segunda-feira, 24 de abril de 2017

A SOLIDÃO DAS BALEIAS, DE NÓS MESMOS E DE NOSSAS CRIANÇAS

Prof Eduardo Simões

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__ Na Bíblia e entre os povos antigos, as águas e o seu maior ajuntamento, o mar, era expressão do poder daquelas, e sempre esteve associada à ideia de solidão, poder descontrolado, selvagem, e de morte. Era, enfim, um poder, para uns sobrenatural, ameaçador da vida, do qual Deus, na linguagem poética e mítica do Gênesis, se serviu quando quis exterminar a humanidade no dilúvio.
__ Nesse reino, o das águas, reina absoluto o leviatã dos leviatãs: a baleia azul, provavelmente o animal maior e mais pesado que já existiu em nosso planeta. Um gigante pacífico e sereno que, sabedor que nenhum outro animal ameaça a sua existência, vaga solitário nas águas dos cinco oceanos, zeloso de sua solidão e condenado, como nós, a um destino final, um dia tornar-se água, da mesma forma que nós, os terrestres, um dia seremos pó.
__ Estamos a descobrir que não existe baleias apenas no mar, mas também em terra firme e muito mais próximas de nós, pais e professores do que imaginávamos. Percebi-as há muito tempo, ao dirigir o carro pela estrada que me conduzia à escola onde trabalho, no rosto de alunos de todas as idades, tristonhos, desalentados, silenciosos, a esperar o transporte escolar no respectivo ponto. Mais tarde, senti mais fortemente a sua proximidade, no rosto de alguns alunos ou alunas, sempre silenciosos e apáticos em sala de aula.
__ Fui então percebendo que, assim como as mulheres de Simone Beauvoir, ninguém baleia, tornasse baleia! Isso é claramente perceptível no olhar dos adolescentes que ingressam no 6º Ano do Fundamental, ainda vivaz e brilhante, cheio da esperança e curiosidade que todos nós, que não fomos excessivamente brutalizados pela solidão precoce, tivemos num passado... não tão remoto assim, certo? Pois bem; esse brilho, com o passar do tempo, vai como que esmaecendo, se apagando, no rosto de muitos, agora jovens, como se a descoberta dos mecanismos que regem a sociedade, que até aquele momento eram ocultados à criança pelo véu da fantasia, agora, alevantado pelo amadurecimento da lógica e da razão, mostrasse, ainda no seio do ambiente familiar, um quadro de sorte a não dar-lhe nenhuma esperança ou sonho de que dias melhores virão. Dá para negar a crise da família brasileira? O jovem desiste, mergulha numa solidão patológica, quando muito dividida com um ou outro, assim como as baleias-azuis, e se torna uma delas.
__ Os professores, em geral, não atinam para a gravidade desse comportamento, antes até o apreciam, uma vez que o aluno quieto não dá trabalho, pode ser ignorado sem consequências... para o professor, afinal tristeza não é crime nem algo estranho à condição humana, quando não alimenta a alma e as obras de grandes artistas e literatos. “Nada de novo sob o sol”, diriam muitos a não ser por um detalhe: a triunfal entrada em cena de outra baleia azul, agora, a mascote de um letal e diabólico, onde adolescentes e jovens brincam com sua vida, já sabendo de antemão que irão perdê-la.
__ Digamos sem subterfúgio: “baleia azul” não é um jogo ou um desafio, mas um pacto ou um treinamento sádico, fatal e desesperado de suicídio, logo o suicido que sempre foi um grande tabu para em nossa sociedade, a certeza mais plena do inferno espiritual na outra vida, e que, de repente, está se tornando epidêmico, justo entre aqueles que têm mais motivos de continuar vivos, uma vez que quase nada sabem ainda da vida e estão na fase em que todo ser humano sadio sonha, devaneia, começa a amar e faz grandes planos para melhorar o mundo, mas que agora passaram a tomar a realidade como um verdadeiro “inferno”, até por desconhecimento completo, ainda que teórico, do outro. Nossos filhos e alunos, a deixar-nos no deserto moral e emocional que nós, adultos, os metemos, junto conosco, e fazem o seu próprio êxodo, guiados por um anjo mau, porque o bom já foi despedido a muito tempo pelos adultos. É um novo dilúvio acontecendo, só para menores, e se tudo vai virar água, ou morte, o melhor é ser baleia... azul
__ Pouco importa, nesse instante, se o que há por trás desse pacto, se uma quadrilha de malfeitores ou grupos aleatórios de jovens ou adultos querendo se “divertir”, sentir-se poderosos por manipular adolescentes, ao ponto de levá-los a negar o mais poderoso e primário de todos os