CANUDOS
(1896-1897): PEQUENA HISTÓRIA DE UM GRANDE MASSACRE - 2
Prof Eduardo
Simões
Obrigado aos
amigos de Brasil, Alemanha França, EUA, Coreia do Sul, Holanda, Romênia, Israel, Portugal, China e
Ucrânia. Deus os abençoe
A guerra da república
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__ Um fato
inesperado veio a unir, circunstancialmente, o profeta do sertão à Igreja: a
Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, e a expulsão da família
real do Brasil. Antonio conselheiro se colocou imediatamente contra essa
mudança, lançando veementes sermões contra a nova forma de governo. Coisa “do
diabo”. Segundo alguns testemunhos, em seu discurso ele acusava os antigos
senhores de escravos de proclamarem a república para se vingar da Família Real,
em especial a querida Princesa Isabel, que assinara a Lei Áurea no ano anterior,
que foi muito elogiada por ele – há notícias bem fundadas de que ele não só
acolhia ex-escravos entre os seus, como os ajudava muito. Seus maiores
inimigos, como o Barão de Jeremoabo (acima), atestam isso, ao tentar desmerecer
os adeptos daquele (1). Conselheiro
repudiou, violenta e publicamente, o regime como um todo e as novas medidas
tomadas como o casamento civil, a secularização dos demitérios, etc.
__ Nesse
momento, vários padres do interior, cevados pela mentalidade oficialista e
saudosos do Padroado Régio, começaram a aproximar-se de Conselheiro, pondo mais
lenha na sua ira antirrepublicana. Na capital, as lideranças republicanas,
assim que se recompuseram do susto, tão repentinoa e inesperada fora a
deposição do monarca, agiram rápido, pedindo providências ao arcebispo contra os
padres “refratários”. Este, por sua vez, mandou uma circular aos párocos, nos
sertões, pedindo que afinassem seus discursos com o da arquidiocese, e
aceitassem o fato consumado. Diante disso as igrejas e capelas oficiais
fecharam novamente suas portas a Conselheiro, deixando-o novamente isolado, e,
talvez por isso, ainda mais convicto de sua repulsa ao novo regime.
__ O sertanejo é
um homem prático, que não se move fácil por ideias, filosofias, ideologias ou
coisa que o valha, mas antes por fatos, por acontecimentos concretos, e o fato
veio na forma de leis que, a partir de uma visão laicista de Estado, vinham aprimorar
o departamento de estatística, melhorar o censo e normatizar, um pouco, a
arrecadação de impostos, para evitar a evasão e mobilizar a maior quantidade
possível de recursos para a tarefa de modernizar um país estagnado por 77 anos!
Incluiu-se até uma lei que impunha a aplicação do sistema métrico decimal, que
ficou, durante um bom tempo, icompreensível ao homem do sertão, a quem se
negara, por quatro séculos, a mais elementar educação formal. Nas sedes dos municípios
começou-se a estabelecer novas formas de organização e impostos para a
realização das feiras livres, o grande momento de alegria e socialização do
sertanejo, à semelhança do servo medieval, mas que atingiam principalmente aos
mais pobres e confusos (“ignorantes”), que ficaram em grande aperto.
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Por Angelo
Agostini - in: BrHistória, nº 4, junho/2007., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2388859
__ Não havia
como Antonio Conselheiro ficar alheio, e não repercutir, do seu jeito, contra
aquela situação que confundia o homem rural, agravado pelo fato de ele estar em
guerra declarada, por ele mesmo, contra o novo regime. O pretexto foi o edital de
cobrança de impostos, afixados na porta da Câmara Municipal de Bom Conselho,
que o Conselheiro, num acesso de “fúria santa” os queimou em meio a impropérios
e maldições antirrepublicanas (2).
Ante a reação das autoridades, ele e seu grupo se retiram do lugar, mas uma
força pública, composta de uns trinta homens da polícia baiana, comandada pelo um
alferes de nome Virgílio, saiu-lhes ao encalço, encontrando-os no dia 26 de
maio de 1893, no distrito de Maceté.
__ O pequeno
destacamento, menosprezando o valor daquela gente, quase todos “13 de maio”, a
típica arraia miúda, que o policial sertanejo, ele mesmo originario dessa
gente, pisa com sadismo, que Graciliano apresentou tão bem no “soldado amarelo”
de Vidas secas, como que para
compensar um profundo sentimento de inferioridade, nascido de sua convivência
estreita e assimétrica com as elites políticas e econômicas, partiu para o
ataque. O comandante da força decerto pensou: “quando virem as fardas, vão se
borrar tudinho, e botar o rabo entre as pernas!” Mas após uma curta e renhida
batalha, a força policial, sentindo a forte resistência, “meteu o pé na
carreira”, com o seu comandante correndo à frente.
