HISTORIA
DA IGREJA BASEADA EM JEDIN – XII
Obrigado
aos amigos dos Estados Unidos, Brasil, Canadá, Alemanha, México, Reino Unido,
Áustria, Polônia e de outros países que acompanham esse blog. Que ele vos seja cada
vez mais útil. Deus os abençoe.
Prof
Eduardo Simões
Sobrevivendo
Perigosamente...
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Na percepção de Jedin, não faz sentido falar em uma perseguição geral,ou sequer
de um edito imperial, que valeria para todo império, sobre a necessidade de
reprimir os cristãos, após o incêndio de Roma. A perseguição de Nero teria sido
apenas regional pelos seguintes motivos:
a)
Entre os autores cristãos antigos só Lactancio (séc IV) fala de uma perseguição
geral, enquanto Tertuliano apenas se refere a um edito neroniano que proscrevia
o nome cristão – a proscrição era um instituto legal que transformava
inapelavelmente a pessoa ou um grupo em inimigos do Estado.
b)
Se essa perseguição foi geral, porque não há nenhuma notícia dela nas
províncias do Oriente?
c)
“O fato que mais decididamente contradiz a existência de um edito neroniano de
perseguição é que, posteriormente, nenhuma autoridade faz menção a semelhante
instrumento antes de tomar uma atitude acerca do problema cristão. Em
conclusão, quanto a esse ponto merece mais credibilidade o relato de Tácito
[que não era cristão], segundo o qual a
atitude contra os cristãos não teve nenhum fundamento legal, senão que nasceu
de um capricho do tirano, ansioso por livrar-se da suspeita de autoria do
incêndio” (p 211).
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No reinado de Domiciano (81-96), um organizador e gestor genial, mas uma com
uma personalidade sombria e desconfiada, muito ciente dos benefícios de sua
divinização, houve novamente um principio de perseguição, mas ainda muito dirigida
e localizada, embora tenha sido Domiciano quem primeiro desconfiou do perigo
que o cristianismo, além do judaísmo, representavam para a proposta unificadora
e absoluta do culto imperial. A questão com os judeus foi resolvida, em geral,
com o aumento do pagamento de tributos, já com os cristãos a solução foi mais
“sangrenta”, embora não seja necessário também exagerar quanto a isso. Foi mais
um aviso, digamos (1).
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f5/COA_Inkerman%2C_Sevastopol%2C_Ukraine.svg/352px-COA_Inkerman%2C_Sevastopol%2C_Ukraine.svg.png
Wikipedia
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Jedin diz: “Menos abundantes [que os de Nero] são os relatos... de perseguição
de cristãos sob Domiciano... em primeiro lugar temos a afirmação clara e
inequívoca de Melitão de Sardes que... nomeia Domiciano, junto com Nero,
inimigo do cristianismo. A observação de São Clemente (2), no começo de sua carta aos coríntios... Também indicações de
autores não cristãos podem ser interpretadas nesse sentido. A censura que faz
Epiteto [que viveu em Roma até 93] aos cristãos, que seguem indiferentes à
morte, supõe medidas contra os seguidores do cristianismo... Chama atenção a
notícia do historiador Cassio Dion, segundo o qual no reinado do imperador
Domiciano, foram acusados e condenados por “ateísmo”... o cônsul Flavio
Clemente e sua mulher Domitila (3),
e com eles “muitos outros inclinados aos costumes judeus” ... A acusação de impiedade
ou ateísmo nos dá a chave do motivo que inspira Domiciano: se trata da
pretensão do imperador a respeito de sua pessoa, que se manifestou na exigência
de um culto imperial desmesurado... A aspiração de Domiciano a honras divinas
deveria pesar, principalmente, nas províncias da Ásia Menor, pois nessa parte
do império já florescia o culto imperial [cristãos e judeus se lhe opunham]...
o pretexto da perseguição aos cristãos nas províncias orientais foi,
claramente, a acusação do crime de lesa majestade, que acompanhava a recusa
daqueles em prestar culto ao imperador” (p 212-213) (4).
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De uma certa forma podia-se entender a preocupação e até a precipitação de
alguns imperadores acerca da nova religião, afinal a perseguição de Nero
revelara um dado impressionante aos donos do poder: a forte penetração do
cristianismo na elite social romana, mais especificamente entre as famílias
patrícias, que eram, afinal, quem ainda comandava cultural e politicamente o
império. Como se deu isso? O que a doutrina cristã tinha que conseguiu na elite
romana resultados que as outras religiões não conseguiram, apesar de serem mais
antigas e consolidadas, como os cultos de mistério e o judaísmo? As atas de
martírio dessa época nos dão a pista: a mulher, em especial a matrona romana.
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A historiografia tradicional, e até a marxista, superdimensionaram o poder do
pater famílias romano, isolando-o do conjunto da sociedade e dos seus paradigmas
culturais, dando-nos uma imagem muito superficial do fenômeno maior e mais
complexo que foi a família romana. E assim, sob o controle do pater famílias, o
núcleo familiar romano foi sistematicamente apresentado como um sistema
fortemente autoritário, patriarcal, que influenciava da mesma forma a grande
sociedade e o Estado., perceptível na escravidão onipresente, nos jogos de
gladiadores, etc.
