terceira Onda” de Alvin Toffler, criando uma geração de prossumidores: produtores e consumidores compulsivos, sem tempo para pensar na vida, até que um dia de cão o desperta da inconsciência para as primeiras páginas das mídias, e ele percebe que estragou profundamente a sua vida, que ele, há muito tempo, desde que saiu da escola, não faz outra coisa.
         É preciso cuidar e educar também o tronco dos jovens, lá onde está o coração, a sede dos sentimentos, dos valores e da sexualidade, que não é outra coisa senão que instrumento de união supremo e esperança de futuro, transformado, pelo consumismo desenfreado, em foco de doenças físicas e mentais e desonra.
         É preciso trazer de volta o “subjetivo” para a escola, a afetividade, uma socialização que não seja apenas “grupo de trabalho”, mas convivência feliz entre amigos e amigas na melhor acepção desse termo. A escola precisa voltar a valorizar a sabedoria, no sentido de uma leitura ao mesmo tempo global e profunda da realidade, que demanda competência e habilidades incompatíveis com um currículo preocupado apenas como “desempenho”, mas que permite, inclusive ao homem inculto vencer lá onde doutores e mestres da academia fracassam: na vida feliz, equilibrada, socialmente comprometida. Enfim, a síntese de quem entendeu e que provoca os outros a entender também, cada um do seu modo.
         Mais do que prossumidores, precisamos formar vivedores, com uma urgência e uma quantidade que não dá nem para mensurar...
         Essa é a minha proposta.

A dor faz o homem pensar, o pensamento o torna sábio, e a sabedoria torna a vida suportável.

A dor tem sido comumente associada ao desagradável, ao que deve ser evitado, porém, vista por outro ângulo, a dor é um mecanismo de retroalimentação indispensável à nossa sobrevivência – as pessoas que ficam com partes do corpo insensíveis, como acontece com as manchas de hanseníase, não conseguem sentir a chama que lhe queima, e por isso podem adquirir um ferimento muito perigoso, antes de se darem conta. A dor física nos diz: “afasta-se rápido”, e isso pode salvar sua vida.
Mais complicado é a dor moral, quando nossa razão nos aconselha a evitar uma coisa, ou pessoa, a qual estamos habituados, ou pretendíamos ficar habituados. Desistir de um sonho, inclusive definitivamente. Esse é outro importante ensinamento da dor, pois enquanto a dor física nos ajuda a preservar a vida, e isso é bom, a dor moral nos ensina a nos desapegar daquilo que é irrelevante ou desnecessário, obrigando-nos a construir uma escala de valores, para objetos e pessoas, indispensável para quem não quer viver inconscientemente, nem jogar fora ou se afastar de coisas ou pessoas que lhe podem fazer bem.
É verdade que, em casos extremos, muitos abrem mão até de sua vida, pelo bem ou a vida de outrem, o que nos leva a outro nível: ao heroísmo temperado pela sabedoria, quando não se trata de proteger um criminoso ou alguém que só pensa em si (como os nazistas, morrendo como moscas pelo seu Fuher), mas para chegar a esse ponto é necessário muito discernimento, muita sabedoria, ou seja, experienciar muita dor.
Por isso quando você passar por uma situação difícil, desagradável, uma perda, irreparável ou não, pense bem antes de tentar se livrar dela; reflita antes sobre o que você pode aprender com essa situação, e, se for o caso, aceite a dor como um dos mestres mais sinceros e sábios que você pode ter.

A regra de ouro é a seguinte: não fugir da dor compulsivamente, como faz o homem mediano, o medíocre, nem procurá-la gratuitamente como fazem os doentes. A dor é algo que se aceita. 

segunda-feira, 24 de agosto de 2015


Prof. Eduardo Simões


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         Bravura, honra e sabedoria...

