quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

MEU CANAL NO YOUTUBE

Prof Eduardo Simões

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__ Atenção amigos, inaugurei um canal do youtube chamado "Simões e companhia" e já postei um vídeo fazendo um breve comentário sobre a questão dos "coletes amarelos", cujo título é: "COLETES AMARELOS, FRANÇA INGLÓRIA". Assistam e opinem; e se agradar recomendem. Valeu!

sábado, 10 de novembro de 2018


SCHUMPETER E O MARXISMO: VISÃO GERAL (extratos do livro Capitalismo, socialismo e democracia)

Prof Eduardo Simões

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__ Na abertura da I Parte de seu livro, Schumpeter faz menção ao uso dos ensinamentos de Marx, que ele aparentemente respeita como analista econômico, no sentido em este que busca dar sentido lógico e empírico àquilo que afirma, na formação do comunismo soviético:

É profundamente característico do processo de sua canonização [reparem neste termo] que, entre o verdadeiro significado da mensagem de Marx e a prática e ideologia bolchevistas, haja pelo menos tão grande distância quanto havia entre a religião dos humildes galileus e a prática e ideologia dos príncipes da igreja e dos senhores da guerra na Idade Média

__ No capítulo 1, curiosamente titulado de “Marx o profeta”, ele já começa arrematando:

Em certo e importante sentido, o marxismo é uma religião. Em primeiro lugar, proporciona, ao crente, um sistema de fins últimos que envolvem o significado da vida e constituem critério absolutos para o julgamento de acontecimentos e ações. Em segundo lugar, apresenta um guia para tais fins, que implica em um plano para salvação, e a indicação dos males de que a humanidade, ou parte dela, será salva

__ E seria justamente, esse caráter religioso, que explicaria o sucesso ou a sobrevivência do marxismo, mesmo depois de tantos insucessos acumulados, até os dias de hoje.

A qualidade religiosa do marxismo também explica a atitude característica dos marxistas ortodoxos para com seus adversários. Para eles, como para todos os crentes de uma fé, o adversário não está somente em erro, mas também em pecado. A dissenção é condenada, não só intelectualmente, mas também moralmente... pois a mensagem já foi revelada” [É interessante notar nos inúmeros vídeos disponíveis na internet, mostrando debates de esquerdistas, em especial os petistas, como outros de convicção oposta, que eles quase não se referem a fatos, mas ficam divagando, reproduzindo palavras de ordens ou velhos refrões (um representante da OAB chega a citar como critério, num debate, a autoridade de o Capital, como se nada tivesse mudado nos últimos 150 anos! Essa postura também não explicaria a terrível virulência com que eles se digladiam entre si?].

__ Explicando o sucesso inicial do credo marxista, com base na enormes mudanças provocadas pela surgimento da sociedade industrial na metade do século XIX, Schumpeter afirma:

Então, para milhões de corações humanos, a mensagem marxista do paraíso terrestre do socialismo equivaleu a novo raio de luz e a novo significado na vida. Pode-se, se quiser, dizer que a religião marxista e a falsificação ou a caricatura da fé... Deve-se seu bom êxito, por um lado, de haver formulado, com inexcedível vigor o sentimento de ser oprimido e maltratado, que é a atitude autoterapêutica da maioria frustrada, e, de outro, por haver proclamado que a libertação socialista desses males era uma certeza baseada em prova racional... Analisar o processo social somente interessaria a algumas centenas de especialistas. Mas pregar [meu destaque] sob o manto da análise, e analisar tendo em vista as verdadeiras necessidades, foi o que conquistou adeptos apaixonados, e ao marxista a suprema vantagem: que aquilo que crê não pode ser derrotado, e venderá fatalmente” [ou seja, o grande mérito de Marx não é a descrição objetiva, científica, da economia e das relações sociais de sua época, mas antes na capacidade de empatia emocional que seus escritos provocam nas mentes mais sensíveis e/ou pouco críticas, embora, como uma concessão à época, ele não cesse de ressaltar o testemunho da ciência em seu favor, como Jesus aludia ao testemunho do “Pai”, para si].

__ Mas nem a percepção dos sentimentos das massas, presente na obra de Marx, pode ser considerada como objetiva ou “científica”:

Não foi, é evidente, uma formulação verdadeira de sentimentos reais, conscientes ou inconscientes, dos mal-sucedidos. Preferimos qualifica-la de tentativa de substituição de sentimentos verdadeiros por uma falsa ou verdadeira revelação da lógica social. Assim fazendo, e atribuindo às massas o seu próprio conceito de consciência de classe, Marx, sem dúvida, falsificou a verdadeira psicologia do trabalhador (centralizada no desejo de se tornar pequeno-burguês, e ser auxiliado pela força política para chegar a tal situação [não é assim, por exemplo, que agem os nossos pequenos e grandes empresários, sempre a pedir uma ajudinha do estado para preservar nichos de mercados da concorrência estrangeira, atitude esta que sempre encontrou guarida na nossa esquerda e até em nossa direita reacionária?])

__ Mas Marx tinha méritos, e um deles é justamente o de não se parecer muito com os “marxistas”...

Sempre se conservou inteiramente liberto de qualquer tendência, tão visível em alguns de seus adeptos, para bajular os trabalhadores. Tinha provavelmente percepção muito clara do que eram as massas e colocava-se muito acima delas... e bem além do que pensavam e desejavam. Nunca, igualmente, defendeu qualquer ideal, como uma criação sua... Há dignidade em tudo isso, o que compensa muita pequenez e vulgaridade, com as quais, em seu trabalho e em sua vida, tal dignidade formou uma estranha aliança” [Schumpeter ressalta também, que, ao contrário de muitos marxistas, já fanatizados pela vivência acrítica na doutrina, Marx foi capaz de perceber grandes méritos na burguesia e em seu produto mais acabado, o capitalismo, tecendo em relação a ambos, no Manifesto Comunista, os mais rasgados e justos elogios].

__ Nesse artigo usei trechos de uma versão online do livro de Schumpeter, traduzido por Ruy Jungmann, editado por Fundo de Cultura e OrdemLivre.org, Rio de Janeiro, 1961. As páginas não testavam numeradas.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

OS DEMÔNIOS OU A PERFEITA OPRESSÃO

Prof Eduardo Simões

O rosto do mal

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Reparem no olhar apertado, como se quisesse ver as entranhas de seu interlocutor, como a dizer: “eu conheço ou vou conhecer os teus ‘podres’, e eu vou usá-los contra ti”, assim era Sergey Guenadievitch Nechayev, nascido em 1847, no seio de uma família pobre – seu pai era um pintor de parede e a mãe uma costureira, filha de servos alforriados – numa pequena cidadezinha da Rússia. Autodidata, trabalhou em muitos ofícios, mas nunca se formou ou se especializou em nada, a não ser em “revolução”: era “revolucionário” 24 horas por dia, na falta de mais tempo, um compulsivo. Nechayev cedo se enveredou por uma corrente russa terrorista de “extrema-esquerda”, o niilismo, e o seu ódio à sociedade civilizada “burguesa”, levou-o ao encontro de um dos titãs da esquerda: Mikhail Bakunin (1814-1876), um líder anarquista, que, como muitos outros, ficou arrebatado, pelo estranha energia que emanava de Nechayev, a tal ponto que mesmo depois de Nechayev ser expulso da Internacional Anarquista, por roubos, chantagens e patifarias diversas, Bakunin, resistia a cortar relações com ele. O lance mais extravagante dessa biografia tenebrosa foi quando, preso numa penitenciária de segurança máxima, por ordem direta do tzar, ele cooptou dezenas de carcereiros e guardas, fazendo-os levar e trazer mensagens de grupos terroristas fora da prisão – parece que algo assim acontece no Brasil – envolvendo-os em um plano para viabilizar a sua fuga, só descoberto pela da traição de um preso. Durante o inquérito os guardas detidos, 69 ao todo, dos quais 34 seriam condenados, disseram que emanava dele uma força estranha, tipo hipnótica, que os deixava exangues diante de suas ordens. Nechayev morrerá, em 1882, das terríveis condições que experimentará na prisão.     

