quarta-feira, 11 de novembro de 2015

HISTÓRIA DA IGREJA (BASEADA EM H. JEDIN) III

Prof Eduardo Simões

         Historicidade de Jesus

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         Da existência concreta de um homem Jesus, historicamente situado em seu ambiente cultural, depende radicalmente a credibilidade da mensagem cristã e a existência da Igreja. A percepção desse fato foi precoce e premente nos primeiros membros da Igreja; São Paulo dirá em 1 Cor 15,14.19: “se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa opregação, vazia também é a vossa fé... Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de de compaixão de todos os homens” (Bíblia de Jerusalém).
         Durante mais de mil e setecentos anos, ninguém pôs em dúvida a existência histórica de Jesus, até que no final do século XVIII, na França, essa questão é apresentada pela primeira vez – a Wikipedia em inglês, Jesus Myth, atribui ao filósofo iluminista e político Constantin-François Volney (1757-1820), a iniciativa de lançar pela primeira vez dúvidas sobre a existência de Jesus. A argumentação de Volney é simples, para não dizer simplista, mas complexa demasiado para quem acredita que tudo pode ser reduzido à razão: a Bíblia, dizia ele, é um livro cheio de mitos e lendas, como seus similares da antiguidade pagã, e, por conseguinte, nada que existe nela, inclusive a existência de um indivíduo histórico chamado Jesus Cristo, jamais aconteceu, sendo uma criação espúria, entre ingênua e desonesta, das primeiras gerações de cristãos. A iniciativa de Volney foi devidamente sistematizada pelo filósofo alemão Bruno Bauer (1809-1882), nos três argumentos a seguir, exaustivamente repetidos até os dias de hoje.
         “1 – os evangelhos foram escritos muitas décadas ou mesmo um século após o ano estimado da morte de Jesus, por indivíduos que simplesmente nunca estiveram com Jesus, e foram editados e modificados ao longo dos séculos por escribas desconhecidos, com seus próprios apontamentos; 2 – não existe nenhum registro histórico sobre Jesus de Nazaré de qualquer autor não judeu até o segundo século, e Jesus não deixou nenhum escrito ou evidência arqueológica; 3 – algumas passagens dos evangelhos assemelham-se àquelas de morte-e-ressurreição de semideuses... deidades solares, salvadores, ou outros homens divinos como Horus, Mitra, Prometeu... assim como personagens históricos “crísticos” como Apolônio de Tiana (1)” (tradução livre da Wikipedia – Jesus Myth)
         É claro que esses argumentos levantados na primeira metade do século XIX, apesar de lógicos, não tinham como “adivinhar” as descobertas arqueológicas, que ocorreriam nos século seguinte, confirmando muitas das afirmações contidas nos evangelhos e nas cartas apostólicas, além do extraordinário avanço dos métodos de análise textual, que permitem levantar cada vez com mais certeza o que é original e o que não é, nos textos antigos, mas que, infelizmente, não são consideradas suficientes pelos modernos “céticos”, que continuam a repetir essa fórmula “surrada” de Bauer, quando não caem no ridículo, como o ex-pastor batista Robert McNair Price, que afirma só ser possível reconhecer a historicidade de Jesus se for descoberto o seu cadáver ou o seu diário pessoal (idem). Com gente portadora desse tipo de argumento não adianta perder tempo.
         O objetivo desse artigo é, portanto, dar ao crente cristão-católico alguns fatos que possam fortalecer a sua fé, mostrando elementos que evidenciam de forma muito categórica a historicidade de sua fé, e, eventualmente argumentos para dialogar com outros crentes ou não crentes, que não sejam como Price, para não incorrerem no erro descrito em Mt 7,6.

