HISTÓRIA
DA IGREJA BASEADA EM JEDIN – IX
Obrigado
aos amigos da Rússia, Brasil, Estados Unidos, Canadá, Índia, França, Portugal, Espanha
que acompanham esse blog. Que ele vos seja útil. Deus os abençoe.
Prof
Eduardo Simões
As
Igrejas de Paulo
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Figura central na difusão do cristianismo bacia oriental do Mediterrâneo, na formulação
de uma teologia fundamental e dos ideais cristãos básicos, por meio de suas
cartas, a pessoa de Paulo é tão significativa para a história do cristianismo
que alguns pensadores menos reflexivos, principalmente no século XIX, quiseram
atribuir-lhe o papel de fundador dessa religião, mas com certeza ele foi sim um
“instrumento de escol” (At 9,15), um empreendedor e um organizador inigualável,
que deixou sua marca pessoal em muitas igrejas da Ásia Menor e do Sul da
Europa. Eis algumas observações de Jedin:
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“Apoiado nessa consciência [de sua autoridade] toma decisões obrigatórias às
suas igrejas, como quando ordena a expulsão do incestuoso da comunidade de
Corinto [coisa que ele faz à distância, por carta!] (1Cor 5)... Paulo não é
somente, para as suas igrejas, a suprema autoridade docente, ele é também juiz
e legislador supremo, o ápice da ordem hierárquica” (1966; p 176). Paulo é, por
assim dizer, o Papa ou o bispo de todas as igrejas por ele fundadas, e por cuja
organização ele se esmera, “... são chamados para membros dessa ordem
hierárquica [nas comunidades] outros homens, a quem se recomenda determinadas
tarefas, como o cuidado com os mais pobres e a direção de culto; para o
desempenho de suas funções gozam de um direito de governo ou de mando... Assim,
pois, Paulo respalda com a sua autoridade a estes “ministros”, cuja autoridade
é, portanto, uma extensão da sua, embora subordinada e limitada... Os titulares
dessas funções são chamados anciãos, presbyteroi...
No começo da carta aos filipenses aparecem, junto com os “epíscopos”, os
diáconos, como sujeitos de funções especiais dentro nas comunidades” (1966; p
176). Paulo se preocupa me criar uma estrutura administrativa, para as igrejas,
mas não é só isso...
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“Junto aos sujeitos do poder e da ordem, se encontram, dentro das comunidades
paulinas, os carismáticos, cujas funções são essencialmente diferentes. Seus dons,
em especial o da profecia e o da glossolalia, veem diretamente do Espírito
Santo... Não estão [esses dons], por conseguinte, necessariamente vinculados a
uma pessoa [como no caso das funções anteriormente descritas, pois são dons
gratuitos], nem são essencialmente necessários para a subsistência da Igreja.
Os carismáticos atuam nas reuniões litúrgicas e... mantém vivo nelas o generoso
entusiasmo da nova fé [que impede que ela se transforme numa burocracia
religiosa “petrificada”], mas não são os guardiões nem garantia da ordem. Por
vezes a perturbam ou a põem em perigo, pois o extraordinário e misterioso de
sua atuação induz a alguns membros a sobrevalorizarem os seus dons, contra o
quê Paulo tem que levantar a voz (1Cor 14)”. Os atuais carismáticos deveriam
também refletir nisso.
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Percebemos então, pelas páginas dos Atos dos Apóstolos e das Cartas Paulinas,
que, apesar de seu temperamento apaixonado, visceral, tipicamente semita,
Paulo, longe de ser um “místico”, no sentido pejorativo de um “alheado”, um
“alienado”, ou um histérico religioso, é orientado em suas decisões sobre a
Igreja por um espírito realista, lógico, preocupado não só em abrir caminhos, o
que fazia com uma disposição incomum, mas também de criar alicerces para o que
viria depois, as bases de uma estrutura administrativo-burocrática, como o
exige a fraqueza humana, e assim nem ele nem as futuras gerações perderiam a
colheita de tão abundante semeadura. Era uma organização ambivalente, com uma
linha de comando bem definida e vertical, mas que não cessava de fazer apelos
ao coletivo, enquanto se abria ao influxo do entusiasmo carismático, “não
extingais o Espírito, não desprezeis as professias” (1Ts 5,19-20), ao mesmo
tempo em que alertava: “discerni tudo” (1Ts 5,21), e procurava colocar essa
expansões sob certo controle: “Se há alguém que fale em línguas, falem um ou
dois, no máximo três, um após o outro. E que alguém as interprete. Se não há
interprete, cale-se o irmão na assembleia” (1Cor 14,27-28) e “vós todos podeis
profetizar, mas cada um a seu turno... Os espíritos dos profetas estão
submissos aos profetas. Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz” (14,31-32).