         Éramos pobres? Sim, mas de forma alguma infelizes, pelo contrário, após superarmos duramente muitos, mas não todos, traumas deixados pela maldita, por que nos debilitou os sentimentos, e bendita, porque trouxe para cá a gente negra, escravidão, estávamos juntos, construindo a duras penas um projeto futuro, que ainda não se tornou fato, de democracia racial e social, e havíamos aprendido, nessa passagem, o valor da alegria, mesmo nas situações mais difíceis, que tanto impressionou aos estrangeiros, aqui vinham, de passagem, na metade do século XX, num movimento que ia das cidades para o campo, e que não tem nada a ver com os “tristes trópicos” de Levy Strauss, que assim mostra não ter entendido a nossa alma, (olhou-nos pelo padrão europeu), sem falar que é o roteiro de viagem de um homem que odiava viajar.
         Mas de onde vinha essa alegria? Primeiro de uma natureza, interna e externa, exuberante e generosa, que não deixava ninguém morrer de fome, sequer necessitar de roupas, como bem o entenderam nossos índios. Do sentimento de que mesmo enfrentando as mais duras provações naturais, humanas, legais e ilegais, continuávamos vivos, para amar, tentar um novo amor, e aproveitar ao máximo da sentença, não existe pecado do lado de baixo do Equador, desde que se respeitasse o espaço público. Havia conformismo também, e certa ignorância, um tanto ingênua, que predispunha esse povo a ser manipulado por políticos maquiavélicos, mas havia também uma sabedoria popular, sagaz, malandra, politicamente incorreta, capaz de bloquear, por exemplo, o endeusamento desses políticos pelas massas, como acontecia na cultíssima Argentina – esse conformismo, por sinal, não pode ser confundido com “preguiça”, no sentido pejorativo do termo, mas, como disse a antropóloga portuguesa Judite Cortesão, uma forma de prazer de gozar a vida . Havia também uma conformação religiosa, fruto de uma fé emocional, intensa, pouco esclarecida, e por isso mesmo frágil, mas que era capaz de ver em tudo a Mão Divina, “se eu sou pobre e fulano é rico, é porque Deus quer”; era a marca cultural do nosso catolicismo ibérico, muito relaxado, diametralmente oposto ao protestantismo penitencial dos americanos, castrador em matéria dos prazeres da vida, mas leniente com os métodos de enriquecimento. Por último podemos dizer que a diferença entre ricos e pobres, principalmente nos sertões não era tão grande assim, e transparecia mais na qualidade dos serviços públicos que eram prestados a uma e outra classe social, no que no acúmulo de capitais. A riqueza era mais patrimonial e até simbólica, e não tanto de créditos. Não sabíamos, e ainda não sabemos como lidar com o dinheiro porque ele nunca foi o valor mais importante na nossa cultura, e se hoje o é, o é de uma forma confusa, típica de uma aculturação precipitada. No início dos anos 1950, éramos pobres, mas estávamos aprendendo a ser alegres, e nós, e o mundo, estávamos gostando disso, em que pese a preocupação crescente dos americanos conosco, fruto da projeção compulsiva de valores tão mesquinhos...
         Não tínhamos democracia. Éramos, para o melhor e para o pior, fruto de quatro séculos de autoritarismo patriarcal, que não permitia, senão após demorado período de amadurecimento e conformação com o sistema vigente, o surgimento de novas lideranças, e mesmo de mudanças sociais e políticas mais profundas, mas também não tínhamos ditaduras sanguinárias, que perseguiam até o extermínio, grupos inteiros de opositores, preferindo-se uma tática de cooptação ou intimidação pessoal. Os grandes choques e massacres vão surgir, quando o centro de poder desaparece, como na Abdicação de D Pedro I, como uma forma de rearranjo de forças, ou quando grupos salvacionistas, desvinculados das grandes massas rurais e oligarquias, tomam o poder e querem, ao toque de caixa, modernizar o país, como acontecerá após a tomada do poder pelos militares, gente da cidade, distante do Brasil maior, em 1889.
