GANDHI E O
LOBISOMEM DE REGISTRO
Prof Eduardo
Simões
Obrigado aos
amigos do Brasil, Estado Unidos, Ucrânia, Romênia, Alemanha e Síria. Que este
blog vos seja útil. Deus os abençoe.
Novo verbete: Sati - Medieval
Novo verbete: Sati - Medieval
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A trindade
Gandhi: Manuben, Mohandas e Abha
__ Uma das
matérias jornalísticas mais bizarras que eu já vi na televisão foi a que
relatava a aparição de um lobisomem, na cidade de Registro, no Vale do Ribeira.
A questão era que um lobisomem estava assediando as mulheres locais e estava
mundo em polvorosa.
__ Não
havia, na cidade, quem não acreditasse na existência do tal lobisomem, pois
todo mundo conhecia alguém que já o tinha visto. O jornalista se aproximava de
um e perguntava: “você já viu o lobisomem?”, e ele respondia: “não, mas conheço
alguém que viu” E assim por diante foram vários! Se todos conhecem alguém que
já vira o lobisomem, quando o pergunta chegar no último habitante a conclusão
será óbvia: não existe lobisomem em Registro!
__ Ultimamente
chamou a minha atenção a saraiva de críticas, a não dizer graves acusações,
contra o líder indiano Mahatma Gandhi, um homem que teve um impacto incomum, e
até o presente positivo, na história, e que está sendo apresentado, às novas
gerações, como o suprassumo da maldade da canalhice. Ele foi racista contra os
negros africanos, misógino, pró-nazista, antissemita, antidalit, estuprador ou
pedófilo, escolha o seu, etc. Noutras palavras, um vasilhame lotado de perversões,
que durante décadas passaram desapercebidas do mundo, fruto de uma conspiração
maligna, de pessoas próximas a ele, que ocultaram todas essas aberrações, para
fabricar um ser humano ideal, etc., segundo matérias escritas por jovens
jornalistas, deslumbrados e sedentos de reconhecimento, repercutidas em
inúmeros blogs e sites no Brasil. Como alguém que cresceu admirando Gandhi,
julgo ser meu dever procurar conhecer e apresentar o que há de objetivo nessa
história, para não deixar as novas e as futuras gerações mal informadas sobre
quem foi Gandhi, para que não ocorra, em escala nacional, o que houve em
Registro, nem fiquem os “lobisomens” mal falados sem motivo.
__ Gandhi
nasceu, em 1869, no seio de família de comerciantes remediada, mas antiga e
prestigiosa, cuja origem é rastreada até o século XVII, e seu pai Karamchand
Uttamchand Gandhi, foi um conceituado ministro-chefe de governo do estado de
Porbandar, um dos inúmeros estados principescos que os britânicos criaram na
Índia, aproveitando-se da diversidade da cultura local. No sistema de castas
hindu, os Gandhi estão no terceiro grupo: os Vaixiás.
O colonialismo e o racismo de Gandhi
__ Gandhi,
aluno prodígio, foi preparado para ser funcionário público graduado, formando-se
em advocacia, em Londres, em 1891, com apenas 23 anos! Em 1893 ele embarca para
a África do Sul, por uma empresa privada indiana. Ele tinha boas razões para se
deslumbrar com o progresso material e político dos ingleses, uma vez que ele
testemunhara pessoalmente o seu imenso poderio, no final do século XIX e defendeu
sim, nessa época, a superioridade da raça branca, no sentido de uma capacidade
para “governar” o mundo, mas também jamais aceitou a posição de subalternidade
preconceituosa a que os ingleses submetiam os hindus.
__ O
desencanto com os ingleses se aguçou numa série de incidentes, na África do
Sul, quando foi posto para fora de um trem por se recusar a deixar a primeira
classe, pela qual havia comprado seu bilhete. Ele ficou plantado na estação,
até que, no dia seguinte, foi embarcado na primeira classe. Outros incidentes
aconteceram, como quando recusou-se a mudar de lugar numa carruagem e foi
espancado pelo cocheiro, sem falar de inúmeras recusas de vaga em hotel. Em
1897, ele só escapou de um linchamento pela intervenção da mulher do
superintendente de polícia (1).
__ Tudo
isso aconteceu, principalmente, porque ele passou a lutar ativamente pelos
direitos dos indianos na África do Sul, algo que os ingleses aquiesceram,
inclusive como uma forma de isolar as populações negras, muito mais
resistentes, mas que também fez com que os ingleses passassem a tratar os indianos
como covardes, desprovidos de disposição para o heroísmo e para a guerra.
