sábado, 27 de fevereiro de 2016

HOMICÍDIOS, PCC E A ENCRUZILHADA PAULISTA

Prof Eduardo Simões

Novo verbete: A Viagem de D João - Brasil Col

http://ichef.bbci.co.uk/news/ws/660/amz/worldservice/live/assets/images/2015/05/11/150511212326_crime_scene_sao_paulo_brazil_624x351_afp.jpg
http://www.bbc.com/

__ As estatísticas da criminalidade em São Paulo, em especial os assassinatos dolosos espantam: estão bem abaixo da média nacional, e se aproximam da dos países mais desenvolvidos e de alguns países que, embora não desenvolvidos, têm uma cultura que desestimula a violência como Brunei e Bahrein (0,5 por 100.000 habitantes, em 2013 e 2011, respectivamente), dando-nos uma indicativa poderosa. A cultura, que se aprende nas escolas, é a arma mais eficaz no combate ao crime, quando comparado com o rigor das leis ou os recursos à disposição da repressão.
__ Nos artigos abaixo, que eu copiei dos sites da BBC-Brasil e da Agência Brasil, se colocam questões que merecem reflexão:
1º) As explicações genéricas que as autoridades de segurança do Estado de São Paulo dão para esse fenômeno, assumindo para si todos os méritos, que não dão qualquer pista sobre o porquê desse insólito acontecimento.
2º) As manipulações que as autoridades de segurança do Estado de São Paulo fazem com relação aos dados da segurança pública, sem falar de uma série de outros artifícios estatísticos usados para desinflar os números da violência no estado, fazendo-nos desconfiar que algo da criminalidade, não sabemos ainda o tamanho, possa estar sendo empurrado para debaixo do tapete – nada de novo sob o sol!
3º) Um estudioso canadense, conhecedor da periferia de São Paulo, concluiu em sua pesquisa que essa “pacificação” possa estar relacionadas com o aumento do poder do crime organizado, que, por meio de sua facção mais poderosa em São Paulo: o PCC, monopolizou o controle de vastas regiões nos subúrbios das grandes cidades, esvaziando a violência inerente à guerra pelo controle de regiões normalmente deflagradas pela criminalidade difusa. Grandes parcelas de população controladas em tal profundidade por uma facção sem projeto político, mas que enfrenta o estado de armas na mão, é de tirar o sono de qualquer um que tenha noção do que está acontecendo, se isso for verdade...
4º) Pesquisadores brasileiros, respondendo ao canadense, embora reconheçam o quinhão do crime organizado  nessa estatística, chamam a atenção para outros redutores de violência como a queda do número de jovens, tradicionalmente mais propensos à criminalidade – a necessidade psicológica, saudável e indispensável para o progresso da humanidade, de desafiar aos mais velhos torna-se, numa sociedade que não cultiva valores coletivos, e onde a família se esfarela a olhos vistos, em uma tendência negativa à criminalidade e à autodestruição.
Aqui vislumbramos uma equação perversa: por falta de uma educação de qualidade e de orientação familiar, o jovem é induzido, pressionado, a ingressar no crime; ingressando no crime dá-se o ensejo de sua destruição, seja por meio do vício, seja por causa de uma morte violenta em tiroteio com a polícia; a redução do número de jovens dá ensejo ao governador para, alegando a redução do número de jovens, fechar a escola e superlotar as salas de aula, economizando recursos e baixando ainda mais a qualidade da educação, num processo que se retroalimenta e que só pode levar a um final: o caos social. Os jovens que se afastam da escola estão requerendo vaga, em número cada vez maior, nos cemitérios e nas cracolândias.
__ Não dá para não ficar pasmo, uma vez que esses dados estatísticos comprovam uma evolução muito positiva e rápida das relações humanas, em especial na grande cidade de São Paulo, que, aparentemente, não se coaduna com o que ouvimos e lemos nos noticiários televisivos e nas páginas dos jornais, e que se confirma toda vez que trafegamos pelas ruas dessa grande cidade. Será que o paulistano só é agressivo e apoplético quando está dentro de seu carro, transformando-se, ao estaciona-lo, num vizinho e colega de trabalho maravilhoso, cheio de paz e amor para dar? Seja qual for a razão dessa baixa estatística, adicionei aos artigos sobre ela um terceiro, igualmente estatístico, mas que segue na direção oposta, pois registra um aumento: aumento na sensação de insegurança e no desejo de um número muito significativo de pessoas que sonham em ir embora de São Paulo? Por que essas pessoas querem deixar esse paraíso em fase tão adiantada de construção... bem mais que a dos nossos estádios olímpicos?
__ A realidade não bate com a explicação oficial, mas quem se preocupa com isso?


Queda de homicídios em SP é obra do PCC, e não da polícia, diz pesquisador

Thiago Guimarães - @thiaguima  Da BBC Brasil em Londres
12 fevereiro 2016

Em anúncio recente, o governo de São Paulo informou ter alcançado a menor taxa de homicídios dolosos do Estado em 20 anos. O índice em 2015 ficou em 8,73 por 100 mil habitantes – abaixo de 10 por 100 mil pela primeira vez desde 2001.
"Isso não é obra do acaso. É fruto de muita dedicação. Policiais morreram, perderam suas vidas, heróis anônimos, para que São Paulo pudesse conseguir essa conquista", disse na ocasião o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Para um pesquisador que acompanhou a rotina de investigadores de homicídios em São Paulo, o responsável pela queda é outro: o próprio crime organizado – no caso, o PCC (Primeiro Comando da Capital), a facção que atua dentro e fora dos presídios do Estado.
"A regulação do PCC é o principal fator sobre a vida e a morte em São Paulo. O PCC é produto, produtor e regulador da violência", diz o canadense Graham Willis, em defesa da hipótese que circula no meio acadêmico e é considerada "ridícula" pelo governo paulista.
Professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra), Willis lança nova luz sobre a chamada "hipótese PCC", num trabalho de imersão que acompanhou a rotina de policiais do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de São Paulo entre 2009 e 2012.
A pesquisa teve acesso a dezenas de documentos internos apreendidos com um membro do PCC e ouviu moradores, comerciantes e criminosos em uma comunidade dominada pela facção na zona leste de São Paulo, em 2007 e em 2011.

Teorias do 'quase tudo'
O trabalho questiona teorias que, segundo Willis, procuram apoio em "quase tudo" para explicar o notório declínio da violência homicida em São Paulo: mudanças demográficas, desarmamento, redução do desemprego, reforço do policiamento em áreas críticas.
"O sistema de segurança pública nunca estabeleceu por que houve essa queda de homicídios nos últimos 15 anos. E nunca transmitiu uma história crível. Falam em políticas públicas, policiamento de hotspots (áreas críticas), mas isso não dá para explicar", diz.
Em geral, a argumentação de Willis é a seguinte: a queda de 73% nos homicídios no Estado desde 2001, marco inicial da atual série histórica, é muito brusca para ser explicada por fatores de longo prazo como avanços socioeconômicos e mudanças na polícia.
Isso fica claro, diz o pesquisador, quando se constata que, antes da redução, os homicídios se concentravam de forma desproporcional em bairros da periferia da capital paulista: Jardim Ângela, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Brasilândia.
A pacificação nesses locais – com quedas de quase 80% – coincide com o momento, a partir de 2003, em que a estrutura do PCC se ramifica e chega ao cotidiano dessas regiões.
"A queda foi tão rápida que não indica um fator socioeconômico ou de policiamento, que seria algo de longo prazo. Deu-se em vários espaços da cidade mais ou menos na mesma época. E não há dados sobre políticas públicas específicas nesses locais para explicar essas tendências", diz ele, que baseou suas conclusões em observações de campo.