         É claro que o sistema oligárquico familiar não era, nem é, o mais adequado para modernizar o país, nem poderíamos viver continuamente sobre um, regime de liderança patriarcal, autoritária, paternalista e patrimonialista, e estávamos evoluindo na direção do mundo moderno; mas no nosso ritmo, e não no ritmo que os americanos queriam para fazer frente, de uma forma mais eficaz, ao avanço do comunismo, ainda mais porque os brasileiros daquela época sabiam que o comunismo soviético, eslavo, jamais seria maioria entre os brasileiros, tão estranha é a sua cultura comparada à nossa. Os fatos posteriores provaram isso sobejamente, e se os militares de 1964 também sabiam disso, e mesmo assim prolongaram o seu domínio até 1985, então a gravidade do seu crime, de tão grande, ainda demorará muito a ser corretamente avaliada.
         Nossas oligarquias civis eram nacionalistas. Creio que por uma falta de visão do conjunto, afinal viviam muito isoladas do mundo, sem falar da herança colonial, me refiro às oligarquias agrárias, embora essas mesmas sofressem, cada vez mais, o influxo das oligarquias urbanas, ou mais urbanizadas, que assimilavam as influências externas, e pressionavam a modernização paulatina do país, a partir da nossa experiência nacional. Houve, é verdade, uma grande abertura ao capital estrangeiro entre 1889 e 1930, mas ela ficou restrita às grandes cidades, justamente por causa da enorme resistência das oligarquias rurais em encarar a democratização do espaço público, e ceder espaço para que a lei do país se sobrepusesse aos seus interesses imediatos, paroquiais. Uma sociedade baseada leis bilaterais, generalistas, imperativas, coercitivas, enfim uma sociedade contratual, no interior do Brasil, nesse período, era uma ‘piada’, sem falar da inexistência de um mercado consumidor interno, digno do nome. A abertura e o crescimento que os americanos queriam, nos anos 1950 e 1960, exigiriam grandes e repentinas mudanças na sociedade brasileira, que dificilmente poderiam ser feitas dentro de um regime democrático, embora, segundo o discurso de Truman, essa fosse a maior preocupação dos americanos.
         Noutras palavras, para os americanos as antigas oligarquias civis, no Brasil e no resto da América Latina, eram empecilhos reais ao desenvolvimento da democracia e do capitalismo na região, tornando-a mais sujeita a ação de “minorias exóticas”, sendo, portanto necessário bloquear a sua ação, isolando-as, principalmente por meio de eleições, recheadas de dólares americanos, a financiar os candidatos mais “confiáveis”, em especial os mais afeitos à franca penetração do grande capital americano e ao alinhamento do Brasil, na luta contra o comunismo internacional.
         Uma das instituições mais sensíveis à propaganda americana era, sem dúvida, o Exército Brasileiro, que durante as suas operações na Itália, na Segunda Guerra, tivera a oportunidade de vislumbrar, e de se deslumbrar, toda aquela demonstração colossal, interminável, de recursos bélicos e humanos, do exército americano, sem falar da proximidade física entre os oficiais dos dois exércitos, assimétrica, pois os americanos financiavam a nossa participação, e sujeita a contínua doutrinação.
         Na volta da Itália, as Forças Armadas, cujo apoio a Vargas e à sua ditadura fora, até ali, incondicional e fundamental, vai se posicionar resolutamente a favor da derrubada do ditador, em prol da democracia e da modernização do país, como queriam os americanos, escorraçando a principal figura política das velhas oligarquias, abrindo caminho para o “novo”, que chegou, cheio de vergonha e de sotaque...