É uma estrutura que muito classificariam como contraditória, mas que também
poderia muito bem ser definida como flexível, aberta e adaptativa.
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Além disso, deve-se ressaltar Paulo como o apóstolo da liberdade (1), tema caro e contundente em muitas
passagens de suas cartas, em especial contra o perigo daqueles que queriam
fazer os cristãos resvalarem para o jugo da Lei farisaica (Rm 7,6; 1Cor 9,1;
2Cor 3,17; Gl 4,26; 5,1.13; stc.), embora ele também recomende que essa
liberdade seja vivida com prudência (1Cor 8,9; 6,12; 10,23; etc.). Essa
liberdade, associada ao conceito grego de liberdade de expressão e pensamento,
e do conceito romano de direito ou reciprocidade ante as instituições públicas,
serviu às igrejas fundadas por ele ou por seus discípulos, para buscar outra
liberdade igualmente preciosa para o desempenho de sua missão: a liberdade, ou
antes, a independência em relação ao Estado. Cada um, Estado e Igreja, atuando em
sua própria esfera de influência, e nesse sentido se pode dizer que Paulo foi o
fundador do cristianismo ocidental, em sua luta titânica para se libertar das
amarras do estado ou, mesmo quando muito unida a este, preservar a sua
identidade, sem deixar de advogar a submissão do cristão às leis desse Estado.
As cristandades orientais seguiram um caminho diferente, e pagaram o preço.
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Sobre as comunidades paulinas, ainda segundo Jedin, podemos ressaltar a enorme
ênfase dada ao sacramento do batismo, como uma maneira de dar “eficácia à morte
expiatória de Cristo [o batismo, como a morte de Cristo, apaga os nossos
pecados]” (idem; p 179); a reunião semanal no “primeiro dia da semana” (At
20,7), “embora [o uso do domingo] não se dê por razões religiosas... o fato de
abandonar o sábado inicia claramente um distanciamento do culto jerusolimitano.
Para que a comunidade possa celebrá-lo, são postas à sua disposição as casas
dos cristãos mais abastados” (idem, idem). E ainda; “o centro e a culminação da
liturgia é a celebração da ceia do Senhor” (idem, idem), que naquele momento
consistia numa ceia propriamente dita com comidas e bebida, que certamente
ajudavam a fortalecer o elo de união entre os membros da comunidade, mas que
também gerava abusos. Certa vez, argumentando contra esses abusos, Paulo nos apresenta
a essência dessa ceia, também chamada de “fração do pão”: “o cálice de benção
que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos, não
é comunhão com o corpo de Cristo?” (1Cor 10,16)” (BJ) (2).
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“Uma das grandes façanhas do Apóstolo das Nações, segundo Jedin, é que a
consciência de uma igreja universal, por ele despertada e fomentada em suas
comunidades, tornou possível a propagação do cristianismo no mundo pagão, sem
que os cristãos se cindissem em dois grupos separados: um de origem judia e
outro de origem pagã” (idem; p 178). Ou seja, criar na Igreja uma capacidade de
moldar o ambiente cultural, ao mesmo tempo em que é por este influenciada, uma capacidade
essa que, por exemplo, o judaísmo não desenvolveu e acabou ficando para trás na
conquista espiritual do Mediterrâneo e do mundo, não sem ressentimentos mútuos.
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Infelizmente não dispomos de informação dobre o que acontecia na seara dos
outros apóstolos e discípulos, em outras áreas do império romano ou fora dele.
