MEIN KAMPF E NOSSA LUTA
Prof Eduardo Simões
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__ Nenhum brasileiro minimamente culto e
conhecedor da história e da cultura nacional ignora a tragédia que foi, para a
formação nacional, a política colonial portuguesa de proibir durante 300 anos a
impressão e livre circulação de material impresso. Não havia impressoras no
Brasil, até a chegada de D João VI, em 1808, de tal sorte que o primeiro jornal
a circular por aqui, a Gazeta Brasiliense, era editada em Londres, por Hipólito
José da Costa, fazendo vicejar nós a crença de que manter o povo
propositalmente na ignorância é a melhor forma de tê-lo submisso e dominado.
Entretanto não devemos ser tão duros com os portugueses, afinal, diz a história,
que se faltava para nós faltava também para eles. A censura que houve aqui foi
a mesma que houve lá, e, inclusive deve-se levar em conta a pequenez e a
pobreza material do reino, empenhado numa empresa muito acima de suas
possibilidades – eu não conseguiria dizer, nem sei se alguém pode, se a elite
portuguesa era mais tacanha que a espanhola, que permitiu a impressão de livros
e até fundou universidades em suas colônias americanas. Convém lembrar que
mesmo José Saramago, o único português a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura,
mudou-se para a Espanha, por não conseguir encontrar ambiente em seu próprio
país! (1)
__ Outra herança colonial maldita, e essa
intencional, foi o pisoteio sistemático de nossa autoestima por funcionários e
cidadãos portugueses aqui radicados, que faziam questão de se diferenciar da
população local, por meio de alcunhas depreciativas ligadas à cor da pele. Para
eles os brasileiros, todos eles, eram a “negrada”. Os brasileiros revidavam
chamando-os de “paredes caiadas”. Havia decerto aqui, como nas colônias
espanholas, uma política consistente e constante de usar de todos os recursos
para diminuir a resistência psíquica dos nativos à colonização, urgindo
quebrantar-lhes o espírito, pela descrença em si mesmos, fazendo-os se sentir
impotentes e inferiores àqueles que os exploravam.
__ Essa mesma mentalidade foi incorporada
pelas elites nacionais, que, ansiosas por não parecerem tão “brasileiras”,
procuraram preservar e dar continuidade aos elementos do sistema antigo sistema
colonial que as beneficiavam, enquanto afastava o povo do poder, entre eles a
escravidão (que abusava do próximo), a monarquia elitista (voto censitário), a
dependência cultural da Europa (desvalorização da educação e da cultura local),
extrema concentração de riqueza, etc. Como a grande massa do povo era analfabeta,
essa elite luso-brasileira se deu ao luxo de autorizar a liberdade de
expressão, como aconteceu no Império e no início da República, afinal uma meia
dúzia de gatos pingados leriam, e menos ainda entenderiam, as opiniões da
oposição.
__ Porém, quando o acesso à escola aumentou
e o povo começou a se alfabetizar, essas elites, antes tão cordiais, aplicaram
a mais truculenta censura (Getúlio Vargas, Oligarquia Militar), e assim quase todos
os grandes intelectuais e pensadores brasileiros do século XX, acabaram tendo problemas
com as autoridades policiais por questões de opinião. Nossa elite sempre encheu
a boca para dizer que mantinha o povo afastado do poder por causa de sua
ignorância, ignorância que essa mesma elite cultivava por meio da censura e da
repressão. Na primeira República, o desvalor do povo atingiu seu ápice e a sua
melhor expressão na rude sinceridade de brutos coronéis, antigos barões do Império,
em aforismos que se tornaram célebres: “o povo é um cheque sem fundos”; “o povo
é uma massa falida”. Um terrível testemunho contra eles mesmos.
__ Essa trágica herança voltou a lume, recentemente,
numa sentença dada pelo juiz Alberto Salomão Junior, numa ação movida pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro, assinada pelo promotor Alexandre Themístocles,
que proibiu em todo o Estado do Rio de Janeiro a comercialização, exposição e
divulgação do livro Mein Kampf, escrito em 1925 pelo conhecido nazista Adolfo
Hitler, a pretexto de que esse livro prega ideias “discriminatórias e incentivadoras
do ódio e da violência”, chegando ao ponto de se justificar como uma iniciativa
para dar “proteção dos direitos humanos de pessoas que possam vir a ser vítimas
do nazismo!!!!!!”
