segunda-feira, 24 de agosto de 2015


Prof. Eduardo Simões


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         Bravura, honra e sabedoria...

         Éramos pobres? Sim, mas de forma alguma infelizes, pelo contrário, após superarmos duramente muitos, mas não todos, traumas deixados pela maldita, por que nos debilitou os sentimentos, e bendita, porque trouxe para cá a gente negra, escravidão, estávamos juntos, construindo a duras penas um projeto futuro, que ainda não se tornou fato, de democracia racial e social, e havíamos aprendido, nessa passagem, o valor da alegria, mesmo nas situações mais difíceis, que tanto impressionou aos estrangeiros, aqui vinham, de passagem, na metade do século XX, num movimento que ia das cidades para o campo, e que não tem nada a ver com os “tristes trópicos” de Levy Strauss, que assim mostra não ter entendido a nossa alma, (olhou-nos pelo padrão europeu), sem falar que é o roteiro de viagem de um homem que odiava viajar.
         Mas de onde vinha essa alegria? Primeiro de uma natureza, interna e externa, exuberante e generosa, que não deixava ninguém morrer de fome, sequer necessitar de roupas, como bem o entenderam nossos índios. Do sentimento de que mesmo enfrentando as mais duras provações naturais, humanas, legais e ilegais, continuávamos vivos, para amar, tentar um novo amor, e aproveitar ao máximo da sentença, não existe pecado do lado de baixo do Equador, desde que se respeitasse o espaço público. Havia conformismo também, e certa ignorância, um tanto ingênua, que predispunha esse povo a ser manipulado por políticos maquiavélicos, mas havia também uma sabedoria popular, sagaz, malandra, politicamente incorreta, capaz de bloquear, por exemplo, o endeusamento desses políticos pelas massas, como acontecia na cultíssima Argentina – esse conformismo, por sinal, não pode ser confundido com “preguiça”, no sentido pejorativo do termo, mas, como disse a antropóloga portuguesa Judite Cortesão, uma forma de prazer de gozar a vida . Havia também uma conformação religiosa, fruto de uma fé emocional, intensa, pouco esclarecida, e por isso mesmo frágil, mas que era capaz de ver em tudo a Mão Divina, “se eu sou pobre e fulano é rico, é porque Deus quer”; era a marca cultural do nosso catolicismo ibérico, muito relaxado, diametralmente oposto ao protestantismo penitencial dos americanos, castrador em matéria dos prazeres da vida, mas leniente com os métodos de enriquecimento. Por último podemos dizer que a diferença entre ricos e pobres, principalmente nos sertões não era tão grande assim, e transparecia mais na qualidade dos serviços públicos que eram prestados a uma e outra classe social, no que no acúmulo de capitais. A riqueza era mais patrimonial e até simbólica, e não tanto de créditos. Não sabíamos, e ainda não sabemos como lidar com o dinheiro porque ele nunca foi o valor mais importante na nossa cultura, e se hoje o é, o é de uma forma confusa, típica de uma aculturação precipitada. No início dos anos 1950, éramos pobres, mas estávamos aprendendo a ser alegres, e nós, e o mundo, estávamos gostando disso, em que pese a preocupação crescente dos americanos conosco, fruto da projeção compulsiva de valores tão mesquinhos...
         Não tínhamos democracia. Éramos, para o melhor e para o pior, fruto de quatro séculos de autoritarismo patriarcal, que não permitia, senão após demorado período de amadurecimento e conformação com o sistema vigente, o surgimento de novas lideranças, e mesmo de mudanças sociais e políticas mais profundas, mas também não tínhamos ditaduras sanguinárias, que perseguiam até o extermínio, grupos inteiros de opositores, preferindo-se uma tática de cooptação ou intimidação pessoal. Os grandes choques e massacres vão surgir, quando o centro de poder desaparece, como na Abdicação de D Pedro I, como uma forma de rearranjo de forças, ou quando grupos salvacionistas, desvinculados das grandes massas rurais e oligarquias, tomam o poder e querem, ao toque de caixa, modernizar o país, como acontecerá após a tomada do poder pelos militares, gente da cidade, distante do Brasil maior, em 1889.
