quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SABEDORIA PARA ESCOLARES-I

Prof Eduardo Simões

         O nosso sistema escolar tornou-se uma chocadeira de aleijões.
         Obcecadas com resultados “objetivos”, mensuráveis, de curto prazo, e em reproduzir internamente modismos pedagógicos, criados em realidades alienígenas, nossas autoridades empobreceram radicalmente o currículo da educação nacional, e em especial o da escola pública, que é o que mais me interessa, embora não exclusivamente.
         A preocupação com “desempenhos mensuráveis” trouxe de volta o câncer da antiga escola: a compulsão pelos exames ou provas objetivas sobre os temas do conteúdo de cada disciplina, agravada pela necessidade de explorar ao máximo as questões objetivas, tipo “risca, risca”, onde vários “X”, colocados aleatoriamente, podem fazer a diferença entre o falso gênio, o incapaz sortudo e o pilantra tecnológico – na escola em que eu trabalho ocorreram, em avaliações promovidas pelo Ministério e Secretaria de Educação, dessas que determinam o futuro de investimentos no setor, dois casos exemplares: no primeiro, um garoto INTEL, aparentemente autista, e um dos mais relaxados alunos de uma turma foram os únicos que acertaram uma questão, segundo os estatísticos, “difícil”. Numa recente olimpíada de matemática, apenas um menino e uma aluna, claramente incapaz, também INTEL, foram os únicos promovidos para a segunda fase, deixando fora outra, muito inteligente e superdotada para a arte.
          E se uma coisa não dá certo, o que se faz? Insiste-se mais ainda nela, como na proposta de tornar cada prova bimestral, desde o 6º Ano, uma espécie de simulado de vestibular. O câncer voltou mais forte do que nunca, com indicação de septicemia.
         Num sistema desses, tão cego, pertinaz e deslumbrado pelo “desempenho”, evidente que não há lugar para outra coisa que não seja comportamento cognitivo estereotipado e politicamente correto, logo burro, o único que se presta à mensuração de caráter estatístico, o que transforma os escolares, aos olhos das ”autoridades” educacionais, em cabeças, que pensam em termos da “lógica” socialmente aceita, que predispõem a mobilizar seus braços apenas para o trabalho, e suas pernas para correr atrás das promoções, afinal a única pesquisa que se conhece e se valoriza nesse país é a pesquisa de preços.
         Enfiamo-nos de cabeça na “Terceira Onda” de Alvin Toffler, criando uma geração de prossumidores: produtores e consumidores compulsivos, sem tempo para pensar na vida, até que um dia de cão o desperta da inconsciência para as primeiras páginas das mídias, e ele percebe que estragou profundamente a sua vida, que ele, há muito tempo, desde que saiu da escola, não faz outra coisa.
         É preciso cuidar e educar também o tronco dos jovens, lá onde está o coração, a sede dos sentimentos, dos valores e da sexualidade, que não é outra coisa senão que instrumento de união supremo e esperança de futuro, transformado, pelo consumismo desenfreado, em foco de doenças físicas e mentais e desonra.
         É preciso trazer de volta o “subjetivo” para a escola, a afetividade, uma socialização que não seja apenas “grupo de trabalho”, mas convivência feliz entre amigos e amigas na melhor acepção desse termo. A escola precisa voltar a valorizar a sabedoria, no sentido de uma leitura ao mesmo tempo global e profunda da realidade, que demanda competência e habilidades incompatíveis com um currículo preocupado apenas como “desempenho”, mas que permite, inclusive ao homem inculto vencer lá onde doutores e mestres da academia fracassam: na vida feliz, equilibrada, socialmente comprometida. Enfim, a síntese de quem entendeu e que provoca os outros a entender também, cada um do seu modo.
         Mais do que prossumidores, precisamos formar vivedores, com uma urgência e uma quantidade que não dá nem para mensurar...
         Essa é a minha proposta.

A dor faz o homem pensar, o pensamento o torna sábio, e a sabedoria torna a vida suportável.

A dor tem sido comumente associada ao desagradável, ao que deve ser evitado, porém, vista por outro ângulo, a dor é um mecanismo de retroalimentação indispensável à nossa sobrevivência – as pessoas que ficam com partes do corpo insensíveis, como acontece com as manchas de hanseníase, não conseguem sentir a chama que lhe queima, e por isso podem adquirir um ferimento muito perigoso, antes de se darem conta. A dor física nos diz: “afasta-se rápido”, e isso pode salvar sua vida.
Mais complicado é a dor moral, quando nossa razão nos aconselha a evitar uma coisa, ou pessoa, a qual estamos habituados, ou pretendíamos ficar habituados. Desistir de um sonho, inclusive definitivamente. Esse é outro importante ensinamento da dor, pois enquanto a dor física nos ajuda a preservar a vida, e isso é bom, a dor moral nos ensina a nos desapegar daquilo que é irrelevante ou desnecessário, obrigando-nos a construir uma escala de valores, para objetos e pessoas, indispensável para quem não quer viver inconscientemente, nem jogar fora ou se afastar de coisas ou pessoas que lhe podem fazer bem.
É verdade que, em casos extremos, muitos abrem mão até de sua vida, pelo bem ou a vida de outrem, o que nos leva a outro nível: ao heroísmo temperado pela sabedoria, quando não se trata de proteger um criminoso ou alguém que só pensa em si (como os nazistas, morrendo como moscas pelo seu Fuher), mas para chegar a esse ponto é necessário muito discernimento, muita sabedoria, ou seja, experienciar muita dor.
Por isso quando você passar por uma situação difícil, desagradável, uma perda, irreparável ou não, pense bem antes de tentar se livrar dela; reflita antes sobre o que você pode aprender com essa situação, e, se for o caso, aceite a dor como um dos mestres mais sinceros e sábios que você pode ter.

A regra de ouro é a seguinte: não fugir da dor compulsivamente, como faz o homem mediano, o medíocre, nem procurá-la gratuitamente como fazem os doentes. A dor é algo que se aceita. 

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