instintos, pois o fato é que as regras para o treinamento existem, estão disponíveis, e jovens estão procurando em massa participar dele, mesmo quando se trombeteia a cada momento, em todas as mídias, que o final é a morte. Até parece que isso os motiva ainda mais! Afinal sua morte, trágica e precoce, os levará às primeiras páginas dos jornais, à fama e ao reconhecimento público, não é isso o que mais importa, segundo a ideologia dominante entre os adultos, tanto que vemos crianças de até dez anos começarem a se profissionalizar no The Voice Kids, o novo frenesi da TV ? Sem falar do fim de sua solidão? A edição online do jornal O Globo, de 20/04/17, revela que um grupo de combate a obesidade, coincidentemente chamado “Baleia”, e em geral frequentado por adultos, está recebendo uma média de 60 e-mails diários de adolescentes procurando o baleia azul... O que falta para ser declarada uma epidemia, uma das mais horrorosas que já tivemos? Como chegamos a isso?
__ No final do chamado Regime Militar, eu já observava, precariamente, que nós perdíamos algumas virtudes importantes aprendidas na minha infância, entre as quais eu listo o elo entre os vizinhos, e o conceito de vizinhança – todos os adultos de uma rua, pais de família, se conheciam e velavam ativamente por toda criança encontrada; cansei de receber lições e reprimendas de estranhos, por alguma traquinagem, sem que eu ou meus pais se sentissem ofendidos por isso; era natural e esperado que adultos educassem crianças, afinal nós pertencíamos não apenas aos nossos pais, mas a toda comunidade de vizinhos – e a crença de que as virtudes coletivas, públicas e morais se impunham ao sucesso financeiro – nessa época ocorre uma fascinação, pela importação açodada e seletiva, por parte dos militares e de seus cúmplices, de modelos culturais americanos, como o sucesso de um indivíduo medido exclusivamente pelo montante da conta bancária, independente dos meios para atingi-lo, ou como dizia um comercial da época: “o importante é levar vantagem em tudo, certo?” O Brasil era o xerife contratado pelos americanos para policiar a América do Sul, e o país começou a fazer planos para se tornar potência regional e até mundial, movida pelo fantasioso “Milagre Brasileiro”.
__ Creio que o maior milagre desse “milagre” foi fazer desaparecer, em tão pouco tempo, traços culturais e virtudes morais importantes, centenárias, que deram sustentação e sentido à construção da nação brasileira, para se tornar uma caricatura vulgar do “american way of life”. O Brasil estava mais rico, mas os pobres, abandonados e atropelados pelo ritmo mudanças, haviam evoluído para a miséria e a extrema pobreza, que eu nunca vira na minha infância, enquanto os ricos estavam mais ricos do que nunca, e dispostos a tudo para ficarem mais ricos ainda... O culto aos mais velhos e à Deus foi substituído pelo culto ao dinheiro e ao sucesso.
__ Quem mais sentiu essas mudanças foi a família tradicional, encurralada à esquerda, por ser “reacionária”, e à direita, por ser “retrógrada”, refratária ao progresso material e aos valores do capitalismo americano, colapsou e marchou célere para o deserto de sua confusão intelectual, levando os seus filhos. Em pouco tempo, nesse mesmo deserto, por razões morais, vieram se juntar outras famílias, que optaram se adaptar aos “novos tempos” e transformar o dinheiro valor supremo, junto com a autossuficiência. Os pais agora abandonariam seus filhos aos cuidados da televisão ou, quem podia, de uma babá, para irem à luta multiplicar os seus rendimentos. Os vizinhos desapareceram, se tornaram concorrentes ou desnecessários, e os filhos deixaram de ser um bem público, cujo desenvolvimento era do interesse da comunidade, para se tornar um bem privado da família nuclear, mergulhada em profundo complexo de inferioridade, por não conseguir replicar os padrões de consumo da “classe média” americana. Nesse ambiente, quem se atrevesse a corrigir uma criança que não fosse sua arrisca-se a comprar uma briga grave com a família dela, como ocorre ainda hoje. Os filhos foram se tornando a muleta emocional de pais temerosos do fracasso, uma vez que este deixou de ser um evento natural para se tornar uma espécie de pecado capital, uma assombração permanente na cabeça dos adultos, que só queriam dar aos seus filhos aquilo (material) que não tiveram.