Canal de autoridade
Criado em 1993 com o objetivo declarado de "combater a opressão no sistema prisional paulista" e "vingar" as 111 mortes do massacre do Carandiru, o PCC começa a representar um canal de autoridade em áreas até então caracterizadas pela ausência estatal a partir dos anos 2000, à medida que descentraliza suas decisões.
Os pilares dessa autoridade, segundo Willis e outros pesquisadores que estudaram a facção, são a segurança relativa, noções de solidariedade e estruturas de assistência social. Nesse sentido, a polícia, tradicionalmente vista nesses locais como violenta e corrupta, foi substituída por outra ordem social.

"Quando estive numa comunidade controlada pela facção, moradores diziam que podiam dormir tranquilos com portas e janelas destrancadas", escreve Willis no recém-lançado The Killing Consensus: Police, Organized Crime and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil (O Consenso Assassino: Polícia, Crime Organizado e a Regulação da Vida e da Morte no Brasil Urbano, em tradução livre), livro em que descreve os resultados da investigação.
Antes do domínio do PCC, relata Willis, predominava uma violência difusa e intensa na capital paulista (que responde por 25% dos homicídios no Estado). Gangues lutavam na economia das drogas e abriam espaço para a criminalidade generalizada. O cenário muda quando a facção transpõe às ruas as regras de controle da violência que estabelecera nos presídios.
"Para a organização manter suas atividades criminosas é muito melhor ficar 'muda' para não chamar atenção e ter um ambiente de segurança controlado, com regras internas muito rígidas que funcionem", avalia Willis, que descreve no livro os sistemas de punição da facção.
O pesquisador considera que as ondas de violência promovidas pelo PCC em São Paulo em 2006 e em 2012, com ataques a policiais e a instalações públicas, são pontos fora da curva, episódios de resposta à violência estatal.
"Eles não ficam violentos quando o problema é a repressão ao tráfico, por exemplo, mas quando sentem a sua segurança ameaçada. E a resposta da polícia é ser mais violenta, o que fortalece a ideia entre criminosos de que precisam de proteção. Ou seja, quanto mais você ataca o PCC, mais forte ele fica."

Apuração em xeque
Willis critica a forma como São Paulo contabiliza seus mortos em situações violentas – e diz que o cenário real é provavelmente mais grave do que o discurso oficial sugere.
Ele questiona, por exemplo, a existência de ao menos nove classificações de mortes violentas em potencial (ossadas encontradas, suicídio, morte suspeita, morte a esclarecer, roubo seguido de morte/latrocínio, homicídio culposo, resistência seguida de morte e homicídio doloso) e diz que a multiplicidade de categorias mascara a realidade.
"Em geral, a investigação de homicídios não acontece em todo o caso. Cada morte suspeita tem que ser avaliada primeiramente por um delegado antes de se decidir se vai ser investigado como homicídio, enquanto em várias cidades do mundo qualquer morte suspeita é investigada como homicídio."
Para ele, deveria haver mais transparência sobre a taxa de resolução de homicídios (que em São Paulo, diz, fica em torno de 30%, mas inclui casos arquivados sem definições de responsáveis) e sobre o próprio trabalho dos policiais que apuram os casos, que ele vê como um dos mais desvalorizados dentro da instituição.
"Normalmente se pensa em divisão de homicídios como organização de ponta. Mas é o contrário: é um lugar profundamente subvalorizado dentro da polícia, de policiais jovens ou em fim de carreira que desejam sair de lá o mais rápido possível. Policiais suspeitam de quem trabalha lá, em parte porque investigam policiais envolvidos em mortes, mas também porque as vidas que investigam em geral não têm valor, são pessoas de partes pobres da cidade."
Para ele, o desaparelhamento da investigação de homicídios contrasta com a estrutura de batalhões especializados em repressão, como a Rota e a Força Tática da Polícia Militar.
"Esses policiais têm carros incríveis, caveirões, armas de ponta. Isso mostra muito bem a prioridade dos políticos, que é a repressão física a moradores pobres e negros da periferia. Não é investigar a vida dessas pessoas quando morrem."

Outro lado
Críticos da chamada "hipótese PCC" costumam levantar a seguinte questão: se a retração nos homicídios não ocorreu por ação da polícia, como explicar a queda em outros índices criminais? Segundo o governo, por exemplo, São Paulo teve queda geral da criminalidade no ano passado em relação a 2014. A facção, ironizam os críticos, estaria então ajudando na queda desses crimes também?
"Variações estatísticas não necessariamente refletem ações do Estado", diz Willis. Para ele, estudos já mostraram que mais atividade policial não significa sempre menor criminalidade.
Willis diz ainda que as variações estatísticas nesses outros crimes não são significativas, e que o PCC não depende de roubos de carga, veículos ou bancos, mas do pequeno tráfico de drogas com o qual os membros bancam as contribuições obrigatórias à facção.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse considerar a hipótese de Willis sobre o declínio dos homicídios "ridícula e amplamente desmentida pela realidade de todos os índices criminais" do Estado.
Afirma que a taxa no Estado é quase três vezes menor do que a média nacional (25,1 casos por 100 mil habitantes) e "qualquer pesquisador com o mínimo de rigor sabe que propor uma relação de causa e efeito neste sentido é brigar contra as regras básicas da ciência".
A pasta informou que todos crimes cometidos por policiais no Estado são punidos – citou 1.445 expulsões, 654 demissões e 1.849 policiais presos desde 2011 – e negou a existência de grupos de extermínio nas corporações.
Sobre o fato de não incluir mortes cometidas por policiais na soma oficial dos homicídios, mas em categoria à parte, disse que "todos os Estados" brasileiros e a "maioria dos países, inclusive os Estados Unidos" adotam a mesma metodologia.
A secretaria não comentou as considerações de Willis sobre a estrutura da investigação de homicídios no Estado e a suposta prioridade dada a forças voltadas à repressão.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160210_homicidios_pcc_tg

PCC não derrubou homicídios sozinho em SP, dizem pesquisadores

Thiago Guimarães - @thiaguima Da BBC Brasil em Londres
18 fevereiro 2016

Explicar a queda dos homicídios no Estado de São Paulo apenas pela "hipótese PCC" - controle da violência pelo crime organizado - é simplificar as engrenagens sociais de um fenômeno de causas múltiplas, afirmam pesquisadores.
Por essa perspectiva, fatores como envelhecimento da população, melhoras na política de segurança pública e ações de desarmamento devem ser considerados na equação da violência letal do Estado.
Na semana passada, a BBC Brasil publicou entrevista com o professor canadense Graham Willis, da Universidade de Cambridge (Inglaterra).
O pesquisador acompanhou por três anos a rotina de policiais que apuram homicídios em São Paulo e visitou uma comunidade controlada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) na capital paulista. Concluiu que a facção "regula a morte e a vida" no Estado, e é a principal responsável pela queda de 73% na taxa de homicídios desde 2001.
Nesse cenário de controle social paralelo, afirma ele, a facção que atua dentro e fora dos presídios evita chamar atenção para comunidades sob controle, maximiza lucros com o tráfico de drogas e reforça a eficácia dos chamados "tribunais do crime".
Ao revisitar, com novos dados, uma hipótese que já circulava no meio acadêmico, o professor de Cambridge movimentou o debate sobre segurança pública em fóruns especializados e nas redes sociais.
A BBC Brasil consultou especialistas envolvidos na discussão e que trazem pontos de vista diferentes sobre um dos eventos de maior interesse no cenário da segurança pública no Brasil: como São Paulo, afinal, conseguiu reverter o crescimento alarmante nos homicídios?

