HISTORIA
DA IGREJA BASEADA EM JEDIN – X
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Deus os abençoe.
Novos Verbetes: Rapto das Sabinas - Roma Bizâncio
Caramuru - Brasil Col
Novos Verbetes: Rapto das Sabinas - Roma Bizâncio
Caramuru - Brasil Col
Prof
Eduardo Simões
As Raízes de um Ódio
RE-CÍ-PRO-CO
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Tudo, na história, tem uma causa ou uma conjunto delas...
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O cristianismo nasceu como uma proposta de ser uma evolução natural, mais
flexível e abrangente, do judaísmo, mas não foi isso que aconteceu, por razões
absolutamente justas para os dois lados, e ao longo dos séculos o que se
experimentou foram movimentos de franca hostilidade e perseguição, dos dois
lados. Creio mesmo que o maior foco de discórdia e ressentimento veio do
costume dos missionários cristãos pregarem, em primeiro lugar, nas sinagogas
das cidades onde chegavam (ver Atos).
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Do lado cristão essa atitude era, mais que justificada, obrigatória, uma vez
que eles reconheciam, e ainda reconhecem, a imensa dívida que têm para com os
judeus e o Primeiro Testamento. Privilegiar a sinagoga na pregação de uma
salvação tão maravilhosa, com havia disso a ressurreição de Cristo, era um
dever sagrado, fosse por sentimento de gratidão fosse para obedecer àquilo que
o Mestre mandara: pregar inicialmente aos judeus, eles seriam os privilegiados
com a primazia mensagem cristã.
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Ora, como sabemos não foi bem assim que o centro judaico, o Templo em
Jerusalém, recebeu essa iniciativa, comprometido que estava com o
desaparecimento do líder da nova seita. Portanto, as notícias que chegavam das
comunidades da diáspora, notificando da ação dos missionários cristãos,
deixaram-nos particularmente alvoroçados e criaram neles, e em outras
lideranças judaicas, a impressão de que “os cristãos estão a nos sabotar,
querem nos destruir de dentro para fora” – essa estratégia já fora identificada
e exposta pelos chefes do Sinédrio em At 5,28. Daqui para frente seria ou eles
ou o galileu.
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A partir dessa compreensão dos fatos, a atitude cristã só poderia ser
classificada como extremamente pérfida, enganadora, digna das piores
represálias: “por que eles não vão pregar aos politeístas e não nos deixam em
paz?” De Jerusalém partiram grupos de judeus letrados, gente, qualificada para
visitar as comunidades da diáspora, alertando sobre os perigos da ação dos
cristãos.
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Do lado cristão, na Antiguidade, ocorrem denúncias repetidas e graves sobre a
presença de judeus em postos chaves, em momentos cruciais, que, se não são
provas são evidências fortíssimas de sua participação em ações anticristãs, a
saber: Nero, quando começou a primeira perseguição aos cristãos, era casado com
uma mulher simpatizante do judaísmo; as atas de martírio de alguns grandes
santos do cristianismo dessa época aponta para a presença ativa de elementos da
comunidade judaica, insuflando a multidão pagã, como na execução de Policarpo
de Esmirna; sempre que missionários cristãos adentravam reinos que eram
governados por reis judeus ou simpatizantes (houve sim, e nós falaremos sobre
eles), sofriam uma perseguição sangrenta; nas guerras que envolveram o Império
Bizantino contra os persas, elementos da comunidade judaica, que vivam em
território bizantino, se posicionaram ativamente em favor dos persas, assim
como há acusações de cristãos, na Espanha de que os judeus agiram em favor dos
árabes, abrindo portas de grandes cidades, na invasão muçulmana de 711, etc. É
claro, que sempre que houve oportunidade e força suficiente para isso, os
cristãos deram uma resposta igualmente apaixonada, injusta e sangrenta, que
chegou ao seu extremo na inquisição espanhola, da parte do cristianismo
católico, além de massacres e pogroms, da parte de outras denominações cristãs,
até desembocarmos na bizarria, no terror grotesco, dos nazistas, dirigido
contra judeus, ciganos, eslavos e outros.