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         ... Trocar por isso? 

sábado, 8 de agosto de 2015

BYE, BYE, BRASIL! 1

Prof Eduardo Simões

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         Nem parece, mas já fomos um povo muito batalhador e orgulhoso de suas origens.

         Os norte-americanos, nunca tiveram vocação para o governo do mundo. Eles não têm a flexibilidade e a visão geral dos romanos, que sabiam intervir, a tempo de evitar que uma guerra regional se transformasse em mundial, ou eram capazes de trazer para dentro de Roma populações derrotadas no campo de batalha, para torna-los cidadãos romanos, enquanto assimilavam, curiosos, a cultura de seus cativos. Nesse item os americanos não alcançam, sequer, o padrão dos ingleses, os que, no Mundo Ocidental, mais perto chegaram do ideal romano, embora também tenham criado a mais profunda e odiosa doutrina racista de todos os tempos: a eugenia.
         Não, os americanos são, como recomendavam Jefferson, Washington, e outros, essencialmente domésticos e paroquiais, no sentido mais estrito do termo, preocupados apenas com o seu mundo imediato, o seu entorno imediato, caseiro, conforme recomendação explícita, em testamento político, de seu primeiro presidente, sem falar de outro defeito gravíssimo: eles são racistas, segregacionistas, o segundo povo – o primeiro foram os alemães – que mais avançou na aplicação dos ideais eugênicos.
         Até a Segunda Guerra Mundial o país se isolou em feroz confinamento mundial, o chamado “isolacionismo”, com suas elites preocupadas apenas em contar o dinheiro acumulado pela operosidade e inventividade de um povo inquieto, embora mal dirigido, porque eles sequer podiam, a religião não os permitia, gozar do fruto do trabalho, em um ócio que lhe desse tempo de processar suas últimas experiências internacionais, e criar uma sabedoria diplomática. Eles foram treinados, por suas elites, para ser um povo competitivamente compulsivo, preocupados, primordialmente, com o sucesso profissional-financeiro, e mesmo as suas ações socialmente meritórias têm por objetivo, propagandear os seus méritos pessoais e o de suas empresas. É o marketing da caridade, numa sociedade onde o maior pecado é ser “perdedor”, ou permanecer oculto, onde os 15 minutos de fama se tornaram culto. O dinheiro seria o caminho privilegiado para se chegar ao paraíso, tanto terrestre quanto celeste. Leiam Calvino.... e Donald Trump, se conseguirem.
         Essa elite simoníaca, que inverteu o Sermão da Montanha, e criou um Deus que abençoa os mais ricos e poderosos, foi bruscamente tirada do deleite de sua fortuna, por outra elite ainda mais compulsiva, e tão boa de briga quanto, no infernal bombardeio de Pearl Harbour, e, contrariada, compreendeu que, se quisesse continuar acumulando, teria que dedicar um pouco de seu tempo ao mundo exterior, ainda mais depois da Segunda Guerra, porque lhe surgia, vinda do leste, uma força frontalmente concorrente ao seu confortável capitalismo. E se há uma coisa que essa elite não suporta é a concorrência. Eles precisam ser sempre os pioneiros e os melhores em tudo, inclusive na paternidade da aviação. Antissocial por formação e evolução, essa elite, ao contrário da romana, só consegue ver as relações internacionais como projeção de seu poder e imposição de sua cultura, pela extinção ou exclusão do diferente, e, a partir de sua ascensão, nunca mais o mundo teve paz, embora nunca antes na história uma nação tenha acumulado tanta força econômica e militar.
         A justificativa teórico-ideológica para uma intervenção em escala global, tomada pelos membros mais relevantes e “esclarecidos”, dessa elite, precisava ser muito bem elaborada, sutil, e, porque não dizer, cheia de contradições, para convencer o grande número de membros recalcitrantes dessa elite, ainda mais porque essa intervenção iria demandar ‘muuuito’ dinheiro, sem certeza de retorno, investido fora dos EUA. E essa justificativa veio na forma de dois documentos básicos: o discurso do Presidente Truman ao Congresso, em 12 de março de 1947, e o lançamento do Plano Marshall, na Universidade de Harvard, em 5 de junho do mesmo ano, pelo general George Marshall.