__ Após o
confronto, os conselheiristas deixaram de frequentar as sedes dos municípios e
as vilas, e se embrenharam no alto sertão baiano. O governo estadual,
desmoralizado, pediu ajuda ao governo federal, que, lotado de problemas como a
Revolta da Armada e a Revolta Federalista, liberou uma pequena tropa de 80
homens do exército para dar cabo do grupo. Essa força chegou a entrar em
contato com os conselheiristas, mas percebendo a diferença entre as forças e a
disposição do adversário, o seu comandante, e oficiais, preferiram evitar o
combate, e retirou-se para a capital, no dia 9 de junho. Esses foram os únicos
que agiram com o juízo.
__ O incidente
em Bom Conselho pode ter sido fatal, pois a ele se seguiu o vexame da polícia
em Maceté, que, com certeza deve ter propiciado ocasião para muitos versos e
quadrinhas engraçadas, principalmente entre os repentistas de feira, que não
perdem uma oportunidade, deixando em má situação a “moral” da autoridade que
expedira aquela força, o juiz Arlindo Batista Leoni, que não esqueceria a
desfeita (3).
__ Vagando pelo
alto sertão da Bahia, em 13 de junho de 1893, Conselheiro e sua gente chegaram
a um local recôndito, mas de seu conhecimento. Uma pequena fazenda, chamada
Canudos, já há algum tempo abandonada, constando apenas de uma pequena casa de
vaqueiro e uma capela, ambas em ruínas (4).
A capelinha foi imediatamente reformada pelos conselheiristas, sendo mais tarde
dedicada oficialmente, com a presença do vigário de Cumbe, a Santo Antonio –
mais tarde eles ergueriam uma capela nova e mais imponente, a do Bom Jesus, que
não chegou a ser concluída – enquanto o local
foi rebatizado como Arraial do Belo Monte, onde o Conselheiro e sua gente
supunham ter encontrado definitivamente o seu lugar de descando, isolados da
“maldita” república.
A fortaleza de Belo Monte
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http://www.revistadehistoria.com.br/
Canudos em 1897.
Em destaque a Igreja Nova, do Bom Jesus, à esquerda, e a Igreja Velha, Santo
Antonio, à direita. Na verdade as duas eram, oficialmente, apenas capelas.
__ Como o Conselheiro
e sua gente foram dar naquele lugar, ou, como diria Vargas Llosa, naquele “fim
de mundo”? Decerto que a existência daquela fazenda abandonada não era desconhecida
por muita gente da região nem pelos conselheiristas, em geral, acostumados a
bater aqueles sertões em busca de assistência para suas prédicas, igrejas e
cemitérios para obras de manutenção, sem falar da espetacular memória
ancestral, praticamente já incorporada ao DNA daquela gente. Sertanejo tem
“memória de elefante”.
__ Não temos muitos
dados sobre o que motivou a escolha de Canudos como lugar de fixação dos
conselheiristas, além da necessidade de evitar toda convivência possível com
comunidades republicanas, principalmente por causa da completa destruição do
arraial, antes que se fizesse um estudo mais detalhado. Há, entretanto, um estudo
muito bem fundamentado, assinado por Cunha-Blaj (1974), que mostra o quão
oportuna foi a escolha do lugar, para a eventualidade de uma guerra defensiva,
fazendo supor que desde a sua fundação Belo Monte aspirava por uma posição
militar defensiva, ou preventiva, consciente e muito bem estruturada.
__ Um relevo em
torno, muito irregular e pedregoso, cheio de serras (5), de onde descortinam vastas paisagens (pontos de observação),
penhascos, que limitam as manobras, estreitas passagens e abundância de
pedregulho, que dificultam o uso da cavalaria, carroções de transporte, e mesmo
o avanço de uma tropa, além de facilitar a armação de emboscadas e pontos de
tiro.
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__ Alguém
poderia questionar que essa dificuldade de deslocamento também prejudicaria aos
moradores e defensores em seus contatos com outras comunidades ou no seu
enfrentamento com prováveis inimigos, mas não é bem assim; havia, e ainda deve
haver, caminhos secretos, rotas alternativas, conhecidas apenas pelos moradores
da região, sem falar que, da mesma forma que o caboclo amazônico não se perde
nem se atrasa por entre os meandros naturais formados pelo rio Amazonas em suas
cheias, o matuto, da mesma forma, não se perde nem se atrasa quando se desloca em
meio ao cipoal de galhos e árvores crestadas, que se espalha pela caatinga
nordestina. Ele sabe o melhor caminho de memória.
__ As condições
básicas de vida estavam garantidas pelo curso do rio Vaza-Barris, com seus 450
km de extensão, que em seu curso intermitente, fornecia água suficiente para a
manutenção de numerosa população. O fornecimento de água foi complementado pela
existência de várias aguadas, dentro dos limites da cidade, e por cacimbas (6).
__ Em caso de
guerra, a provisão de munição básica estava garantida, graças ás minas de
salitre, que abundavam na região, sem falar da infinita provisão de cascalhos
duríssimos, no leito do rio, que serviam de bala, causando um ferimento muito
doloroso. Mas quem pensar que os canudenses dependiam apenas de armas rústicas
e munição improvisada, pode estar enganado, e aí vem a mais importante
característica dessa incrível comunidade: a sua localização.