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É claro que nesse processo houve, dos dois lados, um grande equívoco que tendia
a prolongar ao infinito, ou até os campos de extermínio, a desavença entre os
dois campos, que era o monopólio da vitimosidade que cada um queria tomar só
para si, como se estivesse sempre sob o ataque absolutamente injustificado do
outro. Os judeus alegavam que os cristãos tentaram implodir a sua religião de
dentro para fora, numa atitude desonesta e gratuita, sem que eles tivessem
feito nada que justificasse a isso – a responsabilidade pela morte de Jesus
passou a ser responsabilidade exclusiva da autoridade romana, “a execução de
Jesus foi política”, omitindo-se as desavenças religiosas. Pode-se dizer que
essa é hoje a postura comum em muitos setores do judaísmo liberal, que ainda aceita
algum tipo de diálogo com os cristãos. “As provocações de Jesus, quando de sua
entrada em Jerusalém, acabaram por acarretar a sua morte, que foi decidida por
uma autoridade romana por razões políticas”. Logo fica sem explicação o clima
antijudaico, típico da sociedade ocidental cristã, que se intensificou ao longo
da Idade Média, e que no último quartel do século XIX recebeu a tarja de “antissemitismo”.
Mantém-se o monopólio da dor e do sofrimento.
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Do lado cristão era muito dolorosa a lembrança da morte de Jesus, revivida
anualmente no calendário litúrgico, uma vez que é fonte de salvação,
independente de quem a tenha provocado, da qual não era possível desvincular a
participação de membros importantes da comunidade judaica; havia as
dificuldades e os sofrimentos porque passara o incansável apóstolo Paulo, nas
mãos de judeus furiosos em várias localidades do Império, minuciosamente
descritos nos Atos dos Apóstolos e nas suas cartas; havia a lembrança da
participação ativa de elementos das comunidades judaicas, insuflando o martírio
de cristãos, mas acima de tudo havia as citações desairosas contra Jesus, expressas
nas histórias de um tal “Yeshu”, a encarnação de tudo que é ruim e desonroso,
que para os cristãos, era um sacrfilégio, uma ver que Jesus é considerado como
parte da essência de Deus. Acrescente-se a isso todo um rol de mentiras e
ilações lançadas contra aquele povo: “os judeus usam crianças cristãs para
fazerem magia”, “os judeus envenenam os poços de água potável, inclusive
lançando animais infestados por doenças em poços que servem aos cristãos”,
etc., pelos mais variados motivos, temos um perigoso sentimento de vitimosidade
unilateral, cristão, focado só em si, que é o cerne tanto de pensamentos de
inferioridade, “coitadinhos de nós que sofremos tanto nas mãos dos judeus”,
como de medidas compensatórias extremas: “vamos exterminá-los!”.
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Seria o caminho da vitimosidade eterna, criadora de novos conflitos e vendetas
cada vez mais sangrentas, uma armadilha terrível, em que só o oposto como
gratuitamente, essencialmente mau – o inferno é o outro – que justificaria
inclusive episódios como o do garoto Edgardo Mortara, que em 1858 foi retirado,
pela polícia papal, da casa de seus pais, uma vez que uma empregada o batizara
secretamente. Esse absurdo, e muitos outros, só seriam evitados no futuro se a
Igreja abandonasse a sua posição de vítima exclusiva frente aos judeus, a
assumisse a verdade histórica de que, em alguns momentos, ao longo dos
séculos, a Igreja foi vítima sim dos judeus, mas em outros ela foi carrasca, e
deveria se desculpar e penitenciar por isso, se não quisesse mergulhar numa
contradição intolerável ou se apresentar sem manchas ou rugas diante de quem a
fundou. Foi isso que compreendeu o papa João XXIII, quando começou a dar uma
guinada no sentido de assumir uma postura mais justa e madura em relação a esse
tema, continuada por outros papas, como João Paulo II, que pediu oficialmente
desculpas pelos excessos dos católicos contra os judeus, e outros, no passado.
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No ano 2000, o Papa João Paulo II, falando por todos os católicos, disse em
relação a isso: “Nós perdoamos e pedimos perdão”! Assunto encerrado. Daqui para
frente é diálogo, para trás é história, e é isso que eu vou fazer sem nenhum
temor às etiquetas e aos preconceitos de quem quer que seja.