         A Multidão de Testemunhos Cristãos

         A vida de Jesus, como sabemos, foi descrita em diversos livros, de diversas maneiras, entre os quais os mais importantes e aceitos como “inspirados” ou “canônicos” pela vasta maioria dos cristãos são os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Ora, sobre esses livros nós podemos dizer o seguinte:
         1 – a quantidade de cópias deles existente em museus e bibliotecas do mundo é simplesmente absurda, são milhares! (2), nada que se lhes compare, e a concordância entre eles também é impressionante – existem, evidentemente, variantes, algumas muito estranhas, como as que aparecem nos evangelhos apócrifos, evangelhos não aceitos como canônicos, de autenticidade duvidosa, dúvida claramente suprimida pela multidão de cópias dos evangelhos autênticos, manuseados por grande número de pessoas de autoridade na Igreja.
         2 – quem lê os textos dos evangelhos percebe logo uma coisa que não se vê nem nas farsas literário-religiosas, que ainda hoje são montadas, uma preocupação incomum para a época, em nomear referências geográficas e autoridades, de sorte a facilitar a construção de uma cronologia e um ambiente que são confirmados de maneira cada vez mais exata pela moderna arqueologia (3).
3 – a lista de personagens históricos citados pelo Segundo Testamento, e confirmados por fontes independentes ou pela arqueologia é enorme, e cresce cada vez mais. Entre estes citamos: César (Otávio) Augusto, Herodes o Grande, Herodes Antipas, João Batista, Publio Sulpício Quirino, Anás, Caifás, Herodes Arquelau, Poncio Pilatus, etc. – há uma lista completa no verbete List of biblical figures identified in extra-biblical sources, na Wikipedia. Aqui se pode por uma questão de lógica rasteira: quer os evangelhos tenham sido escritos com o claro intuito de enganar, quer seja obra de “fanáticos ingênuos”, porque eles iriam rechear o conteúdo com personagens que de fato existiram, e eram bem conhecidos no mundo romano, que poderiam facilmente desmoralizar o “embuste” ou a “fantasia”? É obvio que o senso de objetividade histórica e relato fiel dos fatos era um conceito estranho para eles, mas tudo indica que os evangelhos e as cartas foram escritos com uma clara intenção de narrar fatos realmente acontecidos.
 4 – outra fonte que confirma a nossa crença atual na realidade desses fatos são os escritos dos Santos Padres, personagens importantes da história da Igreja nascente, homens de grande cultura e discernimento, cujas citações dos evangelhos canônicos são tão abundantes, que, diz-se, se os evangelhos todos se perdessem, seria possível reescrevê-los só ajuntando as passagens citadas por esses homens.

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5 – outro argumento fortíssimo que se pode aduzir sobre a historicidade dos evangelhos, e ao mesmo tempo ao caráter maravilhoso e único da religião cristã, é a própria natureza dos fatos ali relatados, quando comparados com a biografia de fundadores de outras religiões. A história de Jesus é, fundamentalmente, a história de um fracasso, o mais retumbante da história. Jesus é um fracassado por excelência, ou como dizem os americanos: um perdedor nato – embora, ironicamente, ele não cesse de ser usado pelos falsos profetas de religiões de “resultado”. Entretanto, é justamente sobre ele que se assenta o movimento e a estrutura religiosa mais consistente, volumosa e duradoura, até hoje. Quem, em sã consciência, iria criar uma religião baseada em um mito tão derrotado quanto este? (4) Ao aplicarmos a forma mais elementar da lógica humana seremos obrigados a aceitar que os fundadores do cristianismo resolveram, sabe-se lá porque razão, inventar quatro manuais para uma religião inviável, ou seremos obrigados a, usando novamente a lógica humana, reconhecer que estamos diante de um fato que supera, em muito, a mais complexa e refinada expressão dessa mesma lógica. Como, aliás, já havia notado um dos fundadores da Igreja, Paulo, em 1 Cor 1,25.
Contra a tese de que os relatos sobre a vida de Cristo e as verdades essenciais ao cristianismo foram criadas por padres e monges, no fim da Antiguidade e começo da Idade Média, há o testemunho de Paulo, em algumas de suas sete cartas reconhecidas e datadas com certa precisão, a saber: 1 Tessalonicenses (ano de 51), Filipenses (52-54), Filemon (52-54), 1 Coríntios (53-54), Gálatas (55), 2 Coríntios (55-56) e Romanos (55-58), nas quais ele fala sobre acontecimentos da vida de Jesus e de crenças anteriores ao seu apostolado, que já eram artigo de fé junto às primeiras comunidades cristãs. Em 1 Cor 15,3-5 ele diz: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi. Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos Doze”. O primeiro Credo cristão, anterior à conversão de Paulo!
Seja como for, se aplicarmos ao conjunto dos personagens e fatos históricos da Antiguidade, e mesmo da História Medieval ou Moderna, os mesmos critérios que esses “céticos” inventaram para justificar sua descrença na historicidade de Jesus, então teríamos que cancelar quase toda a história do mundo conhecida até hoje. Isso não é razoável nem... científico.

