CAPITALISMO,
INDOMÁVEL E PERENE – 2
Prof
Eduardo Simões
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Antes de prosseguir, quero clarificar dois conceitos fundamentais, adaptados às
necessidades dessa obra, mas sem distorcer a sua natureza. A economia, enquanto
ciência, busca entender o funcionamento do sistema produtivo, latu senso, e o
sentido das transformações econômicas ocorridas ao longo da história, enquanto
o capitalismo se preocupa quase exclusivamente com a eficiência, a forma de
fazer a produção de riquezas ocorrer em maior quantidade e mais rapidamente. A
palavra “eficiência”, não raro, é entendida como panaceia, por muitos
empresários ou ideólogos empedernidos, e até social-democratas brasileiros,
principalmente paulistas, mas a coisa não é tão simples. O que nós hoje
chamamos de capitalismo, na concepção que lhe deu Karl Marx, é, na verdade, a
tomada de consciência, primeiro pela burguesia europeia, entre o final da Era
Medieval e o início da Moderna, e depois por todos os povos do mundo, em grau e
em períodos diversos, da universalidade desse processo de busca pela maior
eficiência do trabalho, compartilhado em escala global.
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A palavra “capitalismo”, portanto, é quase sinônimo de desenvolvimento
tecnológico vinculado à produção de riquezas (algo difícil de definir), em
todas as suas nuances práticas (máquinas, métodos de gestão, etc.) assim como
as consequências inesperadas desse mesmo processo – é impossível predizer como
a sociedade ficará ante o impacto de cada tecnologia nova que surge a cada
momento e lugar no mundo. Para facilitar a compreensão do que é o capitalismo
ao longo da história humana, eu imagino um vasto e profundo rio, portanto um
rio perene, que às vezes cruza grandes planícies, onde suas águas ficam mansas
e perfeitamente navegáveis, mas que frequentemente desaba em furiosas
corredeiras; e com o passar do tempo, elas ficam cada vez mais furiosas e
difíceis de navegar. A direção para onde corre o rio é desconhecida, pois seu
curso é muito serpenteante, inclusive com retornos, que se abrem
inesperadamente para os navegantes, em função das características do terreno, e
da força de suas fontes.
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As duas fontes primordiais, e principais, do capitalismo são: os medos dos
homens (da morte, da pobreza, da doença, etc. tudo de alguma forma levando a um
distanciamento da possibilidade de morte ou ao menos o seu retardamento) e os
desejos (em geral ligados à superação das situações que dão medo), e daí a
busca frenética dos homens, ao longo dos milênios por riqueza, poder, fama,
etc. O leito do rio, por sua vez, é constituído pelos valores, as prioridades,
cultuados por cada sociedade em particular, de onde se imaginar que eles
apresenta características diversas em um mesmo trecho do percurso, o que não
deixa de ser uma bizarrice, mas foi mais ou menos isso que aconteceu ao longo
dos últimos séculos da chamada pré-história e ao longo da Antiguidade, quando as
economias eram muito regionalizadas e díspares, mesmo dentro de uma só unidade
política. Um grande império, por exemplo.
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Quando sobreveio a Idade Média, uma grande e eficiente barragem se impôs ao
percurso do rio, construída pela interpretação que os cristãos, em especial o
clero católico, davam às palavras de Jesus Cristo: “Não se pode amar a Deus e
ao dinheiro”, “Como é difícil um rico entrar no Reino de Deus”, entendidas muito
literalmente, sem falar do foco no dinheiro, como se toda riqueza fosse necessariamente
fruto de um desejo ilegítimo, senão ilegal, como ocorre na apropriação indevida
de algo, fruto, creio eu, do desconhecimento ou do conhecimento precário sobre a
origem da riqueza – aliás, a esse respeito os Evangelhos não deixam de ser
contraditórios, uma vez que o apóstolo Mateus era um publicano, logo um homem
rico, Zaqueu, que era um homem muito rico, recebe um graça especial, e não raro
Deus-Pai é representado como um rico senhor de terras ou um governante poderoso!
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Seja como for, as preocupações éticas, embasadas num conhecimento precário
sobre a dinâmica da criação de riquezas, predominaram, e de certa forma
bloquearam muitas iniciativas na busca de aprimoramento tecnológico, embora
diversos sangradouros e brechas paulatinamente se abrissem na grossa muralha,
enquanto as águas ganhavam massa crítica, anunciando um futuro rompimento, que
veio no início da chamada Era Moderna.
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Lentamente, por meio de mudanças culturais ora suaves, como a Renascença, ora
impactantes, como a Reforma, o Mundo Ocidental se liberta de alguns entraves
históricos, revestidos de imperativos religiosos, ao desenvolvimento das forças
produtivas (máquinas, mão de obra, educação, gestão empresarial, etc.), até que
o dique posto pela Igreja se rompeu, e o rio foi ganhando velocidade cada vez
maior, até os dias de hoje. Um grande apreço pela velocidade, uma nuance da
eficiência, é uma característica marcante do capitalismo.
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Mas o rio do capitalismo não corre livre de vicissitudes sobre um leito
uniforme, variando apenas no seu grau de inclinação, pois desse leito afloram esporões
maciços, vindos ora dos medos ora dos desejos, que se chocam com as
possibilidades reais, históricas, do sistema, e contra os quais podem se chocar
os barcos das comunidades ou das nações que tentam descer esse rio tempestuoso,
dentro de barcos que bem poderiam ser a figura das diversas formas de estados,
ou da capacidade destes de reagir às mudanças da correnteza ou ao choque com os
esporões.