Gandhi, com aparente intenção de provar o contrário, mas, principalmente,
justificar a luta pelo direito hindu à cidadania sul-africana, que naquele
tempo só era possível por meio do estado inglês, criou um corpo de voluntários de
saúde indianos, para ajudar o exército colonial inglês na guerra anglo-boer, de
1899-1902. Em 1906 ele apoiou, o envio de enfermeiros e padioleiros indianos
para a repressão da Rebelião Bambatha, dos zulus, mas sobre isso ele escreveu
mais tarde, em 1927:
“A Rebelião Zulu foi repleta de experiências,
que me deram muitos motivos porque pensar. A Guerra Anglo-Boer não havia
despertado em mim os horrores da guerra de uma maneira tão intensa como a
‘rebelião’ [apóstrofos no original]
fez. Aquilo não foi uma guerra, mas uma caçada humana... Escutar cada manhã o
relato dos soldados esfarelando, com seus rifles, como se fossem bolachas,
inocentes cabanas [ele deve estar se
referindo a choupanas de argila, onde moravam os zulus], e viver no meio deles era uma provação [“trial”]. Mas eu engoli a amarga tarefa, ainda mais porque o trabalho de meu Corpo
era cuidar dos zulus feridos [destaque meu]. Eu trabalhava para que fosse assim, mas para nós os zulus haviam sido
abandonados... nas poucas e distantes colinas... dos simples e também chamados
‘selvagens’ [apóstrofo no original] zulus.
Andando, com ou sem um ferido, através dessas solenes solidões, eu,
frequentemente, mergulhava em meus pensamentos” (tradução do inglês http://wikilivres.ca/wiki/The_Story_of_My_Experiments_with_Truth/Part_IV/Heart_Searchings).
__ Isso,
mais uma ou outra expressão infeliz tornam Gandhi um racista e adepto do
colonialismo europeu? Gandhi foi, na juventude, um simpatizante do Império
Britânico, e até certo ponto um adepto superficial de teorias racistas da
época, como a que fez a, a fundo, a cabeça do dramaturgo e socialista britânico
Bernard Shaw, mas, como Paulo de Tarso, do cristianismo, ele deve a sua
inflexão, a sua virada. Ele experimentou a sua Estrada de Damasco, nos sertões
da África do Sul.
Gandhi o simpatizante do nazismo e antissemita
__ Quando
estourou a Segunda Guerra Mundial surgiu a questão: de que lado ficará a Índia.
Como uma mera colônia do Império Britânico era de se esperar que ela fosse para
o lado que a metrópole mandasse; mas não era assim que Gandhi e os líderes
nacionalistas do Partido do Congresso pensavam. A princípio Gandhi ofereceu
apoio não violento ao esforço de guerra inglês, mas quando o representante
inglês na Índia pôs o país na guerra, sem consulta ao povo indiano ou aos seus
representantes legitimamente eleitos, tudo mudou. Gandhi colocou as coisas de
forma clara e lógica: A Índia não participaria voluntariamente de uma guerra em
defesa da democracia e da liberdade, enquanto a liberdade lhe era negada em seu
próprio território. Algo que os brasileiros deviam ter pensado antes de a FEB
embarcar. Por causa dessa atitude ele foi acusado, na ocasião, tanto de ser
antiético, pela ala conservadora, como de não ser consequente, pela esquerda,
inclusive os comunistas, ansiosos por que esperavam o seu aval para uma luta
armada contra os ingleses.
__ Os
ingleses responderam com violência. Gandhi e importantes lideranças do Partido
do Congresso foram presos, além de milhares de outros, de tal sorte que, ao
final da Guerra havia 100 mil presos políticos na Índia. Ele, pessoalmente,
teve perdas arrasadoras: seu secretário particular teve um ataque cardíaco
fatal, seis dias depois de sua prisão, e sua mulher, Kasturba, morreu em prisão
[domiciliar]. Enquanto ele encaminhava seu novo movimento, Deixem a Índia, milhares de indianos, de reinos clientes dos
ingleses, lutaram na guerra. Oitenta e sete mil não voltaram. Em 1943 uma fome devastou
o Estado de Bengala, matando mais de um milhão. Recursos valiosos tinham sido
desviados para o esforço de guerra, para salvar o Império Britânico. Isso o
torna um nazista?
__ Bem,
sem poder citar nada que o ligue aos nazi-fascistas, procuram citar algumas
declarações “estranhas” do Mahatma.