Deus assim o quis, e eles sumiram da história, deixando, quando muito, rastros
vagos na forma dos chamados escritos apócrifos e sobre eles Jedin é taxativo:
“Apenas nos séculos II e III se tratou de preencher essas lacunas [da falta de
informações sobre os apóstolos], por meio dos chamados Atos dos apóstolos
apócrifos... Por seu gênero literário esses livros se assemelham a novelas e
livros antigos de viagem [muito em voga no âmbito do helenismo], e seus heróis
são descritos segundo o modelo do herói profano. Normalmente procedem de
ambientes heréticos gnósticos, e nesse caso são claramente escritos com o
objetivo de reforçar as doutrinas desses grupos, respaldando-as com o nome de uma
autoridade reconhecida. Os Atos dos apóstolos apócrifos que procedem de
ambientes eclesiásticos ortodoxos ou são neles refundidos, dirigem-se ao
interesse da gente simples pelos detalhes pitorescos da vida desses grandes
personagens do passado cristão... seu valor como fontes radica em nos permitir
sondar as ideias religiosas da época em que foram escritos; mas seus dados
sobre a atividade missionária, o gênero de morte e campo de trabalho deste ou
daquele apóstolo são, em absoluto, inverificáceis” (idem, p 185). Voltamos à
estaca zero.
O Epílogo Joanino
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Caprichosamente situada na desembocadura do rio Caístro, Küçük Menderes, em
turco – um riozinho com 114 km de extensão – ficava a cidade de Éfeso, uma das
mais importantes da província romana da Ásia Menor. Servida por um porto, o
Panormo, a cidade era um entroncamento rotas comerciais terrestres e marítimas,
que lhe trouxeram grande prosperidade, e a tornavam um lugar estratégico para
quem pretendesse difundir alguma ideia na área mais rica e populosa do império.
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Muito povoada para os padrões da época: em torno de 100 mil habitantes, a
cidade possuía uma biblioteca, a Biblioteca de Celso, que com seus 12 mil
volumes era uma das maiores do mundo ocidental, um teatro para 25 mil
espectadores, um odeon, espaço arquitetonicamente semelhante ao teatro, mas
destinado exclusivamente a competições de canto e poesia, vários ginásios, uma
grande terma, stadium para corridas de cavalos, uma sinagoga, vários templos
pagãos, principalmente o Templo de Ártemis, ou Diana, nomeado por Heródoto com
uma das sete maravilhas do mundo antigo, e que foi fonte de um sério contratempo
para Paulo, quando lá esteve, de 52 a 54, uma vez que o sucesso de sua pregação
ameaçava a prosperidade financeira do comércio de ídolos que crescera à sombra
do Templo de Ártemis, e que fizera a riqueza de grandes comerciantes. Açulados
por um tal Demétrio, os ourives de Éfeso levantaram-se contra a comunidade
cristã nascente, pondo a todos em perigo, forçando Paulo a abandonar o lugar;
Lucas reteve até o grito de guerra deles: “grande é a Diana dos efésios!” (At
19) (3). O alto padrão de vida dos
efésios, escorado e até certo ponto mantido pelo politeísmo tradicional, resistiu,
compreensivelmente, a uma religião que vinha combater aquilo que se julgava ser
uma das fontes do sucesso de Éfeso: a religião politeísta tradicional. Mas a
semente já fora plantada e seu progresso era irreversível, decerto ajudado pelo
caráter cosmopolita da cidade, que recebia um afluxo contínuo de gente de toda
parte, o que impuha uma certa abertura de espírito, necessária para a
convivência entre tanta e tão diferentes pessoas, de sorte que Éfeso não só se
renderá ao cristianismo como de lá e de seus arredores sairão grandes luminares
da igreja nascente, graças não só a atuação de Paulo e seu grupo, mas também à
presença de outro apóstolo, uma coluna da Igreja, e que também demonstrou em
seus escritos muita afinidade com o pensamento de Paulo: São João Evangelista.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7e/Disciples_running_by_EB.jpg
Wikipeda
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Não se sabe exatamente quando João, segundo a tradição dominante, embora não
exclusiva, chegou a Éfeso (4), mas
tudo indica que deve ter sido em algum período após o concílio de Jerusalém,
muito provavelmente após o assassinato de Tiago, irmão do Senhor, quando a
permanência dos discípulos mais próximos e conhecidos de Jesus, na Palestina,
tornou-se inviável – há uma tradição que faz de João um primo de Jesus, posto
que ele seria filho de Salomé, irmã de Maria, o que o tornaria altamente visado.
