O
CUNHADISMO E O NOSSO COMPLEXO DE INFERIORIDADE
Agradeço
aos amigos da bendita Rússia, Brasil, Estados Unidos, Índia, Canadá, Alemanha,
França e de outros países, pela visita ao nosso blog. Espero que lhes seja
útil. Que Deus os abençoe.
Novo Verbete "Forte James" - Tecno
Novo Verbete "Forte James" - Tecno
Prof
Eduardo Simões
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Um episódio particularmente espinhoso para a angustiada alma latino-americana foi
o da ligação supostamente afetiva e frequente entre índias e colonizadores
europeus, nos primórdios da moderna colonização do continente, com resultados
negativos para a população nativa, nas três Américas (do Sul, Central e do
Norte), com desdobramentos curiosos e ricos de significado. Mas antes de
qualquer análise é bom esclarecer dois pontos fundamentais.
1º
- Não havia, a princípio, amor ou a busca de qualquer sentimento de simpatia
mútua entre o casal formado dessas uniões, como era costume tanto na Europa com
na Ameríndia. O casamento, tanto num como noutro continente era arranjado pelas
famílias dos nubentes, a revelia do que pudessem sentir um pelo outro, ou como
se dizia antigamente: o amor vem depois, da convivência. Portanto, a índia
fazia aquilo que os índios a mandavam fazer.
2º
- Entre as comunidades tribais americanas predominavam os laços de sangue e
desse modo a união entre uma moça da tribo e um viajante estrangeiro era o
melhor meio de selar uma aliança entre uma tribo americana qualquer e a
poderosa tribo recém-chegada do mar – os índios viam os europeus como uma tribo
estranha – o criando uma estratégia de
“relações internacionais” que os estudiosos chamaram de cunhadismo (1).
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A respeito do potencial de intermediação civilizatório-cultural da índia,
tradicionalmente ignorado, é interessante ler o que diz Gilberto Freyre, em seu
imortal Casa grande e senzala (50ª
edição; Global; 2005; São Paulo; p 162-163 e 189-198); “À mulher gentia temos
que considerá-la não só a base física da família brasileira, aquela em que se
apoiou, robustecendo e multiplicando-se, a energia de reduzido número de
povoadores europeus [ou seja, uma colaboradora vital], mas [também] valioso
elemento de cultura... Por seu intermédio enriqueceu-se a vida no Brasil... de
uma série de alimentos ainda hoje em uso, de drogas e remédios caseiros, de
tradições ligadas ao desenvolvimento da criança, de um conjunto de utensílios
de cozinha, de processos de higiene tropical – inclusive o banho frequente...
ela nos deu a rede... o óleo de coco para o cabelo das mulheres [alguém se
lembra?]; um grupo de animais domésticos amansados por suas mãos...” Noutro
ponto ele arremata “vários desses processos [de tirar partido das riquezas
naturais da terra] e conhecimentos... vale a pena acentuar que recebeu-os o
colonizador europeu das mãos da mulher – elemento mais produtor que o homem nas
culturas primitivas...”