O Confronto com o
Estado Romano
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3e/Robert%2C_Hubert_-_Incendie_%C3%A0_Rome_-.jpg
Wikiédia
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Na noite de 18 para 19 de julho de 64, teve início um enorme incêndio na cidade
de Roma. Segundo os relatos, o sinistro começou junto às barracas de feirantes
que ficavam próximas ao Circo Máximo, um gigantesco estádio para corridas de
cavalos, que sempre atraía muita gente – sua capacidade era entre 150 e 200 mil
espectadores – que devia atrair muitos vendedores ambulantes e barraqueiros
para os seus eventos, inclusive os onipresentes vendedores de azeite, um
combustível altamente inflamável. Foi um incêndio tremendo, que ardeu durante
seis dias, cessando por um momento, e ardendo novamente por mais três dias.
Esse incêndio destruiu três regiões (bairros) de Roma, arruinando parcialmente
outras sete, poupando apenas três. Milhares de pessoas morreram e umas 200 mil
ficaram desabrigadas.
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Esse não era o primeiro grande incêndio, nem seria o último, na cidade, mas a
sua magnitude, combinada com o momento delicado de perda de popularidade do
imperador Nero Claudio Cesar Augusto Germânico, acabou gerando mais estresse do
seria de esperar (1). Nero, que, parece,
estava fora no momento do incêndio, voltou imediatamente para Roma e, do seu
lado, fez o pode – organizou um plano de ajuda aos desabrigados com dinheiro do
seu próprio bolso, abriu os jardins e as portas do seu palácio para abrigar as
vítimas, forneceu recursos para a imediata doação de alimento aos famintos,
além de aproveitar o momento para tomar algumas medidas urbanísticas, para
evitar ou reduzir os impactos de futuros incêndios.
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Os desabrigados eram numerosos e estavam muito frustrados com os últimos
acontecimentos, como a crise de abastecimento e alta de preço do trigo, além
dos escândalos que fluíam do palácio real, sem falar na mentalidade
supersticiosa geral, que associava desastres e vitórias à qualidade da relação
que o governante do momento mantinha com às divindades tutelares da cidade, em
especial se os rituais religiosos públicos estavam sendo bem executados; e, por
isso, começou a murmurar, insisitente, sobre a necessidade da punição exemplar dos
responsáveis, ou do responsável, por aquilo, fosse a mão que ateou fogo fosse o
governante que irritou tanto os deuses por seus maus costumes e desleixo com os
rituais públicos – Nero estava longe de ser um homem piedoso, mesmo para a
ritualística burocrática do politeísmo – a ponto de eles resolverem punir a
cidade, com o incêndio. Era preciso achar um bode expiratório com urgência,
pois havia uma multidão inconformada nos jardins e dependências do palácio (2).
http://blog.cancaonova.com/diarioespiritual/files/2013/07/Persegui%C3%A7%C3%A3o-antiga.jpg
http://blog.cancaonova.com/
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A questão agora é saber de onde veio a ideia de culpar os cristão, uma seita
tão pequena e insignificante, que, provavelmente, 99,99% dos romanos não
saberia sequer distingui-la dos judeus e, ao que se sabe, não houve qualquer
incidente prévio envolvendo Nero e os cristãos, que lhes desse alguma
visibilidade. A esse respeito há três coisas a considerar.
a)
Da parte dos cristãos não havia, nesse momento, nenhum espírito, desejo ou
motivo de confrontação com a autoridade romana. O culto ao imperador, iniciado
por Augusto, ainda engatinhava, e, de uma maneira geral, ainda causava um surda
repulsa no lado ocidental do império, principalmente em Roma. Nero, embora
valorizasse esse princípio, via-se como a encarnação de Apolo, não era muito sistemático
nem zeloso a esse respeito. Ele seria mais um homem fraco, extravagante, manipulável,
deslumbrado pelo poder, querendo aproveitá-lo ao máximo, sem muito tempo ou
capacidade para gastar com “detalhes”. Por seu lado, São Paulo, no capítulo 13
da carta aos Romanos, mostra o quanto os cristãos deveriam ser bons cidadãos,
obedientes às leis do Estado. Esta devia ser a posição dos demais apóstolos e
refletia exatamente o ensinamento de Jesus: “dai a César o que é de César” (Mt
22,21).