“Se eu fosse um judeu nascido na Alemanha e
lá ganhasse a minha vida, reclamaria a Alemanha como o meu país, tanto quanto
qualquer alemão, e o desafiaria a atirar em mim ou mandar-me para uma masmorra,
mas jamais me exilaria ou me submeteria a um tratamento discriminatório. E para
fazer isso eu nem esperaria que outros judeus se juntassem a mim, em minha
resistência passiva... E o sofrer assim, voluntariamente, lhes dará uma força e
uma alegria interior... A violência metódica de Hitler pode resultar em um
massacre geral dos judeus em resposta a essa declaração de hostilidade
[daqueles que o queriam combater pela guerra]. Mas a mente judia poderia estar preparada para o sofrimento voluntário,
inclusive o massacre... [que lhes possibilitaria ser acolhidos por Deus] pelas mãos de um tirano” (Wikipedia em espanhol – Mahatma Gandhi).
“[aliados]
Abandonem as armas, porquanto estas não
salvarão nem vocês nem a humanidade. Devem convidar a Hitler e Mussolini para
que tomem tudo o que queiram de seus países. Se querem suas casas que as levem.
Se não lhes permitem fugir sacrifiquem-se, mas sempre se recusem a render-lhes
obediência” (idem).
__ Cadê o
nazismo e o antissemitismo? O que ele pede aí que não tenha praticado com os
indianos? Podem até acusá-lo de ser excessivamente ingênuo, de querer
transformar em mandamentos recomendações que, na prática, só alcançam uma
pequena elite de espiritualizados ou de estar séculos à frente da humanidade.
Um dito de Gandhi, que deve mexer forte com os nervos de judeus ortodoxos, pode
até estar por trás desse suposto antissemitismo: “olho por olho, e todo mundo
acabará cego!”
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http://www.baltimoresun.com/
Emancipação
da mulher estilo ocidental
Gandhi, indiferente aos dalits (intocáveis)
__ Os
ingleses sempre exploraram a multiplicidade étnica da Índia em favor de seu
projeto colonial, e durante o processo de ampliação de direitos dos indianos,
provocado em grande parte pela resistência dirigida por Gandhi, não foi
diferente. Em 16 de agosto de 1932, o governo colonial inglês lançou a Communal
Law, que previa a participação política, em colégios separados de grupos de sem
castas, baixas castas, muçulmanos, budistas, sikhs, indianos cristãos, anglo
indianos, ingleses e dalits (intocáveis). Bhimrao Ramji Ambedkar, principal
líder dos dalits, abraçou, entusiasmado, essa ideia. Gandhi, imediatamente,
percebeu o caráter desagregador dessa lei, que isolava vastos segmentos de
todas as etnias da Índia hindu! Seria a promessa de criação de uma futura Índia
ingovernável, sem os ingleses é claro, pois, enquanto muçulmanos, cristãos e
budistas, etc., que eram minoritários, formavam colégios eleitorais unificados,
os hindus seguiriam divididos em castas. Gandhi começou uma forte greve de fome
contra a Communal Law, contrariando Ambedkar e as lideranças dalits (2).
__ O jejum
feito por Gandhi, contra o projeto inglês, foi tão severo que obrigou as partes
a negociarem, e dessas negociações nasceu o Pacto de Poona (24/09/1932), que
duplicou o número de cadeiras para aos intocáveis no Congresso, além de várias
propostas no plano educacional. Entretanto, é bom que se diga, que Gandhi
colocou-se contra algumas das chamadas ações “afirmativas” pró-dalits, como a
disseminação do sistema de cotas, uma vez que eram justamente os privilégios ou
deméritos, herdados do nascimento, que criaram e sustentaram o sistema de
castas na Índia, e nesse ambiente cultural o sistema de quotas iria agravar o
que se queria combater. É uma questão controvertida: o sistema de cotas sempre
promove os grupos desfavorecidos em todas as realidades sociais ou em algumas
ele tende a criar ou a agravar tensões? Isso foi considerado por Gandhi, que já
abrira mão de todos os privilégios de sua casta. Em vão. Para os dalits, Gandhi
ficou sendo um traidor porque não levara a sua luta por emancipação do sistema
de castas até às últimas consequências ou fazer poucas muitas concessões aos
conservadores; já para muitos hindus conservadores, Gandhi era um traidor por
ter feito muitas concessões aos dalits e a outros grupos, e foi justamente por
isso que um hindu conservador o matou (3).