__ Mais gente, porém, acercou-se ao deserto moral e espiritual em que se internou a nação brasileira, no seu êxodo ao contrário: as famílias aos pedaços, aquelas que ignoraram a ausência de valores ou passaram a cultuar falsos valores, e por isso colapsaram, engrossadas também pelas famílias que nem deveriam existir, não planejadas, nascidas de gravidez precoce, cada vez mais numerosas. Fato curioso; quanto mais multidões ingressavam no Saara da nação brasileira, mais nos sentíamos, e nos sentimos, solitários. A disseminação de pré-escolas, dos computadores pessoais e dos celulares afastou-nos ainda mais, uns dos outros e de nossos filhos.
__ Mães e pais estão cada vez mais confusos em relação a educação de seus filhos, não a educação no sentido formal, mas aquela que responde pelo desenvolvimento saudável de qualquer ser humano, seja porque há muito abandonaram os valores morais e emocionais tradicionais, que regulam e mantém as comunidades pacíficas e integradas, ou perderam a memória sobre o que funcionou na educação que receberam, preferindo ir atrás de modismos educacionais, e por isso os pais deixaram de ser um modelo confiável para os seus próprios filhos. Se não se pode esperar dos próprios país, vai esperar de quem? Fora isso existe também as más companhias, e a nossa chocante e imprevisível realidade, estragada e corrompida pelos mais velhos. Dá até para entender a enorme resistência que os alunos apõem aos conselhos que os professores lhe – parei de alertar meus alunos sobre o risco de gravidez precoce, após ver tanto resultado em contrário; era como si os meus conselhos sobre o que evitar os estimulasse mais ainda a não evitar. A verdade, a grande verdade que os educadores negam diariamente, é que as palavras nada podem contra a realidade de abandono e falta de esperança que essas crianças, em especial as mais pobres, vivem no seu dia a dia, abandonadas pelas autoridades, por sua família, assoberbada na luta pela sobrevivência e achacadas por bandidos e traficantes.
__ Nossas autoridades só pensam em índices, estatísticas e quadros numéricos, que possam apresentar diante da televisão, no período eleitoral, e assim garantir mais quatro anos de poder, mordomias e propinas. Para elas nós todos, cidadãos, jovens e crianças, não passamos de números ou abstrações usadas como pera seus projetos pessoais, moralmente questionáveis ou vazios.
__ Estamos sós. As milhões de pessoas que moram em prédios de apartamentos, em prédios de condomínios, nas grandes metrópoles brasileiras, imaginam que não podem contar senão consigo mesmos, que do outro lado da parede limítrofe do apartamento não tenha senão espaço vazio ou deserto, de tal sorte que ao encontrar um vizinho no corredor ou no elevador, eles nem sabem o que dizer, e em geral mal trocam alguns grunhidos. A última contribuição de nossas autoridades a essa questão é a criação das escolas públicas de tempo integral onde as crianças de famílias pobres permanecerão o dia todo, ocupadas em se tornar mão-de-obra digna daqueles que estudam em escolas privadas de qualidade, maquinalmente obedientes e sem um pingo de vida social, exceto aquela ritualizada e artificial que temos na escola. Não há nada tão ruim que não posa piorar.
__ As autoridades estão alertas e as polícias já foram mobilizadas para enfrentar esse fenômeno. Para nosso alívio e conforto, já foi encontrado um culpado para isso: alguém ou um grupo lá na Rússia, que de forma quase mágica consegue induzir centenas de jovens, no mundo inteiro, a fazer algo que o instinto natural repele com veemência, sem falar que isso, o suicídio de jovens é como que uma “tendência” mundial, uma nova moda, como é natural tratar tudo nos dias de hoje, independentemente de sua gravidade ou ameaça à estabilidade social de longo prazo, embora quem navegue pela internet sabe que o Baleia Azul é apenas uma entre as muitas formas e incentivos que existem e continuarão a existir, para que a criança e o jovem estraguem ou exterminem a sua saúde ou a sua vida.  
__ A culpa é dos russos, a polícia já está sabendo, retornemos à nossa zona de conforto, ao nosso deserto moral, afetivo, tão pessoal e tão árido, mas íntimo e antigo o bastante para nos sentirmos confortáveis nele, até que uma nova onda, ou um novo “desafio”, ameace a existência ou a integridade de jovens e crianças, contanto que não sejam as nossas, quando então ouviremos novamente a frase mais comum nesses momentos: “eu não quero que ninguém passe pelo que eu estou passando!”