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Não estaria errado, decerto, quem afirmasse que o recém-nascido romano corria
riscos nas mãos do pater. E que riscos! Mas, uma vez que fosse aceito
oficialmente como filho, seria muito complicado ao pai se exceder, acima do
razoável, com essa criança, sem falar que a cultura do ambiente e o enorme
poder que a lei e o costume facultavam ao pai sobre os filhos, inclusive o de o
matar – nos poucos casos casos claramente especificados na lei – tinha o efeito
de preservar esse filho que, afinal, era o esteio e a prova física do seu poder,
frente aos outros pais.
https://latunicadeneso.files.wordpress.com/2013/01/matrona-romana-juan-gimc3a9nez-martc3adn.jpg
https://latunicadeneso.wordpress.com
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Com relação à mulher a distorção pode ter sido ainda maior. Ao contrário do que
acontece hoje, em que a relação entre um homem e uma mulher é um problema estritamente
pessoal, em Roma isso era um assunto social e político, uma relação considerada
sagrada e protegida pelo Estado – Bloch-Cousin (1964) falam de um senador romano,
portanto da elite do patriciado, que recebeu em sua casa a incômoda visita de
censores, interessados em saber porque motivo ele estaria se separando da
esposa! É claro que o casamento era dominado pelos interesses externos ao casal,
e, de uma maneira geral, arranjados a revelia dos noivos, pelos pais dos
interessados, pelos menos nas classes mais “elevadas”, mas nem por isso se
dispensava o amor ou a simpatia mútua entre os cônjuges, e até o consentimento deles.
Dos dois! O amor ou a simpatia mútua era uma meta do casal romano já na
República, e isso pode ser visto em tocantes declarações de amor de viúvos e
viúvas constante em túmulos e testemunhos escritos. A mulher romana foi uma das
poucas mulheres da Antiguidade que tomava sua refeição na mesma mesa e ao mesmo
tempo com seu marido, costume herdado já dos etruscos, uns dos fundadores da
cidade. À medida que os romanos ampliavam o seu domínio sobre o mundo a
residência do casal, passou a ser cada vez mais área sob o controle da mulher. O
romano, o de classe social mais “alta”, valorizava tanto a família e o que ela
representava para a sociedade, e era tão bom conhecedor da natureza humana, que,
consciente de sua responsabilidade na longa ausência do lar, que as campanhas
militares requeriam, acabou desenvolvendo uma indiferença cultural à infidelidade
de sua mulher, uma vez que ele também estaria seria infiel do outro lado do
mundo. A grande liberdade de iniciativa da mulher, garantida pela lei, desde os
tempos mais remotos, fazia com que muito soldado ou general, ao voltar para
casa, a encontrasse vazia, uma vez que a sua mulher pedira divórcio, que lhe
fora concedido, e fora morar com outro – quem quiser conhecer mais sobre esse
universo relacional recomento o primeiro capítulo de Ariès-Auby (1989).
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Mesmo no domínio do sagrado, a mulher romana intervinha por meio das sacerdotisas
vestais, encarregadas de manter aceso o fogo da cidade, com um prestígio e um poder
social incomuns (4); mas com um
colégio permanente de apenas seis vestais, isso devia parecer mais um prêmio de
consolo, numa religião dominada pelos homens, inclusive no ambiente doméstico, onde
o pater famílias, conduzia os rituais previstos pela tradição. As religiões
mistéricas, com as suas esquisitices, tipicamente “masculinas”, coisa de
garotos imaturos, estavam longe de ser um atrativo para essa mulher
profundamente convencida da importância do seu papel social, que só na
aparência se mostrava passiva, pelo menos quando vista do nosso tempo, incapaz
de perceber o valor da família e da estabilidade do ambiente doméstico, como
sustentáculo do coletivo, embora também seja verdade que a família romana,
fundada em mitos tão poderosos quanto estáveis, começava nesse tempo a apresentar,
por força da escravidão, significativos sinais de decadência. Quem a iria
salvar? O judaísmo patriarcal, que poderia trazer um retrocesso à liberdade da
mulher romana? Creio que foi dela que partiu, de uma maneira suave, doméstica,
mas insidiosa e persistente, a maior resistência à propagação do judaísmo,
antes dos grandes levantes na Palestina?
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É nesse transe que aparece uma nova religião onde um deus, por sinal o único,
para nascer e executar o seu plano de salvação precisa pedir licença a uma
mulher! Não passou despercebido das antigas romanas, o caráter revolucionário,
para a condição feminina de então, a mensagem de um deus nascido, cuidado e
protegido por uma mulher, com a parca presença de seu silencioso companheiro, personagem
“secundário”. A mulher romana, a matrona, a mulher da elite, culta e abastada,
creio eu, sentiu como ninguém o quanto aquela mensagem satisfazia a seus
anseios mais profundos de autonomia e respeito, tanto no plano legal, como no
social e no psicológico, sem falar numa perspectiva de futuro! Era aquele o
mundo, apresentado pelo deus-profeta galileu, que ela quis pros seus filhos e
filhas, um mundo se paz, sem deuses precisando a cada momento fazer
demonstração de força, encorajando os homens a fazer o mesmo, e ela então se
engajou de corpo e alma na difusão do novo credo, educando os filhos, ganhando
toda a criadagem e por fim o marido, e por meio destes a sua sociedade e o
mundo, da mesma forma como ganhara, no passado, por meio deles, o direito de
passear e comprar pelo mundo todo como se estivesse em Roma.
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A matrona romana e, por extensão, as mulheres em geral, tiveram um papel
decisivo na conquista de Roma para o cristianismo, graças à sua identificação
com a Virgem Maria. Sem elas essa conquista seria muito mais difícil.
Imagine-se o impacto, para o homem comum, de elite ou do povo, educado para ver
nessas mulheres o esteio da família e o ápice da decência, presenciando alguma
veneranda matrona ser punida em público de uma forma tão cruel! Eles deveriam
pensar: “será possível que uma mulher tão honesta e correta, como esta, iria
fazer parte de uma seita da qual se falam coisas tão horríveis?” Os horrores do
seu suplício devia fazer muita gente, muito marmanjão, sentir vergonha de sua
covardia ou de querer ser cristão só por causa disso! Na pior das hipóteses,
iria querer conhecer a nova religião. A ferocidade da perseguição e a baixeza
das acusações só aceleraram o crescimento do cristianismo, principalmente
quando, sofrendo essas perseguições e acusações, estava uma respeitável matrona
romana, que encarou o mais poderoso Estado do mundo de frente, e o derrotou,
com as mãos desnudas. E os outros cristãos ainda não entendem porque os católicos
veneram tanto Maria! (5).