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A “multiplicação”, sugerida no texto acima, se refere aos filhos mestiços,
chamados pelos padres de “mamelucos”, em referência a um conceito criado no
contexto da Europa, nas regiões dominadas pelos árabes (2), e que reproduz fielmente o que por aqui passou. De fato, não só
não existia amor como não havia reciprocidade derivada de um respeito mútuo, na
grande maioria dos casos, pois a união entre esse homem e essa índia não
ensejava a formação de família, mas antes uma aliança estratégica, com um
objetivo marcadamente comercial, pelo menos da parte do “civilizado” (3). Era uma relação assimétrica, com um
claro polo superior e outro inferior, transmitindo os conflitos decorrentes
dessa bipolaridade para as gerações futuras: os mamelucos brasileiros eram
ensinados, pelos pais e por amigos e parentes destes, de forma acintosa ou na
convivência, a desprezar a cultura da mãe e a mulher em geral. Mas como ele era
filho dessa mulher, e logo parte dela também, daí brotou um profundo sentimento
de inferioridade, eventualmente compensado por brutais razias às tribos não
“cunhadas”, como era do interesse econômico do pai e do sistema colonial, a
cata de escravos, o negócio do momento, e onde ele podia provar a si mesmo e
aos outros que não tinha nada a ver com aquela gente, apesar da pele, dos
cabelos, dos trejeitos, da língua, etc.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d0/Manoel_Lopes_Rodrigues_-_Sonho_de_Catarina_Paragua%C3%A7u.JPG
Wikipedia
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Esse sentimento ambíguo em relação às nossas raízes, que dificulta a criação de
uma identidade clara, livre e plenamente, vai se manifestar de uma maneira
pendular deveras suis generis: no início do século XX a nossa grande frustração
era não sermos como os povos europeus mais desenvolvidos – tentando sanar isso
o nosso Rodrigues Alves vai fazer uma reforma no Rio de Janeiro para deixá-la
nos moldes da Paris do barão Huismann, tendo antes que mover uma guerra, em
1904, contra setores da população, que ainda pensavam como “índios”,
“primitivos” e “selvagens”. Gilberto Freyre tentará contornar, senão curar, o
sentimento de inferioridade vigente, derivado da presença do índio e do negro
na nossa formação no seu Casa grande e
senzala, mostrando não as vantagens da cultura ameríndia e da africana, que,
além de outras, levantaram o astral da nação ao longo dos anos 1950 e 1960.
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Nesse ambiente, porém já se observava o desgaste contínuo dos antigos mitos
cunhadistas, inclusive mais famoso deles: a união entre a índia Paraguaçu e o
náufrago português Diogo Álvares, tão valorizados durante a fase Imperial,
quando uma casa nobre luso-brasileira reinou no país, afinal Diogo era
português, e Paraguaçu era apresentada como a mãe simbólica de uma nação
mestiça, aparentemente subestimada pelos nossos imperadores que não se deram
trabalho de criar um sistema escolar ou sequer uma universidade, como se o
investimento não valesse a pena! Mas à medida que o nosso complexo nos levava
para os países mais ricos, nos descolávamos também de Portugal, como uma carga
incômoda, ou nos lembrávamos dele apenas para nos fazermos herdeiros do Império
Romano. A língua portuguesa, afinal, não é a “última flor do Lácio, inculta e
bela?”
http://zerohora.clicrbs.com.br/rbs/image/17410689.jpg
http://zh.clicrbs.com.br/
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Brasileiro, brancos, de matriz cultural europeia, revoltados com o tratamento dado
há séculos a índios, africanos e “populares” depredam o relógio comemorativo
dos 500 anos da chegada dos europeus, ao som da “internacional socialista”, em Porto Alegre. A tropa mandada ao local foi, posteriormente, acusada por não impedir o vandalismo.
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Com avanço cada vez maior de vertentes do pensamento marxista-positivista em
nossa sociedade, graças ao Regime Militar de 1964, que pela sua truculência
anticomunista tornou odioso tudo que não era comunista, esses antigos mitos da
nacionalidade passam por uma revisão geral, afinal eram só mitos, logo não eram
afirmações “científicas”, como a sua ideologia proletária, além de estarem a
serviço da ordem burguesa. Essa gente clamou, e muitos creram, que a nação
brasileira não passa de um ajuste mal enjambrado de um projeto colonialista,
burguês, sanguinário e excludente, jogando a nossa autoestima no mais baixo
nível, em nome da nossa “libertação”. E assim, quando vieram os festejos pelos
quinhentos anos da chegada dos europeus, o pêndulo do nosso sentimento de
inferioridade, e de boa parte da América hispânica, estava no extremo oposto,
não sendo então de admirar atos de violência e depredação, em protesto contra a
vinda dos europeus, baseado num modelo ideológico importado da Europa! (4).