__ Então porque não agiu antes?     

quinta-feira, 20 de abril de 2017

MERGULHADOS NUMA ESTRANHA LUZ OBSCURA

Prof Eduardo Simões

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__ É notável a capacidade que alguns agrupamentos demonstram, ao longo de nossa história, em transformar luminosas contribuições em outras partes do mundo em densa treva, no nosso país.
__ No Brasil Imperial, por exemplo, grupos de ricos fazendeiros, autoproclamando-se “liberais”, conviviam sem problemas de consciência com a escravidão, o intervencionismo econômico do imperador, a censura à imprensa, etc. Na República, não nos saímos melhor, o convênio de Taubaté é a antítese do liberalismo, assim como a grotesca política dos governadores, que transformou a nação brasileira em refém de uma classe.
__ Em 1930, um grupo se alevanta, de armas na mão, em nome da moralidade e dos bons costumes na política, e dá a nação um governo com vocação provisória, transformado, em 1937, em terrível ditadura, com um severo pai para o povo e uma mãe bondosa e leniente para burguesia industrial; esta, tão nacional quanto “quase liberal”, defensora do protecionismo na economia, adepta do autoritarismo na política, desde que defendesse os seus interesses de classe.
__ Esse grupo de “quase liberais” ou “liberais desconfortáveis”, grandes beneficiários do progresso na década de 50, se tornará, na década seguinte, o braço de apoio indispensável ao Golpe Militar de 1964, teleguiado pelos EUA, que assoma ao poder a pretexto de salvar a democracia, a família e a economia nacional em frangalhos. O resultado foram trinta anos de ditadura, a popularização da pornografia (as “pornochanchadas” pagas com o nosso dinheiro, por intermédio da Embrafilme, afinal jovens que só pensam em sexo não saem às ruas para clamar por democracia). Nesse momento nossos liberais se apresentam (Roberto Campos). Mas como pode alguém se dizer liberal a apoiar uma ditadura ou um governo tão autoritário e excludente, como o que havia no Brasil dos militares?
__ Vibramos, ao final do Governo Militar, com o surgimento de uma nova esquerda, prometendo, como todos os outros movimentos anteriores, dias melhores, ao mesmo tempo em que se levantava, com coragem e agressividade, a denunciar as mazelas de uma direita corrupta e arrogante, exigindo uma justiça célere e penas duras. Qual não é nossa surpresa e decepção, vermos essa mesma esquerda tentar proteger com grande vigor aqueles que são denunciados ou condenados como corruptos, por meio de fartas provas testemunhais e documentais!
__ Desta vez, como nas outras, ao cair a máscara dos responsáveis, percebemos que não existe um só homem capaz de assumir a menor responsabilidade sobre o que aconteceu, embora indícios, evidências, documentos e testemunhos comprovem que todos, sem exceção, têm culpa no cartório, embora mais na empreiteira, e tem início uma guerra sórdida guerra de versões e mentiras fabricadas, com o claro intuito de enganar a população e tornar o justiceiro um bandido e vice-versa.  
__ A nova situação, deflagrada pelos criminosos presos em flagrante na Lava Jato, tornou os paladinos apaixonados por justiça contra a “direita” em ferozes defensores de seus corruptos favoritos, de esquerda, como se a peça acusatória que impediu a presidenta “inocenta”, por exemplo, não tivesse partido, entre outros, da pena de um dos fundadores mais respeitáveis de seu próprio partido (Helio Bicudo). A situação, ou melhor, a oposição (pisc!), pode ser colocada da seguinte maneira: quando o Judiciário atinge os de “direita”, como Eduardo Cunha, age com imparcialidade e não merece nenhuma crítica, mas quando investiga e pune os malfeitores de seu grupo, o grande cacique touro sentado, do “partido”, eles ameaçam até “incendiar” o país. No Brasil do PT, o inimigo histórico da classe operária não é mais a burguesia endinheirada, mesmo porque está cada vez mais difícil diferenciar esta das lideranças do partido, mas os funcionários do Poder Judiciário, no exercício de sua função institucional de investigar com profundidade e rapidez uma verdadeira tragédia econômica e moral, que se abateu sobe a principal empresa do país, e contaminou toda a economia. Sob o seu governo a nossa democracia se tornou uma cleptocracia.