b)
Certamente que as querelas religiosas entre cristãos e judeus, descritas nos
Atos durante a estadia de Paulo em Roma, não se limitaram apenas a Paulo e àquele
período, assim como não ficaram apenas no âmbito da troca de ideias, podendo
ter chegado inclusive a rumorosas via de fato. Suetionio, historiador romano,
fala sobre tumultos entre judeus, gerados por um tal “Chrestos”, que redundou
na expulsão de vários deles, de Roma, na época do Imperador Claudio, no início
da década de 40. Mas tudo estava ainda muito indiferenciado para os romanos,
que continuavam tendo para com os judeus um apreço incomum (Bloch; 1964.
Feldman; 2088). Como eles, de repente, perceberam a diferença?
c)
Em algum momento do ano 61, Nero conhece Popeia Sabina, a ambiciosa esposa do
político e general romano Marcos Salvio Oton, e torna-se amante dela, com o
consentimento do marido, até que ela se divorcia para se tornar esposa de Nero
e imperatriz de Roma, após induzi-lo a separar-se da primeira esposa Claudia
Otávia. Nero vai mais longe ainda, e manda matar a infeliz – quanto ao marido
de Popeia, o imperador manda desterrá-lo com governador da Lusitânia, o
equivalente ao “fim do mundo” naquele tempo. Oton não o perdoará. Psicopata,
imaturo, o tirano, que já afastara de si a pessoa de quem ele era,
emocionalmente, mais dependente – a sua mãe Agripina, assassinada sob suas
ordens por suspeita de conspiração – e se entrega incondicionalmente aos
desejos e caprichos de Popeia. Popeia era oriunda de uma rica e influente família
romana, seu pai tinha uma grande olaria e sua mãe era famosa pela beleza, mas
se tornara, em algum momento da sua vida adepta do judaísmouma adepta do
judaísmo, conforme se depreende da leitura de Flavio Josefo, estando por trás
de várias medidas favoráveis aos judeus tomadas por Nero (ver
jewishencyclopedia.com – Nero; Poppaea Sabina, além dos verbetes
similares na Wikipedia). Ora, pela leitura dos escritores da época se deduz que
a elite romana era incapaz de diferenciar judeus de cristãos, e não tinha o
menor interesse em se informar mais sobre isso. A diferenciação repentina, e o
uso deles como “bodes expiatórios”, por Nero, é muito surpreendente...
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Deu-se início à matança, que, a considerar os testemunhos de autores romanos
hostis ao cristianismo, passou de tudo o que era razoável. Segundo Tácito, “Nero
buscou rapidamente um culpado, e infringiu as mais estranhas torturas sobre um
grupo odiado por suas abominações, que o populacho chama cristãos... esta
danosa superstição, sufocada num primeiro momento [ele cita Cristo e Poncio
Pilatos], ressurgiu no solo da Judeia, e também em Roma [o que corrobora
Atos]... se prendeu imediatamente a todos que se declararam culpáveis [de ser
cristãos]; então, com a informação que deram, uma imensa multidão foi presa,
não tanto pelo crime de ter incendiado a cidade, mas por seu ódio contra a
humanidade” (Wikiipedia em espanhol, italiano e francês – Gran incêndio de Roma)...