Foi provavelmente em Éfeso que ele escreveu o quarto evangelho, as cartas e o
Apocalipse, agregando ao que já se sabia de Jesus, por meio dos outros
evangelhos, ditos sinópticos, um material de uma complexidade e de uma
profundidade estonteante, e que ao revelar ao mundo a sua condição de
“discípulo que Jesus amava”, nos dá uma pista de como Jesus deve ser assumido,
para quem deseja por ele ser amado, e a transcendentalidade da pessoa e da
mensagem de Jesus (5). Fora isso, podemos
ainda chamar a atenção para o fato de, se considerarmos a seara de trabalho das
grandes colunas da Igreja: Pedro, João e Paulo, que há uma clara ruptura com o
ambiente rural da pregação de Jesus, e a percepção do caráter urbano do império
romano, que também deu ao cristianismo uma boa vantagem.
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Quase não há dados sobre o que se passava nessa igreja, e o pouco que sabemos
precisa ser garimpado nos escritos comumente atribuídos a João e aos grandes
personagens que brotaram desse tronco. Ao contrário dos sinóticos, cuja
mensagem se dirige mais à inteligência, organização de dados biográficos, e ao
comportamento, regras de conduta moral, e didático-apologética, instrumentos de
defesa e propagação da doutrina, o Evangelho de João, cheio de símbolos,
estresse e diálogos inesperados, busca testemunhar uma essência e uma forma de
viver a presença do próprio Cristo, que transforma a história e o próprio fim
do mundo, a escatologia, tão presente nos outros evangelhos, irrelevante,
embora quando vá ao nível aos detalhes histórico-geográficos seja mais
minucioso que os outros. É um cristianismo, arrebatado, intenso, muito introspectivo, contemplativo (6),
não esquecer que o monaquismo foi uma “invenção” oriental, mas, ao contrário do
senso comum, esse cristianismo é muito presente e generoso na hora de dar seu
testemunho, como o fizeram, além de João, Policarpo de
Esmirna, e muitos outros.
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De João ficou a tradição de seu martírio, ocorrido durante a perseguição do
imperador Domiciano, quando teria sido condenado a padecer num tanque de óleo
fervente, do qual escapou na última hora, seja por uma intervenção maravilhosa,
um milagre, seja por algum acontecimento fortuito, como a morte do imperador,
acontecida em 96, sendo sucedido por outro mais tolerante, Nerva, que teria se
limitado a condenar o apóstolo a um breve exílio na ilha de Patmos, do qual
voltou para morrer em Éfeso, já muito avançado em idade, justificando a que se
fizesse aquele famoso acréscimo no seu evangelho – capítulo 21, em especial o
versículo 22 – pois já diziam que ele jamais morreria. Mas como em João nada é
evidente ou exatamente o que parece, o seu sepulcro, que está em Éfeso, em meio
às ruínas de uma basílica cristã, construída por Constantino, e onde se
ministram até hoje ofícios religiosos, está vazio...
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“Nos escritos joânicos... nos achamos diante de uma imagem total do
cristianismo, que representa, inegavelmente, um estádio independente de sua
evolução que, em muitos aspectos, está além dos estádios anteriores da
comunidade cristã primigênia e até do cristianismo paulino. Urge destacar
principalmente os traços que têm relevância na história da Igreja, ou seja os
traços daquilo que será fundamental ao seu posterior desenvolvimento... a
saber: a imagem de Cristo, que nos é traçada pelo quarto evangelho, e a imagem
da Igreja, que recebe novas adições no livro do Apocalipse” (Jedin; 1966; p
194-195). Acima de tudo, nesse último livro, ele tenta alertar a Igreja da
disposição necessária para enfrentar a maré de ódio, já prevista por Jesus, e
que iria se levantar com toda força contra ela, mais cedo ou mais tarde.
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A igreja de Cristo deve ser a Igreja dos mártires...