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A garra da mulher romana, na defesa do cristianismo, tradicionalmente esquecida
pela historiografia especializada, foi um “grandioso sinal” (Ap 12,1)
http://4.bp.blogspot.com/-KeF_iyz_JGw/UoaJkmpDmcI/AAAAAAAABCk/4XOODJDV-nY/s1600/perpetua-21.jpg
http://mulherescristas-jp.blogspot.com.br/
...
Mas ainda assim Prosperando
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Os cristãos, entretanto, não podiam parar, e ficar “lambendo” suas feridas, se
lamentar por serem tão injustamente perseguidos. Para além do seu sofrimento,
que era brutal, havia a missão premente de erguer e estruturar uma nova
comunidade, que, mesmo em meio às dificuldades, não cessava de crescer e
reclamar atenção. Havia, e ainda há, um mundo para salvar.
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Após a morte dos apóstolos, surgiu um prolongamento, e ao mesmo tempo uma
evolução, de seus ensinamentos, que se tratava antes de uma atualização da
mensagem original, mantendo os mesmos princípios. Os princiapis autores, que
com a sua doutrina ajudaram a explicar o cristianismo nos novos ambientes
culturais por onde se infiltrava, com grande rapidez, trazendo à baila novos
problemas, abordados a partir de uma compreensão muito literal dos Evangelhos e
das Cartas, foram chamados de Padres
Apostólicos, uma vez que são considerados discípulos diretos dos apóstolos,
e serão abordados a seguir, de acordo com a sua antiguidade.
a)
São Clemente Romano, Papa: já citado
anteriormente, escreveu em data incerta, provavelmente no fim do reinado de
Domiciano, uma Carta aos Coríntios, a respeito de uma querela que surgiu na igreja
de Corinto, Grécia, onde vários presbíteros, contra os quais não pesava nehuma
acusação de mau comportamento ou desvio teológico, foram destituídos a partir
de manobras de bastidores, por leigos insatisfeitos. Nessa carta Clemente mostra,
além de um certo domínio da “filosofia helenista, sobretudo de matiz estoica”
(Jedin, p 223), Sinal de uma abertura intelectual, precoce, da Igreja para o
mundo de sua época, um vasto domínio sobre o conteúdo do Primeiro Testamento,
com muitas citações deste, e umas poucas do Segundo Testamento, mostrando que
as raízes de sua argumentação e da sua fé estavam firmes no que havia de mais
saudável no judaísmo.
Essa
carta ressalta ainda a importância de temas-chaves na história da igreja, como
a questão da unidade, a existência de uma hierarquia (presbíteros e bispos),
superioridade dos presbíteros sobre os leigos em questões de liturgia, a
importância da sucessão apostólica, e, quiçá, uma demonstração muito precoce do
Primado de Roma sobre as outras igrejas, uma vez que, após o conflito estourar
em Corinto, é a Roma que os Corintos se dirigem para a solução do problema, e
de lá que o Papa lhes escreve, com a autoridade de quem possui um vasto
conhecimento do conteúdo da fé, e uma assistência especial do Espírito Santo –
o trecho sobre o primado diz o seguinte: “Vós nos dareis alegria e
contentamento, se obedecerdes ao que escrevemos [que os amotinados se
arrependam, peçam perdão e, doravante, obedeçam aos padres] por meio do
Espírito Santo”, e ainda: “se alguns desobedecem ao que nós lhe dissemos da
parte de Deus, saibam eles que estão incorrendo em falta e não pouco perigos” (6). (texto completo, em português: http://www.veritatis.com.br/patristica/obras/1411-primeira-carta-de-sao-clemente-aos-corintios).
A carta de Clemente Romano aos coríntios é considerada a manifestação mais
antiga do magistério da Igreja, depois dos Evangelhos e das cartas dos
apóstolos. Ela foi escrita no final do Iº século e já mostra passagens explícitas
do Segundo Testamento (1Cor 2,9; Mc 9,42; Mt 18,6; Lc 17,1-2).
http://franciscanos.org.br/wp-content/uploads/2014/10/17.jpg
http://www.franciscanos.org.br/
b)
Inácio de Antioquia, bispo: em uma
data incerta, possivelmente durante o reinado de Trajano, Inácio foi levado de
Antioquia a Roma, para ser executado. Durante a viagem, feita em condições
semelhantes a de Paulo descrita nos Atos, ele entrou em contato com a situação
de diversas igrejas, por meio de delegações por elas enviadas, tanto para lhe
prestar alguma solidariedade e conforto como para pedir orientações. Durante
esse tempo, que deve ter sido de alguns meses, ele escreveu sete cartas,
atualmente reconhecidas como autênticas pela grande maioria dos estudiosos: aos
efésios, aos magnésios, aos trálios, aos romanos, aos filadélfios, aos
esmirniotas e a Policarpo de Esmirna, onde desenvolve pontos importantes da
teologia católica, adaptada aos novos problemas e desafios que lhes trazem os
enviados dessas igrejas – uma mstra do seu imenso prestígio – e que serão temas
de debates ao longo da história e até os dias de hoje (7).
A
mais impressionante de suas cartas, porém, é a que foi dirigida aos romanos,
onde ele faz uma ardente e sincera defesa de seu martírio, chegando a pedir
encarecidamente aos romanos cristãos e influentes, que não intercedam por ele,
embora saiba que vai enfrentar uma das mortes mais terríveis: ser devorado vivo
pelas feras. Eis alguns trechos: “Não quereis favorecer-me, senão deixando
imolar-me a Deus... Suplico-vos, não vos transformeis em benevolência
inoportuna para mim. Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é
possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras,
para encontrar-me como pão puro de Cristo, Acariciai antes as feras, para que
se tornem o meu túmulo e não deixem sobrar nada de meu corpo, para que na minha
morte eu não me torne peso para ninguém” (transcrito de http://www.veritatis.com.br/patristica/obras/1397-carta-de-santo-inacio-de-antioquia-aos-romanos).