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“Não passa de um simples rapaz russo, de aspecto semelhante a um operário, ainda não de todo adaptado à vida urbana [um pobre rapaz do campo], que não é metido a saber tudo [humilde], que gostava de brincar e rir com prazer”. Assim Alexandra Ivanovna Zasulich descreve Nechayev, a quem conheceu pessoalmente (Franco Venturi, historiador italiano, em seu livro Populismo russo, citado na Wikipedia em italiano). Mais uma conquista. Fora isso Nechayev responde, junto com Bakuni, pela formação do estranho Catecismo revolucionário – para que ninguém duvide que se trata de uma seita religiosa – cujos trechos se reproduz abaixo.
“Negação de um Deus real, extramundial [fora deste mundo], pessoal, e por consequência também, de toda revelação... A liberdade é o direito absoluto de todos homem e mulher maiores, de não buscar, absolutamente, outra sanção para os seus atos senão sua própria consciência e sua própria razão... Só existe um único dogma, uma única lei, uma única base moral para os homens: a liberdade...”. Bem, essa é a parte boa, porque se formos à outra, que fala de como deve ser um revolucionário, colheremos essas pérolas: “O revolucionário é um homem que sacrificou sua vida. Não tem negócios nem assuntos pessoais, nem sentimentos nem laços, nem propriedade, sequer nome... é inimigo implacável dessa sociedade [a nossa], e se ainda vive nela é exclusivamente para destruí-la... Um revolucionário despreza qualquer teoria (...) Só conhece uma ciência: a da destruição; com esse fim exclusivo estuda química, física, mecânica [para preparar atentados] e ocasionalmente medicina [quando algo der errado]... Deve ter dia e noite um só pensamento, uma única meta: a destruição inexorável. Perseguindo com sangue frio e sem descanso o comprimento desse destino...” (Chega!) (Bakunin; Catecismo Revolucionário – programa da sociedade da revolução internacional; trad. Plinio Augsuto Coêlho; Imaginário; São Paulo; 2009, e Bakunin-Netchaiev; Catecismo Revolucionario; resenha de Juan C. Alcalde, em espanhol, com um resumo biográfico dos autores). Mas as maquinações do mau, não foram suficientes para enganar a sabedoria do gênio; em uma carta ao editor do livro Os demônios, Fiodor Dostoievski reconhece que, em que pese as semelhanças entre o personagem principal de seu livro e Nechayev, eles não são exatamente a mesma pessoa, porque, segundo ele “esses abortos não são dignos de entrar para a literatura” (Gianlorenzo Pacini F. M. Dostoievski, Bruno Mondadori, Milão, 2002, citado na Wikipedia em italiano)

__ Entretanto, algo deu errado no sumiço do corpo de Ivanov, e aconteceu que, quatro dias depois, em 25 de novembro (8 de dezembro), o corpo de Ivanov, com os braços abertos, ascendeu à superfície, ficando visível através da camada de gelo, que se adelgaçara. A polícia se mobiliza, e em pouco tempo todos os membros da célula estavam presos e respondendo a processo.
__ No inquérito, e durante o julgamento, que empolgou a sociedade russa, levando Dostoievski a escrever seu livro mais denso e sombrio, na opinião de mestres da literatura, ficou-se sabendo que Ivanov nunca fizera nada que merecesse morte tão trágica e traiçoeira; segundo eles tudo apontava para uma questão pessoal, uma vez que Ivanov resistia em seguir sem pestanejar as ordens do chefe. Certa ocasião, por conta de uma discussão sobre como proceder com os recursos levantados pela célula, Nechayev afirmou já agastado: “O comitê central já decidiu”, e Ivanov ripostou: “Não seria Sergey Guenadievitch, esse comitê central?” Mas parece que a gota d’água foi a recusa de Ivanov em espalhar panfletos revolucionários no refeitório e na biblioteca da Academia de Agricultura. “A polícia vai intervir, e estudantes inocentes terão graves problemas”, e ficou irredutível.
__ Depois dessa discussão, Nechayev desapareceu durante duas semanas e voltou dizendo para os que obtivera, junto ao “comitê central”, provas de que Ivanov era informante da polícia, e que, segundo a recomendaçãp do “comitê”, fazia-se mister matá-lo. Embora surpresos, ninguém contestou, e deram cabo de sua miserável tarefa.
__ O inquérito que se seguiu arrastou a julgamento, cerca de 87 pessoas, ligadas ao assassinato e à célula terrorista de Nechayev, menos ele próprio, que, conseguiu fugir para a Suíça, onde se reencontraria com Bakunin. Todos foram condenados ao exílio na Sibéria ou em regiões distantes, ficando para aqueles que participaram diretamente do assassínio, a pena mais pesada de 7 a 15 anos de trabalhos forçados no exílio. Deve-se notar ainda que, segundo Juan Alcalde, os antigos companheiros tudo fizeram para justificar, isentar ou reduzir a participação de Nachayev no evento.    

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Os odientos, o pragmático e o sanguinário. A mensagem e os métodos de niilistas e anarquistas eram muito diretos, muito sinceros, para não provocar repulsa e resistência imediatas; por isso, como que para “dourar” a pílula, surgiu a doutrina marxista, fruto de hábeis contorcionistas mentais, capazes de dizer ou prometer a mesma coisa que Nechayev e seu grupo, só que de uma maneira mais palatável ao público , ao dar-lhes ares de estudo “científico”. “Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é sempre um meio de ampliar, enriquecer e melhorar cada vez mais a existência dos trabalhadores... O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o direito de escravizar o trabalho de outrem... Quando os antagonismos de classe, no interior das nações, tiverem desaparecido [o que acontecerá no comunismo, segundo Marx], desaparecerá a hostilidade entre as próprias nações... Em lugar da antiga sociedade burguesa... surge uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos... Os comunistas não se rebaixam a dissimular... proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda ordem existente” (Marx-Engels; Manifesto comunista; Ridendo Castigat Mores; 1999; eBooksBrasil.com). Por mais que os dois primeiros, Marx e Engels tenham sido “moderados”, no sentido que não mandaram executar ninguém, Lenin, já avançou com truculência contra os contra os inimigos externos e internos do estado soviético, eliminando-os sem hesitação; mas que dizer de Stalin, que instalou um verdadeiro regime de terror, que não raro se voltava contra os próprios cidadãos soviéticos? A esquerda não admite, sob pena de forte contradição, uma vez que o socialismo avança para acabar com as “maldades” do capitalismo, mas a existência e a doutrina de Marx e Engels foi necessária e fundamental para a existência do Terror Stalinista indiscriminado, que é o terror para a qual a esquerda sempre tenderá, sob pena de perder a razão de sua existência.

