JUVENTUDE ENCURRALADA
Prof Eduardo Simões
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__ Fui até um velho colégio, como sempre
acontece, para completar minha carga de aulas. Olhando para os colegas
presentes, na mesma situação que eu, apertou-se-me o coração. Como pode uma
categoria tão briosa e estratégica para o progresso de qualquer nação, que
tenha um pingo de juízo e vergonha na cara, pode estar assim tão destratada, deprimida
e desanimada a mendigar aula aqui e acolá, esperando por horas seguidas, num
calor tremendo? Houve um consolo: eles eram menos que no ano passado...
__ Havia os representantes do sindicato, a
distribuir sanduíches de queijo e presunto, tudo que restou de mensalidades
pagas com sacrifício, após tantas promessas e mobilizações caídas no vazio.
Ativo minha memória: são as mesmas caras que vi quando entrei para o sistema há
dezesseis anos. Essa deve ser uma nova estratégia para se eternizarem no poder.
Não há termo forte o bastante na língua portuguesa para designar essa gente.
__ O Estado, por vez, amplia a sua política
de corte de custos. Enxugar custos, essa é a única política de educação que
conhecemos faz décadas. Turmas são fechadas, as classes sobreviventes ficam
superlotadas, tipo sardinha em lata, como se os seus ocupantes nem pertencessem
ao gênero humano. Acabou-se a educação, o que importa agora é o desempenho em
provas estereotipadas, tipo múltipla escolha, embora só uma seja a certa!, que
transforma o aluno num zumbi, movido a controle remoto pelos conteúdos. O
governo sucateia a escola de meio período, de olho no seu novo experimento.
__ E sempre há espaço, na nossa educação,
para novos experimentos. Uma escola dita de tempo integral, que, assim como uma
fábrica, mantém o aluno ativado para aquilo que os gestores planejaram
minuciosamente por dois expedientes, afinal o aluno “pobre” deve ir se
acostumando, desde cedo, a se comportar num ambiente de fábrica, ao entrar de
manhã cedo e sair ao final da tarde. A vida pessoal, o contato com a vizinhança
(socialização), a afetividade, tudo o que faz a vida valer a pena, são abolidos
da educação, é cada um por si. O aluno só deve pensar no estudo com o operário
só deve pensar na produção. Um moedor de carne behaviorista.
__ Professores acorrem a essa escola por
variados motivos, desde a fuga do caos e do abandono da escola de meio-período,
até motivação financeira, com vagas obtidas não após um concurso objetivo, mas
por entrevista e recomendações cheias de subjetividade, ainda mais num país
onde até hoje não se conseguiu desenvolver uma sólida tradição educacional ou
uma teoria pedagógica dominante. O professor vai trabalhar como um executivo,
ser cobrado como um executivo e ganhar como um técnico; e se o seu desempenho
não for considerado satisfatório, ser-lhe-á apresentado o olho da rua. E é o
fim da escola pública, invisível só para quem é ingênuo ou malicioso demasiado
para não perceber que, numa sociedade como a nossa, o melhor estímulo para uma
escola privada de qualidade é uma escola pública de nível igual, ou melhor. Qual
é o empresário que vai gastar mais em qualidade e qualificação, quando não
existem competidores a temer?
__ Nesse fogo cruzado, a infância e a
juventude levam chumbo por ambos os lados. A infância soçobra ao oportunismo, à
covardia e à ganância dos adultos, que desviaram o dinheiro que seria gasto
para manter o mosquito sob controle, e agora deve vir uma geração de crianças
microcéfalas, sem falar numa legião de mulheres traumatizadas, adoentadas de
zika, que farão aborto por precaução ou adiarão, talvez definitivamente, a sua
aspiração materna. Fim da felicidade nesse mundo; resta o outro. Essa epidemia
de zika vírus é o atestado da covardia e do desinteresse pelo social, aprendido
em escolas que só pensam em “desempenho”, da ganância e da cafajestice geral.
Daqui para frente, toda criança com microcefalia que mirar um brasileiro ou uma
brasileira estará perguntando: “o que você fez para evitar isso?”
__ Nesse mundo onde muitos adultos,
cansaram de ter vergonha na cara e lutar pelo que acreditam, os jovens dão uma
lição impressionante. Enfrentam com mãos desarmadas a polícia do estado, que,
com especial truculência, investiu contra os estudantes da rede e jovens do
Passe Livre, que queriam dizer na via pública: “não temos condições de arcar
com esse ônus!” “Não fomos nós quem criou essa situação!” “Onde estava, e onde
está (!), a oposição, no momento em que o país começou a mergulhar nessa crise?”.
Eles têm razão, e mostraram uma bravura e uma obstinação ainda desconhecidas na
história do Brasil. A polícia reprimia, eles voltavam, e voltavam, e voltavam.
E o que fizeram os adultos? Ampliaram o carnaval para esvaziar a luta desses
jovens.
__ Guardadas as devidas proporções, a
tática desses garotos repete, de maneira modesta, a de Gandhi, que derrotou um
poderoso império, e da qual eles devem pouco ou nada saber, uma vez que são
crias de uma escola que só pensa em desempenho, e não tem nada a dizer sobre
formação – para essa escola não interessa como Gandhi conseguiu sua vitória,
mas apenas se ganhou ou perdeu – por isso, quando volto para casa, noto no
asfalto, num local onde os jovens do bairro costumam se reunir, um estranho
desenho circular, com uma inscrição ao lado: PCC. Não há rota de fuga.
__ Homens e mulheres, velhos, cínicos,
donos dos poderes, tentam impor aos jovens, pela força ou pelo engano, um
modelo de sociedade decadente e desumano, esquecidos que um dia eles também
foram jovens e alimentaram ideais de vida generosos. Quando eles investem contra
a nova geração é contra o melhor de si que eles lutam; o seu ódio, é ódio
contra si mesmo, por terem, levados pela covardia ou a ganância, abandonado tão
rápido os seus antigos ideais – os que hoje ordenam o espancamento de jovens em
nossas ruas são os mesmos reprimidos durante o Regime Militar. Ao fazer isso,
porém, eles pecam contra o Espírito Santo, que habita neles e nesses jovens, e
só podemos dizer: “tende-lhes piedade Senhor!”
__ A juventude, no momento, é a única força
capaz de resgatar esse país do abismo que o desânimo, a sede de poder, a
indiferença do cidadão e do Estado, a ausência do coletivo, o desinteresse pelo
próximo, o uso de crianças e jovens, o amor ao dinheiro, a violência policial,
a droga dos criminosos, etc., colocaram, a questão é saber quanto tempo mais
ela aguenta, antes de explodir ou aderir, e qual será a atitude daqueles adultos
que ainda se recusam a ser cooptados por essa realidade...
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