Isso pode, de chofre, parecer estranho, a nós que estamos imersos numa cultura que valoriza
o bem-estar do indivíduo acima de tudo, capazes de ver nisso apenas um fenômeno
freudiano, uma tendência “suicida”. Não é isso! Leia a carta, no endereço acima,
e veja o quanto o ideal deste homem é sublime e lúcido. Convém lembrar ainda
que muitos cristãos, gente comum e pouco influente, já havia padecido os piores
tormentos e morte por causa de sua fé; já imaginaram se os bispos e os cristãos
ricos começassem a usar de suas amizades para escapar do suplício?
(continua)
(continua)
Notas
(1)
Um testemunho do ambiente anticristão nesse período é o Grafite de Alexámenos,
que, embora desrespeitoso, é, supostamente, a mais antiga representação de
Jesus Cristo já encontrada. Ele estava na parede interna de uma casa, chamada
pelos arqueólogos de “domus Gelotiana”, mandada lacrar no reinado de Domiciano.
Esta casa era uma espécie de internato de jovens pajens da corte – gente de
pouco juízo, dada a muitas brincadeiras, como é normal nessa idade – e o
grafite, certamente feito por um deles, mostra um homem de joelhos diante de
outro, crucificado, mas com a cabeça de um burro, com a seguinte inscrição em
grego: “Alexámenos a adorar o seu deus”. Embora alguns queiram ver aqui um
exemplo de onolatria, o culto do asno, como havia no antigo Egito, e nesse caso
Alexámenos poderia ser um egípcio devoto de tal culto, mas também há
referências de que entre os romanos se espalhavam, desde muito tempo, boatos de
que os judeus, no Templo de Jerusalém, e os cristãos, cultuavam a cabeça de um
burro, mas como uma forma de gozação e ridículo. A possibilidade desse grafite
se referir a um cristão é reforçada mais ainda pelo fato de ter sido encontrado
no aposento ao lado o seguinte grafite em latim: “Alexámenos é fiel”.
(2)
Pouco se sabe de sua história ou de sua pessoa, e isso serve até como uma
demonstração da imensa dificuldade porque passavam os cristãos em Roma, pois
ele foi o terceiro ou quarto bispo de Roma, portanto Papa. Segundo antiga
tradição ele foi discípulo de São Pedro, e deixou uma carta escrita, chamada
Carta aos Coríntios. Fora isso o que se tem é uma tradição, não muito
consistente, de que ele foi martirizado
durante o reinado de Trajano, em 99. Segundo uma historieta, ele teria
sido preso e levado para a colônia grega de Quersoneso, na Península da
Crimeia. Lá, Clemente, apesar da idade, foi obrigado ao rude trabalho na
escavação de minas, agravado pela ocorrência de uma grande seca na ocasião.
Dizem que ele se ajoelhou, fez uma oração, e pouco depoisa chovia
torrencialmente, causando grande estupor e desejo de conversão entre os
politeístas locais. A autoridade romana, aborrecida com aquele prestígio
repentino, resolveu punir-lhe de forma exemplar, associando a sua execução com
o milagre que realizara: foi levado para o alto-mar, e arremessado às águas com
uma âncora amarrada ao pescoço. Diz ainda a lenda que anos mais tarde apareceu,
milagrosamente, desenterrado pela vazante do mar, um abrigo contendo os ossos do
santo. Os ossos foram, depois, então levados a um mosteiro bizantino escavado numa
grande rocha, o Mosteiro da Gruta de Inkerman, que existe até hoje, de onde vários
deles foi levada pelo missionário Cirilo, em 869, para Roma, aonde foram
sepultados na Basílica de São Clemente, ficando a cabeça guardada no Mosateiro
da Gruta de Kiev. Russos e ucranianos levam isso tão a sério que a bandeira e o
escudo da cidade de Inkerman têm a imagem de São Clemente. Entretanto há uma
dificuldade: os dois autores mais antigos e abalizados sobre a biografia de
Clemente, Eusébio e São Jerônimo, não falam de seu martírio.
(3)
A situação do cônsul Tito Flavio Clemente, sobrinho do Imperador Vespasiano e
primo dos imperadores Tito e do próprio Domiciano, e de sua esposa Flavia
Domitila é extremamente curiosa e sintomática de um diálogo necessário, que poderia
ter acontecido há muito mais tempo, e não houve: a sua perseguição e martírio é
reivindicado tanto por cristãos como por judeus! A não ser que tudo não passe
de uma grande confusão. Segundo o autor romano Cassio Dion o casal foi
perseguido por Domiciano, porque eles eram “ateus, uma acusação pela qual
muitos daqueles que cultivavam costumes judaicos, eram condenados”. O Talmude,
que o chama de Kelómenos (de Clemente) afirma que a conversão do cônsul seria
fruto dos esforços do próprio Rabi Akiba, que o teria doutrinado no judaísmo,
assim como à sua esposa, após um encontro casual, durante uma viagem de barco,
quando rabi Akiba teria aplacado uma tempestade com a sua oração. Diz ainda o
Talmude da Babilônia, segundo a Wikipedia em francês, que cinco dias antes de Domiciano
apresentar um suposto edito, ordenando o massacre de todos os judeus do
império, sua esposa, Domitila Flavia, teria lhe sugerido que ele se suicidasse,
dando mais tempo aos judeus, uma vez que a escolha de um novo cônsul levaria
vários meses, e algo poderia acontecer nesse período. Clemente, entretanto, se
apresenta ao imperador e lhe revela sua conversão ao judaísmo, o que faz com
que Domiciano o leve imediatamente ao Senado, que o condena unanimemente à
morte. Antes de morrer ele circuncidou-se, e passou a chamar-se Ketiah bar
Shalom.