Menos jovens
"A redução ocorreu de maneira gradual, abrangente e em vários municípios. Apenas a regulação da violência (pelo crime organizado) não teria esse impacto homogêneo", diz Rodrigo Vilardi, doutor em direito penal pela USP e oficial da Polícia Militar de São Paulo.
Vilardi diz acreditar que uma parcela da redução dos assassinatos possa, sim, ser atribuída ao PCC, mas discorda da ênfase dada por Willis a esse fator. Afirma que a mudança na estrutura etária da população é uma explicação mais consistente.

Ele cita um estudo, feito por João Manoel Pinho de Mello e Alexandre Schneider, que mostrou como os homicídios caminharam na mesma direção da proporção, no Estado, de jovens de 15 a 24 anos - grupo etário comprovadamente mais propenso a cometer crimes.
Entre 1991 e 2000, quando os homicídios avançaram 63% no Estado, a Grande São Paulo ganhou 216 mil jovens nessa faixa etária - acréscimo de 15,3%, ante 11,6% para a população total. De 2000 a 2005, quando as taxas caem bastante (de mais de 30 para 17,5 por 100 mil habitantes), há 60 mil jovens dessa faixa etária a menos, enquanto a população cresce 6,6%.
pesquisa em questão apontou ainda, considerando variações entre cidades, para uma forte relação causal entre demografia e homicídios: aumento de 1% na proporção de jovens de 15 a 24 anos motivaria acréscimo de 3,2% nos assassinatos.
Outra pesquisa de Pinho de Mello analisou o movimento entre população jovem e homicídios de 1992 a 2006 e encontrou padrões semelhantes na comparação entre oito Estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Ceará e Goiás).

Melhor polícia
Para Vilardi, que estudou no doutorado as experiências de São Paulo e Nova York em prevenção criminal, melhoras na política de segurança pública também contribuíram de forma positiva na dinâmica dos homicídios. Em geral, três aspectos são citados:
implementação, em 1999, do Infocrim, sistema de microrrastreamento geográfico de crimes (sistema passa a ser usado fora da região metropolitana após 2005), e de base de dados fotográfica de criminosos (Fotocrim), em 2002;
esforço de desarmamento antes e depois da Lei do Desarmamento, de 2003; em 1991, 60% dos homicídios na cidade de São Paulo foram classificados como praticados com "arma não especificada", e percentual cai para 29% em 2000;
acompanhamento técnico e cobrança de resultados sobre queda de mortes violentas.
Sobre esse último ponto, o capitão da PM diz que, desde 2000, com a ajuda de dados do Infocrim, o Estado passou a exigir resultados das corporações policiais de forma mais sistemática.
"As estatísticas deixaram de servir apenas para publicação e ficaram disponíveis aos policiais. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Segurança passou a cobrar oficiais da PM, delegados e chefes sobre os indicadores em suas áreas", afirma.
Outras análises mencionam intervenções como a criação, em 2000, do Disque-Denúncia, linha telefônica anônima para denunciar crimes, a adoção de Lei Seca em bares da Grande São Paulo (2001-2004) e a Operação Saturação, centralizada e permanente em áreas de tráfico de drogas (2006).
Uma ressalva recorrente, no entanto, citada por João Manoel Pinho de Mello e Alexandre Schneider, é que a maioria das ações ocorreu depois que a tendência de alta dos homicídios já havia se revertido, em 1999. Por isso, dizem, as medidas de governo não poderiam explicar, isoladamente ou em conjunto, a dinâmica da violência letal em São Paulo.

Dinâmicas diferentes
Pesquisa inédita do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP confirmou a tendência do crime organizado como "mediador" da violência em São Paulo, mas sugere que esse não seja o principal fator a explicar a queda nos assassinatos.
O estudo na cidade de São Paulo confrontou dados de homicídios georreferenciados e um indicador da maior ou menor chance de presença de organizações criminosas em determinada região (construído com informações como pessoas presas por tráfico, pessoas procuradas e identificação de centrais telefônicas clandestinas).
"A ideia do PCC como regulador (da violência letal) parece se confirmar pelos dados, porque nos lugares onde há indícios de organizações criminosas a tendência é de certa homogeneidade das taxas no tempo. São taxas recorrentemente baixas, mas há também, em menor número, lugares com taxas frequentemente altas", diz Marcelo Batista Nery, pesquisador do NEV-USP.
Batista Nery diz, portanto, que há indícios que a baixa nos homicídios seja obra do PCC, mas não em toda a capital paulista (que responde por 25% dos homicídios do Estado), porque não há crime organizado em toda a cidade.
É preciso ainda, afirma o pesquisador, considerar diferentes momentos da trajetória da redução da violência. No primeiro momento da queda, de 1999 a 2003, não havia, afirma ele, indícios da presença forte do crime organizado no cotidiano das comunidades. Os indicativos eram de uma redução do ciclo de vingança entre gangues, com a polícia prendendo e matando mais.
"Se efetivamente o número de encarcerados e a violência policial fortaleceram as organizações criminosas, entre elas o PCC, e foram condicionantes importantes na redução dos homicídios, isso também foi responsável pelo fortalecimento das organizações criminosas, que teve impacto (na queda dos assassinatos) em um segundo momento (depois de 2003)", afirma.

Missão impossível?
Batista Nery diz desconfiar de estudos que propõem uma explicação única a um fenômeno peculiar como a violência homicida. "Sou crítico a generalizações, seja em estudos etnográficos (pesquisas em campo) ou quantitativos. O Estado de São Paulo, por exemplo, é tão diverso, e se você olhar cada município a análise leva a conclusões diferentes."
Ele diz, contudo, que o trabalho dos pesquisadores seria mais fácil se a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disponibilizasse mais dados sobre os crimes, e não apenas a ocorrência, data e natureza do delito, como ocorre hoje.
"Para qualquer estudo criminológico seria fundamental ter acesso a características das vítimas, autores, ação policial, análise de casos solucionados. Permitiria possibilidades de análise bem maiores", afirma.
O governo de São Paulo diz que há proteção legal a dados pessoais de vítimas e testemunhas em boletins de ocorrência.
O tema motivou debate nesta semana após o governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) decretar sigilo de 50 anos sobre dados de boletins de ocorrência.
A SSP disse que, na verdade, a resolução reduziu as hipóteses de sigilo em 70%, e apenas uniformizou a política estadual de transparência de dados.
"A intenção da resolução foi ampliar a transparência de todos os dados, para que seja divulgado o que a lei autoriza. O que nós não podemos fazer é divulgar dados que a lei não autoriza, colocando às vezes em risco testemunhas e vítimas", disse o secretário da Segurança, Alexandre de Moraes.
Para o pesquisador do NEV-USP, talvez nunca haja uma explicação final sobre o fenômeno da queda dos homicídios em São Paulo.
"O pior é que talvez nunca consigamos ter esse resultado. Isso porque o Infocrim, a fonte de dados georreferenciados, começou a funcionar em 2000, no momento em que os dados já apresentavam queda. Efetivamente não temos informações para comparação com o momento em que as taxas estavam subindo."