O testemunho de Mara bar Serapion

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Em 1843, o padre anglicano e pesquisador inglês Henry Tattam, comprou de um mosteiro copta, do deserto da Nitria, no Egito, um antigo manuscrito que, traduzido, causou furor. Nesse manuscrito um homem chamado Mara bar Serapion, de origem assíria, natural da cidade de Samosata, na Ásia Menor, atual Turquia, passando por uma terrível situação, exilado de sua pátria pela intervenção de uma força estrangeira, escreve uma mensagem de alento ao seu filho, Serapion, citando exemplos de desventuras de homens célebres, como Pitágoras, Sócrates e o misterioso “rei sábio dos judeus”. Pelas informações contidas na carta deduz-se que ela foi escrita ou em 73, ou em 161-162, ou ainda em 256, sendo que a maioria dos estudiosos, e o próprio texto da carta, induzem muito fortemente à primeira data. A parte que fala de Jesus diz o seguinte:
Que vantagem obtiveram os judeus quando condenaram à morte o seu rei sábio? Depois desse fato o seu reino foi abolido [deve se referir à guerra de 66-73]. Deus, com justiça, vingou aqueles três homens... Sócrates não morreu definitivamente: continuou vivendo nos ensinamentos de Platão. Pitágoras não morreu: continuou vivendo na estátua de Juno [?]. Nem tampouco o rei sábio morreu verdadeiramente: continuou vivendo na nova lei que deixou” (tradução da Wikipedia em espanhol).
Com certeza ele não era nem judeu nem cristão, talvez um pagão com simpatias pelo monoteísmo. Da mesma forma não há qualquer indício de que ele estivesse mancomunado com os fundadores do cristianismo, para fabricar um falso elogio a Jesus.

O Testemunho de Flávio Josefo

Tito Flavio Josefo, é o nome latino do judeu José ben Matatias, de família sacerdotal, e um dos líderes da revolta contra os romanos de 66 a 73. Aprisionado pelos romanos no início da guerra, graças a sua grande cultura é levado para Roma e ganha as graças do imperador Tito, vindo a ser por este adotado. Em Roma ele escreveu alguns livros que sobreviveram ao tempo, e que são as únicas fontes conhecidas, completas, dos acontecimentos que intermediaram o Primeiro e o Segundo Testamento, principalmente sobre o que ocorreu na Palestina durante a revolta acima citada. Josefo foi odiado pelos judeus de seu tempo, e nos séculos seguintes, sendo tratado como um traidor por eles, mas isso não o impediu de fazer uma história de alto nível até sua morte, em 101, na capital do império.
No livro 18, capítulo 3,3, de seu livro Antiguidades judaicas, escrito no ano de 93, ele se refere a Jesus nos seguintes termos: “Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, se é que é correto chamá-lo homem, já que realizou milagres muito impressionantes, um mestre para os homens que recebem a sua mensagem com alegria, e trouxe, após si, muitos discípulos judeus, e muitos gentios também, pois era o Cristo. Quando Pilatos, diante da denúncia de nossos principais, o condenou à cruz, aqueles que o haviam amado anteriormente não o abandonaram, já que lhes apareceu vivo novamente três dias depois, conforme essa e outras maravilhas que já haviam sido previstas sobre Ele pelos santos profetas. A tribo dos cristãos, chamados assim por causa Dele, não há cessado de crescer” (Wikipedia em espanhol – Testimonio flaviano).
Os estudiosos. Comparando os diversos exemplares que sobraram da obra de Josefo, e o fato de ele ser judeu, consideraram mais prudente aceitar que as partes em negrito são, na verdade, adições ou interpolações feitas por escribas cristãos, muito depois, sobre o original. O problema é que o pesquisador israelense Shlomo Pines descobriu, em 1971, uma versão antiga da História do Universo, do bispo egípcio Agápio, do século X, que reproduz o mesmo trecho de Josefo, com muito pouca diferença, de sorte que boa parte do material considerado interpolação ou adição posterior, ao que tudo indica, fazia parte da obra original, embora com menos entusiasmo (veja-se o verbete Testimonio flaviano na Wikipedia em espanhol).
No livro 20, capítulo 9,1, ele menciona indiretamente a Jesus quando relata a morte do apóstolo Tiago Menor, um dos famosos “irmãos de Jesus”, da seguinte maneira:
Ananias [provavelmente o filho daquele mesmo que ordenara a agressão a Paulo, em At 23,2] era um saduceu sem alma. Convocou astutamente o Sinédrio num momento propício. O procurador Festo havia falecido, e o sucessor, Albino, ainda estava a caminho. Fez com que o Sinédrio julgasse a Tiago, irmão de um certo Jesus, e a alguns outros. Os acusou de haver transgredido a lei e os entregou para que fossem apedrejados” (idem).
Essa passagem é interessante, pois é a única que narra, fora da Bíblia, a morte de um discípulo próximo a Jesus, por alguém de fora do contexto bíblico e da |Igreja, mas ela traz alguns problemas:
Primeiro: no livro Guerras judaicas, escrito entre 75 e 79, Josefo trata Ananias como um homem “prudente”. Por que teria mudado o seu julgamento? Alega-se que ele pode, entre os 20 anos que separam as duas obras, ter acessado a outras fontes que o fizeram mudar de parecer.
Segundo: a forma um tanto distante e indiferente com que cita o parentesco entre Tiago e Jesus, que esvazia o tom relativamente entusiástico de 8,3,3. Até parece que o Jesus, a que se liga Tiago, não é o mesmo citado no livro 8.
Entretanto não dá para negar que a forma como Ananias consegue reunir e manobrar o Sinédrio, claramente perceptível do texto, confirma muito do que os Evangelhos narram sobre o julgamento de Jesus, e das denúncias de Atos e das cartas paulinas sobre a perseguição intensa e mortal que os judeus, na época, moveram contra o cristianismo nascente.