__ Essa história de “ódio contra o PT”, repetido como se um mantra fora, talvez pela falta de argumentos, também revela o caráter messiânico, milenarista, religioso, dessa agremiação, que justamente prega o ódio de classes como “motor da história”, e prima por discriminar socialmente o que é da burguesia e o que é “popular”, sem saber muito bem o que diz ou o que faz,  esse mesmo partido onde uma de suas mais eminentes intelectuais proclamou, é muito bonitinha, mas “ordinária”, e não passa de um plágio barato da famosa Carta Testamento de Getúlio: “Ao ódio respondo com o perdão”, ou como diz este: “Lulinha-paz-e-amor” (cuja figura era o Getúlio democrático, da mesma forma que o Getúlio ditador era a figura do “Lula-jararaca”), mas com uma “pequena” diferença: Getúlio pegou um país em meio a grande dificuldade econômica e o entregou financeiramente saneado (justo o contrário); Getúlio não teve ampliado o seu patrimônio, sequer pela “bondade” de amigos (justo o contrário); Não ficou comprovado nenhuma ligação entre Getúlio e o crime da Rua Toneleros (justo o contrário); os adversários queriam julgar Getúlio ao arrepio da lei e da ordem constitucional (justo o contrário). Não é ódio, meu velho, é cansaço de tanta impunidade e falta de vergonha na cara, e tanta mentira dita para esconder isso.
__ Portanto, quando um petista fala em ódio contra o seu partido ou está fazendo uso de um recurso tipicamente freudiano, o mecanismo de defesa da projeção ou transferência, quando alguém projeta, lança sobre os outros, os sentimentos negativos que alimenta e não consegue lidar, ou é uma questão de política goebeliana – do Ministro da Comunicação do Reich, Joseph Goebels, que afirmava a necessidade de se repetir indefinidamente uma mentira até ela se tornar uma verdade. Os caquinhos da Alemanha nazista, em 1945, mostram, fracasso dessa estratégia, e o acerto do aforismo de Lincoln: “não se pode enganar todo mundo o tempo todo”. Num caso ou no outro temos um exemplo cabal de um totalitarismo disfarçado em risonhas promessas de prosperidade e democracia, feitas por um partido que, até agora, nos legou justo o contrário, como os seus congêneres no mundo, pois só há dois tipos de pessoas que florescem no ambiente totalitário: os imaturos, incondicionalmente submissos, e os fanáticos, absolutamente “fieis”, que acreditam poder mudar a realidade no grito e na palavra de ordem. Como se melhora uma realidade com gente assim?
__ O carro brasileiro continuará, eu espero, firme na direção de seu destino histórico, realizando todo o seu potencial, fugindo de paradas em acostamentos tenebrosos, tanto à direita como à esquerda, desde que a nação assuma o volante de forma segura e compromissada, mantendo bem conservados e acessos os dois faróis que iluminam o seu percurso: a democracia, com seu suporte na liberdade de expressão, opinião e de organização, e o culto à lei, aplicada equitativamente, sem deixar de considerar os atenuantes, a todos, sem exceção, fugindo das paradas propostas por multidões de fantasmas trevosos, de um lado e de outro da estrada. À direita, os fantasmas gritam; “parem aqui, pois só nós temos o ‘Milagre Brasileiro’!” À esquerda eles gritam: “não, parem aqui, que em 2018, ou talvez antes, nós poderemos oferecer mais do mesmo!”
__ Que os fantasmas se agitem, é de seu feitio, além de ser garantido pelo espírito da democracia e o texto da lei, mas, como já disse um deles: “a história é um carro alegre, cheia de povo contente, que atropela indiferente, todo aquele que a negue”. É justo esse carro que os está atropelando...  