https://www.mgims.ac.in/images/sn.jpg
https://www.mgims.ac.in/
Emancipação
da mulher estilo Gandhi
Gandhi o carrasco de sua esposa
__ Gandhi
tinha 13 anos, quando se casou com Kasturbai Makhanji Kapadia, de 14, mais
tarde chamada Kasturba ou simplesmente “Ba”. Foi uma união precipitada, mas
longa e frutífera, marcada por um terrível acontecimento. Quando o pai de
Gandhi agonizava, ele estava com dezesseis anos, um tio veio substituir-lhe na
guarda do leito, e Gandhi aproveitou para relaxar nos doces braços de sua jovem
esposa. Entretanto, enquanto os dois faziam amor o seu pai faleceu, e Gandhi
ficou desolado. A sua “fraqueza”, diante do apelo da “carne”, fizera-o
afastar-se de seu pai num momento decisivo. E, o que foi pior, talvez
contaminada pelo baixo astral do marido – embora Gandhi sempre tenha culpado só
a si pelo ocorrido – logo depois ela perde o primeiro filho do casal. Ele
sempre dirá que isso foi uma marca a lhe acompanhar pelo resto de sua vida.
__ A suposta
misoginia de Gandhi aparece no fato de ele mostrar repugnância ao sangue
menstrual, algo que perturba a maioria dos homens, por razões culturais,
religiosas, e outras, principalmente em culturas que têm a purificação física,
como a hindu e a judaica, em alta conta. Gandhi não foi diferente, nem se
propôs a ser um modelo a esse respeito. Quanto a acusação dele ter feito um
voto de castidade a revelia da esposa, vejamos o que ele diz:
“Nós éramos uma casal fora do comum. Foi em
1906, quando, com consentimento mútuo, após muitas tentativas inconsequentes,
nós adotamos definitivamente o celibato como regra dominante em nossas vidas. E
para minha grande alegria, isso nos uniu como nunca antes em nossas vidas. Nós
deixamos de ser duas entidades independentes, sem que tivéssemos desejado isso.
O resultado é que ela tornou-se a melhor metade de mim”. (ver o trecho
completo, em inglês: https://gandhiashramsabarmati.org/index.php/en/the-mahatma/gandhi-andkasturba).
Se alguém
conhece um testemunho pessoal de Kasturba, denunciando-o como um mal marido,
que apresente.
“Shri Natesan obervou jocosamente, a Gandhi, que
ele era um “marido cruel” [por não levar sua esposa às compras nas lojas], ao que ele respondeu na hora: “Assim você
pega pesado comigo! O problema é o risco que se apresenta aos meus princípios,
se eu começar a atender todos os seus desejos, nessa e em outras matérias. Ela
conhece muito bem e concorda com o meu modo de vida. Mais de uma vez eu a
implorei para que fosse morar longe de mim e que salvasse a ela própria, e as
crianças, de todo esse desconforto. Mas ela não quis. Ela preferiu, como uma
boa esposa hindu, seguir-me aonde eu for”” (idem).
__ E
quanto à criminosa atitude de Gandhi de abandonar sua esposa à morte,
negando-lhe o remédio que iria curá-la? Eis o que diz uma matéria do The New
York Times, de 24/02/1944.
“Após uma conferência com os outros
(médicos)... Bapu [Gandhi] tomou uma
grave decisão: “eu penso que devemos parar com os remédios, e entregar tudo nas
mãos de Deus”. Os médicos concordaram [no original “the doctors had
agreed”]. Havia, entretanto, uma
discordância entre Mahatma Gandhi e seu filho Devdas Gandhi, sobre o
tratamento; é que Devdas havia conseguido uma dose de penicilina em Calcutá, e
Gandhi se recusava a ministra-la em Kasturba, porque ela deveria ser injetada.
“Por que você quer prolongar a agonia de sua mãe, após todo o sofrimento porque
ela já passou?” Então, com o máximo de compaixão, ele disse: “Você não pode
curá-la agora, não importa a droga milagrosa que você consiga encontrar. Mas se
você insiste, eu não farei nada para impedi-lo”. Devdas baixou sua cabeça. Ele
não tinha mais o que dizer. Os médicos olharam aliviados [the doctors
looked relieved]”. (texto completo em http://www.rarenewspapers.com/view/580498).
__ A
propósito: embora descoberta em 1928, por Alexandre Fleming, a penicilina só
começou a ser aplicada em seres humanos em 1942, mais especificamente nas
condições dramáticas do front de batalha, onde as cobaias humanas, os soldados,
já não tinham mais nada a perder. Era ainda, portanto, uma droga experimental.