Testemunhos Romanos

Por volta do ano 100 e 112, Caio Plinio Cecilio Segundo, ou Plínio o Jovem, na condição de legado, representante do Imperador, na Bitínia, escreveu para o imperador Trajano uma carta, que foi preservada, onde pede conselhos sobre como lidar com os cristãos e faz uma breve alusão de medidas que já teria tomado contra alguns deles: “...e que, além disso, [esses ex-cristãos] maldisseram a Cristo... todos estes veneraram a tua imagem e a efígie dos deuses e maldisseram a Cristo... [revelaram] que acostumavam reunir-se pela manhã e que cantavam um hino a Cristo, quase como a um Deus” (traduzido de Fuentes de la historicidad de Jesús – Wikipedia em espanhol)
O historiador romano Cornélio Tácito, em seu livro Anais, escrito lá por volta de 116-117, dá as seguintes informações sobre os cristãos: “Portanto, cessando os rumores, Nero prendeu aos réus e os submeteu a penalidades e investigações, por causa de suas ofensas ao povo, que os odiava e lhes chamava “cristãos”, nome que tomam de um tal Cristo, que na época de Tibério foi justiçado por Poncio Pilatos. Reprimida por um momento, a fatal superstição irrompeu de novo, não só na Judeia, de onde provém o mal, senão também na capital [Roma], onde todas as atrocidades e vergonhas do mundo confluem e se celebram” (idem).
O historiador Gaio Suetonio Tranquilo escreveu por volta de 120-121, em seu livro As vidas dos doze césares, a seguinte passagem referente ao governo de Cláudio (41-54): “aos judeus, instigados por Chrestus, expulsou-os de Roma por suas contínuas revoltas” (idem).
Nessa passagem há uma certa contradição, entre outras, como a da data do ocorrido (41 ou 49-50?). Além disso, o nome “chrestus” pode tanto ser uma corruptela de “Cristo” como pode estar sendo usado no sentido coloquial romano de “zé povinho” ou “pobre coitado”, algo que ganha crédito quando se considera que o cristianismo era muito popular entre os escravos, mas a ligação destes com os judeus parece apontar para o primeiro sentido – pode aludir a desentendimentos entre cristãos e judeus por causa de Cristo, o que reforça a tese de um conflito precoce entre as duas comunidades.
Suetonio, porém, volta a falar dos cristãos durante o reinado de Nero: “Sob o seu reinado, foram reprimidos e castigados muitos abusos, ditando-se regras muito severas... Nero infringiu suplícios aos cristãos, um gênero de homens ligados a uma superstição nova e maligna” (idem).
O famoso escritor satírico Luciano de Samosata, que morreu em 180, e que escreveu um livro chamado A morte de Peregrino, referente a um suicídio ocorrido em 165, durante uma olimpíada, que ele abominou. Nesse livro ele aproveita para espicaçar os mais famosos suicidas do momento, na visão dele: os mártires cristãos. “Os cristãos, como você sabe, adoram um homem que se tornou vonhecido nos dias de hoje, que introduziu novos ritos e foi crucificado por causa disso... essas pobres criaturas enganadas acreditam que são imortais... acreditam, segundo o ensinamento de seu pregador, que são todos irmãos, desde o momento em que se convertem... adoram o sábio crucificado, e vivem sob sua lei... eles desprezam todos os bens materiais, e os consideram como propriedade comum...” (tradução de Passing of Peregrinus – Wikipedia em inglês). Em tom de deboche, Luciano confirma, de uma só vez, dados sobre a vida de Jesus, sua doutrina e até uma passagem de Atos dos Apóstolos, 2,44-45.
Celso, só se sabe esse nome dele, foi um filósofo grego que escreveu no final do século II, um longo e relativamente bem pesquisado ataque contra os cristãos, resultado de suas pesquisas tanto entre os cristãos como entre os judeus, no qual desfere ataques e calúnias arrasadores: Cristo seria filho ilegítimo, nascido de um adultério, que ele teria ido ao Egito para lá aprender magia e tornar-se um feiticeiro e, por meio de truques, enganar os incautos e fazendo-os acreditar em sua divindade, entretanto, por razões “lógicas” a sua morte na cruz invalidaria qualquer pretensão a sua origem divina e sua ressurreição não passa de um absurdo propalado por seus discípulos. É um ataque feroz, arrasador, que tenta denegrir ou distorcer tudo o que os evangelhos falavam sobre Jesus, mas que em nenhum momento diz, ou pretende que as pessoas creiam, que este nunca existiu (5).