terça-feira, 18 de abril de 2017

OS BRASILEIROS PRECISAM DE TEMPO PARA RESPIRAR

Prof Eduardo Simões

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__ Nunca, na história recente, um povo esteve tão assoberbado por tantos e tão graves acontecimentos, como os brasileiros nessas últimas semanas. Por essa razão eu não entendo certos comentaristas políticos, alguns muito respeitáveis, a meu ver, como Josias de Souza, da Rede Gazeta, a atribuir o esvaziamento das últimas manifestações contra a corrupção, promovido pelos sacerdotes das redes sociais, como uma vitória do “cinismo” sobre a justa “indignação”.
__ É claro a todos nós, refiro-me aos que ainda não se venderam ao capital das empreiteiras nem à gritaria suspeita dos radicais do momento, tanto os de direita quanto os de esquerda, que a justiça deve caminhar até as últimas consequências, igualando, pela primeira vez na história do Brasil, os ricos aos pobres, pelo menos perante a lei, mesmo quando ela às vezes pareça andar a passos de tartaruga quando se trata de punir aos primeiros, bem diferente de quando pune e esquece aos segundos. Mas convenhamos: ainda não saímos do choque. E por acaso não temos direito a isso?
__ Há pouco mais de um ano expelimos, vomitamos, uma presidenta e seu grupo, absolutamente indignos de confiança, e temos visto, lance a lance, a desmoralização de todos aqueles que até pouco tempo eram, apesar de escassos, símbolos de uma política que ainda conseguia se manter de pé e alternativas ao descalabro criado. Mas agora, com o avanço das delações, nós ficamos sabendo que não sobrou nada nem ninguém.
__ Que fazer então? Mudar de novo de presidente? Para por quem no lugar? Rodrigo Maia? Eunício Oliveira? Carmem Lúcia, sem nenhuma experiência política, só para organizar a próxima eleição com resultados imprevisíveis, exceto o de que as mentiras que lotaram os últimos pleitos parecerão verdades luminosas diante do que pode ser dito pela boca de homens desesperados em não comparecer ante o juiz Sergio Moro? Quem quer que fosse minimamente informado e sagaz o bastante para não se comprometer com nenhum dos lados sabia que Michel Temer não era o homem para “salvar” o Brasil, mas talvez capaz de juntar um mínimum minimorum de gente, que impedisse o colapso completo e imediato da economia e conduzisse o país, com um mínimo de condições, para as eleições de 2018. Hoje nós sabemos que nem isso é possível.
__ Perceber isso, e parar para pensar um pouco, torna o povo hipócrita? Esses movimentos, como o MBL, por exemplo, que namora com propostas autoritárias e antidemocráticas, como Escola Sem Partido, e, quiçá, com os candidatos representantes do conservadorismo autoritário, que promovem essa iniciativa, como os Bolsonaros, não justificam cautela em relação às suas convocações? O fato de sermos contrários à Dilma, à Lula e ao PT de agora nos torna, automaticamente, adeptos de Bolsonaro e até de um golpe militar? Espero sinceramente que não, que os brasileiros não tomem outra vez esse caminho, assim como evitem os afagos populistas de Lula, um homem que abriu mão de viajar na locomotiva no trem da história para ir roer alfafa no último vagão de carga, por amor exagerado ao luxo, por uma crença em sua onipotência pessoal.  