Já se conhecia as múltiplas reações adversas associadas ao seu uso, a saber:
diarreia, hipersensibilidade, náuseas, erupções cutâneas, neurotoxidade,
infecções (incluindo candidíase), além da possibilidade de febres, vômitos,
dermatites, angiodema (inchaço da pele), convulsões, colite pseudomembranosa.
Ou seja, várias condições que poderiam levar à morte, sem falar numa reação
alérgica, que poderia também levar à morte por choque anafilático. É razoável
correr um risco desses com uma pessoa de 75 anos, em estado agônico, que nos
últimos dias, sempre que alguém vinha lhe levantar o ânimo, respondia: “meu
tempo acabou”? Há mais um detalhe doloroso, que não parece nessa matéria, mas
que eu colhi em outros sites sobre o assunto. Essa penicilina deveria ser
injetada em Kasturba, em doses, a cada quatro ou seis horas, conforme a reação
dela!
__ Noutras
palavras, o que Gandhi fez foi justamente aquilo que muitos fazem hoje, com o
apoio da maioria dos sistemas judiciários nacionais e da própria Igreja
Católica: deu à sua companheira por 61 anos, a possibilidade de morrer com
dignidade, não ser mantida viva artificialmente ou, pior ainda, agravar as
dores de sua agonia. Pouco tempo depois da conversa traduzida acima, Kasturba
morreu. Gandhi estava completamente certo.
__ Quem,
sabendo disso, pode ainda afirmar que Kasturba seria fatalmente curada pelo
remédio que Gandhi recusou-lhe, por puro preconceito contra a medicina
ocidental, que mais tarde ele usará, na forma de injeção de extrato de quinino
(o pó dos jesuítas!), substância usada no tratamento de crises de malária desde
1632?
__ Sobre a
morte de Kasturba consultei também https://www.reddit.com/r/AskHistorians/comments/2zvgh4/per_russell_brands_standup_did_gandhi_let_his/
http://www.geni.com/people/Kasturba-Gandhi/6000000003922971429
Gandhi, aloprado e pedófilo
__ Mas a
coisa piora muito mais, quando o assunto é um estranho experimento que Gandhi
levou a cabo no final de sua vida, envolvendo o seu programa pessoal de
autopurificação e elevação para Deus, pelo controle de todos os seus instintos,
inclusive os sexuais, que Ganbdhi imaginava serem exacerbados. Era um programa,
um desafio pessoal, chamado de bramacharya, que quer dizer “andar com Deus” ou
“viver com Deus”. Como base nesse programa, ele começou a pregar a abstinência
sexual para todos os indianos, o que causou viva repulsa de seus amigos mais
próximos – dizem que Nerhu, futuro primeiro-ministro da Índia e de seus amigos
mais próximos, teria chamado tal projeto de “absurdo e anormal”. Mas Gandhi não
se deteve; se ninguém ia com ele iria sozinho, ou procuraria a companhia de
pessoas mais abertas a voos espirituais: as mulheres.
__ Após a
morte de Kasturba ele convidou algumas jovens, como a sua neta de 17 anos,
Mridula Gandhi aka Manuben, a Manu, a esposa de dezesseis anos de um neto seu, Abhaben
Gandhi, etc., para fazerem parte de um experimento de convivência entre pessoas
de sexo diferentes, além de ajudá-lo no seu projeto pessoal de purificação, na
comunidade de meditação e estudo, ou ashram, que ele criara. Um jovem
jornalista indiano, morador nos Estados Unidos, escreveu um artigo, traduzido
em Portugal e que está bombando entre os “bem informados” da internet cujo
título é o seguinte: “Gandhi era um racista que obrigava meninas a dormir na
cama com ele”. A palavra “forçou” ou “forced”, é a que mais aparece. Mais
velhaco impossível! (4)
__ Enfim, o resumo da ópera é o seguinte:
para aprimorar o seu autocontrole, elevar-se espiritualmente e para se aquecer
nas noites de frio, Gandhi passou a buscar uma grande intimidade com várias
moças jovens, o que, por vezes, incluía tomarem banhos juntos e dormirem todos
nus, numa mesma cama. Um experimento deveras radical e incomum, mas já descrito
em contexto análogo, e bem conhecido por Gandhi: a Bíblia (5).
