ABEL
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William-Adolphe Bouguereau - Art Renewal Center – description, Public Domain,
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É curioso que num ambiente onde os nomes próprios carregam uma força tão
poderosa, como no antigo mundo bíblico, esse personagem tão marcante, o segundo
filho de Adão e Eva, tenha o nome de Abel que em hebraico, hevel, segundo John McKenzie, em seu Dicionário bíblico (ed Paulus), signifique “vaidade”, “nulidade” –
outros ainda o traduzem por “sopro”, “névoa”, “efêmero”. Terá Abel ficado muito
vaidoso pelo fato de o seu sacrifício ser claramente preferido por Deus ao de
seu irmão Caim? Quer isso dizer que a glória de Abel vem justamente da forma
brutal como terminou os seus dias, quando retornou ao “nada”, permanecendo até
hoje como símbolo do mártir e, por que não dizê-lo, da precariedade, da transitoriedade,
das relações, mesmo as mais íntimas, entre os seres humanos? O teu irmão, ainda
que habitando contigo numa ilha deserta, pode ser o teu algoz, logo é tolice
cuidar demasiado para ter vida longa ou eterna nesse mundo, como faz o homem
contemporâneo, e não contar que a morte nos espreita a cada momento. Estejamos,
pois, sempre bem preparados e só em Deus ponhamos toda a nossa confiança.
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Coube a Abel, porque razão não se sabe, a função do pastoreio, da provisão de
proteínas para o sustento da família, enquanto a Caim, o primogênito, coube provisão
dos frutos da terra, pois era agricultor. Ora, no tempo adequado ambos ofertaram
a Deus as primícias de seu trabalho, vegetais por parte de Caim e animais por
parte de Abel, e Deus mostrou um claro agrado pelas oferendas de Abel, mais do
que as de Caim, deixando a este muito enciumado.
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O texto de Gênesis, que relata os sacrifícios dos irmãos (4,3-4), nada diz
sobre os sentimentos deles nesse momento, nem sobre alguma irregularidade
constante do sacrifício de Caim. Os comentadores da Bíblia de Jerusalém veem
nisso uma demonstração da soberana liberdade de Deus, muitas vezes citada na
Bíblia, que exalta a quem Ele quer, independente de qualquer atributo humano ou
destaque social – uma pista, talvez, possa ser encontrada em Gn 4,1, quando o
texto explica o nome de Caim, acompanhado da alegria por que foi tomada a sua
mãe pelo seu nascimento, enquanto que de Abel não diz nada. Conhecendo a
importância que a sociedade patriarcal hebraica dava ao filho primogênito,
seria lícito especular que Abel era como que preterido pelos pais, sendo por
isso escolhido por Deus para equilibrar a relação, como sói acontecer com os
esquecidos do mundo, de quem Abel é figura? Ou talvez tudo não passe de uma história
exemplar, que reforça o modo de vida dos povos nômades, como os israelitas antigos,
realçando a sua superioridade sobre os povos sedentários, enquanto chama a
atenção e tenta explicar algo que era “universal” ou no mínimo bastante majoritário
na região: o sacrifício às divindades, fossem elas quais fossem, inclusive
entre os povos agrícolas, sempre foram feitos com animais e nunca em espécies
vegetais.
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Bem, o resto da história é por demais conhecido para nos determos em detalhes;
Caim chama o seu irmão e, afastado de seus pais, o mata. Como, o texto bíblico
não diz; apenas acrescenta: “Caim se lançou sobre o seu irmão Abel e o matou” (Bíblia de Jerusalém). Ou seja, o matou
com suas próprias mãos; a socos ou talvez por esganadura. Mais adiante, quando
Deus interpela a Caim sobre o seu irmão e ele finge ignorar, Deus lhe repreende
nos seguintes termos: “Ouço o sangue do teu irmão, do solo, a clamar por mim”; McKenzie
faz então uma leitura muito interessante de Hb 12,24: enquanto o sangue de Abel
clama por vingança, o de Cristo, outro justo, e muito mais justo que aquele, morto
por razões muito mais ignominiosas, clama, com muito mais eloquência, por
perdão e redenção aos que o odeiam ou o odiarão.
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Hebreus 11,4 assim explica a preferência de Deus pelo sacrifício de Abel: “Foi pela fé que Abel ofereceu a Deus um
sacrifício melhor que o de Caim. Graças a ela foi declarado justo... Graças a
ela, mesmo depois de morto ainda fala” (idem).
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Amém!
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