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Alguns povos navegam esse rio em barcos flexíveis, tipo os botes infláveis que se
usa para descer corredeiras, esses são os mais experientes, os que estão a mais
tempo no rio ou aqueles que, observando, aprenderam com os erros dos outros, e
se lançaram ao rio bem preparados, como é o caso da China. Estes estão no
pelotão da frente, composto por americanos, europeus, japoneses, sul-coreanos, embora
o barco chinês não seja tão estável quanto parece ser. Outro segredo desses
audazes navegantes é que dispõem de uma técnica de navegação adequada e uma
tripulação coesa, todos remando numa mesma direção.
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Os brasileiros, e os latino americanos em geral, formam um grupo a parte:
ficaram muito tempo à margem, discutindo e até se estapeando, para decidir se
entravam ou não no rio, tirando o máximo proveito das riquezas naturais do
continente para atrasar a decisão final, e quando, finalmente, decidiram
fazê-lo usaram, e ainda usam, barcos demasiado rígidos, de ferro ou madeira, de
bordo muito alto – estados inchados, intervencionismo de caráter
assistencialistas – para proteger os passageiros dos respingos da água, mas
ruins de manobrar e desconfortável para os remadores; e o pior: como não tinham
um plano adequado, coesão e firmeza de propósito, assim que o seu barco entrou
na água, ficou patente o improviso; e assim, enquanto uns remam para frente,
outros remam para trás, grupos diferentes lutam a tapa para tomar conta do
timão. Resultado: o barco mal navega uns poucos metros e se espatifa de
encontro aos pontões, com grande desastre, afogamentos, e a muito custo o barco
é resgatado à margem para reparos, entrando depois na água e repetir tudo de
novo. Avançando literalmente aos trancos e barrancos, a um custo social
tremendo!
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Boiando nas águas seguem os corpos de milhões de ex-passageiros, que caíram
desses barcos por desistirem de lutar contra as torrentes do capitalismo, e
transmitiram a sua desistência aos seus descendentes, assim como o daqueles que
temerariamente desafiaram o avanço natural da torrente.
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Nesse momento é pode-se imaginar os milhões e milhões de pobres crônicos na
América do Sul, África e Ásia, que produzem, pelas mais variadas razões,
geração pós geração, bolsões de misérias nos arrabaldes das grandes cidades, ante
a indiferença das elites, com grande desperdício e perda para o seu barco
nacional. Eventualmente caem passageiros dos barcos mais avançados e modernos,
justo por serem os mais antigos!, da América do Norte e Europa, onde também há
desistentes, geralmente muitos imigrantes, que, em geral, não conseguiram
acompanhar o ritmo de suas vigorosas remadas.
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Outro grupo que chama a atenção é o dos opositores sistemáticos do capitalismo,
os autoproclamados “socialistas”, que só tiveram foco para os esporões e não
cuidaram da torrente em si, ora remam contra a torrente, ora são engolidos por
um redemoinho, ora são desviados da torrente principal atraído por porções de
águas plácidas, próximas à margem, e para lá embicam os seu barcos. De fato, aí
as águas são tranquilas como as de um lago, mas também são infectas de toda
sorte de doença; são pântanos!, de onde eles terão que sair, para voltar à
torrente principal, se não quiserem se extinguir. Os maiores barcos enfurnados
nesses pântanos são todos latino-americanos (Venezuela, Cuba, Nicarágua), com
um asiático, a Coreia do Norte ensaiando timidamente o retorno à via principal,
acompanhando seu antigo parceiro de pântano: a China. Navegando junto às
margens, onde a torrente é mais fraca e lenta, todo cheio de remendos, segue o
barco brasileiro, enquanto os remadores discutem e se agridem com os remos, um
pandemônio!, com uns querendo levar o barco para o meio da torrente e outros
para os pântanos... à esquerda, enquanto indianos passam à toda velocidade e
canadenses, sul-coreanos e mexicanos aparecem no retrovisor. Vaaaamos Brasil!
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Que dizer dos barcos que estão mais adiantados nesse rio? Eles pertencem aos
povos que em primeiro lugar se aventuraram nessa torrente e/ou mais rapidamente
aprenderam a correta construção e controle do barco, em tão instável navegação.
Alguns até saíram na frente, Portugal e Espanha, mas demoraram a adaptar-se às
mudanças da torrente e se enrijeceram após os primeiros sucessos, ficando para
trás. Outros aprenderam mais rápido e melhor, Inglaterra, Estados Unidos, Europa
Ocidental e Escandinávia, e por isso avançaram mais. O seu barco, o Estado, é
mais flexível e adaptado aos constantes sobressaltos das corredeiras, a
tripulação está coesa, treinada, e motivada a correr os riscos da viagem, os
desastres quando há, mesmo os maiores, como a Quebra da Bolsa em 29, não são
suficientes para virar ou afundar o barco.
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Outros barcos entraram bem mais tarde, até que os de brasileiros e
sul-americanos, e se deram muito bem! É que sua tripulação foi melhor preparada
e entrou mais decidida na peleja, tal é o caso da Índia, da China, do Japão, da
Coreia do Sul, Finlândia, etc., que, embora alguns não tenham chegado tão longe
quanto o PIB brasileiro, os seus barcos são tão enxutos, confortáveis e
dinâmicos, que compensa e ultrapassa plenamente, em termos relativos, o que
lhes falta em termos absolutos.
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Para onde iremos após esse 28 de outubro?
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