Notas
(1)
É evidente que não se trata aqui da liberdade “burguesa”, conceito recente
nascido de um individualismo compulsivo que anula o ambiente e o ditame moral,
como uma possibilidade do indivíduo fazer o que quiser, principalmente quando
tem recursos para pagar o preço dessa “liberdade”. Quem não tem recursos,
entenda-se “dinheiro”, queda-se tolhido em sua “sagrada” liberdade, sem que
isso provoque qualquer constrangimento ou obrigação por parte dos “mais
livres”. Não, não é dessa liberdade de que o apóstolo Paulo, fala, mas daquela
que leva o indivíduo a fazer o que a sua natureza consciente lhe induz, movido
pelo imperativo moral ou pela crença religiosa. Para quem se crê ligado a uma
filiação divina, a liberdade consistiria em fazer sempre o bem, o correto, o
justo, submetendo-se a este ditame moral, da mesma forma que a divindade a ela submete-se,
pois embora sendo onipotente, e talvez até por isso mesmo, proíbe a si mesma,
por ser contrária à sua natureza, de praticar o mal, de causar gratuitamente o
sofrimento, a humilhação e a perda, a quem quer que seja. Fora desse princípio
o que sobra é a insatisfação essencial, uma sensação de incompletude de quem
não se sente livre, visto que preso ao pecado, presente na fragilidade humana, compensada
por tentativas infindáveis de buscar o novo, quando não o estranho e o bizarro,
acarretando sempre a mais insatisfação e sentimento de impotência.
(2)
Atos 20,7 e 1 Coríntios 16,2 não deixam dúvidas: as comunidades paulinas se
reuniam sistematicamente para a celebração da eucaristia e da palavra no
primeiro dia da semana – em hebraico Yom Rishôn = primeiro dia – conhecido hoje
como “domingo”, independente dele ter sido dedicado originalmente, no mundo
greco-romano, ao deus-sol, a quem Paulo, com certeza, não dava a menor pelota.
Aliás, e nome original desse dia em Roma não era Domingo, em latim Dies domini
ou Dies dominica (dia do Senhor), que em português deu “domingo”, o nome
original era Dies solis (dia do sol).
A
causa da mudança do sábado para o domingo tem uma excelente justificativa
bíblica: os quatro evangelistas, quase sempre muito despreocupados com a
questão temporal, são taxativos em afirmar, e mais do que isso, em precisar
meticulosamente que a ressurreição de Cristo se deu nas primeiras horas da
madrugada do primeiro dia da semana (Mt 28,1; Mc 16,1-2; Lc 24,1 e Jo 20,1) e é
nesse dia também que ele aparece aos discípulos (Mt 28,9; Mc 16,9.12.14; Lc
24,13.36; Jo 2019.26), ceia com eles (Lc 24,42-43), e foi nesse dia que,
segundo João 20,22-23, receberam o Espírito Santo. Este também diz, em
Apocalipse 1,10, que foi arrebatado a uma grande Revelação num domingo – o “dia
do senhor”, sem que seja problema o fato de o apocalipse ser escrito em língua
grega, uma vez que o domingo, em grego, é “kiriaké” = dia do Senhor. Por fim o
texto final do Concílio de Jerusalém não recomenda a observância do sábado, um
dos elementos decerto fundamentais para os cristãos judaizantes da época (At
15,28-29). Aliás, não há nenhuma passagem no Segundo Testamento que nos induza
a crer que em algum momento os primeiros cristãos observaram o sábado.