Do
lado cristão católico o nome do cônsul consta do Martirológio Romano, sendo
comemorado no dia 22 de junho, data em que suas relíquias foram sepultadas
oficialmente, após serem descobertas em um nicho da basílica dedicada ao Papa
Clemente I, em 1725 – isso se explicaria pelo fato de, ao que se sabe, Tito
Flavio Clemente ser tio do referido Papa. O trecho do Martirológio Romano,
segundo a Wikipedia em italiano, é o seguinte: “Em Roma a comemoração do santo
Flavio Clemente, que o imperador Domiciano, de quem fora colaborador no
consulado, mandou executar, sob a acusação de ateísmo, mas na verdade por causa
de sua fé em Cristo”. Ele foi decapitado no ano 95.
Quanto
a Domitila e situação é mais confusa, pois, aparentemente, envolve várias
pessoas com o nome, Flavia Domitila, pelo menos umas quatro, como era comum
acontecer nas antigas famílias romanas. Segundo a versão mais aceita, a Santa
Domitila do Martirológio seria, antes, filha de Santa Plautila e sobrinha de
Flavio Clemente, logo Plautila seria irmã deste, todos da gens Flavia, uma das
mais importantes de Roma, atraída em massa para o cristianismo desde os anos
60.
A
importância de Plautila para a história do cristianismo se mede pelo fato de
ela, segundo uma tradição, ter sido batizada por São Pedro, junto com a filha,
Flavia Domitila, e dois camareiros: Nereu e Aquileu, além de ter testemunhado a
execução de São Paulo, junto com duas outras damas cristãs, Basilissa e
Anastacia, que se encarregaram de dar sepultura ao apóstolo, o que lhes custou
também a vida, sob o reinado de Nero.
Orientada
por Nereu e Aquileu, Flávia Domitila havia feito um voto de consagração a Deus,
como virgem de Cristo, voto feito inclusive perante o Papa Clemente, e nessa
condição viveu até começar a ser assediada por Aureliano, um nobre romano politeísta,
que não aceitava essa decisão. Durante o reinado de Domiciano, ele tenta, por
meio de suborno, usar dos dois camareiros para atingir seu objetivo. Ante a
recusa deles, tortura-os e os denuncia como cristãos às autoridades, que os
executam. Ele ainda leva à execução três outros companheiros próximos de
Domitila, procurando sempre isolá-la, até que ele morre, frustrado em suas
tentativas. Seu irmão, Luxurius, resolve vingar o irmão, e consegue do
Imperador Trajano autorização para perseguir e levar às autoridades todos os
cristãos que se recusassem a sacrificar aos deuses, e assim ele conduz ao
patíbulo dois amigos de seu irmão falecido e, investindo contra Flavia
Domitila, põe fogo na sua casa, com ela e duas amigas dentro. A essa Domitila
estão associadas às chamadas Catacumbas de Domitila.
(4)
Se um homem, que caminhasse para a morte, por decisão de um tribunal, cruzasse
com uma vestal, e ficasse provado que o encontro fora casual, eles era
automaticamente perdoado; se uma vestal cruzasse com algum magistrado, este lhe
cederia passagem, e aqueles que portavam os fascios (feixes de varas ao redor
de um machado), símbolo da autoridade máxima, os baixavam em sinal de
reverência; a intervenção de uma vestal podia suspender decisões de órgãos
colegiados; podiam dispor de seus bens e legar em testamento com total
liberdade; não precisavam prestar juramento antes de testemunhar num tribunal;
em viagem eram sempre seguidas por um lictor (guarda de honra, semelhante aos
nossos batedores), etc..
(5)
É curioso e muito revelador considerar essa característica do cristianismo
ocidental, quando comparado ao que aconteceu no Oriente. Neste predominou o
elemento masculino, como seria de se esperar numa sociedade historicamente mais
patriarcal, que a do Ocidente. Lá a perseguição estatal foi bem menos intensa,
e quando houve predominou a execução de figuras masculinas; quase não se sabe
de mártires mulheres nessa região. O cristianismo se espalhou mais rápido e
teologicamente evoluiu muito e bem mais cedo, que no Ocidente. Os luminares da
ciência teológica e da literatura cristã antiga, do Oriente e do Norte da
África, são impressionantes. Entretanto, o cristianismo aí não vingou. No
Ocidente, o ponto de apoio, o pivô da fé cristã foi a mulher, em especial a
mães de família, a matrona romana, o centro estável de uma família, onde o
marido quase sempre ausente, em longas guerras, precisava deixar tudo sob o
controle dela. E ela não o decepcionou, inclusive quando optou pela nova religião,
que o mantinha, o marido, mais perto de si e dos filhos e mais longe das
guerras. Essa foi a grande revolução que o “pobre” Edward Gibbons (o
historiador inglês do século XVIII, que associou a decadência de Roma à expansão
do cristianismo) não conseguiu enxergar. Nascida numa base feminina, dentro das
condições do feminino da época, o cristianismo no Ocidente demora a “pegar”,
mas quando “pega” nada mais o derruba, e o Ocidente tornou-se cristão, feminino
– a mulher ocidental conseguiu conquistas sociais, políticas e econômicas que
nenhuma outra conseguiu, e que deixam desarvorados, sem entender, aqueles que
vêm de outras sociedades, como aconteceu na virada do ano de 2016 em Munique,
na Alemanha – pacífico, em que pese as intervenções desastradas da burguesia indiferente,
e próspero, enquanto do outro lado... O cristianismo Oriental era mais
intelectualizado, mais abstrato, enquanto o ocidental era mais intuitivo e
vivencial, e dessa forma marcou indelevelmente, com a marca da natureza da
mulher, a evolução, até aqui bem-sucedida, do Cristianismo Ocidental.