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160217_pcc_debate_tg


Cai percepção de segurança dos moradores da cidade de São Paulo em 2015

19/01/2016 10h04
São Paulo
Daniel Mello – Repórter da Agência Brasil

A percepção de segurança dos moradores de São Paulo caiu 3 pontos percentuais em 2015. A pesquisa Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (Irbem), divulgada hoje (19), mostra que apenas 7% das pessoas que vivem na capital paulista consideram a cidade segura ou muito segura. O levantamento, da Rede Nossa São Paulo, ouviu 1,5 mil pessoas entre 30 de novembro e 18 de dezembro de 2015. A pesquisa anterior, no final de 2014, apontou que 10% dos entrevistados consideravam a cidade segura.
Também caiu, de 37% para 23%, o percentual dos que acham que houve melhora na qualidade de vida na capital paulista. Além disso, aumentou, de 13% para 36%, os que consideram piora nas condições de bem-estar. Subiu ainda o número de pessoas que mudariam de cidade se pudessem – passou de 57%, no levantamento anterior, para 68% nesta pesquisa.


http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/cai-percepcao-de-seguranca-dos-moradores-de-sao-paulo-em-2015

sábado, 13 de fevereiro de 2016

GANDHI E O LOBISOMEM DE REGISTRO

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos do Brasil, Estado Unidos, Ucrânia, Romênia, Alemanha e Síria. Que este blog vos seja útil. Deus os abençoe.

Novo verbete: Sati - Medieval

http://media2.intoday.in/indiatoday/images/stories/mahatma5660_060813090624.jpg
http://indiatoday.intoday.in/

A trindade Gandhi: Manuben, Mohandas e Abha

__ Uma das matérias jornalísticas mais bizarras que eu já vi na televisão foi a que relatava a aparição de um lobisomem, na cidade de Registro, no Vale do Ribeira. A questão era que um lobisomem estava assediando as mulheres locais e estava mundo em polvorosa.
__ Não havia, na cidade, quem não acreditasse na existência do tal lobisomem, pois todo mundo conhecia alguém que já o tinha visto. O jornalista se aproximava de um e perguntava: “você já viu o lobisomem?”, e ele respondia: “não, mas conheço alguém que viu” E assim por diante foram vários! Se todos conhecem alguém que já vira o lobisomem, quando o pergunta chegar no último habitante a conclusão será óbvia: não existe lobisomem em Registro!
__ Ultimamente chamou a minha atenção a saraiva de críticas, a não dizer graves acusações, contra o líder indiano Mahatma Gandhi, um homem que teve um impacto incomum, e até o presente positivo, na história, e que está sendo apresentado, às novas gerações, como o suprassumo da maldade da canalhice. Ele foi racista contra os negros africanos, misógino, pró-nazista, antissemita, antidalit, estuprador ou pedófilo, escolha o seu, etc. Noutras palavras, um vasilhame lotado de perversões, que durante décadas passaram desapercebidas do mundo, fruto de uma conspiração maligna, de pessoas próximas a ele, que ocultaram todas essas aberrações, para fabricar um ser humano ideal, etc., segundo matérias escritas por jovens jornalistas, deslumbrados e sedentos de reconhecimento, repercutidas em inúmeros blogs e sites no Brasil. Como alguém que cresceu admirando Gandhi, julgo ser meu dever procurar conhecer e apresentar o que há de objetivo nessa história, para não deixar as novas e as futuras gerações mal informadas sobre quem foi Gandhi, para que não ocorra, em escala nacional, o que houve em Registro, nem fiquem os “lobisomens” mal falados sem motivo.
__ Gandhi nasceu, em 1869, no seio de família de comerciantes remediada, mas antiga e prestigiosa, cuja origem é rastreada até o século XVII, e seu pai Karamchand Uttamchand Gandhi, foi um conceituado ministro-chefe de governo do estado de Porbandar, um dos inúmeros estados principescos que os britânicos criaram na Índia, aproveitando-se da diversidade da cultura local. No sistema de castas hindu, os Gandhi estão no terceiro grupo: os Vaixiás.

O colonialismo e o racismo de Gandhi
__ Gandhi, aluno prodígio, foi preparado para ser funcionário público graduado, formando-se em advocacia, em Londres, em 1891, com apenas 23 anos! Em 1893 ele embarca para a África do Sul, por uma empresa privada indiana. Ele tinha boas razões para se deslumbrar com o progresso material e político dos ingleses, uma vez que ele testemunhara pessoalmente o seu imenso poderio, no final do século XIX e defendeu sim, nessa época, a superioridade da raça branca, no sentido de uma capacidade para “governar” o mundo, mas também jamais aceitou a posição de subalternidade preconceituosa a que os ingleses submetiam os hindus.
__ O desencanto com os ingleses se aguçou numa série de incidentes, na África do Sul, quando foi posto para fora de um trem por se recusar a deixar a primeira classe, pela qual havia comprado seu bilhete. Ele ficou plantado na estação, até que, no dia seguinte, foi embarcado na primeira classe. Outros incidentes aconteceram, como quando recusou-se a mudar de lugar numa carruagem e foi espancado pelo cocheiro, sem falar de inúmeras recusas de vaga em hotel. Em 1897, ele só escapou de um linchamento pela intervenção da mulher do superintendente de polícia (1).
__ Tudo isso aconteceu, principalmente, porque ele passou a lutar ativamente pelos direitos dos indianos na África do Sul, algo que os ingleses aquiesceram, inclusive como uma forma de isolar as populações negras, muito mais resistentes, mas que também fez com que os ingleses passassem a tratar os indianos como covardes, desprovidos de disposição para o heroísmo e para a guerra. Gandhi, com aparente intenção de provar o contrário, mas, principalmente, justificar a luta pelo direito hindu à cidadania sul-africana, que naquele tempo só era possível por meio do estado inglês, criou um corpo de voluntários de saúde indianos, para ajudar o exército colonial inglês na guerra anglo-boer, de 1899-1902. Em 1906 ele apoiou, o envio de enfermeiros e padioleiros indianos para a repressão da Rebelião Bambatha, dos zulus, mas sobre isso ele escreveu mais tarde, em 1927:

A Rebelião Zulu foi repleta de experiências, que me deram muitos motivos porque pensar. A Guerra Anglo-Boer não havia despertado em mim os horrores da guerra de uma maneira tão intensa como a ‘rebelião’ [apóstrofos no original] fez. Aquilo não foi uma guerra, mas uma caçada humana... Escutar cada manhã o relato dos soldados esfarelando, com seus rifles, como se fossem bolachas, inocentes cabanas [ele deve estar se referindo a choupanas de argila, onde moravam os zulus], e viver no meio deles era uma provação [“trial”]. Mas eu engoli a amarga tarefa, ainda mais porque o trabalho de meu Corpo era cuidar dos zulus feridos [destaque meu]. Eu trabalhava para que fosse assim, mas para nós os zulus haviam sido abandonados... nas poucas e distantes colinas... dos simples e também chamados ‘selvagens’ [apóstrofo no original] zulus. Andando, com ou sem um ferido, através dessas solenes solidões, eu, frequentemente, mergulhava em meus pensamentos” (tradução do inglês  http://wikilivres.ca/wiki/The_Story_of_My_Experiments_with_Truth/Part_IV/Heart_Searchings).