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Bem, se não dá para falar da história oficial, excessivamente contaminada pelas
“classes dominantes”, conforme o surrado jargão marxista, que fazer com essa
história mais antiga do Brasil, enquanto não vem à luz uma história
“revolucionária” o bastante para se dar crédito ou não nos cause náuseas ou
sono quando a lemos, como as insuportáveis descrições de estruturas,
transformações econômicas, e outras abstrações que hoje povoam as páginas do
livro de história brasileiros, didáticos ou não, e fizeram essa disciplina, de
acordo com o jornal Folha de São Paulo, a segunda mais detestada pelos alunos
brasileiros, depois da matemática, uma vez que não existem mais personagens situados
historicamente ou comportamentos modelares, mas apenas vis interesses
econômicos? Coloca-se uma pedra encima ou se abre esse conteúdo para a mais
grotesca deformação.
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Na impossibilidade de se tratar seriamente essa temática, seria politicamente
incorreto, relegou-se temas como esse a abordagens carnavalizadas, como uma
forma de ridicularizá-las da seguinte maneira:
1º
- Esses assuntos são tratados como tema para samba-enredo de escola, onde a
licença poética faz toda sorte de estrago ou benefício, de acordo com o gosto
do “freguês”..
2º
- Como uma extensão dessa “licença poética” aparecem os filmes picarescos e
picaretas como o mais recente, Caramuru -
A invenção do Brasil, de 2001, dirigido por um diretor premiado (Guel
Arraes), e estrelado por alguns dos melhores atores da nova e antiga geração
(Selton Mello, Camila Pitanga, Deborah Secco, Débora Bloch, Diogo Vilela, etc.)
onde tudo gira em torno de triângulos amorosos, Caramuru é um garanhão
preocupado em não virar touro, as índias são mulheres sensuais e fáceis (o estereótipo
infame das brasileiras), a aldeia um bordel, o morubixaba um cafetão, e os
europeus, para não fugir dos clichês e não parecer politicamente incorreto,
pérfidos e gananciosos.
__ Mas, para que ninguém
pense que nós não estamos completamente desamparados, pelo outro lado, o das
comemorações oficiais e das autoridades constituídas, depois de rejeitar um
projeto para construção de uma caravela da USP, o governo apoiou outro do Clube
Naval, onde um respeitável engenheiro militar assinava para acobertar seu
executor: um artesão francês não especializado. A nau não conseguiu terminar
nem a primeira viagem e está encalhada até hoje, início de 2016, a Polícia
Federal entrou em campo, o artesão francês correu do Brasil, entre quatro e
dois milhões e meio de dólares foram para o ralo, assim como a crença de muita
gente nas possibilidades desse país...
http://midias.gazetaonline.com.br/_midias/jpg/2014/05/06/caravela_min_b-1362323.jpg
http://www.gazetaonline.com.br/
__ Qual é a nação, neste
mundo, que não tenha no seu passado um crime gravíssimo para expiar? Quando
vamos parar de dar ouvidos a autoridades coloniais gananciosas, políticos
desonestos e “revolucionários” demagogos e delirantes? Não dá para viver bem e
construir uma sociedade cristã, justa e democrática com uma nação eternamente
envergonhada de si mesma! Isso tem que mudar!
Notas
(1)
Segundo Darcy Ribeiro, o cunhadismo foi uma instituição fundamental na formação
do povo brasileiro, tratava-se num “velho uso indígena de incorporar estranhos
à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que
ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com
todos os membros do grupo”. Dessa maneira, “graças ao sistema de parentesco
classificatório dos índios, que relaciona, uns com os outros, todos os membros
do seu povo”, e dessa maneira os pais da índia passavam a ser seus pais ou
sogros, os irmãos dela eram seus irmãos ou cunhados, e os filhos deles passavam
a ser seus filhos ou genros. A vantagem desse sistema era evidente quando se
tem em mente a tarefa de cortar e recolher o pau-brasil, cujo pagamento pela
mão de obra podia sair mais barato, como acontece quando se abusa da boa
vontade de parentes. “Como cada europeu da costa podia fazer muitíssimos desses
casamentos, a instituição funcionava como uma forma vasta e eficaz de
recrutamento de mão de obra”.