__ Graças aos caminhos,
conhecidos e obscuros, Belo Monte integrava uma rede de comunicação e
transporte complexa, devido à sua relativa proximidade com vários municípios e
distritos, com os quais os conselheiristas mantinham um intenso a animado
comércio de manufaturados, produtos naturais e ideias. Entre eles Cunha-Blaj
citam: Rodelas, Várzea da Ema, Vargem do Rio São Francisco Pambú, Capim Grosso,
Canabrava, Bom Conselho, Cumbe, Fortaleza, Tucano, Massaracá, Rosário, etc.
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__ A própria
cidade do Belo Monte foi urbanizada de um jeito que favorecia muito a defesa,
uma vez que não havia grandes avenidas nem ruas retilíneas. A cidade era, para
quem chegava, um tormentoso emaranhado de becos e vielas que acabavam
abruptamente numa casa “mal localizada”, obrigando por vezes, a quem não era
morador, a ter que sair dos limites do casario para poder ir de um extremo a
outro do povoado. As casas eram de taipa e, durante o conflito, os matutos
escavaram facilmente pequenos buracos, à guisa de seteiras, de onde podiam
fazer fogo farto e certeiro sobre os assaltantes – o fato incomum dessas casas
não terem janelas é um forte indicativo de um plano prévio de defesa. A cidade
reproduzia, dessa forma, a confusa disposição natural da vegetação do entorno,
e assim como esta, era excelente para deter o ataque de uma forte força
invasora, como o experimentou, de uma maneira terrível, a expedição Moreira
César.
__ Por fim, embora
a questão dos recursos estivesse bem equacionada, ela não era suficiente para
garantir o sucesso de um projeto como aquele; eram necessários uma ideia e ações
relacionadas a essa ideia, para que Belo Monte alcançasse seu pleno poder
mobilizador. A ideia foi a versão popular do catolicismo sertanejo, encarnada
na pessoa de Antonio Conselheiro, que, apesar da sua “monomania” religiosa,
continuava sendo um homem culto, e com tirocínio para certas coisas práticas.
Mais tarde teve a ideia de levantar uma igreja mais imponente, a chamada igreja
nova, dedicada ao Bom Jesus, defronte à capela de Santo Antonio, dois fortes baluartes
interligados por túneis.
__ Essas medidas
foram complementadas por outras, de caráter administrativo, que deram a Canudos
aquela solidez, de curto prazo, das organizações centralizadas, além de outras
vantagens, tornado-se um grande atrativo para a sofrida gente do sertão, como
se vê abaixo:
a) Qualquer um
que chegasse e fosse aceito pelo Conselheiro, uma condição indispensável, podia
levantar sua casa, (onde quisesse?) sem ter que pagar nada a ninguém ou imposto
público.
b) Não havia uma
igualdade perfeita; o tamanho variável das casas mostrava o contrário, mas no
geral todos convergiam para o mesmo objetivo e a desigualdade era bem menos
notável que alhures. Ouso dizer que o principal fator de igualdade de Canudos
era o entendimento do Conselheiro sobre o que decidir em cada situação, e a
coerência dessas medidas, por mais “primitivas” que fossem, de tal sorte que
suas determinações eram acolhidas como “lei” por todos, acabando com a
aplicação indiscriminada da justiça familiar, típica dos sertões onde não havia
estado, e que permitiam aos mais ricos e poderosos tripudiar sem peias sobre os
mais humildes.
c) Roupas,
alimentos e abrigo eram distribuídos gratuitamente entre os mais pobres.
d) Conselheiros
cercou-se de elementos fieis e devotados, que lhe garantiam suporte e força
física contra qualquer desafio ao seu poder, a começar pela Guarda Católica,
que tinha uniforme, armamento e munição, soldo regular, e era responsável pela
guarda dos símbolos máximos da comunidade, as duas igrejas e o Conselheiro; após
eles havia a Companhia do Bom Jesus ou Companhia Santa, com umas mil pessoas; e
um grupo de beatas, comandadas pela mordoma do Conselheiro, tia Benta, que
cuidava diretamente do seu bem estar.
__ Havia ainda vários
outros personagens, gente de confiança, que ajudavam-no a organizar e
administrar a comunidade, mostrando que Belo Monte não foi um projeto
improvisado ou fruto de uma mente desvairada e de fanáticos incultos, antes
algo pensado para ser permanente e estável. A mente diretora de tudo aquilo
podia até ser um pouco desvairada, mas também era, com certeza, muito
inteligente (ardilosa?) e sabia conseguir de seus colaboradores o máximo que
eles podiam dar, inclusive a vida. Só os gênios das relações humanas conseguem
isso, para o bem ou para o mal.
A ruptura definitiva com a Igreja
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__ No início de
1895, o governador da Bahia, Rodrigues Lima (acima), preocupado com as inúmeras
notícias que circulavam constantemente nos jornais da capital, com base em
relatos de um correspondente anônimo em Monte Santo, que descreviam a prática
dos maiores despropósitos e atropelos pela gente do Conselheiro, resolveu
entrar em contato com o arcebispo de Salvador, D. Jerônimo Tomé da Silva,
nascido cearense, em Sobral, para que enviasse emissários e tentasse, por meios
pacíficos, a solução da situação, de preferência pela dispersão da comunidade
conselheirista.