__ Nada melhor, para esclarecer algo
assim do que dar a palavra paras as “vítimas” do experimento, como aconteceu
com Manuben, a Manu, a única que se dispôs a falar sobre o que aconteceu, em um
diário que veio a lume em 2013, publicado num artigo de Udai Mahurkar, na
revista Indian Today. Eis o que diz
Manu;
“Bapu
é como uma mãe para mim”. Esse testemunho é corroborado por Pyarelal,
secretário particular de Gandhi, que escreveu: “ele fazia por ela tudo o que uma mãe normalmente faz por sua filha. Ele
supervisionava a sua educação, sua comida, suas roupas, seu descanso, seu soo.
Para melhor supervisioná-la e guiá-la ele a fez dormir na mesma cama com ele.
Uma jovem, que tenha a mente inocente, nunca se sentirá constrangida por trocar
de roupa diante da mãe”. Matéria complete em https://shakilakhtar.wordpress.com/2013/12/15/mahatma-gandhi-with-his-girls/
__ Em troca ela deveria cuidar dele em
tarefas como a massagem, o banho e a alimentação. Essa convivência mais íntima
com Manuben acaba em 2 de março de 1947, por iniciativa de Manuben, embora
ambos continuassem a conviver proximamente, sem que isso tenha causado qualquer
alteração em Gandhi... que ela tenha notado. Ao longo de todo o diário nada de
lascivo ou suspeito é encontrado, assim como não foi encontrado, até hoje,
nenhum testemunho de quem quer que seja, entre as diversas mulheres que
conviveram com ele nessa ocasião, de qualquer atitude inadequada dele ou de
grande constrangimento pessoal. Quando em 30 de janeiro de 1848, ele foi
assassinado com oito tiros, Manu estava ao seu lado. Sobre isso ela escreveu:
“enquanto
as chamas da pira funerária consumiam o corpo de Bapu, eu fui me deixando
ficar, até bem depois do funeral ter acabado... aquilo tudo era inacreditável
para mim, Bapu estivera ali [na casa de um amigo para onde ela fora] dois dias
atrás, e hoje, pelo menos, ainda víamos o seu corpo entre nós. Eu estava
completamente arrasada” (idem).
http://www.akg-images.fr/Docs/AKG/Media/TR3_WATERMARKED/2/2/1/3/AKG2055557.jpg
http://www.akg-images.fr/
As “vítimas” de Gandhi expressam os seus sentimentos,
diante de sua pira funerária de seu “carrasco”. De óculos, à esquerda, Manuben
Gandhi, ao centro, de véu, Sushila Nayar, à direita, de óculos, Abha Gandhi, em
31 de janeiro de 1948
__ Essas seriam palavras de quem foi
tão covardemente abusada? Após algum tempo Manuben associou-se a uma comunidade
religiosa, já conhecida e abençoada por Gandhi e dedicou seus últimos 21 anos
de vida à causa dos mais pobres e excluídos, dos dalits. Abhaben voltou para
sua vida familiar normal, e nunca falou de seus experimentos com Gandhi, assim
como a sua discípula mais famosa, Sushila Nayyar, que também esteve no ashram,
com Gandhi, na condição de sua médica privada, e mais tarde veio a tornar-se
ministra da saúde da Índia, e um marco na emancipação da mulher indiana. Ela
nunca se casou e tornando-se uma benemérita da causa dos mais pobres, a quem
ela tanto se dedicou, e foi, até o último de seus dias, uma lutadora obstinada
pela divulgação dos ideais de Gandhi. Mulher de temperamento forte, e até autoritário,
Sushila não teria o menor problema em criticar Gandhi, pois não era uma mulher
de meias palavras. Definitivamente esse não seria o comportamento esperado por
uma pessoa que foi tão vilmente abusada.