__ Isso, mais uma ou outra expressão infeliz tornam Gandhi um racista e adepto do colonialismo europeu? Gandhi foi, na juventude, um simpatizante do Império Britânico, e até certo ponto um adepto superficial de teorias racistas da época, como a que fez a, a fundo, a cabeça do dramaturgo e socialista britânico Bernard Shaw, mas, como Paulo de Tarso, do cristianismo, ele deve a sua inflexão, a sua virada. Ele experimentou a sua Estrada de Damasco, nos sertões da África do Sul.

Gandhi o simpatizante do nazismo e antissemita
__ Quando estourou a Segunda Guerra Mundial surgiu a questão: de que lado ficará a Índia. Como uma mera colônia do Império Britânico era de se esperar que ela fosse para o lado que a metrópole mandasse; mas não era assim que Gandhi e os líderes nacionalistas do Partido do Congresso pensavam. A princípio Gandhi ofereceu apoio não violento ao esforço de guerra inglês, mas quando o representante inglês na Índia pôs o país na guerra, sem consulta ao povo indiano ou aos seus representantes legitimamente eleitos, tudo mudou. Gandhi colocou as coisas de forma clara e lógica: A Índia não participaria voluntariamente de uma guerra em defesa da democracia e da liberdade, enquanto a liberdade lhe era negada em seu próprio território. Algo que os brasileiros deviam ter pensado antes de a FEB embarcar. Por causa dessa atitude ele foi acusado, na ocasião, tanto de ser antiético, pela ala conservadora, como de não ser consequente, pela esquerda, inclusive os comunistas, ansiosos por que esperavam o seu aval para uma luta armada contra os ingleses.
__ Os ingleses responderam com violência. Gandhi e importantes lideranças do Partido do Congresso foram presos, além de milhares de outros, de tal sorte que, ao final da Guerra havia 100 mil presos políticos na Índia. Ele, pessoalmente, teve perdas arrasadoras: seu secretário particular teve um ataque cardíaco fatal, seis dias depois de sua prisão, e sua mulher, Kasturba, morreu em prisão [domiciliar]. Enquanto ele encaminhava seu novo movimento, Deixem a Índia, milhares de indianos, de reinos clientes dos ingleses, lutaram na guerra. Oitenta e sete mil não voltaram. Em 1943 uma fome devastou o Estado de Bengala, matando mais de um milhão. Recursos valiosos tinham sido desviados para o esforço de guerra, para salvar o Império Britânico. Isso o torna um nazista?
__ Bem, sem poder citar nada que o ligue aos nazi-fascistas, procuram citar algumas declarações “estranhas” do Mahatma.

Se eu fosse um judeu nascido na Alemanha e lá ganhasse a minha vida, reclamaria a Alemanha como o meu país, tanto quanto qualquer alemão, e o desafiaria a atirar em mim ou mandar-me para uma masmorra, mas jamais me exilaria ou me submeteria a um tratamento discriminatório. E para fazer isso eu nem esperaria que outros judeus se juntassem a mim, em minha resistência passiva... E o sofrer assim, voluntariamente, lhes dará uma força e uma alegria interior... A violência metódica de Hitler pode resultar em um massacre geral dos judeus em resposta a essa declaração de hostilidade [daqueles que o queriam combater pela guerra]. Mas a mente judia poderia estar preparada para o sofrimento voluntário, inclusive o massacre... [que lhes possibilitaria ser acolhidos por Deus] pelas mãos de um tirano” (Wikipedia em espanhol – Mahatma Gandhi).

“[aliados] Abandonem as armas, porquanto estas não salvarão nem vocês nem a humanidade. Devem convidar a Hitler e Mussolini para que tomem tudo o que queiram de seus países. Se querem suas casas que as levem. Se não lhes permitem fugir sacrifiquem-se, mas sempre se recusem a render-lhes obediência” (idem).

__ Cadê o nazismo e o antissemitismo? O que ele pede aí que não tenha praticado com os indianos? Podem até acusá-lo de ser excessivamente ingênuo, de querer transformar em mandamentos recomendações que, na prática, só alcançam uma pequena elite de espiritualizados ou de estar séculos à frente da humanidade. Um dito de Gandhi, que deve mexer forte com os nervos de judeus ortodoxos, pode até estar por trás desse suposto antissemitismo: “olho por olho, e todo mundo acabará cego!”

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Emancipação da mulher estilo ocidental

Gandhi, indiferente aos dalits (intocáveis)
__ Os ingleses sempre exploraram a multiplicidade étnica da Índia em favor de seu projeto colonial, e durante o processo de ampliação de direitos dos indianos, provocado em grande parte pela resistência dirigida por Gandhi, não foi diferente. Em 16 de agosto de 1932, o governo colonial inglês lançou a Communal Law, que previa a participação política, em colégios separados de grupos de sem castas, baixas castas, muçulmanos, budistas, sikhs, indianos cristãos, anglo indianos, ingleses e dalits (intocáveis). Bhimrao Ramji Ambedkar, principal líder dos dalits, abraçou, entusiasmado, essa ideia. Gandhi, imediatamente, percebeu o caráter desagregador dessa lei, que isolava vastos segmentos de todas as etnias da Índia hindu! Seria a promessa de criação de uma futura Índia ingovernável, sem os ingleses é claro, pois, enquanto muçulmanos, cristãos e budistas, etc., que eram minoritários, formavam colégios eleitorais unificados, os hindus seguiriam divididos em castas. Gandhi começou uma forte greve de fome contra a Communal Law, contrariando Ambedkar e as lideranças dalits (2).
__ O jejum feito por Gandhi, contra o projeto inglês, foi tão severo que obrigou as partes a negociarem, e dessas negociações nasceu o Pacto de Poona (24/09/1932), que duplicou o número de cadeiras para aos intocáveis no Congresso, além de várias propostas no plano educacional. Entretanto, é bom que se diga, que Gandhi colocou-se contra algumas das chamadas ações “afirmativas” pró-dalits, como a disseminação do sistema de cotas, uma vez que eram justamente os privilégios ou deméritos, herdados do nascimento, que criaram e sustentaram o sistema de castas na Índia, e nesse ambiente cultural o sistema de quotas iria agravar o que se queria combater. É uma questão controvertida: o sistema de cotas sempre promove os grupos desfavorecidos em todas as realidades sociais ou em algumas ele tende a criar ou a agravar tensões? Isso foi considerado por Gandhi, que já abrira mão de todos os privilégios de sua casta. Em vão. Para os dalits, Gandhi ficou sendo um traidor porque não levara a sua luta por emancipação do sistema de castas até às últimas consequências ou fazer poucas muitas concessões aos conservadores; já para muitos hindus conservadores, Gandhi era um traidor por ter feito muitas concessões aos dalits e a outros grupos, e foi justamente por isso que um hindu conservador o matou (3).