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Wikipedia
__ D. Jerônimo
(acima) buscou numa congregação famosa pela sua rusticidade e disposição a
tarefas particularmente espinhosas, a Ordem dos Frades Capuchinhos (OFM-Cap),
fundada na Contrarreforma, e que se tornara, o “pau para toda obra” da igreja
no Brasil. Os frades dessa ordem gozavam de um especial prestígio entre os
sertanejo devido a frequência com que seus membros faziam missões pelo interior
do semiárido, nas quais granjearam popularidade e respeito da parte dos
sertanejos. Entre os capuchinhos ele escolheu um frade italiano já conhecido
naquelas paragens: frei João Evangelista do Monte Marciano.
__ Segundo
Calasans (4), frei João tinha contra si o fato de ser um italiano que, embora
naturalizado, ainda não dominava bem a língua portuguesa, e que, portanto,
podia não ser bem entendido pelos sertanejos, sem falar de seu temperamento
mais próximo do pavio curto. Seja como for, não havia muito que o arcebispo pudesse
fazer, porque os padres brasileiros,
mais próximos culturalmente dos sertanejos, eram, em geral, produtos da antiga
igreja católica imperial, oficialista e palaciana, e não estavam muito motivados
a enfrentar as agruras do sertão, sem falar não era em qualquer lugar que se podia
encontrar um Padre Ibiapina, morto 12 anos antes. Creio que foi o melhor que D.
Tomé conseguiu
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__ Cheio de
ânimo e um tanto temeroso, isso ele o confessa no seu Relatório, Frei João chama outro frade recém-chegado da Itália, para
ir junto consigo a Canudos: frei Caetano de São Leo, e partem na direção de
Cumbe, do qual, eclesiasticamente, Belo Montre era dependente (frei João e frei
Caetano são os dois padres sentados no meio da foto). Em Cumbe eles se
encontraram com o vigário local, padre Vicente Sabino dos Santos, que se ajuntaou
à missão – há mais de ano que o padre Vicente não a Canudos-Belo Monte, por ter
sido desacatado a última vez que lá fora.
__ No Relatório,
frei João começa se queixando da dificuldade para chegar até Cumbe, e daí para
Canudos-Belo Monte, que fez a viagem se arrastar por quase um mês, abril-maio, tanto
por falta de condução como por falta de gente disposto a guia-los até lá.
Receio da gente do Conselheiro? A três léguas de Cumbe, eles se defrontaram com
um grupo de homens, mulheres e crianças, que, ao vê-los acorreram para suas
armas, e, hostis, se recusaram a dar informação sobre com chegar a Cumbe. Eram,
segundo o frade, “guarda avançada do
Antonio Conselheiro” (Calasans, (4)).
__ Ao chegar a
Canudos, no dia 13 de maio de 1895, ele notou a pobreza das casas (abaixo) : “construídas de barro, cobertas de palha, sem
janelas... O interior é imundo, e os moradores... quase nus... atestam no
aspecto esquálido e quase cadavérico as privações de toda espécie que curtiam...”
(idem) Logo adiante, numa praça, à porta da “capela”, os missionários dão com
uma multidão de “perto de mil homens
armados de bacamarte, garrucha, facão, etc. dando aos Canudos a semelhança de
uma praça d’armas”.
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__ Aí os
missionários tem contato com a Guarda Católica, com seu uniforme e gorro todo
azul, à semelhança do uniforme do exército imperial brasileiro, e da roupa do
Conselheiro, sendo então levados para a casa paroquial, onde o vigário de Cumbe
costumava ficar. De lá frei João observa uma coisa preocupante; séquitos de
gente acompanhando vários funerais; “oito
cadáveres, conduzidos por homens armados, sem o mínimo sinal religioso”. Ele
ouve dizer que aquela taxa de mortalidade faz parte do cotidiano do arraial e
deduz que é “devido às moléstias
contraídas pela extrema falta de asseio e penúria” (idem). O Conselheiro
mesmo era um exemplo dessa penúria e falta de asseio.
__ No dia
seguinte foram ao encontro do Conselheiro na “capela”, e lá o encontraram em
plena obra, mas cercado por gente armada, que comprimentaram os padres com o
tradicional, “louvado seja nosso Senhor
Jesus Cristo”. Conselheiro foi assim descrito pelo frei: “vestia túnica de azulão, tinha a cabeça
descoberta e empunhava um bordão: os cabelos crescidos, sem nenhum trato, os
olhos fundos, raramente levantados para fitar alguém, o rosto cumprido e de uma palidez quase cadavérica; o porte grave e
penitente” (idem). Que devia impressionar! O frade acrescenta ainda que ele
era de “cor branca, tostada pelo sol”
e dado a “frequentes e violentos acessos
de tosse”. De caráter orgânico ou emocional? E que “ninguém pode falar-lhe a sós, porque seus pretorianos não deixam”.
