domingo, 16 de julho de 2017

ABEL

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By William-Adolphe Bouguereau - Art Renewal Center – description, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2239456

__ É curioso que num ambiente onde os nomes próprios carregam uma força tão poderosa, como no antigo mundo bíblico, esse personagem tão marcante, o segundo filho de Adão e Eva, tenha o nome de Abel que em hebraico, hevel, segundo John McKenzie, em seu Dicionário bíblico (ed Paulus), signifique “vaidade”, “nulidade” – outros ainda o traduzem por “sopro”, “névoa”, “efêmero”. Terá Abel ficado muito vaidoso pelo fato de o seu sacrifício ser claramente preferido por Deus ao de seu irmão Caim? Quer isso dizer que a glória de Abel vem justamente da forma brutal como terminou os seus dias, quando retornou ao “nada”, permanecendo até hoje como símbolo do mártir e, por que não dizê-lo, da precariedade, da transitoriedade, das relações, mesmo as mais íntimas, entre os seres humanos? O teu irmão, ainda que habitando contigo numa ilha deserta, pode ser o teu algoz, logo é tolice cuidar demasiado para ter vida longa ou eterna nesse mundo, como faz o homem contemporâneo, e não contar que a morte nos espreita a cada momento. Estejamos, pois, sempre bem preparados e só em Deus ponhamos toda a nossa confiança.
__ Coube a Abel, porque razão não se sabe, a função do pastoreio, da provisão de proteínas para o sustento da família, enquanto a Caim, o primogênito, coube provisão dos frutos da terra, pois era agricultor. Ora, no tempo adequado ambos ofertaram a Deus as primícias de seu trabalho, vegetais por parte de Caim e animais por parte de Abel, e Deus mostrou um claro agrado pelas oferendas de Abel, mais do que as de Caim, deixando a este muito enciumado.
__ O texto de Gênesis, que relata os sacrifícios dos irmãos (4,3-4), nada diz sobre os sentimentos deles nesse momento, nem sobre alguma irregularidade constante do sacrifício de Caim. Os comentadores da Bíblia de Jerusalém veem nisso uma demonstração da soberana liberdade de Deus, muitas vezes citada na Bíblia, que exalta a quem Ele quer, independente de qualquer atributo humano ou destaque social – uma pista, talvez, possa ser encontrada em Gn 4,1, quando o texto explica o nome de Caim, acompanhado da alegria por que foi tomada a sua mãe pelo seu nascimento, enquanto que de Abel não diz nada. Conhecendo a importância que a sociedade patriarcal hebraica dava ao filho primogênito, seria lícito especular que Abel era como que preterido pelos pais, sendo por isso escolhido por Deus para equilibrar a relação, como sói acontecer com os esquecidos do mundo, de quem Abel é figura?  Ou talvez tudo não passe de uma história exemplar, que reforça o modo de vida dos povos nômades, como os israelitas antigos, realçando a sua superioridade sobre os povos sedentários, enquanto chama a atenção e tenta explicar algo que era “universal” ou no mínimo bastante majoritário na região: o sacrifício às divindades, fossem elas quais fossem, inclusive entre os povos agrícolas, sempre foram feitos com animais e nunca em espécies vegetais.
__ Bem, o resto da história é por demais conhecido para nos determos em detalhes; Caim chama o seu irmão e, afastado de seus pais, o mata. Como, o texto bíblico não diz; apenas acrescenta: “Caim se lançou sobre o seu irmão Abel e o matou” (Bíblia de Jerusalém). Ou seja, o matou com suas próprias mãos; a socos ou talvez por esganadura. Mais adiante, quando Deus interpela a Caim sobre o seu irmão e ele finge ignorar, Deus lhe repreende nos seguintes termos: “Ouço o sangue do teu irmão, do solo, a clamar por mim”; McKenzie faz então uma leitura muito interessante de Hb 12,24: enquanto o sangue de Abel clama por vingança, o de Cristo, outro justo, e muito mais justo que aquele, morto por razões muito mais ignominiosas, clama, com muito mais eloquência, por perdão e redenção aos que o odeiam ou o odiarão.
__ Hebreus 11,4 assim explica a preferência de Deus pelo sacrifício de Abel: “Foi pela fé que Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor que o de Caim. Graças a ela foi declarado justo... Graças a ela, mesmo depois de morto ainda fala” (idem).

__ Amém!   

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