Testemunho dos Judeus

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É muito difícil fazer esse levantamento, uma vez que nunca gouve um diálogo minimamente construtivo e desapaixonado entre cristãos e judeus nos primeiros anos do cristianismo, e nos séculos seguintes, que gerasse alguma literatura mais consistente ou imparcial, além dos inúmeros atos de intolerância mortais, de ambas as partes, que não autorizam ninguém a disparar, sem reflexão, a pecha de “antissemitismo” ou de “conspiração judaica”, como fazem os criminosos dos sois lados. Além disso houve a destruição de muitos documentos e testemunhos judaicos, tanto nas guerras de 66-73 e 132-136, que arrasaram a Palestina e espalharam os judeus pelo mundo, como nos inumeráveis confrontos que os opuseram aos cristãos ao longo da história.
As evidências que hoje sobraram estão presentes em algumas cópias tardias do Talmud (6), uma coletânea de ensinamentos judaicos, que fazem menção a um certo Yeshu, que muitos viram, ao longo da história, como uma referencia a Jesus de Nazaré, ao qual os judeus afixaram as mais horrorosas atitudes e mais pérfidos defeitos pessoais. Não só ele como seus próximos.
Primeiro ele teria nascido de um adultério – uma provável alusão ao seu nascimento singular? – filho de um soldado romano – alusão à recusa de Cristo em assumir um messianismo político ou dos cristãos em pegar em armas contra os romanos, nas revoltas acima referidas? – era um feiticeiro que realizava maravilhas ou truques – alusão às suas curas e milagres? – que desencaminhava o povo judeu de sua religião – alusão à nova religião fundada em seu nome? – que foi pendurado na véspera de uma páscoa – embora no texto talmúdico se afirme que lhe foram dadas todas as condições de um julgamento justo, inclusive durante 40 dias pregoeiros teriam sido enviados as ruas de Jerusalém, atrás de alguém que soubesse de algo de bom sobre ele, para salvá-lo da execução, e, em vista de ninguém ter se apresentado, foi executado junto a cinco companheiros (alusão aos outros discípulos de Jesus executados após ele como Estevão, Tiago Maior e Tiago Menor?) – e que finalmente já morto, numa aparição a um filho de um imperador romano, reconhece a superioridade espiritual de Israel, enquanto revela que está no inferno... num poço de fezes ferventes.
Essas alusões acabaram sendo reforçadas, séculos mais tarde num livro chamado Sefer Toledot Yeshu (Livro das gerações, vida de Jesus), um livro anônimo, cujo manuscrito mais antigo data do século 11, mas que se refere a acontecimentos litúrgicos cristãos originados no século IV, supostamente compilados entre os séculos VI a IX, num ambiente de escrita aramaica, cujo conteúdo é uma grotesca paródia dos evangelhos, baseada nos trechos do Talmud acima (nascimento de um adultério, prática de magia, indução a heresia, sedução de mulheres – alusão à “liberdade” que ele dava às mulheres [episódio da samaritana, defesa da adúltera, convivência com Marta e Maria, etc.]? -  e morte infamante).
A esses elementos é bom ressaltar que os modernos comentadores judeus afirmam que esse Yeshu do Talmud não seria o mesmo Jesus de Nazaré dos cristãos, sequer uma única pessoa, mas diversos personagens, talvez até simbólicos, fictícios, embora reconheçam que o termo “Yeshu” pode ser a transliteração do nome de “Jesus”, que conhecemos, mas que os rabinos atuais preferem designá-lo pela forma mais tradicional, Yeshua. Quanto ao Toledot Yeshu, hoje, está totalmente desacreditado e não é mais considerado, como no passado, um documento oficial da sinagoga a respeito de Jesus e de sua Igreja. Não há porque se estressar por causa disso (7).
E mais uma vez, aqueles que no passado mais interesse tinham na inexistência de Jesus e do cristianismo, fossem judeus ou pagãos, a ponto de agredi-lo ferozmente, jamais chegaram a negar a sua existência histórica, o que seria excelente para ridicularizar os cristãos.