__ Conselheiro
andou com eles pelas obras e, uma vez na sacristia, frei João aproveita para falar-lhe
da situação de miséria do povo e da presença de gente armada, numa comunidade
que se presumia religiosa e cristã, ao mesmo tempo em que alertou que um dos
objetivos de sua missão, de acordo com a ordem do arcebispo, era aconselhar o
povo a se dispersar. Nesse momento um grupo de gente, entrando na sala, põe-se
a clamar: “nós queremos acompanhar o
nosso Conselheiro!” Este os fez calar e disse: “é para minha defesa que tenho comigo esses homens armados, porque
v.rvma há de saber que a polícia atacou-me e quis matar-me no lugar chamado
Maceté... No tempo da monarquia deixei-me prender, por que reconhecia o
governo; hoje não, porque não reconheço a república” (idem).
__ O frei tentou
argumentar que, sendo católico, não convinha ao Conselheiro o apelo a uma saída
armada, e que, se a própria Igreja havia se submetido ao novo governo, ele
também deveria se submeter, e concluiu dizendo-lhe temerariamente “é uma doutrina errada a vossa”. Um grupo
recém-chegado cortou-lhe, excitado, a palavra: “v. rvma é que tem uma doutrina falsa, e não o nosso Conselheiro”.
Este os fez silenciar e completou dizendo que não desarmaria os seus, mas
também não impediria a missão. O grupo então levou os padres até em casa, e uma
vez nela os visitantes ouviram gritos estrondosos, dando vivas “à Santíssima Trindade, ao Bom Jesus, ao
Espírito Santo e ao Antonio Conselheiro”.
__ “Os aliciadores da seita, continua o
frei, se ocupam em persuadir o povo de
que todo aquele que quiser se salvar precisa vir para Canudos... nem é preciso
trabalhar, é a terra da promissão, onde corre um rio de leite, e são de cuscuz
de milho os barrancos”. Algo análogo às passagens de Ex 33,3; Is 51,1-2.
Entre outras coisas o frade lembra-se de ter visto dois malfeitores, sempre
presentes no séquito do Conselheiro: João Abade, da mais alta hierarquia,
acusado de dois homicídios, e José Venâncio, com 18 acusações análogas às
costas, embora também reconheça que “Antonio
Conselheiro não se arroga nenhuma função sacerdotal”. Nesse sentido ele
permaneceu dependente da Igreja, embora o frei também note que ele não faz
muita questão de receber e incentivar os sacramentos. Enquanto os frades
estiveram em Canudos-Belo Monte, Conselheiro se absteve de falar aos seus em
público.
__ No dia 14 de
maio abriu-se a missão, com a presença de umas “quatro mil pessoas”, inclusive
de gente próxima ao Conselheiro, e este também compareceu, com o seu bordão,
olhando atento para tudo e para todos, embora calado. Os de seu estado-maior,
presentes, armados até os dentes. Nesse dia o frei falou sobre como deve ser o
jejum correto, adequado a cada temperamento e à capacidade física do fiel,
procurando um objetivo mais espiritual que físico. Ao recomendar um jejum mais
moderado – carne de noite e uma chávena de chá pela manhã – “o Conselheiro estendeu o lábio inferior e
sacudiu negativamente a cabeça, e os seus principais asseclas romperam logo em
apartes... “Ora, isso não é jejum, é comer a fartar””.
__ No quarto dia
da missão, o frei pregou sobre “o dever
de obediência à autoridade”, citando a república como “governo constituído do Brasil”, citando inclusive a recomendação,
nesse sentido, do “Sumo Pontífice” (7). “Estas minhas palavras, irritaram o ânimo de muitos... começaram a fazer
propaganda contra a missão... arredando o povo de vir assistir... um padre
protestante, maçon e republicano, e dirigindo-me quando passavam e até ao pé do
púlpito, ameaças de castigo e até de morte. Espalharam que eu era emissário do
governo... E, passando de palavra a atos, ocuparam com gente armada todas as
estradas do povoado, pondo-o em estado de sítio” (idem).
__ Como o frade
continuasse com seu látego firme, denunciando as mazelas, no seu entender, da
comunidade, no dia 20, pelas 11 horas da manhã, os principais da cidade, tendo
à frente João Abade, saíram pelas praças e vielas apitando e arregimentando
povo, para uma estrepitosa passeata, engalanada com muitos fogos de artifício e
gritos de ‘vivas’ “ao Bom Jesus, ao
Divino Espírito Santo e a Antonio Conselheiro e de lá vieram até a nossa casa,
dando ‘foras’ aos republicanos, maços e protestantes, e gritando que não
precisavam de padres para se salvar, porque tinham o seu Conselheiro”. E aí
ficaram por quase duas horas em grande reboliço. Assuntando os padres.
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__ À tardinha,
na hora de começar a missão,o frade denunciou a manifestação, que ele
considerava como um “desacato” à sua
pessoa, e, ato contínuo, declarou encerrada ali mesmo a missão, e, ainda
cumpriu o preceito evangélico de sacudir o pó das sandálias contra as
comunidades rebeldes, na frente deles. Segundo o frade o seu gesto causou
grande impacto e descontentamento, de sorte que muitos que começaram a mostrar
publicamente a sua discordância com o tratamento dado aos missionários, e ainda,
por causa disso, várias famílias recém-chegadas começaram a abandonar o
povoado. Uma comissão, na qual tomaram parte alguns dos “mais exaltados”,
tentaram demover o frade de seu intento, mas ele permaneceu inarredável.