__ Sobre Gandhi e o seu experimento de autopurificação
podemos dizer que muito antes de Pepeu Gomes cantar “ser um homem feminino, não
fere o seu lado masculino”, Gandhi viveu no seu próprio corpo essa realidade, e
mergulhou de cabeça no feminino como uma forma de elevação espiritual, enquanto
os homens, inclusive alguns de seus ex-seguidores, ensanguentavam a Índia por
causa interesses econômicos e preconceitos raciais e sociais, ele cercou-se de
mulheres e aprendeu com elas o que era ser pacífico, suave e bondoso. Isso era
ainda mais premente em Gandhi, uma vez que, como pai, ele só tivera filhos, dos
quais o mais velho, Harilal, resvalou para o crime, o alcoolismo e a miséria,
aparentemente como uma forma de punir seu pai. Então Gandhi era um pai cruel e
desinteressado por um filho com problemas? Mas eis uma última revelação:
Harilal era o pai de Mridula Manuben, a Manu, a discípula favorita de Gandhi, aquela
com quem mais compartilhou sua intimidade e seus ensinamentos. Em uma carta a
Harilal, de junho de 1935, Gandhi escreveu:
“Manu
me contou inúmeras coisas terríveis sobre você. Ela disse, inclusive, que você
a violentou antes dos oito anos de idade, e que ela ficou tão machucada, que precisou
fazer um tratamento médico”.... Texto mais completo disponível em http://www.ndtv.com/india-news/mahatma-gandhis-letter-accusing-son-of-raping-his-own-daughter-up-for-auction-in-uk-562069
__ A mais injusta, portanto, das acusações
é a de que ele seria, pelo seu exemplo, um dos responsáveis pela violência
sexual que enlutou a Índia em recentes episódios bárbaros e infames. E pior
ainda é ver mulheres, em especial no Ocidente, repercutirem coisas tão absurdas.
Essas pessoas decerto ignoram a violência várias vezes milenar e misógina na
cultura hindu, vista sob o ângulo ocidental, expressa por meio do sacrifício do
sati (o último registrado na Índia foi em 2008!!!), no casamento de crianças e
no infanticídio de bebês do sexo feminino, práticas que Gandhi sempre combateu
com veemência.
__ Querido jovem e amigo leitor, esses
são os fatos objetivos, apresentados por quem os viveu, perfeitamente disponíveis
a todos na Internet, principalmente para aqueles que não querem ser enganados
por pessoas ignorantes ou de má-fé, que buscam a história para projetar, em seus
grandes personagens, a sua ignorância ou as perversões com as quais não sabem
nem conseguem lidar.
__ Espero que se curem… das duas!
“As
mulheres têm trabalhado muito mais do que nós. Mesmo assim ainda há muito a ser
feito. Eu estou convencido de que elas irão ainda muito mais longe, e ficarei muito
surpreso se você não tiver uma grande parte nisso”. Carta a Vijaya Lakshmir
Pandit irmã de seu amigo Jawaharlal Nerhu, de 11/11/1930. http://www.ndtv.com/india-news/mahatma-gandhis-letter-accusing-son-of-raping-his-own-daughter-up-for-auction-in-uk-562069
http://media.gettyimages.com/photos/dag-hammarskjold-and-mme-vijayalakshmi-pandit-listening-while-john-picture-id50395472
http://www.gettyimages.com/
Assembleia Geral das Nações Unidas, em
1953, ao centro da mesa uma mulher; a primeira mulher a presidir uma assembleia
geral desse órgão: a embaixadora indiana Vijaya L. Pandit, futura governadora
do estado indiano de Maharashtra, um dos mais maiores, mais populosos e ricos
estados da Índia, de 1962 a 1964.
Notas
(1) Esses
fatos são descritos por Louis Fischer em sua aclamada biografia sobre Gandhi sua vida e mensagem para o mundo;
por Gandhi em The
Story of My Experiments with Truth/Part II/More Hardships (em
Wikisource); e The Collected Works of
Mahatma Gandhi/Volume II (no Wikisource; nesse caso como no anterior é só
entrar na biografia de Gandhi, na Wikipedia em inglês, colocar o cursor sobre o
número azul entre colchetes existentes no parágrafo que fala do assunto, e
clicar no link em azul, que aparece em cima do número onde o cursor parou).
(2) Os sentimentos de Ambedkar, são perfeitamente compreensíveis. Segundo a
Wikipedia em inglês, citando o testemunho do próprio Ambedkar, “embora pudesse
frequentar as aulas, Ambedkar e outros intocáveis, quase não recebiam atenção
ou ajuda dos professores. Não podiam entrar e sentar dentro da sala de aula.
Quando algum deles precisava beber água tinha que pedir a alguém de casta
superior para pegá-la e derramá-la com cuidado, e a certa distância, em seus
copos, uma vez que aquele não podia tocar nem na água nem no copo de um
intocável. Essa tarefa era normalmente feita por um jovem, que Ambedkar chamava
de “servente” [peon, no original], e se o servente faltava, as crianças ficavam
sem água... Era exigido que ele se sentasse em um saco de aniagem, que ele
devia levar para casa, quando o seu turno escolar acabava” (B. R. Ambedkar).