(6)
A percepção de um primado para Roma, já definido ou suposto nesta carta é causa
de muita controvérsia. Os adversários do primado alegam que por Clemente, por
ser um discípulo de Paulo, e sendo Paulo tão importante para a comunidade de
Corinto, a sua escolha como um mediador deve ser vista mais como uma deferência
ao apóstolo; mas quanto a isso pode se levantar um questionamento: por que ir
até Roma, buscar um mediador paulino? Não haveria em toda Grécia ou Ásia Menor,
ali perto, um bispo ou autoridade cristã, ligada a Paulo, ou não, capaz de
mediar o conflito? Pode-se alegar que o texto é tênue e indireto, não dá para
concluir muita coisa, mas também podia ser que a resistência a esse primado, em
virtude da aceitação geral da missão de Pedro em Roma, e a sua ascendência
sobre os outros apóstolos, também fosse muito tênue e indireta. Uma árvore não
brota toda formada da semente, mas cresce paulatinamente.
(7)
O caso de Inácio de Antioquia é extraordinário: provavelmente, nunca um homem,
de quem se sabe tão pouco, em tão pouco tempo e em condições tão angustiantes
fez tanto bem à Igreja! A passagem desse “cometa” fulgurante, entre nós, se deu
da seguinte maneira:
1º
momento: nada sabemos de sua vida, fora o que está direta ou indiretamente
revelado em suas cartas.
2º
momento: ele é preso e condenado à morte, no reinado de Trajano, provavelmente na
primeira década do século II, sem que saibamos o motivo. Deduz-se que, por ele
falar muito em unidade em suas cartas, seja possível ter havido tumultos entre
cristãos de sua diocese, que acabou chamando a atenção das autoridades. Outra
fonte de estresse em suas cartas, são as suas referências aos judeus, dando a
entender que os conflitos podem ter ultrapassado as divergências internas.
3º
momento: por alguma razão desconhecida, ele, ao invés de ser executado em
Antioquia, onde a sentença fora decretada, é levado para ser supliciado em Roma
– muito provavelmente o imperador, já começara a detectar o caráter
contraproducente de execuções exemplares de pessoas famosas, como Inácio devia
ser em Antioquia, e para reduzir o impacto da sentença, numa região sensível à
propaganda e ataques de potências estrangeiras, como a Partia, transferiu a
execução para Roma, onde Inácio era menos conhecido e o trauma para a população
de Antioquia seria menor. Convenhamos que a sentença era muito degradante: ser
dado como comida a feras carnívoras
4º
momento: enquanto ele viaja para Roma, num percurso que só pode ser conjecturado
ou precariamente deduzido das cartas, ele recebeu a visita de delegações de
várias igrejas, em geral com os respectivos bispos à frente, ansiosas por lhe
prestar solidariedade e pedir conselhos sobre problemas disciplinares e
teológicos sérios porque passavam. Ele então escreve várias cartas, das quais
sete sobreviveram até nós.
5º
momento: sua morte ocorrida em Roma. Não há nenhum testemunho sobre como foram
os últimos dias dele em Roma, nem da execução em si, numa arena pública. Mas os
animais não o devoraram completamente, como ele almejara, segundo um escrito muito
posterior,o Martírio colbertino, que
informa a sobra de alguns ossos mais duros, que foram recolhidos pelos
discípulos e levados para Antioquia, fato este confirmado por São João Crisóstomo,
segundo Daniel Ruiz Bueno em Padres
Apostólicos (1979) (citado na Wikipedia em espanhol).
Os
temas tratados nas cartas de Inácio são tão significativos e abrangentes, que
um dos mais notáveis homens da Igreja do século XIX, o cardeal inglês John
Newman, escreveu: “todo o sistema da doutrina católica se descobre, pelo menos
em esboço, para não dizer íntegro, embora em partes, nas cartas de Inácio de
Antioquia” (http://ec.aciprensa.com/wiki/San_Ignacio_de_Antioqu%C3%ADa) Os principais
temas abordados em suas cartas foram:
a)
Necessidade de pertença à Igreja: “ser alguém seguir a um cismático, não
herdará o reino de Deus” (Aos filadelfos, cap III).
b)
Unidade intrínseca da Igreja: “sede solícitos em tomar parte numa só
eucaristia, porquanto uma só é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, um o
cálice para a união com o seu sangue; um o altar, assim como um é o Bispo,
junto com o seu presbitério e diáconos” (idem, cap IV). “todos vós, porém,
univos num só coração indiviso” (idem, cap V).
c)
Hierarquia da Igreja instituída por Deus: “Saúdo-a [a igreja de Filadelfia] no
sangue de Jesus Cristo... sobretudo se continuarem [os fieis] unidos ao Bispo,
aos presbíteros e diáconos que estão com ele, instituídos, segundo o plano de
Jesus Cristo” (idem, introd.). “E quando se vir um Bispo guardar silêncio, mais
se deve reverenciá-lo, pois aquele a quem o senhor da casa envia para
administrar sua casa, deve ser recebido como se fora aquele que o enviou. Então
está claro que devemos ver o Bispo como o Senhor mesmo” (Aos efésios, cap VI,
versão espanhola; aliás, a versão espanhola dessa carta constante em
catholic.net, é significativamente diferente a versão que aparece no site
brasileiro veritatis.com.br).
d)
Necessidade de se submeter à hierarquia e buscar a união: “assim como o senhor
nada fez sem o Pai... seja por si mesmo ou por meio dos apóstolos, da mesma
forma nada façais sem o Bispo e os presbíteros. Não imagineis nada que possa
ser bom para vós, e não inclua aos demais: antes que haja sempre uma oração
comum”. (Aos magnésios, cap VI, versão espanhola). “Sede obedientes ao Bispo e
uns aos outros” (idem, cap XIII, idem).