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1b/Siemiradski_Fackeln.jpg
Wikipedia
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Essa última informação de Tácito é importante e explica porque ouvimos falar de
adolescentes, mulheres e velhos, massacrados em eventos públicos, e que não
podiam, em princípio estar envolvidos no incêndio. Como disse Tácito,
textualmente, eles eram uma “grande multidão” (multitudo ingens). De onde veio
essa má fama dos cristãos entre o povo romano que nem sequer os distinguiam dos
judeus? Como uma informação tão terrível quanto mentirosa, sobre os cristãos,
chegou à elite governante do Império? Quem tinha uma convivência assim próxima
com o cristianismo, conhecia-o bem, e tinha interesse na extinção da comunidade
cristã?... Uma coisa precisa, portanto ser refeita na versão tradicional desse evento:
os cristãos não foram apenas bode expiatório do incêndio, mas também, e
principalmente, foram perseguidos pelo fato de serem cristãos. Os métodos de
execução foram os mais bárbaros, aparentemente nunca antes usados em crimes de
opinião ou prática religiosa no Império Romano, nem abarcaram tal número de
“condenados”. Segundo Tácito, alguns eram cobertos com peles de animais
selvagens, e soltados no meio de uma matilha de cães de caça, sendo
despedaçados aos poucos, muitos foram crucificados, outros foram amarrados na
extremidade de um poste, envolvidos com material combustível e queimados ao
anoitecer. Havia ainda o famoso método deixar os cristãos serem devorados por
animais selvagens nas arenas, mas a mente doentia do imperador, que se julgava
um grande ator, foi mais longe, fazendo encenar dramas sangrentos da mitologia
greco-romana, usando cristãos como vítimas, como na encenação pública da morte
de Dirce, a rainha muito “barra-pesada” de Tebas, na Grécia, morta por
dilaceração, após ser amarrada a um touro, etc.
Entre as vítimas mais famosas dessa perseguição temos os dois apóstolos
maiores: Pedro e Paulo
__
No ano seguinte ao incêndio e ao início dessa bárbara perseguição, Popeia
Sabina morre, quando estava grávida, em circunstâncias controvertidas (3), deixando a Nero desolado. Cada vez
mais isolado, em virtude de seu comportamento sanguinário e bizarro, o
imperador foi vítima de várias tentativas simultâneas de golpe de estado, quando
alguns generais se levantaram ao mesmo tempo para depô-lo, em março de 68.
Muita gente que até ali o apoiava aproveitou para abandoná-lo, inclusive a sua
guarda pessoal. Sozinho, ele foge para a casa de um amigo, a 6 km de Roma, aonde
chegou acompanhado de apenas quatro libertos, que lhe deviam grandes favores,
um dos quais era sua esposa (!). Incapaz de cometer suicídio, como era costume
entre os romanos nessas circunstâncias, ele ordena que um de seus amigos o mate.
Era o dia 6 de junho de 68, o mesmo dia em que ele mandara matar sua primeira
esposa.
__
Mais uma guerra civil, mais uma tragédia para o Império, mas os cristãos,
agora, podiam respirar em paz e refazer suas forças. Era hora de fazer um
balanço da perseguição:
1º
- Essa perseguição foi limitada apenas a Roma e aos arredores, não atrapalhando
a evolução natural e firme da Igreja na parte oriental do Império.
2º
- De uma maneira geral a comunidade reagiu com ânimo e firmeza às duras penas
que lhe foram impostas, causando vívida impressão às multidões. A qualidade da
catequese cristã passara por uma dura prova e saíra-se com louvor.
3º - A extrema brutalidade dos
métodos de execução impressionou a massa popular, causando um efeito justo
contrário do que esperavam os executores – pelo menos é o que se depreende de
um trecho de Tácito – que começou a se interessar mais pelo cristianismo e a
se compadecer dos condenados, abominando ainda mais a Nero.
4º - Como efeito colateral do
parágrafo anterior, ao invés de toda essa selvageria levar à extinção do
cristianismo, antes favoreceu à sua expansão e não ajudou a recuperar a
popularidade de Nero. O excesso de foco sobre os cristãos ajudou na sua
divulgação, ainda mais por ser odiado por um imperador que começava a ficar
impopular. Sem a perseguição o cristianismo teria continuado a ser uma religião
pequena, insignificante, crescendo a duras penas no meio da miscelânea
religiosa do Império Romano. Um escritor cristão do século II, Tertuliano,
dirá: “o sangue de mártires é sementeira de cristãos”.
5° - Assim como a dureza da
perseguição, o ânimo dos perseguidos também impressionará, além dos pagãos, aos
cristãos sobreviventes, induzindo-os a uma relação especial com essas pessoas
tão valentes, dando início àquilo que se convencionou chamar de culto dos
“mártires”, dos restos daquelas pessoas, chamados “relíquias”, como uma
lembrança do seu incrível exemplo, que não podia, em absoluto, ser esquecido –
“não há maior prova de amor em dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13), e jamais
esquecer isso. A preservação dos ossos de Pedro e Paulo é uma prova disso.