O choque
entre os dois homens tornou-se também inevitável, uma vez que entre eles havia
três mil anos de repressão e segregação social. Ambedkar, compreensivelmente,
tinha foco e pressa, já Gandhi via o todo e operava no longo prazo. O
desentendimento mais sério aconteceu quando do movimento satyagraha (não
violência e desobediência civil), deflagrado por hindus e dalits, no sul da
Índia, na região de Kerala, entre 1924 e 1925, para forçar os brâmanes que
controlavam o templo de Shiva, em Vaikom, a permitir que os dalits pudessem
usar a estrada que passava ao lado do templo. Gandhi resistiu muito, e até tergiversou,
porque ali havia uma variável extremamente delicada: no momento em que ele
procurava isolar e derrotar os imperialistas ingleses, e foi contra estes que
ele criou e dirigiu a satyagraha, que agora indianos usavam uns contra os
outros, ainda mais porque em alguns momentos os brâmanes foram bem mais duros
na repressão que os ingleses. Para Ghandi aquele confronto não era adequado
naquele momento, assim como divergia de Ambedkar sobre a solução final daquele
movimento: “Ambedkar pretendia remover os dalits para fora da comunidade hindu,
enquanto Gandhi queria remover a intocabilidade, preservando o hinduísmo”
(Wikipedia em inglês). Sobre os acontecimentos referentes ao templo de Vaikom
recomendo: http://wagingnonviolence.org/feature/gandhi-myth-conversion-vykom-satyagraha-revisited/
(3) Para
que se entenda o nível de paixão com que essa questão foi discutida, uma das
expressões gandianas que mais magoou a Ambedkar e aos dalits, foi o fato dele
chamar a estes de “harijan”. Ora, harijan, quer dizer, literalmente, filho do
deus Hari (Vishnu), que pode ser traduzido como “filhos de deus”. Ora, Ambedkar
viu nisso uma forma de paternalismo da parte de Gandhi, que estaria tratando o
povo dalit como incapaz, reforçando sua inferioridade. A paixão com que ele e a
liderança dalit posterior colocaram a sua posição foi tão intensa que a edição
online do The New Indian Express, de 15 de janeiro de 2013, informa que o
governo central da Índia mandou, para todas as suas repartições, um memorando
informando que dali para frente o termo “harijan” estava definitivamente banido
da redação de qualquer documento oficial, quando estivesse se referindo a
alguma casta (http://www.newindianexpress.com/states/odisha/article1421444.ece).
(4) Esse rapaz, Mayukh Sen, é tão mau-caráter, que denuncia o Mahatma por
debochar de sua esposa, enquanto ela cuidava de uma doença dele, citando a
seguinte frase de Gandhi: “Simplesmente não consigo olhar para o rosto de Ba
(Kasturba)... A expressão [dela], geralmente, é como a da cara de uma vaca mansa,
e ela dá a mesma sensação que as vacas geralmente dão: de que com seu jeito
idiota estão a dizer alguma coisa”. A tradutora, levada pelo tom do texto do
indiano, traduziu “dumb” por “idiota”, mas “dumb” também quer dizer “mudo”,
como as vacas ficam a maior parte do tempo, sem falar que Gandhi jamais
compararia a um idiota o símbolo mais sagrado da Índia. Mas a coisa fica pior
ainda quando lemos o resto dessa frase, que Mayukh não cita: “sua suavidade sobrepuja-me!!!”
(no original, her gentleness overpowers me). Disponível no livro de Jad Adams, Gandhi The true Man Behind Modern índia,
no seguinte endereço https://books.google.com.br/books?id=N1Q0CgAAQBAJ&pg=PT224&lpg=PT224&dq=&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false,
quase no final do capítulo seis. O texto
de Mayukh Sen, em português, encontra-se em http://www.vice.com/pt_br/read/gandhi-era-um-racista-que-obrigava-meninas-a-dormir-na-cama-com-ele.
(5) Conta-se que o rei Davi, da
Bíblia, já muito velho, era assomado por frio intenso, à noite, uma condição
relativamente comum à velhice. Seus cortesões encontraram uma jovem para deitar-se com o rei e aquecê-lo nas noites de frio, ela
certamente o fazia nua, uma vez que as roupas isolam o calor corporal, mas a
Bíblia também diz que ele não a possuiu (1Rs 1,1-4). Como um exercício de
autocontrole, conta-se que o célebre filósofo Pitágoras induzia seus discípulos
a fazer um rigoroso jejum, e, passado um bom tempo, levava-os a uma mesa
repleta das mais deliciosas e suculentas iguarias, com o propósito de ficar o máximo
de tempo ali, sem tocar em nenhuma delas.
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