e)
Caráter monárquico dos Bispos: “com o vosso reverenciado Bispo, mais a
guirlanda bem trançada do vosso presbitério, e diáconos que andam segundo Deus”
(idem, idem, idem). “Segui todos o vosso Bispo, como Jesus Cristo seguiu ao
Pai, e aos presbíteros como aos apóstolos, e respeitai aos diáconos, como
determina o mandamento de Deus. Que ninguém faça nada referente à Igreja a
revelia do Bispo. Considerai como válida apenas a eucaristia celebrada pelo
Bispo ou por alguém recomendado pelo Bispo. Aonde estiver o Bispo, lá deve
estar o povo [de Deus], tal como onde estiver Jesus Cristo lá deve estar a
Igreja universal (katholikós, em grego)” (Aos Esmirnenses, cap VIII,
mercaba.org). Nessa carta é documentado, pela primeira vez, o uso das palavras
“católico”, se referindo à Igreja, e de “eucaristia”, no sentido que hoje tem.
f)
Infalibilidade da Igreja: “Todos os que são de Deus estão com os Bispos... se
alguém segue a outro, que promove um cisma, não herdará o Reino de Deus. Se
alguém assimila uma doutrina estranha, não tem comunhão com a Paixão” (Aos
filadélfios, cap VIII, idem).
g)
virgindade de Maria: “ao príncipe destre mundo foi oculta a virgindade de
Maria” (Aos efésios XVIII, idem)
h)
Alto valor da virgindade e o caráter sagrado do matrimônio: “Se alguém pode
manter-se na castidade, para honrar a carne do Senhor, que o faça sem
gabar-se... É apropriado que todos os homens e mulheres, quando forem se casar,
que o façam com o consentimento do Bispo, para que o casamento seja segundo o
Senhor” (A Policarpo, cap V).
i)
A guarda do domingo, ao invés do sábado: “os que andavam em práticas antigas
alcançaram uma nova esperança, sem observar mais os sábados, antes modelando
suas vidas pelo dia do Senhor, no qual nossa vida brotou por meio Dele [no
domingo da ressurreição] e da sua morte que alguns negam” (Aos magnésios, cap
VIII e IX).
j)
Primazia de Roma: “Inácio... à Igreja que recebeu
misericórdia pela grandeza do Pai altíssimo e de Jesus Cristo Seu Filho único,
Igreja amada e iluminada pela vontade d’Aquele que escolheu todos os seres,
isto é, segundo a fé e a caridade de Jesus Cristo nosso Deus, ela que também
preside na região da terra dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de
ser chamada bem-aventurada, digna de louvor, digna de êxito, digna de pureza, e
que preside à caridade na observância da lei de Cristo e que leva o nome do
Pai. Saúdo-a também em nome de Jesus Cristo, filho do Pai. Aos que aderem a
todos os seus mandamentos segundo a carne e o espírito, inabalavelmente
cumulados e confirmados pela graça de Deus, purificados de todo colorido
estranho, desejo todo o bem e irrepreensível alegria em Cristo Jesus nosso
Deus.” (Aos romanos, prólogo; texto copiado de www.veritatis.com).
k)
Jesus Cristo gerado no pensamento do pai, um tema que só será desenvolvido
plenamente por São Tomás de Aquino, mil e cem anos depois: “Porque Jesus
Cristo, nossa vida inseparável, é o pensamento do Pai, como também os bispos
estabelecidos até os confins da terra, estão no pensamento de Jesus Cristo”
(Aos efésios, cap III, mercaba.org).
l)
A natureza da eucaristia: “que ninguém vos engane... porque eles [os hereges]
não admitem que a eucaristia seja a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Aos
esmirnenses, cap VI).
m)
natureza ímpar de Jesus Cristo: “Existe um só médico, carnal e espiritual,
gerado e não gerado, Deus feito carne, filho de Maria e filho de Deus, na morte
vida verdadeira, antes passível (mutável) agora impassível, Nosso Senhor Jesus
Cristo” (Aos efésios, cap VII, idem). “Ficai surdos, portanto, quando ouvirdes
alguém falar de outro Jesus Cristo, que não o da estirpe de Davi, filho da
Virgem Maria, que verdadeiramente nasceu, comeu e bebeu, foi certamente perseguido
por Poncio Pilatos, verdadeiramente crucificado e morreu, à vista de tudo que
existe sobre a terra, no céu e debaixo da terra; o qual, além disso,
ressuscitou dos mortos, de fato... da mesma maneira que levantará a nós
todos... Mas se for como outras pessoas, que não são crentes, mas ímpias, e
dizem que Ele sofreu só aparentemente... Por que eu estou em cadeias? Por que
desejo enfrentar as feras? Se é assim [como eles dizem] morro em vão! Estarei
mentindo verdadeiramente contra o Senhor” (Aos tralianos, cap IX e X, idem).
Noutras palavras: seria burrice morrer de verdade por alguém que só morreu de
mentira.
n)
Malícia dos hereges: “Os exorto pois... que só tomeis alimentos cristãos, e vos
abstenhais da forragem estranha, que são as heresias; porque esses homens,
inclusive, mesclam veneno com Jesus Cristo, impondo-se aos outros com o aspecto
de honradez e sinceridade, como pessoas que administram uma poção de letal com
vinho e mel, para que ninguém o reconheça e tema” (Aos tralianos, cap VI, idem).