O
presbítero e teólogo italiano Giuseppe Barbaglio, especialista em Igreja
Apostólica, comentando esse fato e querendo demonstrar que desde essa época se
observava o dia de domingo diz, comentando Ap 1,10 “de singular interesse
resulta o termo novo que ali se emprega: día kirial... Muito provavelmente se
evitou o genitivo [a língua grega, como a latina, tem declinações] Iou Kyriou,
porque o dia do Senhor já estava qualificado no sentido escatológico como o
momento da vinda gloriosa de Cristo no final da história (cf 1Cor 1,8;5,5; 1Ts
5,2...) Ademais, o adjetivo kiriaké só tem uma passagem paralela no Novo
Testamento, em 1Cor 11,20, onde se fala da “ceia do Senhor”: nesta direção
[conforme o sentido da língua grega] devemos buscar o significado da expressão
“díakirial” como a ceia do Senhor, significando a comunhão eucarística dos
crentes em Cristo (que experimentam a sua presença)... a presença de Jesus
ressuscitado entre os seus... À terminologia judia para o domingo (primeiro
dia) na semana sabática, que coexistiu pacificamente com o “dia do Senhor” dos
cristãos, no Novo Testamento, se acrescentou, na ápoca patrística, uma
denominação de procedência pagã “dia do sol”... A denominação judia [dos dias
da semana] se conservou na Igreja... porque desde a primeira [geração] patrística,
o domingo se vincula ao primeiro dia da criação, em que Deus fez a luz [que, ao
contrário do que acreditavam os antigos semitas, não existe sem o sol, por isso
no Gênesis Deus cria primeiro a luz e depois o sol e a lua!]. Esta vinculação
com a criação se fez extensiva à geração do Verbo Eterno. Entretanto, na
tradição dos primeiros séculos teve um êxito singular a denominação do domingo
como o “oitavo dia”... A semana sabática começou, portanto, a marcar o tempo
presente, enquanto o domingo significava o mundo novo, do futuro, da
escatologia prometida e esperada” (tradução livre do espanhol). Mais argumentos
e profundidade nessa questão podem ser encontrados no seguinte endereço, em
espanhol, com alguns, erros gramaticais perturbadores http://www.mercaba.org/DicTM/TM_dia_del_senor.htm
Fora
isso existem testemunhos muito antigos que mostram a prática de reunião dos
cristãos aos domingos, como:
a)
No Didaqué: uma espécie de catecismo escrito por volta de 70, diz: “Reúnam-se
no dia do Senhor, a partam o pão” (tradução Wikipedia em espanhol – Domingo)
b)
Santo Inácio de Antioquia, discípulo do Apóstolo João, em sua Carta aos
Magnésios, em 110, diz: “não mais guardando o Sábado, mas vivendo segundo o dia
do Senhor (Domingo) dia em que nasceu a nossa vida por meio Dele” (idem)
c)
Justino Mártir, que vivem entre 100 e 164, escreveu essa passagem: “No dia que
se chama dia do sol tem lugar a reunião em um mesmo lugar, para todos os que
habitam na cidade ou no campo. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, por
ser o primeiro dia [da Criação], quando Deus, transformando as trevas e a
matéria, fez o mundo, e o dia também em que Jesus Cristo, nosso Salvador,
ressuscitou de entre os mortos, pois como se sabe ele foi crucificado um dia
antes do dia de Saturno [dies Saturni, que na semana romana era sábado, e o dia
que o antecedia, a atual sexta-feira, era o dies Veneris, dia de Vênus], e no
dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol [dies Solis], ele apareceu aos
seus apóstolos (Mt 28,9) e discípulos” (idem)
d)
São Jerônimo, que viveu entre 340 e 420, escreveu: “Os pagãos o chamam dia do
Sol, e devemos reconhecê-lo como tal com a maior boa vontade, posto que neste
dia apareceu a Luz do Mundo e nesse dia amanheceu o Sol da Justiça [Jerônimo
lembra tanto do momento da primeira revelação da Ressurreição como das palavras
da profecia de Zacarias (Lc 1,78), corroborada por Nm 24,17; Ml 3,20 e Is 60,1.
Etc...
Chega
por enquanto! Vemos que o culto do Domingo é tão antigo quanto a Igreja e que
sobejam testemunhos a esse respeito, e para os católicos e cristãos de boa
vontade deixo as palavras do apóstolo: “Que ninguém vos perturbe por questões
de comida e de bebida, ou a respeito de festas anuais ou de lua nova ou de
sábados, que são apenas sombras de coisas que haviam de vir, mas a realidade é
o corpo de Jesus Cristo” (Col 2,16-17) (BJ).
(3)
A representação efésia do ídolo dessa deusa era particularmente extravagante,
pois no seu tronco se pendiam uma vintena de protuberâncias, que uns afirmam
ser seios, outros os testículos dos bois sacrificados em sua homenagem, nas
comemorações anuais.