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Emancipação da mulher estilo Gandhi

Gandhi o carrasco de sua esposa
__ Gandhi tinha 13 anos, quando se casou com Kasturbai Makhanji Kapadia, de 14, mais tarde chamada Kasturba ou simplesmente “Ba”. Foi uma união precipitada, mas longa e frutífera, marcada por um terrível acontecimento. Quando o pai de Gandhi agonizava, ele estava com dezesseis anos, um tio veio substituir-lhe na guarda do leito, e Gandhi aproveitou para relaxar nos doces braços de sua jovem esposa. Entretanto, enquanto os dois faziam amor o seu pai faleceu, e Gandhi ficou desolado. A sua “fraqueza”, diante do apelo da “carne”, fizera-o afastar-se de seu pai num momento decisivo. E, o que foi pior, talvez contaminada pelo baixo astral do marido – embora Gandhi sempre tenha culpado só a si pelo ocorrido – logo depois ela perde o primeiro filho do casal. Ele sempre dirá que isso foi uma marca a lhe acompanhar pelo resto de sua vida.
__ A suposta misoginia de Gandhi aparece no fato de ele mostrar repugnância ao sangue menstrual, algo que perturba a maioria dos homens, por razões culturais, religiosas, e outras, principalmente em culturas que têm a purificação física, como a hindu e a judaica, em alta conta. Gandhi não foi diferente, nem se propôs a ser um modelo a esse respeito. Quanto a acusação dele ter feito um voto de castidade a revelia da esposa, vejamos o que ele diz:

Nós éramos uma casal fora do comum. Foi em 1906, quando, com consentimento mútuo, após muitas tentativas inconsequentes, nós adotamos definitivamente o celibato como regra dominante em nossas vidas. E para minha grande alegria, isso nos uniu como nunca antes em nossas vidas. Nós deixamos de ser duas entidades independentes, sem que tivéssemos desejado isso. O resultado é que ela tornou-se a melhor metade de mim”. (ver o trecho completo, em inglês: https://gandhiashramsabarmati.org/index.php/en/the-mahatma/gandhi-andkasturba). 

Se alguém conhece um testemunho pessoal de Kasturba, denunciando-o como um mal marido, que apresente.

Shri Natesan obervou jocosamente, a Gandhi, que ele era um “marido cruel” [por não levar sua esposa às compras nas lojas], ao que ele respondeu na hora: “Assim você pega pesado comigo! O problema é o risco que se apresenta aos meus princípios, se eu começar a atender todos os seus desejos, nessa e em outras matérias. Ela conhece muito bem e concorda com o meu modo de vida. Mais de uma vez eu a implorei para que fosse morar longe de mim e que salvasse a ela própria, e as crianças, de todo esse desconforto. Mas ela não quis. Ela preferiu, como uma boa esposa hindu, seguir-me aonde eu for”” (idem).

__ E quanto à criminosa atitude de Gandhi de abandonar sua esposa à morte, negando-lhe o remédio que iria curá-la? Eis o que diz uma matéria do The New York Times, de 24/02/1944.

Após uma conferência com os outros (médicos)... Bapu [Gandhi] tomou uma grave decisão: “eu penso que devemos parar com os remédios, e entregar tudo nas mãos de Deus”. Os médicos concordaram [no original “the doctors had agreed”]. Havia, entretanto, uma discordância entre Mahatma Gandhi e seu filho Devdas Gandhi, sobre o tratamento; é que Devdas havia conseguido uma dose de penicilina em Calcutá, e Gandhi se recusava a ministra-la em Kasturba, porque ela deveria ser injetada. “Por que você quer prolongar a agonia de sua mãe, após todo o sofrimento porque ela já passou?” Então, com o máximo de compaixão, ele disse: “Você não pode curá-la agora, não importa a droga milagrosa que você consiga encontrar. Mas se você insiste, eu não farei nada para impedi-lo”. Devdas baixou sua cabeça. Ele não tinha mais o que dizer. Os médicos olharam aliviados [the doctors looked relieved]”. (texto completo em http://www.rarenewspapers.com/view/580498).

__ A propósito: embora descoberta em 1928, por Alexandre Fleming, a penicilina só começou a ser aplicada em seres humanos em 1942, mais especificamente nas condições dramáticas do front de batalha, onde as cobaias humanas, os soldados, já não tinham mais nada a perder. Era ainda, portanto, uma droga experimental. Já se conhecia as múltiplas reações adversas associadas ao seu uso, a saber: diarreia, hipersensibilidade, náuseas, erupções cutâneas, neurotoxidade, infecções (incluindo candidíase), além da possibilidade de febres, vômitos, dermatites, angiodema (inchaço da pele), convulsões, colite pseudomembranosa. Ou seja, várias condições que poderiam levar à morte, sem falar numa reação alérgica, que poderia também levar à morte por choque anafilático. É razoável correr um risco desses com uma pessoa de 75 anos, em estado agônico, que nos últimos dias, sempre que alguém vinha lhe levantar o ânimo, respondia: “meu tempo acabou”? Há mais um detalhe doloroso, que não parece nessa matéria, mas que eu colhi em outros sites sobre o assunto. Essa penicilina deveria ser injetada em Kasturba, em doses, a cada quatro ou seis horas, conforme a reação dela!
__ Noutras palavras, o que Gandhi fez foi justamente aquilo que muitos fazem hoje, com o apoio da maioria dos sistemas judiciários nacionais e da própria Igreja Católica: deu à sua companheira por 61 anos, a possibilidade de morrer com dignidade, não ser mantida viva artificialmente ou, pior ainda, agravar as dores de sua agonia. Pouco tempo depois da conversa traduzida acima, Kasturba morreu. Gandhi estava completamente certo.
__ Quem, sabendo disso, pode ainda afirmar que Kasturba seria fatalmente curada pelo remédio que Gandhi recusou-lhe, por puro preconceito contra a medicina ocidental, que mais tarde ele usará, na forma de injeção de extrato de quinino (o pó dos jesuítas!), substância usada no tratamento de crises de malária desde 1632?
__ Sobre a morte de Kasturba consultei também https://www.reddit.com/r/AskHistorians/comments/2zvgh4/per_russell_brands_standup_did_gandhi_let_his/
http://www.geni.com/people/Kasturba-Gandhi/6000000003922971429