___ Questiono:
a) Quem com idade, cultura e “saco” para
ler esse livro, não sabe que o conteúdo do livro é discriminatório? Se não sabe,
é um completo ignorante, e aí está na hora, senão já passou, de o Judiciário Brasileiro
se ocupar de impedir o sucateamento e as aventuras na educação brasileira.
b) Se “incentivar o ódio e a violência” é
motivo para censurar um livro, então é preciso, com urgência, proibir muitas
partes da Bíblia, salmos inteiros, que incentivam a uma violência inominável. É
preciso proibir o Corão, afinal ele não é a base doutrinal do genocida do
Exército Islâmico? Aonde vamos parar?
c) O magistrado desatina ao tomar uma
medida para evitar danos futuros!!!! Quem compra uma faca de cozinha, hoje,
pode usá-la, no futuro para matar alguém! Aonde nós fomos parar?
d) Quem imporia a uma pessoa, já adulta, mas
capaz ser induzida por um amontoado de ideias antigas e desmoralizadas a
cometer um crime, a revelia da realidade, a obrigação de votar nas autoridades
políticas de um país?!
__ Pobre povo brasileiro! Lutou tanto para
escapar da censura indiscriminada do Executivo e do Legislativo, para cair
justo na censura do Judiciário, o único poder que, até agora, não está desmoronando
ao peso da corrupção generalizada! Mein Kampf é um livro histórico, infelizmente,
no nosso país, apenas para uma muito seleta minoria, com disposição, dinheiro,
tempo e cultura para lê-lo e entendê-lo no contexto em que foi criado, sendo
que foi justamente esse contexto que permitiu-lhe ter o poder que teve e deflagrar
as desgraças que causou, e que não existe mais agora, sem falar que os
neonazistas não precisam mais deste livro para desatar seus instintos
assassinos: basta alguns milhões de pobres refugiados ou outro motivo qualquer.
__ Essas ilustres autoridades mostram, por conseguinte,
tão parco conhecimento sobre a natureza, sobre as razões do comportamento humano,
uma vez que se deixaram dirigir, nessa questão, pelo mais canhestro behaviorismo
– o “estímulo” provoca, inevitavelmente, o comportamento ou a “resposta”, semelhante
ao argumento de que a roupa usada por uma mulher, se curta, justifica ou
explica a violência do agressor – que nos faz temer pelas pessoas que terão
suas causas encaminhadas e julgadas por elas.
__ Talvez esteja na hora desse juiz ousar
um pouco mais e proibir a veiculação de notícias e imagens sobre a política
nacional, em especial Brasília e proximidades, fonte inevitável de futuros rancores,
ressentimentos, frustrações, agressões, etc., que só Deus e, talvez, o
judiciário carioca sabem aonde vão parar.
Nota
(1) “O poeta Manuel Alegre...
declarou: "Isto é uma história portuguesa cheia de preconceitos e
fantasmas. Em primeiro lugar é preciso ler o livro de José Saramago. Ele é um
grande escritor, mas parece que não se perdoa a Saramago, ser um grande
escritor da língua portuguesa, ser um Prémio Nobel e
não ser um homem religioso". "Ele escreveu um livro, mas não vejo
ninguém discutir o livro. Só vejo discutir as opiniões que com todo o direito
ele expressou sobre a Bíblia".. Finalizando, disse que "ao Saramago
não se perdoa ser um português que se atreveu a ganhar o Prémio Nobel da
Literatura e que diz que não acredita em Deus"” (Wikipedia em
português – José Saramago). A hostilidade sufocante, e até certo ponto mútua,
entre Saramago e o mundo intelectual português aparece nitidamente no
documentário “José e Pilar” (2010), do diretor português Miguel Gonçalves.
Portugal tem outro Prêmio Nobel, o de Medicina, ganho pelo doutor Antonio
Caetano de Abreu Egas Moniz, tristemente associado à operação de lobotomia.
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