sábado, 25 de junho de 2016

AGORA BRIGUEM ENTRE SI!

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__ Nenhum homem é uma ilha, exceto os ingleses ou, pelo menos, a maioria deles; e o irônico é que o autor dessa frase, fortemente desmentida pelos adeptos do Brexit, em nome da mais genuína herança inglesa, seja o poeta elisabetano John Donne.
__ Os ingleses deixaram a Europa em nome de sua autonomia, de sua tradição, de seu conforto, e, para espanto da esquerda ingênua, a grande massa dos votos veio justamente da zona rural e dos extratos mais pobres da população, reconhecidos por qualquer um que não seja marxista, como foco histórico de conservadorismo, desde que os camponeses no antigo império romano resistiram tão fortemente às mudanças trazidas pelo cristianismo, que o nome em latim de sua função, paganus, tornou-se sinônimo do mundo ultrapassado pela nova religião.
__ Deixando isso de lado, e olhando para a evolução histórica da nação inglesa, havemos de convir que ela sempre se colocou contra qualquer iniciativa de união europeia, desde que aparece nos registros históricos conhecidos, como quando forneceu todo tipo de ajuda e abrigo aos combatentes tribais belgas do continente, que resistiam fortemente ao pan-europeísmo do Império Romano, embora depois de derrotados pelos romanos rapidamente tenham se aculturado e se beneficiado muito dessa convivência, chegando inclusive a dar uma contribuição considerável ao projeto europeu empreendido pelos francos de Carlos Magno e ao da Cristandade Ocidental, liderado pela Igreja Católica na Idade Média.
__ Com o advento da burguesia e as mudanças gerais na sociedade europeia, que “degeneraram” nos modernos estados nacionais, ficou patente, principalmente depois da Guerra dos Cem Anos, que os ingleses não teriam chance contra estados europeus continentais grandes e fortes, estando condenados, inclusive pela geografia de seu país, uma ilha, a serem eternos coadjuvantes nas grandes disputas europeias, inclusive, na expansão europeia a partir das Grandes Navegações. A estratégia aplicada pelos próximos cinco séculos será a de manter a Europa dividida, não permitindo que nenhum país europeu alcance claramente a hegemonia.
__ O equilíbrio geopolítico do continente, alcançado à custas de guerras, que enfraqueciam os outros estados, interessava aos ingleses, que já haviam feito a sua fusão com Escócia, Gales e Irlanda – isso não podia acontecer de forma alguma no continente – a começar pela Espanha, que unida ao império dos Habsburgo, ameaçava engolfar toda a Europa. Os ingleses não sossegaram enquanto não conseguiram derrotar a Espanha e a sua Invencível Armada, prestando um apoio incondicional aos insurretos holandeses, dividindo a Holanda da Bélgica, forçando o envio da dita Armada para o desastre.
__ Bem pouco proveito tiraram os holandeses dessa aliança, pois Cromwell respondeu com o Ato da Navegação à proposta holandesa de unir os países, e, com as respectivas e as forças militares, dobrar os países católicos na Europa. Depois de quatro guerras, os holandeses estavam prostrados, e os ingleses dominavam os mares que antes eram daqueles. Por falar em religião, note-se que o cristianismo inglês é bem específico, e fabricado sob medida para atender a interesses estratégicos, uma vez que une elementos tanto do catolicismo como protestantismo, permitindo-lhes se aproximar de qualquer um dos lados, quando convier uma aliança.
__ Quando a França ameaçou tornar-se uma potência hegemônica e pan-europeia com Luis XIV e Napoleão Bonaparte, os ingleses arrostaram todas as dificuldades para derrotá-los, unindo-se, inclusive, aos espanhóis, que antes combateram – generais ingleses, como Wellington, além de tropas inglesas, secundaram a portugueses e espanhóis no intento de expulsar o caudilho francês da Península Ibérica. Por falar em portugueses não se esquecer da presença de arqueiros ingleses, ajudando aos portugueses a se separarem da Espanha, em Aljubarrota.
__ As lutas seculares com a França seriam logo esquecidas, à medida que novas potências despontavam no horizonte. A primeira foi a Rússia, que teve que enfrentar na Guerra da Crimeia uma coligação formada por ingleses, franceses, turcos e piemonteses. Mais tarde a Rússia foi derrotada por uma coligação informal entre a Inglaterra e o Japão, na chamada Guerra Russo-japonesa. Uma grande coligação, com os ingleses na ponta, dobrou definitivamente a China na guerra dos Boxers, quando os interesses comerciais ingleses contornaram o mundo.
__ Aliada estreita à França e à Rússia, inclusive quando já era a encarnação do mal com o comunismo, a Inglaterra destruiu os sonhos hegemônicos e confusos do colosso alemão, para depois se unir aos Estados Unidos clamando o enfrentamento da União Soviética e sua “Cortina de Ferro”. Isso tudo enquanto passava para o mundo ideias de liberdade, justiça, paz, bom governo, etc.

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http://veja.abril.com.br/

__ Essa manipulação teria durado indefinidamente se os europeus, engrossados por duas guerras mundiais, não tivesse aberto os olhos e iniciado uma ousada construção política que traria prosperidade e paz permanente à Europa, inclusive com a participação inglesa, que de forma alguma poderia ser a hegemônica, uma vez que o Reino Unido não reúne condições nem vocação para impor sua hegemonia (o inglês comum tende a se fechar num estrito chauvinismo, um tanto racista). Não esquecer que a Inglaterra é o berço da mais radical forma de racismo: a Eugenia de Sir Francis Galton. É à velha Europa, eternamente dependente do apoio inglês, como fiel da balança em guerras tão intermináveis quanto danosas, que foi o voto desses 52% pró Brexit, que acreditam ser bastante a relação de dependência com suas ex-colônias, em especial os EUA, racialmente mais confortável, mas só o futuro dirá se a divisão que eles esperam semear no continente não se dará dentro de sua própria casa (acima). Esperemos que a Europa, unida, resista a mais essa tentativa de voltar às antigas disputas bélicas, e que o nacionalismo belicoso, racista e xenófobo dos partidos da extrema direita, eternos troféus do maquiavelismo ilhéu, não vingue sobre essa iniciativa tão benéfica ao mundo.
__ É claro que esse artigo é uma abordagem muito generalista, que, por força das limitações da linguagem usa termos como “ingleses”, sem querer com isso dizer que aqueles que estão abrigados sob essa designação representam um todo uniforme, agindo de forma sempre consciente, “maquiavélica”, aos desafios de seu tempo, embora também não dê para negar que existe, e é um padrão que não deixa muito a orgulhar a quem nele se enquadra conscientemente. Esperemos que seja só uma opinião.

__ Bem, amigos, acho que agora só nos falta torcer para que Donald Trump não consiga se eleger presidente dos EUA, pois nesse caso, quem ainda não sabe, é melhor aprender a rezar. 

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