Gandhi, aloprado e pedófilo
__ Mas a coisa piora muito mais, quando o assunto é um estranho experimento que Gandhi levou a cabo no final de sua vida, envolvendo o seu programa pessoal de autopurificação e elevação para Deus, pelo controle de todos os seus instintos, inclusive os sexuais, que Ganbdhi imaginava serem exacerbados. Era um programa, um desafio pessoal, chamado de bramacharya, que quer dizer “andar com Deus” ou “viver com Deus”. Como base nesse programa, ele começou a pregar a abstinência sexual para todos os indianos, o que causou viva repulsa de seus amigos mais próximos – dizem que Nerhu, futuro primeiro-ministro da Índia e de seus amigos mais próximos, teria chamado tal projeto de “absurdo e anormal”. Mas Gandhi não se deteve; se ninguém ia com ele iria sozinho, ou procuraria a companhia de pessoas mais abertas a voos espirituais: as mulheres.
__ Após a morte de Kasturba ele convidou algumas jovens, como a sua neta de 17 anos, Mridula Gandhi aka Manuben, a Manu, a esposa de dezesseis anos de um neto seu, Abhaben Gandhi, etc., para fazerem parte de um experimento de convivência entre pessoas de sexo diferentes, além de ajudá-lo no seu projeto pessoal de purificação, na comunidade de meditação e estudo, ou ashram, que ele criara. Um jovem jornalista indiano, morador nos Estados Unidos, escreveu um artigo, traduzido em Portugal e que está bombando entre os “bem informados” da internet cujo título é o seguinte: “Gandhi era um racista que obrigava meninas a dormir na cama com ele”. A palavra “forçou” ou “forced”, é a que mais aparece. Mais velhaco impossível! (4)
__ Enfim, o resumo da ópera é o seguinte: para aprimorar o seu autocontrole, elevar-se espiritualmente e para se aquecer nas noites de frio, Gandhi passou a buscar uma grande intimidade com várias moças jovens, o que, por vezes, incluía tomarem banhos juntos e dormirem todos nus, numa mesma cama. Um experimento deveras radical e incomum, mas já descrito em contexto análogo, e bem conhecido por Gandhi: a Bíblia (5).
__ Nada melhor, para esclarecer algo assim do que dar a palavra paras as “vítimas” do experimento, como aconteceu com Manuben, a Manu, a única que se dispôs a falar sobre o que aconteceu, em um diário que veio a lume em 2013, publicado num artigo de Udai Mahurkar, na revista Indian Today. Eis o que diz Manu;

Bapu é como uma mãe para mim”. Esse testemunho é corroborado por Pyarelal, secretário particular de Gandhi, que escreveu: “ele fazia por ela tudo o que uma mãe normalmente faz por sua filha. Ele supervisionava a sua educação, sua comida, suas roupas, seu descanso, seu soo. Para melhor supervisioná-la e guiá-la ele a fez dormir na mesma cama com ele. Uma jovem, que tenha a mente inocente, nunca se sentirá constrangida por trocar de roupa diante da mãe”. Matéria complete em https://shakilakhtar.wordpress.com/2013/12/15/mahatma-gandhi-with-his-girls/

__ Em troca ela deveria cuidar dele em tarefas como a massagem, o banho e a alimentação. Essa convivência mais íntima com Manuben acaba em 2 de março de 1947, por iniciativa de Manuben, embora ambos continuassem a conviver proximamente, sem que isso tenha causado qualquer alteração em Gandhi... que ela tenha notado. Ao longo de todo o diário nada de lascivo ou suspeito é encontrado, assim como não foi encontrado, até hoje, nenhum testemunho de quem quer que seja, entre as diversas mulheres que conviveram com ele nessa ocasião, de qualquer atitude inadequada dele ou de grande constrangimento pessoal. Quando em 30 de janeiro de 1848, ele foi assassinado com oito tiros, Manu estava ao seu lado. Sobre isso ela escreveu:

enquanto as chamas da pira funerária consumiam o corpo de Bapu, eu fui me deixando ficar, até bem depois do funeral ter acabado... aquilo tudo era inacreditável para mim, Bapu estivera ali [na casa de um amigo para onde ela fora] dois dias atrás, e hoje, pelo menos, ainda víamos o seu corpo entre nós. Eu estava completamente arrasada” (idem).

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As “vítimas” de Gandhi expressam os seus sentimentos, diante de sua pira funerária de seu “carrasco”. De óculos, à esquerda, Manuben Gandhi, ao centro, de véu, Sushila Nayar, à direita, de óculos, Abha Gandhi, em 31 de janeiro de 1948

__ Essas seriam palavras de quem foi tão covardemente abusada? Após algum tempo Manuben associou-se a uma comunidade religiosa, já conhecida e abençoada por Gandhi e dedicou seus últimos 21 anos de vida à causa dos mais pobres e excluídos, dos dalits. Abhaben voltou para sua vida familiar normal, e nunca falou de seus experimentos com Gandhi, assim como a sua discípula mais famosa, Sushila Nayyar, que também esteve no ashram, com Gandhi, na condição de sua médica privada, e mais tarde veio a tornar-se ministra da saúde da Índia, e um marco na emancipação da mulher indiana. Ela nunca se casou e tornando-se uma benemérita da causa dos mais pobres, a quem ela tanto se dedicou, e foi, até o último de seus dias, uma lutadora obstinada pela divulgação dos ideais de Gandhi. Mulher de temperamento forte, e até autoritário, Sushila não teria o menor problema em criticar Gandhi, pois não era uma mulher de meias palavras. Definitivamente esse não seria o comportamento esperado por uma pessoa que foi tão vilmente abusada.
__ Sobre Gandhi e o seu experimento de autopurificação podemos dizer que muito antes de Pepeu Gomes cantar “ser um homem feminino, não fere o seu lado masculino”, Gandhi viveu no seu próprio corpo essa realidade, e mergulhou de cabeça no feminino como uma forma de elevação espiritual, enquanto os homens, inclusive alguns de seus ex-seguidores, ensanguentavam a Índia por causa interesses econômicos e preconceitos raciais e sociais, ele cercou-se de mulheres e aprendeu com elas o que era ser pacífico, suave e bondoso. Isso era ainda mais premente em Gandhi, uma vez que, como pai, ele só tivera filhos, dos quais o mais velho, Harilal, resvalou para o crime, o alcoolismo e a miséria, aparentemente como uma forma de punir seu pai. Então Gandhi era um pai cruel e desinteressado por um filho com problemas? Mas eis uma última revelação: Harilal era o pai de Mridula Manuben, a Manu, a discípula favorita de Gandhi, aquela com quem mais compartilhou sua intimidade e seus ensinamentos. Em uma carta a Harilal, de junho de 1935, Gandhi escreveu:

Manu me contou inúmeras coisas terríveis sobre você. Ela disse, inclusive, que você a violentou antes dos oito anos de idade, e que ela ficou tão machucada, que precisou fazer um tratamento médico”.... Texto mais completo disponível em http://www.ndtv.com/india-news/mahatma-gandhis-letter-accusing-son-of-raping-his-own-daughter-up-for-auction-in-uk-562069


__ A mais injusta, portanto, das acusações é a de que ele seria, pelo seu exemplo, um dos responsáveis pela violência sexual que enlutou a Índia em recentes episódios bárbaros e infames. E pior ainda é ver mulheres, em especial no Ocidente, repercutirem coisas tão absurdas. Essas pessoas decerto ignoram a violência várias vezes milenar e misógina na cultura hindu, vista sob o ângulo ocidental, expressa por meio do sacrifício do sati (o último registrado na Índia foi em 2008!!!), no casamento de crianças e no infanticídio de bebês do sexo feminino, práticas que Gandhi sempre combateu com veemência.
__ Querido jovem e amigo leitor, esses são os fatos objetivos, apresentados por quem os viveu, perfeitamente disponíveis a todos na Internet, principalmente para aqueles que não querem ser enganados por pessoas ignorantes ou de má-fé, que buscam a história para projetar, em seus grandes personagens, a sua ignorância ou as perversões com as quais não sabem nem conseguem lidar.
__ Espero que se curem… das duas!

