segunda-feira, 13 de junho de 2016

NENHUM SER HUMANO É UMA ILHA, MAS É UM MUNDO, E PODE SER ASSUSTADOR.

Prof Eduardo Simões

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__ Fico imaginando alguém, homem ou mulher, entrando numa delegacia, dizendo que, após forrar sua carteira de dinheiro, saiu com o seu carro importado zero para a balada, tomando antes o cuidado de passar na zona mais barra pesada da cidade, o que era de seu conhecimento, e agora está ali, prestando queixa de roubo, apenas com a roupa do corpo.
__ Ele certamente dirá que é um adulto, no pleno gozo de seus direitos civis, entre os quais se incluem poder sair sozinho, levando suas posses, e de transitar em qualquer área da cidade, em qualquer hora do dia ou da noite. O delegado, certamente, cumprirá o seu dever e sairá em busca dos criminosos, mas mesmo assim não livrará a vítima de um grande prejuízo, tanto financeiro como moral, pois aquela ainda terá que ouvir muito de seus amigos e amigas “só um louco ou um otário circularia naquelas bandas”.
__ No dia seguinte ao horroroso e abominável massacre da boate Pulse, em Orlando, uma blogueira de VEJA, escreveu um artigo intitulado ABRAÇO DOS SOBREVIVENTES: ATAQUE AO ESTILO DE VIDA DAS DEMOCRACIAS E O DIREITO DOS ADULTOS FAZEREM O QUE QUISEREM. Ela podia ter completado a frase com “E SOFRER COM ISSO”, afinal o matador também era adulto, estava fazendo o que queria e morava num sistema democrático, que, fora da esfera sexual, aparentemente não o desagradava.
__ Omar Matteen era um desajustado, alguém que não conseguia entender o mundo à sua volta, sentindo-se minoritário e encurralado. Se pelo fato de ser islâmico ou de ascendência afegã pura e simples, ninguém poderá jamais afirmá-lo, afinal a grande maioria dos islâmicos e afegãos, morando em outros países, não sai por aí atirando contra tudo ou contra quem os desagrada.
__ Se o que mais o influenciou foi o fato de ele ter sido mal educado ou uma possível convivência com os terroristas do EI, será também difícil dizer, mas algumas coisas nós sabemos perfeitamente sobre a decantada sociedade americana e a sua democracia:
a) Há uma clara e onipresente cultura da violência e da agressão física, claramente perceptível, por nós brasileiros, nos cinemas e seriados, mas também nos grandes magazines, que costumam rechear suas páginas com abundantes fotos de cadáveres e combatentes em áreas de conflito.
b) Há um claro, poderoso e público incentivo à fabricação, comercialização, posse e uso de armas de fogo, contra o qual queda, impotente, um dos presidentes mais populares da história do país, incentivo esse que encontra uma de suas maiores justificativas justo no fato de o país ser uma democracia. É irônico, não é? E mais: se não fosse autorizada, democraticamente, a comercialização, inclusive, de armas pesadas, como fuzis automáticos, certamente que o número de vítimas seria bem menor.
c) A democracia, e mesmo a escola de tempo integral, não conseguiram vencer, por serem inadequadas para isso, a imensa barreira racial e cultural que os americanos, em que pese as generosas apresentações de seu sistema político, levantaram contra a absorção de gente estranha às comunidades fundadoras, criando um tabuleiro de comunidades estanques, e, nas fronteiras destas pessoas isoladas, lobos solitários, prontos para explodir, quando a sua sensação de solidão e encurralamento ultrapassar ao limite tolerável, que varia de pessoa a pessoa, na forma de grandes massacres; nas escolas, nas empresas, nas ruas, nas estações de entretenimento, ou ainda nos crimes hediondos dos serial killers, dos quais os EUA são campeões mundiais absolutos. A estes o americano médio só tem uma coisa a dizer: “PERDEDORES”, dito com a máxima entonação de desprezo possível, até acontecer a próxima tragédia, quando muitos verterão abundantes lágrimas, e todos se sentirão perdedores.
__ Em vista do que aconteceu na Pulse e do que acontece no Brasil, mais de uma centena de crimes de matiz homofóbica por ano, creio que é chegada a hora de discutir uma questão que fará certos “democratas” e “adultos” terem urticária, que é a necessidade de cuidar também dos preconceituosos, dos “perdedores”, das minorias, que não apenas aquelas que querer revolucionar costumes ou a política, mas também aquelas que são visceralmente conservadoras, pois todos, e não só os aliados próximos, merecem cuidado; cuidado esse que se expressa por meio de uma educação inclusiva, mas sem imposições ou ameaças, mesmo que seja a favor da tolerância, e não fazer da minha liberdade uma fonte de agressão contra aqueles que não conseguem ainda aceitar determinadas mudanças, porque para aqueles que escrevem artigos muito afirmativos, e até incendiários, tudo não passa de uma questão de ideias e princípios, mas para as vítimas e as suas famílias a perda, a dor e o trauma são reais, e não se resolveram com a leitura de teses inflamadas, por mais politicamente corretas que sejam.
__ Aqui cabe como uma luva uma expressão do apóstolo São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios: “tudo me é permitido, mas nem tudo convém”.
__ Não é só o conceito de democracia da blogueira que é falho, mas também o seu conceito de adulto, pois o verdadeiro adulto, uma pessoa psicológica e socialmente madura, não faz o que quer, mas o que deve, pensando principalmente no bem da comunidade, das outras pessoas, sem abrir mão de seus princípios. Quem faz o que quer, pensando apenas no seu bem estar e no seu prazer, a revelia do mundo, são as crianças e os adultos imaturos e mimados, talvez até doentes, como o atirador da boate Pulse.

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