Ribeiro
lembra bem: “como não havia um comando geral para os índios em região nenhuma,
pois cada aldeia era uma unidade autônoma, cada aldeia levava uma moça para o
branco que se aproximasse mais deles. E como muitas aldeias levavam muitas
moças...” o indivíduo ficava cercado de esposas e parentes, como aconteceu com
João Ramalho, em São Paulo, Diogo Álvares, na Bahia, Jerônimo de Albuquerque,
em Pernambuco. Um bispo de Olinda denunciava, no final do século XVII, que o
bandeirante paulista Domingos Jorge Velho tinha seis mulheres! Que faria ele se
soubesse que um cidadão espanhol, em Assunção, no Vice-Reinado da Prata, que
chegou a ter oitenta mulheres? E este ainda poderia argumentar que a recusa a
qualquer uma delas poderia ser vista, senão como uma ofensa, como um grande
constrangimento, e um desserviço à causa colonial, que também interessava à
Igreja.
O
cunhadismo desempenhou um papel importante no povoamento da terra, embora
também tivesse um defeito estrutural: era acessível a qualquer um que
desembarcasse. “Sem a prática do cunhadismo era impraticável a criação do
Brasil. Os povoadores europeus que por aqui vieram ter eram uns poucos
náufragos e degredados [mesmo posteriormente, expedições com centenas de
colonos eram raríssimas]... com base no cunhadismo se estabeleceu criatório de
gente mestiça nos focos onde náufragos e degredados se assentaram. Primeiro,
junto com os índios nas aldeias, quando adotam seus costumes... Outros formaram
unidades apartadas das aldeias, compostas por eles, suas múltiplas mulheres
índias, seus numerosos filhos, sempre em contato com a numerosa parentela
delas”. “Assim o cunhadismo multiplica fantasticamente a população... Vemos
então essa coisa espantosa: como Portugal, com apenas um milhão de habitantes,
consegue dominar esse mundo enorme? Primeiro com o cunhadismo; depois pela ação
do bandeirante. E o bandeirante, quem é? É o mameluco parido por uma índia, que
não se identificava com a mãe, mas falava a língua da mãe [o que facilitava a
sua inserção no que havia de pior no projeto colonial: o trabalho gratuito dos
parentes e o trabalho compulsório dos nativos, não cunhados]”.
Os
trechos de Darcy Ribeiro foram retirados de:
http://www.geocities.ws/terrabrasileira/contatos/cunhado.html
https://catatau.wordpress.com/2008/07/17/do-cunhadismo-ao-mameluco/
(2)
Diz Ribeiro, que esse nome foi pela primeira vez dado aos paulistas pelo padre
espanhol Antonio Ruiz de Montoya, e esclarece: “Aliás, “mameluco” é uma palavra
para o menino criado na casa árabe... se era muito bruto, capavam e servia como
eunuco; se era bom cavaleiro... podia ser um janízaro ou xipaio... Mas os que
revelassem talento... alcançavam a alta condição de mameluco. Este era
devolvido ao seu povo para administrá-lo; tinham então a cara de seu povo, mas
a alma árabe” (https://catatau.wordpress.com/2008/07/17/do-cunhadismo-ao-mameluco/).
É bom lembrar que, caso a administração não fosse bem acatada, sempre havia a
possibilidade de lançar contra a comunidade rebelde represálias de temíveis
janízaros, nascidos nessas comunidades, da mesma forma que os nossos mamelucos
prestaram serviço análogo à colonização portuguesa, organizando, apoiando e
realizando ataques às tribos adversárias.
(3)
Esse é um dos grandes dramas da América católica, nunca descortinado com
clareza pelo clero. O catolicismo, como toda religião cristã, excluídos os
mórmons americanos, é fortemente fundamentado no conceito de família monogâmica.
O problema é que na união entre colonos e índias pelo cunhadismo, se havia
ainda alguma intenção de formar família, esta era exclusiva da parte “pagã”,
que não passava pelo modelo monogâmico, sem falar em outros costumes
considerados intoleráveis pelos padres, pois da parte do português ou espanhol
cristão, em geral, a principal motivação era de sobrevivência física imediata e
um vantajoso acordo comercial – que incluía, inclusive, a brutal exploração do
trabalho infantil – ativamente estimulado pelos funcionários do governo, eles
também “católicos”. O conceito de família, nascido precariamente da união entre
o colono e a índia, vai ser ainda mais vilipendiado por meio da generalização
da escravatura africana, igualmente tolerado pelo clero católico.
