Prof. Eduardo Simões
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Bravura, honra e sabedoria...
Éramos pobres? Sim, mas de forma alguma
infelizes, pelo contrário, após superarmos duramente muitos, mas não todos,
traumas deixados pela maldita, por que nos debilitou os sentimentos, e bendita,
porque trouxe para cá a gente negra, escravidão, estávamos juntos, construindo
a duras penas um projeto futuro, que ainda não se tornou fato, de democracia
racial e social, e havíamos aprendido, nessa passagem, o valor da alegria,
mesmo nas situações mais difíceis, que tanto impressionou aos estrangeiros, aqui
vinham, de passagem, na metade do século XX, num movimento que ia das cidades
para o campo, e que não tem nada a ver com os “tristes trópicos” de Levy
Strauss, que assim mostra não ter entendido a nossa alma, (olhou-nos pelo
padrão europeu), sem falar que é o roteiro de viagem de um homem que odiava
viajar.
Mas de onde vinha essa alegria?
Primeiro de uma natureza, interna e externa, exuberante e generosa, que não
deixava ninguém morrer de fome, sequer necessitar de roupas, como bem o
entenderam nossos índios. Do sentimento de que mesmo enfrentando as mais duras
provações naturais, humanas, legais e ilegais, continuávamos vivos, para amar,
tentar um novo amor, e aproveitar ao máximo da sentença, não existe pecado do
lado de baixo do Equador, desde que se respeitasse o espaço público. Havia
conformismo também, e certa ignorância, um tanto ingênua, que predispunha esse
povo a ser manipulado por políticos maquiavélicos, mas havia também uma
sabedoria popular, sagaz, malandra, politicamente incorreta, capaz de bloquear,
por exemplo, o endeusamento desses políticos pelas massas, como acontecia na
cultíssima Argentina – esse conformismo, por sinal, não pode ser confundido com
“preguiça”, no sentido pejorativo do termo, mas, como disse a antropóloga
portuguesa Judite Cortesão, uma forma de prazer de gozar a vida . Havia também
uma conformação religiosa, fruto de uma fé emocional, intensa, pouco
esclarecida, e por isso mesmo frágil, mas que era capaz de ver em tudo a Mão
Divina, “se eu sou pobre e fulano é rico, é porque Deus quer”; era a marca
cultural do nosso catolicismo ibérico, muito relaxado, diametralmente oposto ao
protestantismo penitencial dos americanos, castrador em matéria dos prazeres da
vida, mas leniente com os métodos de enriquecimento. Por último podemos dizer
que a diferença entre ricos e pobres, principalmente nos sertões não era tão
grande assim, e transparecia mais na qualidade dos serviços públicos que eram
prestados a uma e outra classe social, no que no acúmulo de capitais. A riqueza
era mais patrimonial e até simbólica, e não tanto de créditos. Não sabíamos, e
ainda não sabemos como lidar com o dinheiro porque ele nunca foi o valor mais
importante na nossa cultura, e se hoje o é, o é de uma forma confusa, típica de
uma aculturação precipitada. No início dos anos 1950, éramos pobres, mas
estávamos aprendendo a ser alegres, e nós, e o mundo, estávamos gostando disso,
em que pese a preocupação crescente dos americanos conosco, fruto da projeção
compulsiva de valores tão mesquinhos...
Não tínhamos democracia. Éramos, para o
melhor e para o pior, fruto de quatro séculos de autoritarismo patriarcal, que
não permitia, senão após demorado período de amadurecimento e conformação com o
sistema vigente, o surgimento de novas lideranças, e mesmo de mudanças sociais
e políticas mais profundas, mas também não tínhamos ditaduras sanguinárias, que
perseguiam até o extermínio, grupos inteiros de opositores, preferindo-se uma
tática de cooptação ou intimidação pessoal. Os grandes choques e massacres vão
surgir, quando o centro de poder desaparece, como na Abdicação de D Pedro I,
como uma forma de rearranjo de forças, ou quando grupos salvacionistas,
desvinculados das grandes massas rurais e oligarquias, tomam o poder e querem,
ao toque de caixa, modernizar o país, como acontecerá após a tomada do poder
pelos militares, gente da cidade, distante do Brasil maior, em 1889.