O Testemunho da Arqueologia

Não bastasse o testemunho dos antigos, começam a aflorar da terra vários testemunhos, que vêm reforçar a exatidão, a historicidade, das informações contidas nos evangelhos. Os mais importantes são os seguintes:
A Pedra de Pilatos: uma pedra de calcário, de 82 x 65 cm, encontrada nas ruínas do teatro da cidade de Cesareia Marítima, mandada construir por Herodes o Grande entre 22 a.C. e 10 d.C. Nessa pedra, descoberta por uma equipe de arqueólogos italianos, comandados pelo professor Antonio Frova, em junho de 1961, aparece a seguinte inscrição dedicatória, em letras maiúsculas, dispostas em 4 linhas: DIS AUGUSTIS TIBERIEUM – PONTIUS PILATUS – PRAEFECTUS IUDAEAE – FECIT DEDICAVIT (a parte da inscrição em negrito é legível hoje em dia, o resto foi danificado). Essa pedra acha-se hoje no Museu de Israel.
A Tumba de Caifás: descoberta acidentalmente, em 1990, por trabalhadores que escavavam um caminho para um parque no Vale da Geena, ao sul de Jerusalém, nessa tumba se encontrou 12 ossuários, contendo os restos de 63 pessoas, um dos quais, do primeiro século de nossa era, era caprichosamente decorado e continha a inscrição “José filho de Caifás” (da família Caifás) – esse era o nome completo de Caifás, segundo o historiador judeu Flavio Josefo – escrito em aramaico, além dos ossos de um homem de 60 anos.
O Túmulo de Zacarias: há um monumento, com o telhado em forma cônica, no Vale do Cedron, que era uma sepultura tradicionalmente atribuída ao filho rebelde de Davi, Absalão, que viveu no século X a.C. – durante séculos os moradores locais costumavam levar seus filhos para apedrejar o monumento, e ensiná-los sobre o triste fim dos filhos desnaturados. Pesquisas recentes, entretanto, indicam que esse monumento, na verdade, data do século I d.C., e em 2003, foi achada uma inscrição bizantina, do século IV, contendo a seguinte mensagem: “este é o túmulo de Zacarias, mártir, santo sacerdote, pai de João”.
Sobre Zacarias, pai de João, existe uma tradição antiga, narrada pelo evangelho apócrifo de Tiago, o Protoevangelho de Tiago, que diz que Zacarias foi morto por se recusar a entregar João, durante o célebre episódio (verídico?) da matança dos inocentes. A inscrição indica que ele era sacerdote, como aparece em Lc 1,5, e que foi morto por causa da fé. “Mártir”. Outra inscrição antiga, também encontrada em 2003, aponta aquele lugar como sendo a tumba de “Simeão, que foi um homem justo e um ancião devoto, que esperava a consolação do seu povo”, que reproduz quase literalmente a Lc 2,25 . Isso cria um impasse, pois o compartilhamento de túmulos não é habitual, podendo se tratar de uma confusão ou de uma pedra deslocada de outro lugar, já que a região foi muito modificada.
O Ossuário de Tiago (Jacob): em outubro de 2002, um programa de televisão, patrocinado pelo Discovery Channel e a Biblical Archaeology Society, anunciou que um engenheiro israelense, Oded Golan, comprara, no mercado negro, um ossuário, datando do século I, que continha a seguinte inscrição em aramaico: “Jacob (Tiago), filho de José, irmão de Jesus”. Seria o primeiro artefato arqueológico ligado diretamente ao círculo próximo de Jesus. Imediatamente as autoridades israelenses entraram no circuito, e declararam que as inscrições não eram autênticas, seriam de uma data muito posterior à do ossuário, e acusaram a Oded Golan de 44 crimes de forjicação, fraude e comércio ilegal de artefatos arqueológicos – Oded foi condenado por comércio ilegal de antiguidades e absolvido das outras acusações, mas o curioso é que o juiz israelense fez questão de ressaltar que o seu veredito, favorável a Golan, não era um reconhecimento da autenticidade da inscrição, como se isso tivesse que passar por uma autoridade judiciária, não especializada no assunto! Isso aconteceu em 2012. Não foi a toa que alguns acadêmicos viram nisso tudo uma tentativa, espúria, não científica, de invalidar a descoberta e começaram a clamar por análises externas, “imparciais”. De fato, os testes posteriores, feitos fora de Israel, com os equipamentos e métodos mais modernos, apontaram, até 2015, para a autenticidade da inscrição, enquanto a Revista de Arqueologia Bíblica, americana, fez uma análise estatística, apontando a probabilidade de existir apenas 1,7 pessoa na Palestina, no século I, que reunia ao mesmo tempo as duas características constantes da inscrição. Algo entre 85 e 90% de chance de ser o Tiago dos evangelhos.