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A volta completa! Acima vemos o ditador comunista Josef Stalin esbanjando incontida felicidade, entre o ministro nazista das relações exteriores, Joachim von Ribbentrop, à esquerda, e o seu ministro do exterior, Vyacheslav Molotov, de bigode, à direita, após a assinatura do pacto Germano-Soviético, assinado em 23 de agosto de 1939, que tornou os dois países aliados de fato. Na foto abaixo vemos o resultado do “pacto”: três oficiais e um suboficial nazistas conversam alegremente com um oficial e um tanquista soviéticos, após o massacre da Polônia. Se Hitler era um demônio ou a essência do mal, o que será aquele se aliou oficialmente a ele? Tanta fé tinha Stalin nesse acordo que resistiu até o último instante a reagir à invasão alemã do território de seu país, sendo por isso, com razão, também responsável pela hecatombe humana da Rússia durante a Segunda Guerra. A última tentativa da esquerda de se descolar desse monstro foi inventar que ele, Stalin, era, na verdade, um agente da polícia tzarista disfarçado, que enganou a todos.       

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By Pudelek (Marcin Szala) - Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=16974379
No final dos anos 70, houve uma discussão em nossa célula do PCB sobre o livro de Alexander Soljenitsin, Arquipélago gulag, muito comentado pelo público. O nosso orientador, um ex-ferroviário, homem de boa índole, mas muito simplório e inculto a tudo que não fosse a versão oficial do partido asseverou-nos: “Ele é um saudosista [de fato, Soljenitsin o era]! O que ele descreveu no livro é o que acontecia na Russia tzarista, isso jamais aconteceu na União Soviética!” Naquela época a explicação nos pareceu satisfatória, mas o problema é que a União Soviética acabou, e a verdade apareceu na forma de gulags, campos de concentração políticos dos comunistas, que não só existiam, mas também eram tão brutais quanto os campos de concentração dos nazistas na 2ª Guerra. Nesse período surgiu um livro arrasador, composto por uma série de mais de cem pranchas iconográficas, onde era mostrado, por meio de desenhos realistas e minuciosos, todos os horrores do cotidiano dos gulags soviéticos. Seu autor era um ex-guarda desses campos, Danzig Baldaev, e aquilo horrorizou o mundo. Na ilustração mais acima, vemos um guarda recebendo, com uma mangueira de incêndio aberta, os prisioneiros políticos, oposicionistas, recém-chegados ao seu campo, após horas tiritando em temperaturas abaixo de zero, o diretor ordenava que entrassem; Os prisioneiros políticos eram maldosamente misturados aos piores bandidos e psicopatas russos, que cumpriam pena pelos mais horrendos crimes comuns, e que tinham rédea soltas para ficar a vontade com os “inimigos do povo”. Eram comuns jogos de cartas, forçados, onde se apostava a vida, com o derrotado pagando o preço combinado, ante a indiferença completa dos circundantes, gente da pior espécie e guardas do campo; Não raro os criminosos assassinavam os “inimigos do povo”, “da civilização”, “da verdadeira democracia”, soterrando-os sob milhões de metros cúbicos de concentro armado, durante a construção de alguma barragem, transformada em um cemitério vertical; Mas também havia piedosos fuzilamentos em massa, principalmente de prioneiros que já estivessem muito fracos e incapazes de trabalhar (Baldaev também relata execução a bala de crianças pequenas, nascidas dos prisioneiros); Foto do prédio principal do Perm 36, o último gulag na Rússia, onde ainda funcionava um museu, fechado em 2015 por pressão e má vontade das autoridades russas. E assim o atual governo russo, liderado por um ex-agente da polícia secreta soviética, Putin, se protege, e a seus antigos camaradas, de lembranças embaraçosas, e apaga algo que pode constrangê-los; Ainda existem alguns restos de gulags em países dominados pelos russos, como os bálticos, que tentam preservar o que sobrou dessas estruturas, destruídas pelos soviéticos em sua saída, e que comprovam a fidelidade das ilustrações de Baldaev.

__ Entretanto, ainda sobra uma questão: como a polícia descobriu a relação entre o cadáver no lago e o grupo de Nechayev? Você, leitor, lembra-se que Nechayev encarregou-se de esvaziar os bolsos de Ivanov, após o assassínio. Pois bem, a polícia encontrou nas vestes de Ivanov o cartão da biblioteca da Academia Petrovski, pertencente a Kuznetsov, com quem Ivanov dividia um aposento, e assim chegou a ele e ao resto do grupo.
__ Ai aparece outra questão: como Nechayev deixou passar isso? Esse erro foi fruto do nervosismo ou foi proposital: Nechayev estaria um tanto aborrecido com as démarches de sua célula, e resolveu livrar-se dela? Um dos indícios nessa direção é que ele foi o único que conseguiu escapar da polícia. Mas ele faria isso, mesmo sabendo que no grupo estaria, muito comprometido, Nikolay Nikolayev, que lhe era cem por cento leal e seu amigo de infância? Uma frase do catecismo do revolucionário, reproduzido pela Wikipedia em francês, nos ajuda a elucidar isso;
__ “NÃO É REVOLUCIONÁRIO QUEM TEM COMPAIXÃO POR ALGUMA COISA NESSE MUNDO” (traduzido)

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O mal não venceu de todo. Alexei Kirillovich Kuznetsov, cujo cartão foi a causa da prisão de todos – menos Nechayev – foi enviado para o exílio perpétuo na Sibéria, próximo à fronteira russo-chinesa, agravado por dez anos de trabalhos forçados, em 1873. Lá se dedicou a atividades culturais, tendo, inclusive se interessado muito por fotografia. Inaugurador de museus, mas trapalhão incorrigível, se envolveu de novo, em 1905, com movimentos de revoltas e viu seu exílio agravado, indo para o extremo norte, até que, em 1908, foi parcialmente perdoado, devido ao seu estado de saúde, e voltou para junto da fronteira chinesa, até que, provavelmente perdoado pelos comunistas, voltou para casa, e morreu em Moscou em 1928, aos 83 anos. Enquanto esteve em Ust-Kara, Kuznetsov formou uma coleção de 74 chapas fotográficas nas quais ele eternizou o ambiente e o aspecto de guardas, prisioneiros e pobres camponeses que circundavam os campos de trabalho da Rússia tzarista, das quais vemos dois exemplares acima. Na primeira vemos prisioneiros de trabalhos forçados descarregando mantimentos das barcaças, em Nerschinsk. Na segunda vemos um guarda dos presidiários, com uma cruel “disciplina” na mão, e um olhar que demonstra toda a sua feroz vontade de usá-la. Ao invés de acabar com isso os comunistas agravaram-na. As fotos de Kuznetsov, em especial as que retratam os presos, são maravilhosas!

segunda-feira, 29 de outubro de 2018


OS DEMÔNIOS, OU AS VÉSPERAS DA PERFEITA OPRESSÃO

Eduardo Simões

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O furioso, a inocente e o obediente. Alguma dúvida sobre quem dará as cartas ao final?