É claro que o sistema oligárquico
familiar não era, nem é, o mais adequado para modernizar o país, nem poderíamos
viver continuamente sobre um, regime de liderança patriarcal, autoritária,
paternalista e patrimonialista, e estávamos evoluindo na direção do mundo
moderno; mas no nosso ritmo, e não no ritmo que os americanos queriam para
fazer frente, de uma forma mais eficaz, ao avanço do comunismo, ainda mais
porque os brasileiros daquela época sabiam que o comunismo soviético, eslavo,
jamais seria maioria entre os brasileiros, tão estranha é a sua cultura
comparada à nossa. Os fatos posteriores provaram isso sobejamente, e se os
militares de 1964 também sabiam disso, e mesmo assim prolongaram o seu domínio até
1985, então a gravidade do seu crime, de tão grande, ainda demorará muito a ser
corretamente avaliada.
Nossas oligarquias civis eram nacionalistas.
Creio que por uma falta de visão do conjunto, afinal viviam muito isoladas do
mundo, sem falar da herança colonial, me refiro às oligarquias agrárias, embora
essas mesmas sofressem, cada vez mais, o influxo das oligarquias urbanas, ou
mais urbanizadas, que assimilavam as influências externas, e pressionavam a
modernização paulatina do país, a partir da nossa experiência nacional. Houve,
é verdade, uma grande abertura ao capital estrangeiro entre 1889 e 1930, mas
ela ficou restrita às grandes cidades, justamente por causa da enorme
resistência das oligarquias rurais em encarar a democratização do espaço
público, e ceder espaço para que a lei do país se sobrepusesse aos seus
interesses imediatos, paroquiais. Uma sociedade baseada leis bilaterais,
generalistas, imperativas, coercitivas, enfim uma sociedade contratual, no
interior do Brasil, nesse período, era uma ‘piada’, sem falar da inexistência
de um mercado consumidor interno, digno do nome. A abertura e o crescimento que
os americanos queriam, nos anos 1950 e 1960, exigiriam grandes e repentinas
mudanças na sociedade brasileira, que dificilmente poderiam ser feitas dentro
de um regime democrático, embora, segundo o discurso de Truman, essa fosse a maior
preocupação dos americanos.
Noutras palavras, para os americanos as
antigas oligarquias civis, no Brasil e no resto da América Latina, eram
empecilhos reais ao desenvolvimento da democracia e do capitalismo na região,
tornando-a mais sujeita a ação de “minorias exóticas”, sendo, portanto
necessário bloquear a sua ação, isolando-as, principalmente por meio de
eleições, recheadas de dólares americanos, a financiar os candidatos mais
“confiáveis”, em especial os mais afeitos à franca penetração do grande capital
americano e ao alinhamento do Brasil, na luta contra o comunismo internacional.
Uma das instituições mais sensíveis à
propaganda americana era, sem dúvida, o Exército Brasileiro, que durante as
suas operações na Itália, na Segunda Guerra, tivera a oportunidade de
vislumbrar, e de se deslumbrar, toda aquela demonstração colossal,
interminável, de recursos bélicos e humanos, do exército americano, sem falar
da proximidade física entre os oficiais dos dois exércitos, assimétrica, pois os
americanos financiavam a nossa participação, e sujeita a contínua doutrinação.
Na volta da Itália, as Forças Armadas,
cujo apoio a Vargas e à sua ditadura fora, até ali, incondicional e fundamental,
vai se posicionar resolutamente a favor da derrubada do ditador, em prol da
democracia e da modernização do país, como queriam os americanos, escorraçando
a principal figura política das velhas oligarquias, abrindo caminho para o
“novo”, que chegou, cheio de vergonha e de sotaque...
http://www.featurepics.com/FI/Thumb300/20080216/Hushing-Senior-Cowboy-American-Flag-615624.jpg
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... Trocar por isso?
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