(4)
São muito reveladores esses trechos de um manifesto elaborado pelo CIMI,
Conselho Indigenista Missionário, órgão vinculado à CNBB, da Igreja Católica,
por ocasião das comemorações dos 500 anos. Chama-se “Brasil: 500 anos de
resistência indígena, negra e popular”.
“Disto
[doenças, armas mortais, impulso de violência, exploração, depredação e saque],
eram portadores privilegiados (!) aquele grupo de homens maltrapilhos e doentes
que desceu na praia da hoje Cabrália, sul da Bahia, cinco séculos atrás...
Naquele dia foi dado início à expansão do velho mundo [a Europa] nessas terras,
através da sua brutalidade letal e organizada, pronta para lançar-se contra tudo
e contra todos”. Em nome do combate ao racismo histórico de que foram vítimas
os povos negros e indígenas, parte-se para o revide com expressões de um
racismo grotesco, voltadas não contra um povo apenas, mas contra todo um
continente, justo de onde veio o cristianismo, sem o qual não existiria CNBB,
CIMI, e a colonização do jeito que foi.
“Não
acreditamos numa história escrita pelas classes dominantes... numa versão
mistificadora e falsa do processo histórico. Pretendemos, através do nosso
movimento, desmistificar a construção da mentira oficial...” O que esse trecho questiona
não são os critérios de fazer história, mas o fato de ela ser feita por uma
classe, afinal tudo não passa de ideologia e confronto de ideologias, e nesse
caso a diferença entre a mentira e a verdade é apenas a frequência com que uma
ou outra é repetida. A luta é pelo monopólio dos meios de comunicação, e não
pelo aprimoramento dos meios concretos de pesquisa e expressão da realidade
histórica.
“Durante
a difícil constituição da sociedade brasileira nesses 500 anos, a violência
sempre permaneceu... De igual maneira, os exemplos de generosidade,
criatividade e de vontade de construir um território livre e independente e uma
sociedade justa e humana sempre existiram, e quem os legou a nós foram os povos
indígenas, os negros escravizados e os setores populares”. E nesse caso como
fica o cristianismo, uma vez que é de origem branca e europeia, e o magistério
da Igreja, que preserva e mantém a incolumidade da doutrina cristã e é composto
por bispos que moram em palácios? Os traficantes, que moram em favelas, podem
ser considerados heróis “populares”, interessados em um mundo mais humano, mais
justo?
“Para...
nós a noção de conflito é central na história... A brutalidade do genocídio
indígena, capitaneada pela empresa colonial e responsável pela extinção de
povos inteiros [na América]... espoliou povos africanos... vitimou e vitima
cotidianamente os setores populares, marca uma das sociedades mais desiguais do
planeta: a sociedade brasileira”. Chamo a atenção para três coisas: o jargão
marxista da luta de classes como motor da história, e até prova em contrário
Karl Marx era de um continente onde só poderíamos esperar doenças,
brutalidades, armas letais e ganância, o que demonstra que os autores do texto
são pensantes europeus querendo falar pelos índios brasileiros; segundo para a
negação da história sugerindo que a sociedade ou a “classe dominante” de hoje é
exatamente igual à da época colonial: um convite a uma convivência impossível
ou a uma guerra santa?; terceiro, a expressão que revela a existência de um profundo
sentimento de inferioridade difuso e latente, na necessidade de frisar que a
sociedade brasileira é uma das mais desiguais do “planeta”, com se tudo o mais passasse
de uma introdução a essa conclusão fatal. Mas se a sociedade brasileira é assim
tão ruim, essas pessoas maravilhosas (indígenas, afro-brasileiros e populares)
devem ser uma minoria muito pequena, uma vez que, embora tão virtuosas e
presentes aqui há 500 anos, não conseguiram ainda mudar o país! (CIMI; Povos indígenas aqueles que devem viver - Manifesto contra os decretos de exterminio; Brasília 2012)
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