__ Sobre a forma como se deve
encarar essa e as próximas perseguições que o Império abrirá contra os
cristãos, Jedin adverte: “não há porque ver em cada imperador ou governador de
províncias, sob cujo reinado ou administração os cristãos sofreram
perseguições, como um monstro, que perseguia com fúria cega, sem mais, a sua
fé. As justificativas para cada intervenção foram, amiúde, muito diferentes e
têm que ser consideradas caso a caso. Além disso, as iniciativas contras os
cristãos não partiam em primeiro lugar das autoridades públicas, pois
contradiziam a política oficial de tolerância religiosa” (1966, p 206). E
sempre que, ao longo da história, as autoridades romanas tomaram medidas
repressivas contra um ou outro culto, “não se dirigiam contra as crenças dos
adeptos do novo culto, mas antes contra os excessos morais [ou imorais] de que
vinham acompanhados... Esta linha fundamental da política religiosa romana não
foi abandonada no século I do Império. O culto imperial... realmente introduziu
na religião romana um novo ingrediente essencial; mas sua forma externa, seu
ritual, só foi se desenvolvendo muito lentamente, de sorte que só muito
raramente se pode alegar a decidida repulsa a esse culto, por parte dos
cristãos, no século I, como justificativa para as autoridades imperiais
intervirem contra eles. Só isoladamente imperadores como Nero e Domiciano
exageraram certas prerrogativas do culto imperial e provocaram conflitos que,
por outro lado, não se relacionavam apenas com os cristãos... só por meio dos
distúrbios que surgiram entre os cristãos e judeus ou a população gentia, veio
a autoridade imperial se dar conta da peculiaridade da nova religião, e houve
por bem intervir, em primeiro lugar para restabelecer a ordem e por fim aos
tumultos [como foi o caso de Claudio]. Só lentamente foi se formando a crença
de que os cristão vinham perturbar a paz religiosa reinante, e, por
conseguinte, constituíam uma ameaça contra a política religiosa seguida
tradicionalmente pelo império... Concluindo, ao enumerar os fatores que levaram
às perseguições dos cristãos, só sob aspectos muito limitados pode-se
incriminar o poder estatal romano. Logo, o que mais influiu [para as
perseguições] foi antes a pretensão de absoluto dessa mesma religião cristã; e
em segundo lugar a hostilidade da população pagã. Só no século III se
transforma em questão de princípio a luta entre o cristianismo e o Estado romano”
(idem, p 206-207) (4).
__ Em algum momento de ano de 65,
porém, já estavam se acumulando os fatores de uma mudança terrível, com
repercussão profunda para o cristianismo. Usando de sua influência junto ao
imperador, a imperatriz Popeia Sabina induziu-o a aceitar a indicação de um seu
protegido chamado Gesio Floro, um grego nascido em Clazómenas, na Ásia Menor,
como procurador na Judeia. Nero, é claro, concedeu-lhe o favor.
__ E evidente, para mim, que Popeia
Sabina não agiu nisso de má fé, sabendo de antemão todo o mal que esse homem
iria fazer ao povo de sua fé – ele inclusive pediu, e foi atendida por Nero,
para ter um funeral judaico, quando da sua morte, e por isso não foi
incinerada. Popeia, como todos os que andam em más companhias, perdeu, com o
tempo, a capacidade de avaliar objetivamente a realidade e as pessoas, e tomar
a melhor decisão. É possível até que, ao ver a ambição e o carreirismo de Gesio,
ela o tenha admirado, afinal seria o espelho dela, ou simplesmente seguiu a
indicação de outrem sem mais. A Judeia era realmente uma região muito problemática,
que resistia encarniçadamente a assimilação da cultura greco-romana, mas era
também uma região onde circulava dinheiro, muito dinheiro.
__ E o dinheiro, ás vezes, perde os
homens...