Notas

(1) Esse curioso personagem era um filósofo grego, neopitagórico, que, embora nascido em uma família riquíssima, abriu mão de tudo, em favor de seu irmão, e foi levar uma vida errante e pobre, com o intuito de aprender e ensinar a sabedoria aos outros. Uma novo Sócrates. Foi contemporâneo de Jesus, vivendo entre 15 e 100 d.C., e, pelo que se conta dele, em relatos repletos de acontecimentos miraculosos, foi uma criança prodígio, além de assumir ainda em tenra idade um vegetarianismo estrito, por amor aos animais. Conta-se que esteve na Índia, onde aprendeu a antiga sabedoria local, perceptível em algumas de suas sentenças conservadas, e viajou por vastas áreas Oriente Médio e por quase toda Europa não “bárbara”. Foi conselheiro de vários reis e imperadores romanos, sendo por um destes, Domiciano, preso, humilhado e desterrado em Éfeso, onde morreu. Muito admirado pelos seus contemporâneos, foi equiparado por alguns a Cristo, causando uma forte reação de membros clero, que o acusaram de pacto dom o demônio. Para que se tenha ideia melhor do espírito que animava Apolônio, reproduzo uma anedota preservada em sua biografia: Certa vez, o rei da Babilônia perguntou-lhe como deveria punir a um escravo, que fora pego em amores com uma de suas concubinas: “Deixando-o vivo”, respondeu, “pois se vive, seu amor será o maior dos suplícios” (traduzido da Wikipedia em espanhol – Apolonio de Tiana). Usar do amor, como forma de tortura! Jesus jamais faria isso!

(2) Quem quiser observar uma lista bem completa deles recomendo os seguintes verbetes da Wikipedia em inglês: List of New Testament latin document, List of New Testament lectionaire, List of New Testament minuscules (é tão vasto que engloba três verbetes), List of New Testament uncials, List of New Testament papiry. Nessa pesquisa o leitor poderá ver e se certificar, inclusive, da grande mentira de Dan Brown, contida no Código Da Vinci, de que a Igreja Católica, aproveitou o seu controle sobre as cópias mais antigas das Sagradas Escrituras para manipular o texto dos evangelhos, pois a vastíssima maioria desses documentos não está no Vaticano! Para se ter uma ideia sobre o quão recente e vertiginosa foi a descoberta desses documentos, desqualificando completamente a suposição de Bauer e seguidores sobre a inexistência de provas arqueológicas sobre os evangelhos, considere-se que em 1900 só eram conhecidos 9 papiros com inscrições dos evangelhos, hoje, 2015, são 131! E cada ano se descobre mais!

(3) Os céticos gostam de citar a contradição entre os evangelhos de Lucas e de Mateus uma vez que o primeiro cita o nascimento de Jesus no tempo do procurador Quirino, na Síria, e o segundo coloca-o no tempo de Herodes, sendo que o Herodes histórico morreu, segundo o que se sabe, uns quatro anos antes de Quirino ser nomeado procurador. A questão do censo, de fato, está em aberto, uma vez que são conhecidos apenas três censos gerais ordenados por Augusto, a saber: em 28 a.C., em 8 a.C., e 14 d.C. o de 28 é muito antigo, e o de 14 muito recente; o de 8 é o que mais se adéqua, mas nesse período a Judeia era considerada um reino aliado, governado ainda por Herodes o Grande, de sorte que os romanos não iriam intervir assim tão ostensivamente, uma vez que o principal objetivo desses censos era a arrecadação de impostos. Seja como for essa citação se refere aos relatos do nascimento de Jesus, que usam muito de um estilo antigo de contar história chamado midraxe – o midraxe “é um comentário ou uma explicação de caráter homilético... com o objetivo bastante amplo de tirar delas [das narrativas da Bíblia] lições edificantes... o sentido literal [que é o cerne do moderno conceito de objetividade, de prova documental] é um conceito que não se encontra nem entre os escritos rabínicos nem nos escritores bíblicos. O midraxe visa a encontrar o máximo de exemplos edificantes: é uma meditação sobre um texto sagrado ou uma reconstrução imaginosa sobre o lugar e o episódio narrado [que de fato aconteceu]” (McKenzie; 2003; p 609). Em outras palavras; o midraxe é uma moldura espetacular envolvendo uma tela, por vezes, muito simples, mas que existe e justifica a moldura. McKenzie também chama a atenção para o caráter midráxico do Evangelho da Infância de mateus e Lucas, onde “com base em uma breve memória autêntica dos fatos, o relato é completado com uma antologia de citações extraídas do AT e apropriadas ao nascimento do Messias” (idem; p 610). Sem falar que o nascimento em si de Jesus, é irrelevante para a natureza de sua missão, tanto que é omitido em dois evangelhos (serve muito mais para realçar o papel de outros personagens bíblicos como João Batista, Maria, José, etc.).