         Segundo o discurso de Truman, o comunismo é sempre fruto de uma violência ilegítima: seja de uma nação mais poderosa sobre outra, no caso a União Soviética, ou de uma “minoria armada” – o comunismo é sempre minoritário, tão minoritário quanto os revolucionários americanos que iniciaram a guerra de independência, mas que, é claro, não foi lembrado – que se impõe, pela força, à uma maioria enfraquecida. Isso para nós, hoje, não faz o menor sentido, mas desde quando o discurso dos políticos se preocupou com isso?
         A partir daí ele urge que os americanos não podem ficar de braços cruzados, vendo os seus aliados em tão premente situação, ainda mais porque se um único país cair em poder do comunismo, seus vizinhos cairão em seguida, com graves prejuízos para aquilo que é a tendência natural da maioria, o desejo de liberdade, de livre expressão, etc. Disse Truman: “os povos do mundo esperam de nós o suporte para manter a sua liberdade” (tradução livre do inglês), numa crassa projeção dos valores americanos, o “american way of life”, e ocultação de seu claro matiz imperial, que aparecerá depois, em intervenções patrocinadas pelos americanos, contra governos de tendência socialista livremente eleitos, impondo, a seguir, cruéis ditaduras de direita, que esmagavam qualquer pretensão de democracia, e foram perfeitamente aceitas por Washington... e pelos “liberais” nativos.
         O principal argumento, porém, é que é preciso a todo custo combater a pobreza em escala mundial, pois, segundo Truman, “As sementes dos regimes totalitários são alimentadas pela miséria e a penúria. Elas se espalham e crescem no solo mal da pobreza e dos conflitos. Elas atingem o seu pleno desenvolvimento quando a esperança de um povo em uma vida melhor se acaba...” (idem) – esse argumento aparece, de forma mais atenuada e ambígua, no discurso de Marshall, como convinha a um chefe militar ainda na ativa, conforme os padrões da democracia e da cultura política americana. Mas tanto um como o outro é taxativo: esses dois momentos, pobreza e comunismo, estão intimamente integrados, e são, principalmente o segundo, uma ameaça real aos Estados Unidos, o que justificaria o seu combate, inclusive, por meios militares, tornado aceitáveis as ditaduras, desde que sejam pró-americanas...
         Ao olhar para o Brasil dos anos 1940, os americanos achavam que tinham especiais razões de se sentirem preocupados: a sua fronteira era enorme e, analisada dentro do padrão da teoria do dominó, era de tirar o sono, nessa época já devia estar maduro, pelo menos em ideia, dentro do Departamento de Estado americano, o mote “para onde o Brasil pender a América do Sul penderá”, repetido por Nixon, na presença do oligarca brasileiro, Garrastazu Medici.
         O povo parecia, para os americanos, muito pobre e infeliz, sob o domínio de uma ditadura política, a de Getúlio, e de velhos chefes políticos, os oligarcas civis, que deviam reger esse pobre povo com “mãos de ferro”, tornando a sua vida ainda mais infeliz, e, consequentemente, mais propenso a acolher o comunismo, cujo combate, feito por essas antigas oligarquias, era sobremodo ineficaz. Para piorar, sob o controle dessas lideranças, a tendência era isso se perpetuar, uma vez que a ausência de uma democracia plena, impedia o surgimento de novas lideranças, e o seu nacionalismo atávico, impedia a expansão do capitalismo, impedindo tanto a prosperidade das pessoas, o crescimento de uma classe média brasileira, nos padrões americanos, of course, e a entrada mais fácil de empresas americanas num mercado tão promissor quanto, no momento, estagnado.
         A respeito disso podemos dizer o seguinte:
        

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         Em 1950, no seu grande sucesso, “A volta da asa branca”, Luis Gonzaga cantava o “sertão das muié séria, dos homes trabaiador”. Em 1981, após 17 anos de oligarquia militar, o Trio Nordestino lança um disco, com a capa acima. Um retrato do que a nação se tornara. Uma paródia barata de si mesma.