__ Os jovens de todas as épocas e lugares sempre tiveram um comportamento marcado pela generosidade e pelo imediatismo... Eles não só querem salvar o mundo como o querem pra já! Esse provavelmente foi o sentimento que levou o jovem Ivan Ivanovich Ivanov a ingressar numa célula revolucionária de um grupo revolucionário chamado Vingança do Povo, em 1869, na Rússia Tzarista, com a intenção de precipitar a mudança dos aspectos negativos, e eram muitos, dessa sociedade, por meio de ações violentas. Sua ingenuidade e boa-fé eram tais que ele chegou mesmo a discordar, publicamente, da forma como o líder e fundador da célula, Sergey Nechayev, encaminhava as atividades do grupo.
__ Ao anoitecer de 21 de novembro de 1869 (4 de dezembro, no nosso calendário), ele dirigiu-se, junto com os outros membros da célula, Nikolay Nikolaev e Ivan Prizhov, para encontraram-se com Nechayev, Alexey Kuznetsov e Piotr Uspenski, a uma região deserta do campus da Academia Agrícola Petrovsky, da Universidade de Moscou (por que o ambiente universitário aparece ligado a essas loucas empreitadas?), a pretexto de resgatar, de dentro de uma gruta, uma prensa tipográfica descartada pela universidade. Todos entram na gruta, menos Kuznetsov, e nesse momento Nechayev dá um sinal e todos atacam Ivanov.
__ Na escuridão, entretanto, Nechayev se agarra ao pescoço de Nikolay. “Eu não, grita ele, eu sou Nikolay”, e todos se atiram para fora, em pânico. Ivanov, porém, mal deu alguns passos, foi agarrado e derrubado ao solo. Nechayev ataca o seu pescoço, mas ele morde vigorosamente o polegar daquele; Nikolay, entretanto, consegue aplicar uma “gravata” em Ivanov, e, enquanto Nechayev segura seus braços e Kuznetsov suas pernas, esgana-o até a morte. Nechayev levanta-se, saca um revólver e atira contra a cabeça da vítima, um toque de “modernidade” e de “revolução” numa execução tão bárbara e grotesca.
__ A seguir ele faz uma limpeza minuciosa nos bolsos de Ivanov, para dificultar identificação. Os assassinos abrem um buraco na camada de gelo que encobria um lago próximo, e por ele passam o corpo, com tijolos amarrados em barbantes, e todos vão para casa de Kuznetsov, se livrar dos últimos vestígios de Ivanov...

“A perfeita liberdade é o prelúdio da perfeita opressão” (Os demônios, Dostoievski)

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Karl Marx e Mikhail Bakunin, há laguma diferença substancial? “O objetivo da revolução democrática e social pode ser definido em duas palavras: Politicamente: é a abolição do direito histórico, do direito de conquista e do direito diplomático. É a emancipação completa dos indivíduos e das associações do jugo da autoridade divina e humana; é a destruição absoluta de todas as uniões e aglomerações forçadas das comunas nas províncias, das províncias e dos países conquistados no Estado. Enfim, é a dissolução radical do Estado centralista, tutelar, autoritário, com todas as instituições militares, burocráticas, governamentais, administrativas, judiciárias e civis. É, em uma palavra, a liberdade desenvolvida a todo mundo, aos indivíduos, como a todas as entidades coletivas, associações, comunas, províncias, regiões e nações e a garantia mútua desta liberdade pela federação. Socialmente: é a confirmação da igualdade política pela igualdade econômica. É, no começo da carreira de cada um, a igualdade de ponto de partida, igualdade não natural, mas social para cada um, isto é, igualdade de meios de manutenção, de educação, de instrução para cada criança, rapaz ou moça, até a época de sua maioridade”. Palavras de Mikhail Bakunin, aliás, Bakhunin foi amigo pessoal de Nechayev, o monstro envolvido na “proeza” acima.

__ Aqueles que se vivem se autoproclamando “revolucionários”, “progressistas”, não passam de idiotas, e até perfeitos idiotas, mas não são isso o tempo todo nem em todos os assuntos...
__ Todo grupo que propõe, de fora para dentro, via mera “reflexão filosófica”, modelos para uma mudança geral, estrutural, e de preferência brusca – bem ao gosto dos adolescentes – da sociedade, seja de direita, como os fascistas e nazistas, seja de esquerda via “anarquismo”, “comunismo”, “socialismo”, ou ainda aqueles que se dizem “progressistas” “revolucionários”, enfim todo o arco da “esquerda”, partem, conscientes ou não, de um primeiro pressuposto: “Se quisermos o sucesso de nosso sistema social precisamos, antes, destruir a ordem vigente”; de onde lhes acode a seguinte questão: “Como fazê-lo?”
__ Uma alternativa seria um ataque frontal à sociedade que se quer destruir, denunciando-lhes as mazelas, quebrando, à força, a resistência psicológica de seus defensores, e eles, os esquerdistas e fascistas, normalmente começam por aí, porém, quando a resistência é considerável, e a sociedade parece não aceitar bem essa estratégia, é preciso mudar para outra, sempre mais eficaz.
__ O problema de atacar diretamente os alicerces de uma ordem social é que ao fazê-lo, o “revolucionário” indiretamente chama as pessoas que a defendem, pelos mais variados motivos, alguns muito válidos, de ignorantes ou incompetentes, tanto que se mostram, ao contrário dos “revolucionários”, incapazes de perceberem as disfunções “óbvias” do atual sistema, e essa não é certamente uma boa tática para conquistar adeptos; portanto, é necessário usar outro subterfúgio para conquistar as “massas” para a causa: fazer apelo à liberdade e aos inocentes úteis.
__ Quando se faz apelo a liberdade, aqueles que, no primeiro caso, seriam vistos como perigosos inimigos da “lei e da ordem”, aparecem de imediato como “nossos salvadores”. Assim eles já não são vistos tanto como inimigos da ordem e dos valores que nos mantém unidos e abrigados, ainda que parcialmente, mas salvadores de algo que nos oprime, e que nós nem sabemos o que é, tanto que em pouco tempo todos estaremos fazendo pedidos difuso de liberdade de coisas que definimos ou o fazemos confusamente:

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Vejam essa foto de uma professora que levou seus alunos, crianças e adolescentes, para assistir à exposição pornográfica do Queermuseu; o texto ao lado que diz: “Vamos ensinar às crianças a pensar e a contestar aquilo que normatiza e mata o que é diferente”. Vamos por etapas: O que é “aquilo”? Onde está escrito ou é ensinado, e se o é comete-se crime, que quem é diferente deve ser morto? Que relação direta existe entre a exposição do Queermuseu e a tolerância entre as pessoas? Não seria possível que alguém, após ver aquela exposição horrenda não saísse de lá tão chocada, que resolvesse partir para violência contra quem estiver supostamente ligada àquilo? Noutras palavras: a exposição, ou as circunstâncias dela, foi um convite ao diálogo com os outros, no caso os “diferentes” ou uma provocação infantil, um golpe demolidor contra uma forma historicamente legítima e amparada em muitos estudos científicos, de defesa da infância? Não seria essa uma das causas porque um candidato com conservador, com um discurso mais agressivo, conseguiu vencer as eleições? Não foi este um efeito justo contrário do que supostamente se pretendeu? Diferente em relação a quê ou a quem, afinal o heterossexual é diferente em relação ao homossexual e vice-versa? Etc. etc. As pessoas mostram não ter a menor ideia sobre o porquê estão lutando ou a melhor forma de consegui-lo.