(4)
Existe uma corrente de santos Padres, entre os quais se colocam Pápias,
Gregório de Nissa e São João Crisóstomo, que defendem a tradição que João
morreu como mártir, embora não haja maiores detalhes a respeito, cumprindo
literalmente a profecia de Jesus em Mt 20,22-23. Informes sobre a morte
violenta e relativamente precoce de João aparecem em alguns martirológios,
livros que compilavam as datas referentes às festas dos mártires cristãos, do séc V. Embora o peso maior e os dados mais consistentes apontem para uma
velhice longa e uma morte natural em Éfeso. Outra questão digna de
esclarecimento é que, embora a palavra martírio esteja tradicionalmente
associada a uma morte violenta, o seu sentido original em grego é o de
“testemunho”, e nesse caso o episódio da caldeira cheia de óleo fervente de
João é um típico caso de martírio, embora não tenha levado à morte.
(5)
O “discípulo que Jesus amava” era João, autor do quarto Evangelho, segundo
Irineu de Lion (130-202), que obteve essa informação de Policarpo de Esmirna
(70-155), que, junto com Inácio de Antioquia (+100), privou da companhia do
Apóstolo João. Essa tradição foi mais tarde compartilhada, entre outros, por
Agostinho de Hipona, João Crisóstomo, São Gregório Magno e Beda o Venerável etc.
Porém, com o desenvolvimento dos estudos históricos da Bíblia e das fontes da
Igreja, nos séculos XIX e XX, começaram a surgir questionamentos acerca dessa
identidade, mas nenhum que tivesse apresentado evidências ou argumentação
sólida o bastante para desautorizar essa antiga tradição. Essa questão, e tantas
outras relacionadas ao seu Evangelho, ao discípulo que Jesus amava e às cartas,
pois em João nada é excessivamente evidente ou superficial (João é melhor a
síntese da “porta estreita e do caminho difícil” de Mt 7,13-14), fogem do
propósito deste trabalho, por isso remeto o leitor a uma fonte simples e fácil,
embora não completa, que é são os verbetes Juan
el Apóstol, El discípulo a quien
Jesús amaba, Evangelio de Juan,
na Wikipedia em espanhol, além dos verbetes sobre “Juan, apóstol”, na
Enciclopedia Católica Mercaba, no site espanhol mercaba.org, que é completo,
para mim.
Para
não encerrar abruptamente esse assunto e incentivar aqueles que querem ir além,
cito os textos muito estimulantes, para mim, de dois autores de competência
reconhecida: o padre dominicano Claude Marie-Emile Boismard, um especialista
nesse período da Igreja, e o célebre cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI,
que divergem em alguns elementos da tradição antiga, embora concordem no
essencial.
“Quem
é o autor desse Evangelho tão rico e tão complexo? A tradição, quase
unanimemente, responde: João. Vemos já na primeira metade do século II que
muitos autores reconhecem e utilizam o quarto evangelho: Santo Inácio de
antioquia, o autor das Odes de Salomão, Pápias, São Justino e, quiçá, Clemente
Romano: tudo isso é prova de que o evangelho gozava de autoridade apostólica. O
primeiro testemunho explícito é o de Santo Irineu, em torno de 180... Quase na
mesma época Clemente de Alexandria, Tertuliano e o cânon Muratori atribuem
formalmente o evangelho ao apóstolo João. Se houve uma opinião oposta entre os
séculos II e III, isso se deve à reação de alguns contra os “espirituais”
montanistas, que utilizavam o evangelho de João de maneira tendenciosa... Além
do mais, nada há no mesmo evangelho que se oponha à tradição... Já vimos que o
evangelho se apresenta sob a garantia de um discípulo amado pelo Senhor,
testemunha ocular dos fatos que narra. Sua língua e seu estilo denunciam sua
origem manifestamente semítica: se encontra perfeitamente a par dos costumes
judeus, assim como da topografia palestinense do tempo de Jesus. Parece unido
com especial amizade a Pedro, e Lucas nos informa [no seu Evangelho e em Atos]
que, efetivamente, esse era o caso do apóstolo João” (tradução da wikipedia em
espanhol - El discípulo a quien Jesús
amaba).