Sobre
os textos de Inácio podemos dizer ainda que eles são uma prova viva da
antiguidade dos Evangelhos e Cartas, uma vez que há muitas citações delas, embora
sobre isso tenha nascido outra controvérsia: Antioquia ficava no raio de ação
pastoral de Pedro e Paulo, e aparecem muitas citações de Paulo nas cartas de
Inácio; porém, a sua teologia e a sua forma de se expressar são muito mais próximas
de João, sem falar de alguns conceitos que ele cita e que só aparecem no quarto
evangelho. Essa proximidade é tanta, que há uma viva disputa sobre se ele teria
ou não sofrido uma influência direta do discípulo que Jesus amava. Reproduzo
abaixo uma nota do verbete Ignacio de
Antioquia, da Wikipedia em espanhol, que dá um resumo do debate a respeito,
para que o leitor perceba a complexidade:
“Un botón de muestra sobre la
discusión. La dependencia de las cartas de Ignacio fue señalada por Friedrich
Bleek en 1862. En 1866, J. J. Van Oosterzee afirmó que Ignacio utilizaba
expresiones que se encuentran sólo en el cuarto evangelio. En 1877, Holtzmann
negó la dependencia respecto a Juan del Pastor de Hermas y la Epístola de Bernabé pero dejó abierta la
posibilidad a Ignacio. En 1887, A. Plummer, alegó que la obra de Ignacio
contiene alusiones del Evangelio que faltan en efecto en otros Padres
Apostólicos. En 1889, Lightfoot dijo que si bien Ignacio participaba de las
enseñanzas de Juan, su corazón mostraba apego hacia el ejemplo de Pablo. Al
mismo tiempo, Wescoott apenas encontraba un puñado de coincidencias entre el
lenguaje de Juan y el de Ignacio y limitaba las referencias al Nuevo Testamento a las cartas de Pablo. Decía
también que los pasajes que se aducen demuestran que Ignacio estaba
familiarizado con la forma de pensar de Juan, pero no necesariamente que
conociese su evangelio. En 1889, Theodor Zahn escribió sobre este tema
insistiendo en que Ignacio estaba familiarizado con el pensamiento de Juan. En
1894, Von der Goltz realizó un estudio exhaustivo. Primero estudió las
afinidades espirituales entre ambos autores: concepción de la persona de Cristo,
la vida cristiana afincada en la fe y el amor, su actitud hacia el judaísmo.
Después planteó la cuestión de si Ignacio conocía el avanzado cristianismo que
se practicaba en Asia Menor o si llegó a concepciones similares de manera
independiente. Después estudió las dependencias literarias de Ignacio con
los sinópticos y concluyó que no
existe dependencia literaria. Un año después, el jesuíta Heinrich Boese y Alfred
Resch concluyeron, cada uno por su lado, exactamente lo contrario: Ignacio
conocía claramente el cuarto evangelio. En 1897, Adolf von Harnack consideró improbable pero no
imposible que Ignacio lo conociese. También señaló la posibilidad de que
Ignacio hubiese estado previamente en Asia. En 1898, Friedrich Loofs dijo que
Ignacio conocía el evangelio y que estaba familiarizado con la misión de Juan
en Asia. En 1899, Camerlynck criticó el requerimiento de identidad formal y, a
partir de la conexión doctrinal, concluyó que era probable que Ignacio
conociese y usase el cuarto evangelio, aunque fuese difícil estar seguros. En
ese mismo año, H. R. Reynolds concluía que se encontraban trazas de este
evangelio desde Éfeso hasta Antioquía. Con el nuevo siglo, apenas cambió el
panorama y se siguió afirmando cada cosa y su contraria (Burghardt 1940)”.
Bibliografia – Fontes
Diversas
Ariès, Puilippe e Duby, Georges; História da
vida privada – Do Império Romano ao ano mil; trad Hildegard Feist; 2ª
edição; Companhia das Letras; São Paulo; 1989
Bíblia de Jerusalém; 3ª impressão; Paulus; São Paulo;
2004
Bíblia Sagrada; 144ª edição; Ave-Maria; São Paulo;
2001
Bloch, Raymond e Cousin, Jean; Roma e o seu destino; trad Ma. Antonieta M Godinho;
Cosmos; Lisboa-Rio de Janeiro; 1964
Cornell, Tim e Matthews, John; Roma legado
de um império; col. Grandes Impérios e Civilizações; trad Maria Emilia
Vidigal; Del Prado; 2 vol; Madrid, 1996;
Diacov, V. e Covalev, S.; História da
Antiguidade – Roma; trad João Cunha Andrade; Fulgor; São Paulo; 1965
Feldman, Sergio A.; Entre o Imperium e a Ecclesia: os judeus no Baixo Império; Anais di
XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão; ANPUH/SP-USP;
São Paulo; 8-12 de setembro de 2008
Giordani, Mario Curtis; Antiguidade Clássica II – História de Roma; 9ª edição; Vozes;
Petrópolis; 1987.
Jedin, Hubert (org); Manual de Historia de la Iglesia – e la
Iglesia primitiva a los comienzos de la gran Iglesia - tomo primero;
versión castellana Daniel Ruiz Bueno; Herder; Barcelona 1966; (online)
Jewish Encyclopedia; 1906 - www.jewishencyclopedia.com
McKenzie, John L.; Dicionário bíblico; trad. Álvaro Cunha e outros; 8ª edição; Paulus;
São Paulo; 2003.
Mercaba.org (um site completíssimo sobre tudo
que diz respeito à fé católica, em espanhol)
Mora, Jose Ferrater; Diccionario de Filosofia; Sudamericana; Buenos Aires (online)
Reale, Giovanni – Antiseri, Dario;
História da Filosofia – Patrística e
Escolástica; trad. Ivo Torniolo; 4ª edição; Paulus; vol 2; São Paulo; 2009.
Fontes
Para Santo Inácio, entre muitas outras:
http://www.mercaba.org/TESORO/I-antioquia.htm (em espanhol)
http://ec.aciprensa.com/wiki/San_Ignacio_de_Antioqu%C3%ADa (em espanhol)
http://www.corazones.org/santos/ignacio_antioquia.htm (em espanhol)
https://studiumhagiographia.wordpress.com/tag/martir/page/6/ (em espanhol)
https://igrejamilitante.wordpress.com/2013/03/12/sobre-as-cartas-de-santo-inacio-de-antioquia/ (em português)
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