As mulheres têm trabalhado muito mais do que nós. Mesmo assim ainda há muito a ser feito. Eu estou convencido de que elas irão ainda muito mais longe, e ficarei muito surpreso se você não tiver uma grande parte nisso”. Carta a Vijaya Lakshmir Pandit irmã de seu amigo Jawaharlal Nerhu, de 11/11/1930. http://www.ndtv.com/india-news/mahatma-gandhis-letter-accusing-son-of-raping-his-own-daughter-up-for-auction-in-uk-562069

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Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1953, ao centro da mesa uma mulher; a primeira mulher a presidir uma assembleia geral desse órgão: a embaixadora indiana Vijaya L. Pandit, futura governadora do estado indiano de Maharashtra, um dos mais maiores, mais populosos e ricos estados da Índia, de 1962 a 1964.

Notas
(1) Esses fatos são descritos por Louis Fischer em sua aclamada biografia sobre Gandhi sua vida e mensagem para o mundo; por Gandhi em The Story of My Experiments with Truth/Part II/More Hardships (em Wikisource); e The Collected Works of Mahatma Gandhi/Volume II (no Wikisource; nesse caso como no anterior é só entrar na biografia de Gandhi, na Wikipedia em inglês, colocar o cursor sobre o número azul entre colchetes existentes no parágrafo que fala do assunto, e clicar no link em azul, que aparece em cima do número onde o cursor parou).
(2) Os sentimentos de Ambedkar, são perfeitamente compreensíveis. Segundo a Wikipedia em inglês, citando o testemunho do próprio Ambedkar, “embora pudesse frequentar as aulas, Ambedkar e outros intocáveis, quase não recebiam atenção ou ajuda dos professores. Não podiam entrar e sentar dentro da sala de aula. Quando algum deles precisava beber água tinha que pedir a alguém de casta superior para pegá-la e derramá-la com cuidado, e a certa distância, em seus copos, uma vez que aquele não podia tocar nem na água nem no copo de um intocável. Essa tarefa era normalmente feita por um jovem, que Ambedkar chamava de “servente” [peon, no original], e se o servente faltava, as crianças ficavam sem água... Era exigido que ele se sentasse em um saco de aniagem, que ele devia levar para casa, quando o seu turno escolar acabava” (B. R. Ambedkar).
O choque entre os dois homens tornou-se também inevitável, uma vez que entre eles havia três mil anos de repressão e segregação social. Ambedkar, compreensivelmente, tinha foco e pressa, já Gandhi via o todo e operava no longo prazo. O desentendimento mais sério aconteceu quando do movimento satyagraha (não violência e desobediência civil), deflagrado por hindus e dalits, no sul da Índia, na região de Kerala, entre 1924 e 1925, para forçar os brâmanes que controlavam o templo de Shiva, em Vaikom, a permitir que os dalits pudessem usar a estrada que passava ao lado do templo. Gandhi resistiu muito, e até tergiversou, porque ali havia uma variável extremamente delicada: no momento em que ele procurava isolar e derrotar os imperialistas ingleses, e foi contra estes que ele criou e dirigiu a satyagraha, que agora indianos usavam uns contra os outros, ainda mais porque em alguns momentos os brâmanes foram bem mais duros na repressão que os ingleses. Para Ghandi aquele confronto não era adequado naquele momento, assim como divergia de Ambedkar sobre a solução final daquele movimento: “Ambedkar pretendia remover os dalits para fora da comunidade hindu, enquanto Gandhi queria remover a intocabilidade, preservando o hinduísmo” (Wikipedia em inglês). Sobre os acontecimentos referentes ao templo de Vaikom recomendo: http://wagingnonviolence.org/feature/gandhi-myth-conversion-vykom-satyagraha-revisited/
(3) Para que se entenda o nível de paixão com que essa questão foi discutida, uma das expressões gandianas que mais magoou a Ambedkar e aos dalits, foi o fato dele chamar a estes de “harijan”. Ora, harijan, quer dizer, literalmente, filho do deus Hari (Vishnu), que pode ser traduzido como “filhos de deus”. Ora, Ambedkar viu nisso uma forma de paternalismo da parte de Gandhi, que estaria tratando o povo dalit como incapaz, reforçando sua inferioridade. A paixão com que ele e a liderança dalit posterior colocaram a sua posição foi tão intensa que a edição online do The New Indian Express, de 15 de janeiro de 2013, informa que o governo central da Índia mandou, para todas as suas repartições, um memorando informando que dali para frente o termo “harijan” estava definitivamente banido da redação de qualquer documento oficial, quando estivesse se referindo a alguma casta (http://www.newindianexpress.com/states/odisha/article1421444.ece).
(4) Esse rapaz, Mayukh Sen, é tão mau-caráter, que denuncia o Mahatma por debochar de sua esposa, enquanto ela cuidava de uma doença dele, citando a seguinte frase de Gandhi: “Simplesmente não consigo olhar para o rosto de Ba (Kasturba)... A expressão [dela], geralmente, é como a da cara de uma vaca mansa, e ela dá a mesma sensação que as vacas geralmente dão: de que com seu jeito idiota estão a dizer alguma coisa”. A tradutora, levada pelo tom do texto do indiano, traduziu “dumb” por “idiota”, mas “dumb” também quer dizer “mudo”, como as vacas ficam a maior parte do tempo, sem falar que Gandhi jamais compararia a um idiota o símbolo mais sagrado da Índia. Mas a coisa fica pior ainda quando lemos o resto dessa frase, que Mayukh não cita: “sua suavidade sobrepuja-me!!!” (no original, her gentleness overpowers me). Disponível no livro de Jad Adams, Gandhi The true Man Behind Modern índia, no seguinte endereço https://books.google.com.br/books?id=N1Q0CgAAQBAJ&pg=PT224&lpg=PT224&dq=&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false, quase no final do capítulo seis.   O texto de Mayukh Sen, em português, encontra-se em http://www.vice.com/pt_br/read/gandhi-era-um-racista-que-obrigava-meninas-a-dormir-na-cama-com-ele.

(5) Conta-se que o rei Davi, da Bíblia, já muito velho, era assomado por frio intenso, à noite, uma condição relativamente comum à velhice. Seus cortesões encontraram uma jovem para deitar-se com o rei e aquecê-lo nas noites de frio, ela certamente o fazia nua, uma vez que as roupas isolam o calor corporal, mas a Bíblia também diz que ele não a possuiu (1Rs 1,1-4). Como um exercício de autocontrole, conta-se que o célebre filósofo Pitágoras induzia seus discípulos a fazer um rigoroso jejum, e, passado um bom tempo, levava-os a uma mesa repleta das mais deliciosas e suculentas iguarias, com o propósito de ficar o máximo de tempo ali, sem tocar em nenhuma delas.