__ No dia
seguinte, quando deveriam partir, o frade foi chamado para ministrar a confissão
a um moribundo, sendo acompanhado por um bando armado. Uma vez na casa, o padre
pediu que o bando saísse, para ele poder escutar a confissão, e eles então lhe
disseram: “’custe o que custar, não
sairemos’. Observei entã ao doente,
que nem eu podia ouvir a sua confissão, nem ele estava obrigado a fazê-la
naquelas circunstâncias”. Segue-se um bate boca, onde o frade vocifera
contra aquele desrespeito às mais elementares normas da Igreja, e os conselheiristas,
por sua vez, renovam insultos e ameaças.
__ O frade
une-se aos seus companheiros, já com os animais arreados, e parte dali, sem
olhar para trás, mas lembrando-se das palavras terríveis, que Jesus proferiu
quando olhou para Jerusalém, do alto de uma colina, e que se cumpriram
literalmente, num caso e no outro.
Balanço da missão
__ Calasans (4)
é muito severo com frei João Evangelista do Monte Marciano, atribuindo a ele a
responsabilidade pelo fracasso da missão de paz e, de uma maneira indireta,
pelo desembocar da guerra: “O frade
italiano não tinha as qualidades essenciais para levar a bom termo ação
religiosa tão importante. Após uns poucos dias... a trindade missioneira teve
de abandonar o local, agravando assim o relacionamento dos canudenses com o
poder público... O chefe da missão... falava de maneira desabrida, misturando a
língua materna com o idioma da terra de adoção. Suas pregações, segundo a
tradição, eram repletas de ameaças anunciadoras de tremendos castigos
celestiais... inábil no encaminhamento de problema tão significativo”.
__ Calasans divaga!
É óbvio que o incidente propagador de tudo deve ser procurado em Maceté, onde o
juiz local tentou fazer cumprir a lei, afinal o Conselheiro depredara
patrimônio público e incentivava, de uma maneira ostensiva, o descumprimento da
lei – ainda recentemente um juiz proibiu a publicação, no Rio de Janeiro, do
livro Minha Luta, de Hitler, que estimula, ainda que de forma exclusivamente
intelectual, a descumprir as leis contra o racismo e a violência em território
nacional. O que há para notar a esse respeito é que o juiz agiu correto ao
mandar um destacamento prender o Conselheiro, ao mesmo tempo em que chama a
atenção o argumento que este usa, quando justifica a presença de um séquito
armado: “a polícia atacou-me e quis matar-me”, como se o objetivo da polícia
fosse matá-lo, e não prendê-lo, e como se não houvesse nenhuma razão para isso
(prendê-lo). Havia, na cabeça dele, uma sentença republicana de morte contra
ele, típico de maníacos e megalômanos.
__ Ele colocava
à República um problema incontornável, pois ao mesmo tempo em que não queria
deixar o Brasil, recusava-se a cumprir às leis da nossa república, comparadas à
“lei do cão”, e as descumpria publicamente, fazendo-se cercar de gente armada
para sua garantia. Ao demonizar a república fecha-se à possibilidade de
diálogo. No ponto em que as coisas estavam será que o Barão do Rio Branco se
sairia melhor? Talvez até houvesse menos bate-boca e estresse, mas e o
resultado seriam diferente? Há mais um detalhe importante: essa gente armada
não saáa de perto do Conselheiro, a sua mania de perseguição e o medo da
repetição de 1876, contagiava a seu entourage, de sorte que já era muito difícil
saber quem controlava quem. O mais certo é que a coisa já saíra de controle. O Conselheiro,
a esse respeito, passa sinais ambíguos. Creio que mesmo que ele quisesse por
fim à tudo aquilo, seus seguidores não o permitririam, pois eles já haviam
perdido ou doado tudo o que tinham para seguir o Conselheiro e o seu projeto.
__ Ao acusar o
padre de fazer sermões apocalípticos, muito severos, de um penitencialismo
exacerbado, Calasans comete o erro de anacronismo e julga o conteúdo de sermões
feitos no final do século XIX, tendo como parâmetro os que eram feitos na
segunda metade do século XX, noutra circunstânca histórica, infensa aos excesos
de retórica típicos de antanho. Ora, pelos testemunhos da época sabemos que
esse gosto pelo excesso retórico e pelo apocalíptico era o que diferençava o
“homem santo” dos outros, inclusive Antonio Conselheiro, apontado pelo
arcebispo de pregar penitências imoderadas, numa carta já citada (ver parte 1).
Era justamente nesse “excesso” que os ocnselheiristas e frei João Evangelista
podiam construir uma ponte comum, mas nem isso foi possível, uma vez que aquilo
que Calasans julga excessivo os conselheiristas viram como coisa de criança, de
quem não leva penitência a sério. Para eles, frei João, em matéria de
penitência, era frouxo, e por isso “maçon” e “protestante”.