Notas
(1)
Após um começo auspicioso, Nero, alçado ao poder com apenas 16 anos, demonstrou
proverbial incapacidade para se acercar de bons conselheiros, inclusive de
diferenciar os bons dos maus, sem falar numa afetividade pervertida, que o
induziu a uma relação doentia, supostamente incestuosa, com a sua mãe, a
ambiciosa Agripina, e outras não menos tormentosas. A facilidade com que ele
começou a se livrar dos seus desafetos, opositores e parentes – mandou matar a
mãe e a sua primeira esposa – além de um início de séria crise econômica no
início de 63, por causa das despesas excessivas na guerra contra os partos e dificuldade
no abastecimento de trigo, que provocou uma alta nos preços – acabaram por
desgastar muito a sua fama inicial frente ao povo romano.
(2)
Existem coisas misteriosas nesse incêndio! Gente famosa e escritora, que estava
viva durante o incêndio, não fazem menção a ele, como Sêneca, filósofo e valido
de Nero, que estava em Roma, e já tinha caído em desgraça diante do imperador
(aparentemente teria interesse em ligar Nero ao incêndio); o historiador Flávio
Josefo, que vivia na Palestina, mas passou para Roma em 71; o filósofo grego
Dion Crisóstomo, que estava em Roma no início dos 70; o historiador grego
Plutarco, que esteve em Roma pessoalmente umas três vezes. Para eles,
aparentemente, o incêndio fora sem importância, um dos muitos que já ocorrera
em Roma, e que, provavelmente, ocorreria depois. Um escritor da época, Plinio o
Velho, se refere a umas árvores de sua casa, como estando vivas “até o incêndio
de Nero” (Wikipedia em italiano – Nerone),
sem ficar claro que o incêndio foi “no tempo de Nero” ou “causado por Nero”.
Há
uma tendência atual a dizer que Nero não teria sido o causador do incêndio, uma
vez que seus acusadores usam como argumento para incêndio criminoso o fato de este,
em alguns locais, avançar mesmo contra o vento, e se propagava muito fácil em
grandes residências de feitas de tijolos ou pedras, que seriam naturalmente
imunes ao fogo, enquanto pesquisas recentes mostram que em determinados
ambientes as chamas podem avançar contra o vento e que a abertura superior, no
pátio interno das grandes residências, poderia servir de caminho para cinzas
incandescentes, sem falar do apoio que ele deu aos desabrigados, embora também
se possa argumentar que a primeira justificativa apenas apresente outra
possibilidade para o incêndio, sem eliminar a tradição da culpa de Nero, e a
sua conduta posterior pode ter sido ditada pelo fato de: a) o incêndio,
premeditado, saiu de controle; b) a reação do povo foi mais agressiva que o esperado.
Na perspectiva tradicional da culpa de Nero, exposta por alguns escritores não contemporâneos ao evento, como Tácito (que lhe faz referência) e Suetonio (que
a abraça), abraçada pelo povo, com o detalhe de que ele estaria compondo ou
querendo aperfeiçoar uma ode ao incêndio de Troia, enquanto Roma ardia, é
compatível com o que se sabe da sua extravagante propensão ao histrionismo, sem
falar que ele se aproveitou de uma área enorme, daquela que foi consumida pelas
chamas, para construir um palácio gi-gan-tes-co, de um luxo que não havia
semelhante no Império, chamado de Domus Aurea (Casa Dourada). Dizem que ao ver
concluída a sua nova moradia ele teria exclamado: “agora posso viver como um
ser humano”. Nero mostra com isso que era um interessado nesse incêndio e que
foi o seu principal beneficiário.
(3)
Os autores que se referem a esse episódio como Suetônio, Tácito, Dion Cassio,
afirmam que Nero teve participação direta na morte de Popeia, para o primeiro
ele teria chutado a barriga dela e para os outros dois ele a teria machucado,
por acidente, causando sua morte. Autores modernos preferem crer que ela morreu
por meras complicações no parto, sem explicar porque os autores antigos mentiram
quanto a isso, inclusive porque dois deles disseram que foi um acidente. O
comportamento posterior de Nero, entretanto, aponta na direção de um
excruciante sentimento de culpa e um mecanismo de negação. Como ele tinha um
jovem escravo, Sporus, que, em sua paranoia começou a achar muito parecido com
Popeia, Nero abandonou sua terceira e última mulher, e casou-se com aquele, fazendo-o
vestir-se como mulher, tratando-o como se fosse Popeia.