__ Nesse afã de liberdade, por exemplo, direitos fundamentais, outrora sagrados, são solenemente ignorados, como, por exemplo: o direito das crianças usufruírem em paz e inocente alegria da sua infância, até chegar a hora de saber e experimentar aquilo que é próprio dos adultos. Por exemplo, em nome da “liberdade dos país” e da “sacralidade da arte” em si, ignorando-se que a arte traz em si conteúdos, cujo significado é determinado socialmente e construído em função da maturidade do artista e de sua plateia, órgãos de imprensa conceituados e, até recentemente dignos de respeito, levantaram sua voz contra a “censura”, ignorando escandalosamente as especificidades psicoemocionais dos níveis mais tenros das formação humana; mas se até uma professora ignorou-as, como vemos acima, o que esperar de jornalistas. Discutiu-se muito durante esse período: arte, política, ideologia, liberdade, etc., só não se discutiu, ou não se deu repercussão, sobre a características do pensamento infanto-juvenil, os efeitos da pornografia ou da sexualidade de adultos na criança, etc. A criança foi a grande esquecida nesses debates.
__ A nova liberdade avança, junto com as terríveis contradições sociais, agora, por exemplo, busca-se ampliar o direito ao aborto, ou seja, a liberdade de matar seres humanos até uma determinada idade. Na defesa dos interesses de uma ladra do dinheiro público, “podre de rica”, avançamos na defesa de uma compreensão jurídica, via Ministro Lewandovski, notório advogado das esquerdas, que pode determinar, no futuro, que grávidas e mães e de menores de 12 anos possam cumprir, na eventualidade de criminosas, as suas pensas em casa, para cuidar de seus filhos... Elas bem que poderiam começar dando bom exemplo; considerando possíveis atenuantes.
__ Tanta preocupação de nossos juízes com a criança, chega a ser tocante... Quem pode afirmar depois disso, do ECA e de uma infinidade de dispositivos e anexos legais, que a criança brasileira não é a mais protegida do mundo, mas é isso que vemos na realidade? Para que se tenha ideia do tamanho da hipocrisia, da loucura, do desvario que tomou conta de nosso país, vejam esse exemplo: uma criança menor de 14 anos, mesmo acompanhada do pai, não pode trabalhar na montagem de uma festa de igreja, onde ela vai exercitar o valor do trabalho, da convivência comunitária, da doação aos outros, mas pode, ainda que mais jovem, frequentar uma exposição pornográfica. Esse é o resultado dessa estratégia aplicada às relações humanas quando prevalece o politicamente correto de esquerdistas, sociais-democratas e liberais ingênuos, os sempre indispensáveis inocentes úteis.
__ Bem, atingido o estágio de liberdade perfeita, com a sociedade dando claros sinais de desagregação difusa, polarização por tudo e por nada, ninguém aceita mais as regras previamente combinadas, quando o resultado não lhe agrada – nem vou dizer que estou falando do Brasil – resta-nos o produto final da liberdade perfeita (que é outro nome que se dá para a ausência absoluta de Deus): a solidão perfeita onde o outro é visto sempre “obstáculo”, e que, apesar dos adjetivos criados para mascarar a hostilidade latente e crônica a resolução de conflitos se dá sempre pela forma mais violenta, como acontece, por exemplo entre os “revolucionários” (vide os expurgos, apesar dos “camaradas” e “companheiros”) e o crime organizado (vide os acertos de conta, apesar dos “manos”, “irmãos”, “parças”).  
__ O problema é que a perfeita solidão não consegue suprir a necessidade emocional do outro. A solidão de quem se sente perfeitamente “liberado” é uma solidão mental, que o fragiliza a cada momento, lançando-o a conflitos e depressões inesperadas, até ele ficar totalmente convicto que precisa de alguém para o conduzir, sob pena até de ameaça à sua sobrevivência. E é justamente aí que entram os grupos organizados de revolucionários de esquerda, perfeitamente compactos, coesos, obedientes, a ponto de fechar os olhos até para as contradições e provas mais escancaradas – mesmo que fosse apresentado um filme com Lula assinando o contrato do tríplex, bastaria ele dizer que é uma falsificação, uma montagem, que os seus correligionários admitiriam, e morreriam e até matariam por isso.

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Cid Gomes. Bastou ele especular a necessidade de o PT fazer um “mea culpa”, “reconhecer que cometeu erros”, que a militância em peso prorrompeu em vaias, xingamentos e até ameaças físicas. A estratégia da esquerda pode, portanto, ser definida da seguinte maneira: “liberdade perfeita para “os de fora”, obediência perfeita para “os de dentro””. E como fica a famosa autocrítica? Na verdade, não há uma autocrítica consciente, toda ela é imposta por um grupo a outro, pois se não houver autocrítica, seria necessário reconhecer que a teoria, ou melhor seria dizer a doutrina?, está errada. Então alguém assume a culpa para salvar a comunidade de um proveitoso, enriquecedor e libertador debate sobre a necessidade de atualizar ou reformar a doutrina, já ela toda transformada em dogma. A autocrítica é também um ritual para amainar a fúria de revolucionários frustrados e confusos, de sorte a que eles não se atirem com muita gana contra um suposto culpado, evitando ou diminuindo a virulência da guerra interna pelo poder, que quando ocorre é sempre dramática e por vezes sanguinolenta, principalmente quando se chegou ao poder no Estado.

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Fidel Castro e a multidão delirante e esperançosa: “Revolução é igualdade e liberdade plenas, é ser tratado e tratar os demais como seres humanos, é emanciparmo-nos por nós mesmos e com os nossos próprios esforços”. “Esta é a revolução democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes”. Quem não desejaria o melhor para os humildes e para os pobres?

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De certa forma esse objetivo foi atingido por Fidel, que, enquanto se manteve fiel ao seu modelo original, a única coisa que conseguiu socializar foi a pobreza – todos os cubanos ficaram pobres e “humildes”, menos a camarilha castrista – situação que começou a ser revertida aos poucos, quando o país começou a se abrir para o capitalismo, o ex-inimigo incondicional. Quantas pessoas não perderam tudo, e até a vida, tentando fugir do “paraíso dos humildes” fundado por Fidel Castro e sua trupe. Acima vemos alguns dentre milhares de cubanos, que, desesperados buscaram fugir da ilha nessas últimas décadas – 125 mil só durante a crise do Êxodo de Mariel, em 1980 – enfrentando um mar traiçoeiro e repleto de tubarões, para chegar aos Estados Unidos. Com a decadência dos esportes, fruto da pobreza, pelo menos não há mais a humilhante situação de atletas fugindo, nas competições internacionais, para pedir asilo em outros países. Na foto um grupo de "balseros" cubanos, pedindo pelo resgate e que não sejam mandados de volta, em 1994.

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Como é proibido a um cidadão cubano a posse de barco, a miséria local e o desespero de sair de lá forçam a criatividade dos jovens cubanos, que nem conheceram a época da fartura pré-comunista, e tudo que ouvem é que os EUA são uma terra de injustiças e pobreza. Na foto de cima vemos um caminhão Chevy, 1951, adaptado para servir de embarcação para doze pessoas em uma fuga ocorrida em 2003; na foto abaixo um táxi Mercury 1948, com algo entre 13 e 16 pessoas, é interceptado pela guarda costeira americana. Aliás, a guarda costeira dos EUA tem atuado como zagueiro de futebol americano, tentando impedir que toda população de Cuba se transfira para o seu país. Os passageiros dessa última embarcação foram repatriados...       


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Rompendo uma tradição na Igreja e até um preceito evangélico (Mt 18,15)! João Paulo II faz uma dura correção pública no padre nicaraguense Ernesto Cardenal, um dos principais ideólogos do Movimento Sandinista, em sua visita à Nicarágua em 1983. A postura de absoluto enfado com que o Papa escutou o discurso de Daniel Ortega e a sua irritação durante a missa em Manágua, não foi entendida por quase ninguém, uma vez para o público leigo, não iluminado pelo Espírito Santo, os sandinistas haviam derrotado uma ditadura feroz e a democracia aparentemente fazia seu retorno ao país. Dizem alguns versos de Cardenal: “Maldito o sistema que tenta matar no homem a dimensão de transcendência/ E coloca no seu lugar o “deus dinheiro”, o “deus sexo”, e “deus progresso”,/ Destruir-se-á por dentro irremissivelmente,/ Porque o coração do homem foi bem feito/ E ninguém pode matar em nós/ Esta sede de infinito que nos queima”. Quem divergia disso? Magoado Cardenal afasta-se da Igreja institucional. O teólogo franciscano Leonardo Boff, comentará quando da morte de João Paulo II: “Ele não entendeu nada da América Latina!”