__ O relatório
do frade foi certeiro: a situação já está perdida, e a melhor alternativa é
intervir logo, enquanto não cresce mais e fica mais difícil de resolver. O futuro
lhe dará inteira razão. E o que fizeram nossos políticos do século XIX? O mesmo
que os do século XXI: empurraram com a barriga, transferindo o abacaxi para o
sucessor, no caso Luiz Vianna, eleito em 1896, cujos correligionários tentaram,
inclusive, viver em paz com os conselheiristas, uma vez que estes criavam
problemas para o seu maior desafeto político na região: o barão de Jeremoabo.
__ A violência e
a hipocrisia sufocantes do sistema político crepublicano, acabarão por engolfar
toda aquela gente e o país inteiro, num dos mais infames e absurdos conflitos
de nossa história.
Notas
(1) Jeremoabo
chamava os conselheiristas de “gente do 13 de maio”. Calasans (1) recolheu as
seguintes palavras, em um manuscrito do Conselheiro, chamado Tempestades que se levantam no coração da
Virgem Maria por ocasião da Anunciação: “Quantos morriam debaixo de açoites por faltas que cometiam, alguns
quase nus, oprimidos de fome e de pesado trabalho... Chegou enfim o dia em que
Deus tinha de por termo a tanta crueldade, movido de compaixão em favor do seu
povo,ordena para que se liberte de tão penosa escravidão”. Não nos
enganemos, as palavras são cristalinas; não estamos diante de um abolicionista
convicto, seu discurso é neutro, excessivamente “espiritual”, como se estivesse
falando para interlocutores extraterrenos, mas ele pelo menos fez algo por
aquela gente, enquanto o resto da nação lavava as mãos quanto ao destino de
milhares de ex-escravos.
(2) Eis o que
diz Facó (p 87) “em 1893, os municípios são autorizados pelo Governo Central a
efetuar a cobrança de impostos no interior. Para fazê-lo, à falta de imprensa e
outros meios de difusão... afixavam as autoridades municipais às portas das
Casas da Câmara, uma tábua em que se pregava um edital de cobrança. Era uma
novidade...
... em Bom
conselho, num movimentado dia de feira... O Conselheiro manda arrancar os
editais de cobrança de impostos e com eles faz uma fogueira em praça pública”
(3) Ao mesmo
tempo inventaram uma história, de que um conselheirista, a exemplo do mestre,
teria dado uma sova pública numa “despudorada” local, que seria a amante do
juiz, o qual mandou prender o beatão, sendo este, posteriormente, libertado “na
marra” pelo Conselheiro em pessoa. Era uma dupla desmoralização para o juiz,
que o povo devia ter “pelo gogó”, por causa dos impostos e por representar o
poder público local, que só se lembra do povo na hora de arrancar dinheiro.
(4) A falência
gradual e inexorável da economia nordestina, em especial no semiárido, na
segunda metade do século XIX, vez que baseada principalmente na pecuária
periclitante e na mão de obra servil, que, para salvar seus donos da
insolvência, foi vendida a mancheias aos ricos cafeicultores do Sudeste, antes
da abolição, reduzirá em muito a oferta de mão de obra local, causando a forte
decadência da economia nordestina, como um todo, daí a facilidade de encontrar
antigas fazendas, grandes senhorios, abandonados pelo interior. Sobre o
proprietário dessa fazenda abandonada não encontrei dados seguros. Uma fonte
fala de uma casa grande em ruínas, propriedadede gente ligada ao Barão de
Jeremoabo (Calasans), outra fala de apenas uma pequena casa de vaqueiro (Cunha-Blaj)
e outra ainda de uma casa grande, de um tal de Dr Fiel, incendiada em junho de
1897, com um conjunto de três fazendas, com várias casinhas, todas de
propriedade do dito doutor, cujo herdeiro, Dr Paulo Fontes, abandonou o lugar
com a chegada do Conselheiro (Benício). Raríssimos dados sobre Canudos e o
Conselheiro são estáveis ou não passíveis de forte contradição.
(5) Cunha-Blaj,
baseadas em Euclides da Cunha, citam as seguintes serras e elevações:
Canabrava, Poço de Cima, Cocorobó, Caypan. Euclides, numa matéria para o Estado
de São Paulo (17/7/1897), fala de que havia “em torno de Canudos um círculo de
cumiadas”, cortadas pelo Vaza-Barris, em Cocorobó.
(6) A Wikipedia
em francês, detalhando mais Cunha-Blaj diz: “às margens do rio foram plantadas
leguminosas, milho, feijão melancia, cana-de-açúcar, batata, abóbora, etc. Mandioca
era cultivada nas áreas mais úmidas adjacentes. Em Canudos havia um abatedouro
e os suprimentos eram estocados em armazéns. Em cada casa, carne e frutos secos
eram mantidos dentro de tigelas de barro. Havia horticultura nos arrabaldes e
criação de ovelhas e cabras, em pequeno número, além de gado bovino.