(4) Compare-se a biografia de Jesus com a de outros grandes reformadores e criadores de religiões do passado, como Zoroastro, Mani, Buda, Mahavira, etc. Todos eles homens nobres, príncipes, ricos, enfim de estirpe ou qualificação social “superior” à do homem comum, que, mesmo sofrendo dificuldades no início de sua trajetória, venceram no final e se tornaram pessoas respeitadas e admiradas no seio seu povo, quando ainda eram vivos – nesse sentido podemos incluir Abraão, Moisés e Mohammed. Mesmo aqueles que acabaram mal, como Pitágoras, Sócrates, e Apolônio de Tiana, conheceram momentos de glória ou morreram cercados por amigos dedicados. Cristo, nem isso! Que loucura ou que delírio levaria alguém, ou um grupo, a inventar um reformador religioso nascido numa aldeia insignificante, de um pequeno reino, trabalhador manual, que vivia errante, que foi rejeitado por seu povo, cuja salvação era o objetivo primeiro de sua missão, e no final morreu como um criminoso, com uma descrição pormenorizada de todas as infâmias que sofreu, sem falar do “absurdo” da ressurreição, arrematando tudo?

(5) A obra de Celso perdeu-se. O que hoje nós temos dela são trechos citados por autores cristãos, em especial por Orígenes, que escreveu uma resposta a esses ataques chamada Contra Celso, mas para quem quiser saber mais recomendo o verbete Celso (filosofo) – Wikipedia em italiano e o seu análogo em espanhol. No endereço a seguir há um bom comentário sobre o discurso de Celso, em espanhol: http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0049-34492004000200005&script=sci_arttext#2

(6) O Talmud, termo que em hebraico quer dizer “instrução, aprendizagem” é uma compilação de trechos de ensinamentos de rabinos mais conhecidos, versando sobre a lei, os costumes, tradições, histórias, aforismos e parábolas, que, ao longo dos séculos, formaram verdadeiras enciclopédias do saber religioso judaico, com algumas passagens verdadeiramente preciosas, devido ao seu elevado conteúdo ético-moral, e outras nem tanto. Essa coletânea foi sem dúvida uma sacada genial dos antigos judeus, uma vez que estes perceberam que só por meio dela poderiam preservar a essência da sua cultura, enquanto uma nação espalhada pelo mundo – é o exemplo mais cabal da cultura e do conhecimento salvando uma a vida de uma nação inteira, de onde o seu empenho metódico, heroico, e às vezes comovente, em conservar, ler e estudar esses livros. A grande missão do pai e da mãe de família judeu. Existem duas versões do Talmud: a de Jerusalém e a de Babilônia.

(7) Mais informações nos verbetes Yeshu; Toledot Yeshu; Jacob the heretic; Jesus in the Talmud – na Wikipedia em inglês. Jacob l’heretic; Toledot Yeshou; Tiberius Iulius Abdes Pantera – Wikipedia em francês; Toledot Yesu – Wikipedia em italiano. Consultar também Jesus of Nazareth, na Jewish Encyclopedia, edição 1903, online, onde Jesus é apresentado como um homem normal, cujos feitos reais foram encobertos por lendas piedosas, morto por causa de problemas com os romanos e com o partido dos saduceus (pró-romano), uma vez que Jesus era um essênio...

Bibliografia

Cornell, Tim e Matthews, John; Roma legado de um império; col. Grandes Impérios e Civilizações; trad Maria Emilia Vidigal; Del Prado; 2 vol; Madrid, 1996;
Diacov, V. e Covalev, S.; História da Antiguidade – Roma; trad João Cunha Andrade; Fulgor; São Paulo; 1965
Jedin, Hubert (org); Manual de Historia de la Iglesia – e la Iglesia primitiva a los comienzos de la gran Iglesia - tomo primero; versión castellana Daniel Ruiz Bueno; Herder; Barcelona 1966;

McKenzie, John L.; Dicionário bíblico; trad. Álvaro Cunha e outros; 8ª edição; Paulus; São Paulo; 2003.

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