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Forte comoção acompanha o sepultamento de mais uma vítima da ditadura marxista-leninista-sandinista na Nicarágua de Daniel Ortega, em 2018 - 350 pessoas teriam morrido na repressão - enquanto igrejas no país foram atacadas por paramilitares a mando do ditador, e os bispos que se posicionaram com o povo eram achacados de “golpistas”, a mania que a esquerda brasileira exportou para nossos vizinhos, e que substitui o tradicional “reacionário”, muto associado ao comunismo, e eventual “fascista”, um tanto desgastado. Como João Pulo II sabia que ia dar nisso? Hoje o príncipe dos inocentes úteis nicaraguenses, o ex-padre Ernesto Cardenal, fala de uma “revolução perdida”. Por que não procurou escutar o Papa?

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Dois pajens de cavaleiros do apocalipse e nutrizes de ditadores frustrados. Frei Betto (a direita) chegou a afirmar num programa de entrevistas, disponível no Youtube, que a Igreja Católica, a sua igreja, até hoje, discrimina as mulheres, enquanto Leonardo Boff  (a esquerda) afirmou, num Roda Viva, que a Igreja faz batismos diferentes para meninos e meninas – que MENTIRA! Aliás, a leniência com que essas e outras afirmações tão ousadas e públicas são tratadas nos remetem a outra questão ainda mais delicada: as denúncias do Youtuber Bernardo Kuster, baseada em muitos documentos e vídeos, de que a CNBB estaria sendo aparelhada pela esquerda brasileira, em especial o PT, o que apontaria para uma insólita aliança, onde a esquerda entra com os enganos e as mentiras, e o clero com os inocentes úteis.

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“Juro sobre a maravilhosa Constituição e por Cristo, o maior socialista da história, que não darei descanso ao meu braço, nem repouso à minha lama, entregarei a minha vida à construção do socialismo venezuelano... O sistema de governo mais perfeito é aquele que produz a maior soma de felicidade possível, a maior soma de segurança social, e maior soma de estabilidade política... Esse sistema não tem outro nome a não ser sistema socialista... o que o sistema capitalista gera é a maior soma de infelicidade” (discurso de Hugo Chavez, em 10 de janeiro de 2007, ao assumir a pela segunda vez a presidência de seu país). Dez anos depois dessas palavras, mais de cem pessoas foram mortas por discordar do governo, oposicionistas estão presos ou exilados, umas duas milhões de pessoas fugiram do país, sobrecarregando os vizinhos, há dois congressos em funcionamento no país, a Constituição, tão elogiada, “foi para o saco”, a inflação chega a um milhão por cento, o índice de assassinatos é um dos maiores do mundo, um protegido dileto de Chavez se instalou como ditador em Caracas, os pobres comem cães, cachorros, gatos, ratos, passarinhos, e até carne estragada, comprada em açougues, para não morrerem de fome (foto acima)! E eu desafio um esquerdista latino-americano a cantar que “Isso é a felicidade!”

sábado, 20 de outubro de 2018


COMO OS BRASILEIROS FORAM E SÃO ENGANADOS

Prof Eduardo Simões

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__ É sabido que em nosso país a moda, após os anos que se seguiram ao domínio militar, era ninguém contestar as “verdades reveladas” da esquerda, da mesma forma que durante aquele período era proibido expressá-las. Entre os meios que divulgavam essas verdades estavam algumas coleções sobre temas-chaves, lançadas no calor da pregação missionária esquerdista, entre as quais se destacou a Primeiros Passos, da editora Brasiliense, cujo preço acessível e o texto curto, embora nem sempre claro, vendia como água nas livrarias, ajudando a disseminar a crença do acerto, da “cientificidade” (ou seria sacralidade?),  da teoria de Karl Marx – dessa coleção, um dos livrinhos  que fizeram mais sucesso foi O que é ideologia, de Marilena Chauí.
__ Outra coleção apreciada era a Polêmica, da editora Moderna, sem falar que nesse período começou uma enxurrada de livros didáticos de conotação pesadamente esquerdista, cujo pontapé inicial mais famoso foi a coleção História das sociedades, em dois volumes, de Aquino, Jacques, Oscar e Denize, da Ao Livro Técnico, de 1978. Que se tornaram manuais absolutos nos cursos de licenciatura nas universidades, e até em alguns colégios, escorraçando os manuais já consagrados de Borges Hermida, Armando Souto Maior, etc. considerados ultrapassados, quando não reacionários. Será que existe alguma relação entre essa mudança e o desinteresse crescente do estudante comum por história, quando antes era uma das ciências mais queridas por todos?
__ Por acaso, consegui numa biblioteca escolar pública novo acesso a esses livros que tanto marcaram a minha formação profissional, onde pude rever antigas profecias, que tentavam direcionar o pensamento das novas gerações, incautas e ignorantes, não sem a conivência de antigas gerações de brasileiros, que nunca mostraram grande apreço pela educação e a cultura, e esse é, a meu ver, um de nossos maiores e mais antigos pecados, o principal responsável pelo atual estado de coisas. Vejam o que encontrei!
__  No livro O que é o capitalismo, 7ª impressão da 34ª edição (1ª edição em 1980) de Afrânio Mendes Catani, professor universitário, o autor, referindo-se à evolução do capitalismo mundial, diz essa “pérola”, na p 60 :

A guisa de conclusão [após ter analisado as inúmeras intervenções estatais, comuns nas chamadas economias mistas ou Estados do Bem Estar Social, que despontaram na Europa Ocidental após a 2ª Guerra]... é importante chamar a atenção para o seguinte fato: numa fase da história em que se atinge tão alta concentração de poder econômico como no caso do capitalismo monopolista [afinal intervenção estatal só é boa quando os gestores são de fé marxista], a máquina do estado torna-se um instrumento dos grupos monopolistas dominantes. O monopólio, visto implicar uma concentração de poder dentro do sistema capitalista, resulta num controle político muito mais forte e estreito sobre a sociedade e a política de governo. Dessa maneira o Estado acaba por exprimir não exclusivamente os interesses do conjunto da classe capitalista, mas os interesses dos grupos monopolistas dominantes... favorecendo os interesses dos últimos, mesmo que à custa de outros setores capitalistas”.

__ Ou seja, a única alternativa para os países capitalistas, no início dos anos 80, era evoluir para uma ditadura ou oligarquia de megaempresários, com a sociedade dominada por grandes monopólios que sufocariam, cada um, o seu setor da economia. É isso que vemos hoje? As empresas capitalistas estão quebrando em grande número em virtude da ação monopolista de grandes conglomerados? Se isso existe em algum setor, por exemplo a informática, que é ainda muito recente, o mesmo não se pode dizer para os outros setores, que estão no mercado a mais tempo, onde o mais comum é ver a alternância das empresas de topo, e mesmo na informática começam a aparecer outros gigantes, que não existiam antes (Amazon, Google, Facebook, etc.), sem falar das inúmeras que se extinguiram, explorando todo potencial dessa área. Curioso é que essa “profecia” tão sombria ocultava descaradamente o cruel monopólio estatal, que vigia e ainda vige nas economias socialistas, e que trava o desenvolvimento das forças produtivas.
__ Esgotado o estoque de tolices na análise do capitalismo mundial, o autor se priva, ou nos poupa, de fazer projeções sobre a economia brasileira, limitando-se a apontar o que estava ruim nos anos 80, afinal os governos da ocasião eram todos de “direita”, e era fácil atirar pedras, quem ainda não tinha produzido o colossal desastre de 2013-16.
__ Outro livro é O capitalismo sua evolução, sua lógica e sua dinâmica, 7ª edição, de 1987, pelo economista e guru petista Paul Singer. Que assim “profetiza” sobre o futuro do capitalismo:

Uma possível regulação interestatal [referência a ação do FMI e outros órgãos econômicos mundiais, gestados pelo capitalismo do Pós-Guerra] não supera as contradições do capitalismo, mas as coloca em condições de serem manejadas com menos irracionalidade... A consolidação de blocos interestatais... poderá ser o principal resultado da crise do capitalismo contemporâneo. Nesse caso, a multinacionalização do capital privado terá encontrado instâncias reguladoras, capazes de limitar as suas tendências autodestrutivas... Pode-se imaginar também que ela [a crise do capitalismo] desembocará num novo conflito mundial ou então na instauração de um modo de produção superior. O socialismo” (p 65)

A crescente influência dos trabalhadores sobre os movimentos do capital produziria mudanças tecnológicas com o fim de eliminar dos processos de trabalho as tarefas mais alienantes e embrutecedoras. Criar-se-ia, desse modo, maior igualdade básica entre os participantes da produção... Com isso lançar-se-iam as bases de uma sociedade muito mais igualitária, na qual a prática da democracia em todos os níveis seria o corolário natural da ausência de estruturas hierarquizantes” (p 86)

__ A primeira coisa que salta aos olhos é a cegueira de Singer para a natureza da “regulação” capitalista feita por órgãos “interestatais” (FMI, Banco Mundial, etc.), que é diametralmente oposta àquela proposta pelo receituário socialista, pois as intervenções desses órgãos foram, desde a sua fundação, sempre na direção de uma desregulamentação das economias capitalistas, para facilitar a maior circulação de capitais e o progresso geral de criação de riquezas, como se verificou posteriormente.
__ Aquilo que os marxistas veem como irracionalidade é, na verdade, um extremo de complexidade que, quando liberado de controles externos, funciona melhor que se dirigido por um órgão central, uma vez que essa complexidade é fruto de “n” agentes interagindo a todo momento, modificando de alguma maneira, em porções microscópicas, a direção geral do sistema. Não há nenhum órgão de controle capaz de medir o conjunto dessas interações e achar uma resultante capaz de encontrar uma média “racional”, entre tantas forças reagentes ao mesmo tempo. O sistema capitalista não é “irracional”, ele é antes “imprevisível”, em função da diversidade, riqueza e complexidade das interações que se dão no seu seio; e se os blocos interestatais dão certo – na verdade, dos citados por Singer (como o “bloco soviético, bloco capitalista subdesenvolvido, bloco capitalista desenvolvido”), apenas um deu certo: a Europa (bloco capitalista desenvolvido) – isso acontece por motivo diverso do imaginado por Singer: não por maior controle dos agentes econômicos, mas antes pelo controle das ações e do tamanho dos estados. Quem não seguiu essa via quebrou ou está quebrando.
__ A profecia seguinte é do mais tresloucado desvario: a possibilidade de o sistema capitalista mergulhar o mundo em outra guerra! Isso é tanto mais bizarro porque à época em que o livro foi escrito já acontecera o levante na Hungria (1956) e a invasão da Tchecoslováquia (1968), os conflitos na fronteira sino-soviética (1969), a invasão e ocupação do Camboja pelo Vietnã (1979), a invasão do Vietnã pela China (1979), ou seja conflitos abertos, sangrentos, entre os mais importantes estados socialistas, enquanto os países capitalistas avançados permaneciam em paz, mas como o dogma diz que os belicosos, os odiosos, os criminosos, eram os capitalistas...
__ Aliás, se considerarmos, hoje, as mais preocupantes zonas de conflito do mundo atual vemos que elas têm uma coisa em comum: a presença de países que são ou já foram socialistas em passado recente: as intervenções da Rússia na Ucrânia e na Síria, os experimentos nucleares da Coreia do Norte, a expansão da China no Mar da China. Fora isso há a ação agressiva e temerária do Estado de Israel no Oriente Médio, que, apesar de ser capitalista, possui singularidades tão marcantes que é difícil qualifica-lo como um estado liberal e/ou moderno.
__ Quanto à possibilidade de o socialismo conduzir as sociedades à prosperidade e à igualdade, sirva-nos de prova os exemplos da história recente, que escancarou para o mundo a miséria e a desigualdade nas experiências socialistas já havidas no mundo. O que ficou acessível a todos foi a pobreza e a miséria, até chegar ao caso extremo da Venezuela, o povo é levado a comer cães e gatos, e comprar carne estraga nos mercados, enquanto o governante come, em restaurantes exclusivos, o equivalente a 34 salários mínimos locais ou 102 quilos de carne.
__ Ou seja: para onde Singer aponta não há capitalismo, nem lógica, nem dinâmica, nem prosperidade, nem igualdade... mas socialismo há!

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O que os socialistas não entendem, odeiam e querem controlar.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018


CAPITALISMO, INDOMÁVEL E PERENE – 2

Prof Eduardo Simões

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__ Antes de prosseguir, quero clarificar dois conceitos fundamentais, adaptados às necessidades dessa obra, mas sem distorcer a sua natureza. A economia, enquanto ciência, busca entender o funcionamento do sistema produtivo, latu senso, e o sentido das transformações econômicas ocorridas ao longo da história, enquanto o capitalismo se preocupa quase exclusivamente com a eficiência, a forma de fazer a produção de riquezas ocorrer em maior quantidade e mais rapidamente. A palavra “eficiência”, não raro, é entendida como panaceia, por muitos empresários ou ideólogos empedernidos, e até social-democratas brasileiros, principalmente paulistas, mas a coisa não é tão simples. O que nós hoje chamamos de capitalismo, na concepção que lhe deu Karl Marx, é, na verdade, a tomada de consciência, primeiro pela burguesia europeia, entre o final da Era Medieval e o início da Moderna, e depois por todos os povos do mundo, em grau e em períodos diversos, da universalidade desse processo de busca pela maior eficiência do trabalho, compartilhado em escala global.
__ A palavra “capitalismo”, portanto, é quase sinônimo de desenvolvimento tecnológico vinculado à produção de riquezas (algo difícil de definir), em todas as suas nuances práticas (máquinas, métodos de gestão, etc.) assim como as consequências inesperadas desse mesmo processo – é impossível predizer como a sociedade ficará ante o impacto de cada tecnologia nova que surge a cada momento e lugar no mundo. Para facilitar a compreensão do que é o capitalismo ao longo da história humana, eu imagino um vasto e profundo rio, portanto um rio perene, que às vezes cruza grandes planícies, onde suas águas ficam mansas e perfeitamente navegáveis, mas que frequentemente desaba em furiosas corredeiras; e com o passar do tempo, elas ficam cada vez mais furiosas e difíceis de navegar. A direção para onde corre o rio é desconhecida, pois seu curso é muito serpenteante, inclusive com retornos, que se abrem inesperadamente para os navegantes, em função das características do terreno, e da força de suas fontes.
__ As duas fontes primordiais, e principais, do capitalismo são: os medos dos homens (da morte, da pobreza, da doença, etc. tudo de alguma forma levando a um distanciamento da possibilidade de morte ou ao menos o seu retardamento) e os desejos (em geral ligados à superação das situações que dão medo), e daí a busca frenética dos homens, ao longo dos milênios por riqueza, poder, fama, etc. O leito do rio, por sua vez, é constituído pelos valores, as prioridades, cultuados por cada sociedade em particular, de onde se imaginar que eles apresenta características diversas em um mesmo trecho do percurso, o que não deixa de ser uma bizarrice, mas foi mais ou menos isso que aconteceu ao longo dos últimos séculos da chamada pré-história e ao longo da Antiguidade, quando as economias eram muito regionalizadas e díspares, mesmo dentro de uma só unidade política. Um grande império, por exemplo.
__ Quando sobreveio a Idade Média, uma grande e eficiente barragem se impôs ao percurso do rio, construída pela interpretação que os cristãos, em especial o clero católico, davam às palavras de Jesus Cristo: “Não se pode amar a Deus e ao dinheiro”, “Como é difícil um rico entrar no Reino de Deus”, entendidas muito literalmente, sem falar do foco no dinheiro, como se toda riqueza fosse necessariamente fruto de um desejo ilegítimo, senão ilegal, como ocorre na apropriação indevida de algo, fruto, creio eu, do desconhecimento ou do conhecimento precário sobre a origem da riqueza – aliás, a esse respeito os Evangelhos não deixam de ser contraditórios, uma vez que o apóstolo Mateus era um publicano, logo um homem rico, Zaqueu, que era um homem muito rico, recebe um graça especial, e não raro Deus-Pai é representado como um rico senhor de terras ou um governante poderoso!
__ Seja como for, as preocupações éticas, embasadas num conhecimento precário sobre a dinâmica da criação de riquezas, predominaram, e de certa forma bloquearam muitas iniciativas na busca de aprimoramento tecnológico, embora diversos sangradouros e brechas paulatinamente se abrissem na grossa muralha, enquanto as águas ganhavam massa crítica, anunciando um futuro rompimento, que veio no início da chamada Era Moderna.