(4)
Essa conclusão de Jedin começa de uma maneira muito correta esvaziando uma
postura que foi muito comum no século XIX e início do século XX, que os de
minha geração experimentaram nos seus livros de catecismo e primeira comunhão
(material pré-Vaticano II), sempre a mostrar os mártires cristãos e a Igreja como
vítimas gratuitas do Estado romano, governado por monstros malvados em todos os
aspectos e circunstâncias. O alcance das perseguições era invariavelmente
universal, abarcava todo o Império, e não foi bem assim. Entretanto o autor se
equivoca, e muito ao atribuir a pretensão à verdade absoluta da fé cristã, de
sorte que quem é cristão não pode ser também politeísta, a primeira causa das
perseguições, antes ainda do século II, pelas seguintes razões:
a)
Supõe que a população do Império, ou mesmo de Roma, estava muito inteirada do
que era o cristianismo e as consequências do seu crescimento, mais ou menos
como nós, que recebemos abundantes análise sobre qualquer assunto através dos
meios de comunicação de massa. Isso não existia! Mesmo os homens mais cultos de
Roma, cinquenta anos após a primeira perseguição, ainda eram incapazes de
separar os cristãos dos judeus ou de terem uma ideia minimamente razoável do
que era o cristianismo. A afirmação de que eles praticavam “abominações” mostram,
pelo desdobramento dos textos e das ações das autoridades, que tinham um
sentido puramente moral, “eles praticam o mal”, e não filosófico-teológico,
“eles não admitem os nossos deuses”, são “ateus”. Isso só aparecia de forma
secundária.
b)
Outra prova da insuficiência dessa afirmação foi o tratamento tolerante dado
aos judeus que, assim como os cristãos, tinham pretensão à verdade absoluta –
não dava para ser judeu e politeísta ao mesmo tempo – e que, apesar de eles
serem muito mais enfáticos e agressivos que os cristãos na defesa desse
absoluto (legiões inteiras foram exterminadas nos levantes judaicos), nada
mudou, até o decreto de Adriano em 135. Nunca, mesmo depois dos sangrentos
levantes de 66-71, 115 e 133-135, os judeus padeceram de uma perseguição
semelhante às várias que os cristãos padeceram sob o Império, seja na violência
seja na gravidade das acusações. Contra os cristãos o que houve foram
tentativas de extermínio, por delito de opinião.
c)
A pretensa tolerância dos politeístas era fruto da percepção do homem antigo
que imaginava o raio de ação da divindade favorita de sua comunidade
circunscrita aos limites de sua cidade. Se assim era, o que importava o deus ou
deuses de outra cidade? Essa era a essência ideológica da cidade-estado antiga,
que estava se tornando incompatível com o nível interdependência a que estavam chegando as diversas e longínquas regiões agregadas ao império romano. Era
necessária uma crença comum básica, da mesma forma que hoje se impõe a
aceitação do sistema republicano e do regime democrático em muitos países do
mundo – não é o medo de ver essas verdades “absolutas” (a democracia é
absolutamente infensa à ditadura) fragilizadas que faz com quem os povos
europeus resistam à entrada em massa de imigrantes vindas de áreas onde o
conceito de república ou democracia são diferentes ou inexistem? Mais cedo ou
mais tarde o culto imperial tentaria se impor como “absoluto”, inclusive por
uma necessidade estrutural do império, e ele marchava para isso, quando se
defrontou com o absoluto do cristianismo... e perdeu.
Quando
se compara a “tolerância” do politeísmo, com a “intolerância” do cristianismo,
principalmente quando se assume a defesa de uma corrente que excedeu à cristã
na defesa de seu absoluto (Feldman; 2008), sem considerar a evolução histórica
da comunidade antiga, comete-se erro de anacronismo, de parcialidade e, na pior
das hipóteses, de hipocrisia ou de vitimosidade estéril.
Bibliografia
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2004
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História da Filosofia – Patrística e
Escolástica; trad. Ivo Torniolo; 4ª edição; Paulus; vol 2; São Paulo; 2009
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