         É claro que o sistema oligárquico familiar não era, nem é, o mais adequado para modernizar o país, nem poderíamos viver continuamente sobre um, regime de liderança patriarcal, autoritária, paternalista e patrimonialista, e estávamos evoluindo na direção do mundo moderno; mas no nosso ritmo, e não no ritmo que os americanos queriam para fazer frente, de uma forma mais eficaz, ao avanço do comunismo, ainda mais porque os brasileiros daquela época sabiam que o comunismo soviético, eslavo, jamais seria maioria entre os brasileiros, tão estranha é a sua cultura comparada à nossa. Os fatos posteriores provaram isso sobejamente, e se os militares de 1964 também sabiam disso, e mesmo assim prolongaram o seu domínio até 1985, então a gravidade do seu crime, de tão grande, ainda demorará muito a ser corretamente avaliada.
         Nossas oligarquias civis eram nacionalistas. Creio que por uma falta de visão do conjunto, afinal viviam muito isoladas do mundo, sem falar da herança colonial, me refiro às oligarquias agrárias, embora essas mesmas sofressem, cada vez mais, o influxo das oligarquias urbanas, ou mais urbanizadas, que assimilavam as influências externas, e pressionavam a modernização paulatina do país, a partir da nossa experiência nacional. Houve, é verdade, uma grande abertura ao capital estrangeiro entre 1889 e 1930, mas ela ficou restrita às grandes cidades, justamente por causa da enorme resistência das oligarquias rurais em encarar a democratização do espaço público, e ceder espaço para que a lei do país se sobrepusesse aos seus interesses imediatos, paroquiais. Uma sociedade baseada leis bilaterais, generalistas, imperativas, coercitivas, enfim uma sociedade contratual, no interior do Brasil, nesse período, era uma ‘piada’, sem falar da inexistência de um mercado consumidor interno, digno do nome. A abertura e o crescimento que os americanos queriam, nos anos 1950 e 1960, exigiriam grandes e repentinas mudanças na sociedade brasileira, que dificilmente poderiam ser feitas dentro de um regime democrático, embora, segundo o discurso de Truman, essa fosse a maior preocupação dos americanos.
         Noutras palavras, para os americanos as antigas oligarquias civis, no Brasil e no resto da América Latina, eram empecilhos reais ao desenvolvimento da democracia e do capitalismo na região, tornando-a mais sujeita a ação de “minorias exóticas”, sendo, portanto necessário bloquear a sua ação, isolando-as, principalmente por meio de eleições, recheadas de dólares americanos, a financiar os candidatos mais “confiáveis”, em especial os mais afeitos à franca penetração do grande capital americano e ao alinhamento do Brasil, na luta contra o comunismo internacional.
         Uma das instituições mais sensíveis à propaganda americana era, sem dúvida, o Exército Brasileiro, que durante as suas operações na Itália, na Segunda Guerra, tivera a oportunidade de vislumbrar, e de se deslumbrar, toda aquela demonstração colossal, interminável, de recursos bélicos e humanos, do exército americano, sem falar da proximidade física entre os oficiais dos dois exércitos, assimétrica, pois os americanos financiavam a nossa participação, e sujeita a contínua doutrinação.
         Na volta da Itália, as Forças Armadas, cujo apoio a Vargas e à sua ditadura fora, até ali, incondicional e fundamental, vai se posicionar resolutamente a favor da derrubada do ditador, em prol da democracia e da modernização do país, como queriam os americanos, escorraçando a principal figura política das velhas oligarquias, abrindo caminho para o “novo”, que chegou, cheio de vergonha e de sotaque...

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         ... Trocar por isso? 

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