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__ Lentamente, por meio de mudanças culturais ora suaves, como a Renascença, ora impactantes, como a Reforma, o Mundo Ocidental se liberta de alguns entraves históricos, revestidos de imperativos religiosos, ao desenvolvimento das forças produtivas (máquinas, mão de obra, educação, gestão empresarial, etc.), até que o dique posto pela Igreja se rompeu, e o rio foi ganhando velocidade cada vez maior, até os dias de hoje. Um grande apreço pela velocidade, uma nuance da eficiência, é uma característica marcante do capitalismo.
__ Mas o rio do capitalismo não corre livre de vicissitudes sobre um leito uniforme, variando apenas no seu grau de inclinação, pois desse leito afloram esporões maciços, vindos ora dos medos ora dos desejos, que se chocam com as possibilidades reais, históricas, do sistema, e contra os quais podem se chocar os barcos das comunidades ou das nações que tentam descer esse rio tempestuoso, dentro de barcos que bem poderiam ser a figura das diversas formas de estados, ou da capacidade destes de reagir às mudanças da correnteza ou ao choque com os esporões.
__ Alguns povos navegam esse rio em barcos flexíveis, tipo os botes infláveis que se usa para descer corredeiras, esses são os mais experientes, os que estão a mais tempo no rio ou aqueles que, observando, aprenderam com os erros dos outros, e se lançaram ao rio bem preparados, como é o caso da China. Estes estão no pelotão da frente, composto por americanos, europeus, japoneses, sul-coreanos, embora o barco chinês não seja tão estável quanto parece ser. Outro segredo desses audazes navegantes é que dispõem de uma técnica de navegação adequada e uma tripulação coesa, todos remando numa mesma direção.
__ Os brasileiros, e os latino americanos em geral, formam um grupo a parte: ficaram muito tempo à margem, discutindo e até se estapeando, para decidir se entravam ou não no rio, tirando o máximo proveito das riquezas naturais do continente para atrasar a decisão final, e quando, finalmente, decidiram fazê-lo usaram, e ainda usam, barcos demasiado rígidos, de ferro ou madeira, de bordo muito alto – estados inchados, intervencionismo de caráter assistencialistas – para proteger os passageiros dos respingos da água, mas ruins de manobrar e desconfortável para os remadores; e o pior: como não tinham um plano adequado, coesão e firmeza de propósito, assim que o seu barco entrou na água, ficou patente o improviso; e assim, enquanto uns remam para frente, outros remam para trás, grupos diferentes lutam a tapa para tomar conta do timão. Resultado: o barco mal navega uns poucos metros e se espatifa de encontro aos pontões, com grande desastre, afogamentos, e a muito custo o barco é resgatado à margem para reparos, entrando depois na água e repetir tudo de novo. Avançando literalmente aos trancos e barrancos, a um custo social tremendo!
__ Boiando nas águas seguem os corpos de milhões de ex-passageiros, que caíram desses barcos por desistirem de lutar contra as torrentes do capitalismo, e transmitiram a sua desistência aos seus descendentes, assim como o daqueles que temerariamente desafiaram o avanço natural da torrente.
__ Nesse momento é pode-se imaginar os milhões e milhões de pobres crônicos na América do Sul, África e Ásia, que produzem, pelas mais variadas razões, geração pós geração, bolsões de misérias nos arrabaldes das grandes cidades, ante a indiferença das elites, com grande desperdício e perda para o seu barco nacional. Eventualmente caem passageiros dos barcos mais avançados e modernos, justo por serem os mais antigos!, da América do Norte e Europa, onde também há desistentes, geralmente muitos imigrantes, que, em geral, não conseguiram acompanhar o ritmo de suas vigorosas remadas.
__ Outro grupo que chama a atenção é o dos opositores sistemáticos do capitalismo, os autoproclamados “socialistas”, que só tiveram foco para os esporões e não cuidaram da torrente em si, ora remam contra a torrente, ora são engolidos por um redemoinho, ora são desviados da torrente principal atraído por porções de águas plácidas, próximas à margem, e para lá embicam os seu barcos. De fato, aí as águas são tranquilas como as de um lago, mas também são infectas de toda sorte de doença; são pântanos!, de onde eles terão que sair, para voltar à torrente principal, se não quiserem se extinguir. Os maiores barcos enfurnados nesses pântanos são todos latino-americanos (Venezuela, Cuba, Nicarágua), com um asiático, a Coreia do Norte ensaiando timidamente o retorno à via principal, acompanhando seu antigo parceiro de pântano: a China. Navegando junto às margens, onde a torrente é mais fraca e lenta, todo cheio de remendos, segue o barco brasileiro, enquanto os remadores discutem e se agridem com os remos, um pandemônio!, com uns querendo levar o barco para o meio da torrente e outros para os pântanos... à esquerda, enquanto indianos passam à toda velocidade e canadenses, sul-coreanos e mexicanos aparecem no retrovisor. Vaaaamos Brasil!  
__ Que dizer dos barcos que estão mais adiantados nesse rio? Eles pertencem aos povos que em primeiro lugar se aventuraram nessa torrente e/ou mais rapidamente aprenderam a correta construção e controle do barco, em tão instável navegação. Alguns até saíram na frente, Portugal e Espanha, mas demoraram a adaptar-se às mudanças da torrente e se enrijeceram após os primeiros sucessos, ficando para trás. Outros aprenderam mais rápido e melhor, Inglaterra, Estados Unidos, Europa Ocidental e Escandinávia, e por isso avançaram mais. O seu barco, o Estado, é mais flexível e adaptado aos constantes sobressaltos das corredeiras, a tripulação está coesa, treinada, e motivada a correr os riscos da viagem, os desastres quando há, mesmo os maiores, como a Quebra da Bolsa em 29, não são suficientes para virar ou afundar o barco.   
__ Outros barcos entraram bem mais tarde, até que os de brasileiros e sul-americanos, e se deram muito bem! É que sua tripulação foi melhor preparada e entrou mais decidida na peleja, tal é o caso da Índia, da China, do Japão, da Coreia do Sul, Finlândia, etc., que, embora alguns não tenham chegado tão longe quanto o PIB brasileiro, os seus barcos são tão enxutos, confortáveis e dinâmicos, que compensa e ultrapassa plenamente, em termos relativos, o que lhes falta em termos absolutos.
__ Para onde iremos após esse 28 de outubro?