A venda de pele
de cabra fornecia boa parte dos recursos necessários à aquisição de bens no
exterior. Os emissários de Antonio Conselheiro faziam negócio diretamente com
os comerciantes de Juazeiro [nesse sentido convém firmar aqui a declaração de
Cunha-Blaj, de que Conselheiro pagava bem pelo que adquiria, assim como, por
vezes, pagava adiantado, logo quase todos, inclusive vários fazendeiros,
queriam negociar com os conselheiristas]...
A venda de pele,
entretanto, não propiciava grande receita, de sorte que Conselheiro se viu
obrigado a flexibilizar um pouco o seu ideal de isolamento, autorizando os
canudenses a trabalhar em fazendas próximas... Mas esse isolamento nunca foi
absoluto, uma vez que o comércio nunca foi interrompido, tanto que, mesmo
durante o conflito, os correligionários de Vianna [governador Luiz Vianna, da
Bahia, enquanto que na região de Canudos a oposição a Vianna era encabeçada
pelo Barão de Jeremoabo, que era do grupo dos gonçalvistas, de José Gonçalves
da Silva, ex-governador], no Partido Republicano da Bahia, continuaram a mandar
suprimentos para a cidade [algo veementemente negado por Vianna].
Conselheiro não
só exigia que os seus seguidores praticassem trabalhos de agricultura em Belo
Monte, como contratou, por jornada, trabalhadores de fazendas vizinhas. Em caso
de necessidade ou de algum novo empreendimento, como o levantamento da igreja
nova, ele enviou vários de seus seguidores a pedir ajuda financeira às famílias
[fora de Belo Monte] que eram simpatizantes de sua causa...” (verbete Guerre de
Canudos). É importante ressaltar que os dados apresentados no verbete da
Wikipedia francesa são baseados no livro do autor americano Robert M. Levine:
Vale of Tears, Revisiting the Canudos Massacre in Northeastern Brazil, construído
a partir da tese, que eu não acredito, de que Canudos foi uma guerra pela
identidade nacional, uma expressão mortal de uma política de branqueamento ou
antimiscigenação, como havia nos EUA, que, se houve por aqui, aconteceu apenas
nos círculos acadêmicos, constituídos, literalmente, de meia dúzia de gatos
pingados, em meio a um oceano de analfabetos, para sorte destes, vivendo a
partir de suas tradições e costumes integrativos e das necessidades de
sobrevivência, que, normalmente, não acolhem esse tipo de estupidez (o
racismo). O que estava em jogo, em Canudos, não era a identidade nacional - o deboche quanto ao fanatismo dos jagunços foi apenas uma diversão da imprensa e uma justificativa para os excessos; o que estava em jogo, em primeiro lugar, era a honra do exército, e em segundo lugar a autoridade de alguns coronéis, e aquele a lavou com sangue, com muito sangue. A prosperidade de Canudo, vista por Levine, é fortemente negada por
uma testemunha ocular, frei João Evangelista do Monte Marciano, em seu
relatório ao arcebispo, corroborado tanto pelas precárias condições locais de
clima, relevo e solo, como pelo aspecto mesmo das casas que aparecem nas
fotografias de Flavio de Barros.
(7) Leão XIII
Bibliografia
Benício, Manuel; O rei dos jagunços – Chronica historica e de
costumes sertanejos sobre os acontecimentos de Canudos; Jornal do
Commercio; 1899; Rio de Janeiro. PDF
Calasans, José; Antonio conselheiro e os escravos; PDF
(1)
_____ ; A
vida de Antonio Vicente Mendes Maciel (1830-1897); PDF (2)
_____ ; No
tempo de Antonio Conselheiro: figuras e fatos da campanha de Canudos –
coletânea de textos do autor; PDF (3)
_______ ;
Relatório de Frei João Evangelista; PDF (4)
Câmara, Fernando; Conselheiro e o Centenário de Canudos – palestra
pronunciada na Federação das Associações Comunitárias de Quixeramobim, no dia
22 de outubro de 1993, durante a 1ª semana comunitária em homenagem à
instalação de Canudos; 1993; PDF
Cunha, Cândida P. da – Blaj, Ilana; A urbanização em Canudos ocmo decorrência
da necessidade de defesa; Anais do VII Simpósio Nacional dos Professores
Universitários de História – A cidade e a história; vol I; Revista de História;
São Paulo; 1974; PDF
_____ ; Carta
Mensal do Colegio Brasileiro de Genealogia, Genealogia de Antonio Conselheiro,
ano VIII, Nº 46, out-dez de 1997; PDF
Dobroruka, Vicente; Antonio Conselheiro o profeta do
sertão; PDF
Facó, Rui; Cangaceiros e fanáticos – gênese e lutas;
PDF
Galvão, Walnice N.; Viver e morrer em Belo Monte; Revista de
História da Biblioteca Nacional; 1/12/2014; online
Nobre, Edianne S. – Alexandre, Jucieldo F.; Missão abreviada: práticas e lugares do bem
morrer na literatura espiritual portuguesa da segunda metade do século XIX;
Revista Brasileira de História das Religiões, ANPHU; Ano IV; Nº 10; maio 2011.
PDF