quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

JUVENTUDE ENCURRALADA

Prof Eduardo Simões

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__ Fui até um velho colégio, como sempre acontece, para completar minha carga de aulas. Olhando para os colegas presentes, na mesma situação que eu, apertou-se-me o coração. Como pode uma categoria tão briosa e estratégica para o progresso de qualquer nação, que tenha um pingo de juízo e vergonha na cara, pode estar assim tão destratada, deprimida e desanimada a mendigar aula aqui e acolá, esperando por horas seguidas, num calor tremendo? Houve um consolo: eles eram menos que no ano passado...
__ Havia os representantes do sindicato, a distribuir sanduíches de queijo e presunto, tudo que restou de mensalidades pagas com sacrifício, após tantas promessas e mobilizações caídas no vazio. Ativo minha memória: são as mesmas caras que vi quando entrei para o sistema há dezesseis anos. Essa deve ser uma nova estratégia para se eternizarem no poder. Não há termo forte o bastante na língua portuguesa para designar essa gente.
__ O Estado, por vez, amplia a sua política de corte de custos. Enxugar custos, essa é a única política de educação que conhecemos faz décadas. Turmas são fechadas, as classes sobreviventes ficam superlotadas, tipo sardinha em lata, como se os seus ocupantes nem pertencessem ao gênero humano. Acabou-se a educação, o que importa agora é o desempenho em provas estereotipadas, tipo múltipla escolha, embora só uma seja a certa!, que transforma o aluno num zumbi, movido a controle remoto pelos conteúdos. O governo sucateia a escola de meio período, de olho no seu novo experimento.
__ E sempre há espaço, na nossa educação, para novos experimentos. Uma escola dita de tempo integral, que, assim como uma fábrica, mantém o aluno ativado para aquilo que os gestores planejaram minuciosamente por dois expedientes, afinal o aluno “pobre” deve ir se acostumando, desde cedo, a se comportar num ambiente de fábrica, ao entrar de manhã cedo e sair ao final da tarde. A vida pessoal, o contato com a vizinhança (socialização), a afetividade, tudo o que faz a vida valer a pena, são abolidos da educação, é cada um por si. O aluno só deve pensar no estudo com o operário só deve pensar na produção. Um moedor de carne behaviorista.
__ Professores acorrem a essa escola por variados motivos, desde a fuga do caos e do abandono da escola de meio-período, até motivação financeira, com vagas obtidas não após um concurso objetivo, mas por entrevista e recomendações cheias de subjetividade, ainda mais num país onde até hoje não se conseguiu desenvolver uma sólida tradição educacional ou uma teoria pedagógica dominante. O professor vai trabalhar como um executivo, ser cobrado como um executivo e ganhar como um técnico; e se o seu desempenho não for considerado satisfatório, ser-lhe-á apresentado o olho da rua. E é o fim da escola pública, invisível só para quem é ingênuo ou malicioso demasiado para não perceber que, numa sociedade como a nossa, o melhor estímulo para uma escola privada de qualidade é uma escola pública de nível igual, ou melhor. Qual é o empresário que vai gastar mais em qualidade e qualificação, quando não existem competidores a temer?
__ Nesse fogo cruzado, a infância e a juventude levam chumbo por ambos os lados. A infância soçobra ao oportunismo, à covardia e à ganância dos adultos, que desviaram o dinheiro que seria gasto para manter o mosquito sob controle, e agora deve vir uma geração de crianças microcéfalas, sem falar numa legião de mulheres traumatizadas, adoentadas de zika, que farão aborto por precaução ou adiarão, talvez definitivamente, a sua aspiração materna. Fim da felicidade nesse mundo; resta o outro. Essa epidemia de zika vírus é o atestado da covardia e do desinteresse pelo social, aprendido em escolas que só pensam em “desempenho”, da ganância e da cafajestice geral. Daqui para frente, toda criança com microcefalia que mirar um brasileiro ou uma brasileira estará perguntando: “o que você fez para evitar isso?”
__ Nesse mundo onde muitos adultos, cansaram de ter vergonha na cara e lutar pelo que acreditam, os jovens dão uma lição impressionante. Enfrentam com mãos desarmadas a polícia do estado, que, com especial truculência, investiu contra os estudantes da rede e jovens do Passe Livre, que queriam dizer na via pública: “não temos condições de arcar com esse ônus!” “Não fomos nós quem criou essa situação!” “Onde estava, e onde está (!), a oposição, no momento em que o país começou a mergulhar nessa crise?”. Eles têm razão, e mostraram uma bravura e uma obstinação ainda desconhecidas na história do Brasil. A polícia reprimia, eles voltavam, e voltavam, e voltavam. E o que fizeram os adultos? Ampliaram o carnaval para esvaziar a luta desses jovens.
__ Guardadas as devidas proporções, a tática desses garotos repete, de maneira modesta, a de Gandhi, que derrotou um poderoso império, e da qual eles devem pouco ou nada saber, uma vez que são crias de uma escola que só pensa em desempenho, e não tem nada a dizer sobre formação – para essa escola não interessa como Gandhi conseguiu sua vitória, mas apenas se ganhou ou perdeu – por isso, quando volto para casa, noto no asfalto, num local onde os jovens do bairro costumam se reunir, um estranho desenho circular, com uma inscrição ao lado: PCC. Não há rota de fuga.
__ Homens e mulheres, velhos, cínicos, donos dos poderes, tentam impor aos jovens, pela força ou pelo engano, um modelo de sociedade decadente e desumano, esquecidos que um dia eles também foram jovens e alimentaram ideais de vida generosos. Quando eles investem contra a nova geração é contra o melhor de si que eles lutam; o seu ódio, é ódio contra si mesmo, por terem, levados pela covardia ou a ganância, abandonado tão rápido os seus antigos ideais – os que hoje ordenam o espancamento de jovens em nossas ruas são os mesmos reprimidos durante o Regime Militar. Ao fazer isso, porém, eles pecam contra o Espírito Santo, que habita neles e nesses jovens, e só podemos dizer: “tende-lhes piedade Senhor!”
__ A juventude, no momento, é a única força capaz de resgatar esse país do abismo que o desânimo, a sede de poder, a indiferença do cidadão e do Estado, a ausência do coletivo, o desinteresse pelo próximo, o uso de crianças e jovens, o amor ao dinheiro, a violência policial, a droga dos criminosos, etc., colocaram, a questão é saber quanto tempo mais ela aguenta, antes de explodir ou aderir, e qual será a atitude daqueles adultos que ainda se recusam a ser cooptados por essa realidade...

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