Ratzinger
segue noutra direção: “Essa informação é verdadeiramente digna de atenção [de
que haveria um segundo João, o chamado “João o presbítero”, citado por Eusébio
de Cesareia, que interveio na confecção do evangelho ou noutros escritos
atribuídos ao apóstolo João]; dela, e de outros indícios afim, se depreende que
em Éfeso houve uma escola joânica, que devia remontar a sua origem ao discípulo
predileto de Jesus, e na qual havia, além deste, um “presbítero João”, que
possuía uma autoridade decisiva. Esse “presbítero” João aparece na Segunda e na
Terceira carta de João (ambas em 1,1) [cujo tema e estilo, segundo os
especialistas, diferem consideravelmente da Primeira, assim como sofreram uma
resistência muito maior para serem inclusas no cânon bíblico], como remetente e
autor, com o título de “o presbítero” [traduzido por “o ancião”, na língua
portuguesa] (sem mencionar o nome de João). É evidente que ele mesmo não é o
apóstolo, de maneira que aqui, nesse versículo do texto canônico, encontramos
explicitamente a enigmática figura do presbítero, que certamente estava
estreitamente ligado ao apóstolo e, inclusive, deve ter conhecido a Jesus
[seria um discípulo]. À morte do apóstolo foi considerado o depositário de seu
legado, e na memória da comunidade a figura de ambos foi se mesclando cada vez
mais [até se fundir]. Em qualquer caso podemos atribuir ao “presbítero João”
uma função essencial na redação definitiva do quarto evangelho, durante a qual
ele se considerou indubitavelmente sempre como administrador da tradição recebida
do filho de Zebedeu” [a possibilidade do Evangelho de João ser fruto de um
trabalho coletivo, escrito a partir das memórias do apóstolo, por aqueles que
lhe eram próximo explica, tanto em João como nos outros evangelhos, um certo
caráter de compilação de memórias, que por vezes quebram o fluxo da narrativa,
que por vezes ocorrem nos textos, e impossibilitam a concordância, a
harmonização, entre os evangelhos] (traduzido da wikipedia em espanhjol – Juan el Apóstol).
A
postura de Ratzinger recebe também de Jedin, um apoio discreto “os escritos que
levam seu nome [o de João] procedem também de seu espírito, embora tenham
recebido das mãos de seus discípulos a sua forma definitiva” (idem, p 195)
(6)
É dessa contemplação que nasce a mais espetacular abertura de um livro na
literatura ocidental e a mais rica definição de Deus feita por um homem: “No
princípio estava o Verbo [Logos, em grego]/ E o Verbo estava em Deus/ E o Verbo
era Deus./ No princípio, ele estava com Deus./ Tudo foi feito por meio dele/ E
sem ele nada foi feito./ O que foi feito nele era a vida [o universo está
vivo!],/ E a vida era a luz dos homens;/ E a luz brilha nas trevas,/ Mas as
trevas não a retiveram...” (BJ). De onde veio isso? De onde veio tal
inspiração? Como João e os seus discípulos sacaram isso? Nem parece coisa desse
mundo!
Bibliografia
Bíblia de Jerusalém; 3ª impressão; Paulus; São Paulo;
2004
Bíblia Sagrada; 144ª edição; Ave-Maria; São Paulo;
2001
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Cosmos; Lisboa-Rio de Janeiro; 1964
Cornell, Tim e Matthews, John; Roma legado
de um império; col. Grandes Impérios e Civilizações; trad Maria Emilia
Vidigal; Del Prado; 2 vol; Madrid, 1996;
Diacov, V. e Covalev, S.; História da Antiguidade
– Roma; trad João Cunha Andrade; Fulgor; São Paulo; 1965
Giordani, Mario Curtis; Antiguidade Clássica II – História de Roma; 9ª edição; Vozes;
Petrópolis; 1987.
Jedin, Hubert (org); Manual de Historia de la Iglesia – e la
Iglesia primitiva a los comienzos de la gran Iglesia - tomo primero;
versión castellana Daniel Ruiz Bueno; Herder; Barcelona 1966; (online)
McKenzie, John L.; Dicionário bíblico; trad. Álvaro Cunha e outros; 8ª edição; Paulus;
São Paulo; 2003.
Mora, Jose Ferrater; Diccionario de Filosofia; Sudamericana; Buenos Aires (online)
Reale, Giovanni – Antiseri, Dario;
História da Filosofia – Patrística e
Escolástica; trad. Ivo Torniolo; 4ª edição; Paulus; vol 2; São Paulo; 2009
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