__ Precisamos respirar fundo, manter a calma, analisar sem açodamento os cenários e os nomes que se colocam no cenário político nacional, e estarmos preparados para tomar medidas drásticas, amargas, inclusive contra nossos próprios interesses, pelo bem não de um Brasil abstrato, idealizado por marqueteiros de direita e de esquerda, mas daquele Brasil que nós sonhamos nos belos dias de nossa juventude, antes de nos deixarmos vencer pela infâmia coletiva e o entregarmos, de mãos beijadas, a homens e mulheres indignas, mas que ainda nos sorri diariamente no rosto das pessoas que nos amam, e nós também a elas.

__ O único Brasil que realmente importa.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

AMEAÇA À EDUCAÇÃO E À DEMOCRACIA BRASILEIRA

Prof Eduardo Simões


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Vereador Fernando Holliday e Kim Kataguiri. Aprendizes de feiticeiro...

__ Foi com horror que fiquei sabendo, pelas maiores agências noticiosas do país, da abusiva ação do vereador Fernando Holiday, do DEM, embora oriundo do MBL (Movimento Brasil Livre), de Kim Kataguiri, a penetrar nas escolas da prefeitura de São Paulo, a pretexto de exercer o dever fiscalizador inerente de sua função, mas na verdade para espionar e constranger professores, conferindo seus diários de classe, que não estivessem ministrando suas aulas segundo a cartilha ou o “catecismo” do movimento “Escola sem Partido”.
__ Não se tratou, portanto, de uma ação fiscalizadora, mas antes intimidadora, ameaçadora, assim o sentiram os professores, muito parecida com as inúmeras que se observaram na Alemanha e na Itália nazifascistas, e na Rússia comunista, antes da Grande Guerra – os totalitarismos se assemelham – tanto que gerou uma crise no gabinete de prefeito João Doria, aparentemente abafada em nome da viabilidade eleitoral do deste, para 2018, antes que pela defesa de elevados princípios democráticos e de uma educação minimamente merecedora de respeito.

A matriz maléfica



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O mestre dos magos behavioristas.

__ O Escola Sem Partido erra grotescamente, pois deriva de uma abordagem psicológica falida: o behaviorismo clássico americano, que está destruindo o sistema escolar deles e que, infelizmente, tem sido a matriz conceitual dos educadores do Brasil, tanto de direita quanto de esquerda, nesses últimos anos, a mostrar o quanto desconhecem da criança e de seus mecanismos de aprendizagem. Para que o leitor tenha uma ideia do que estamos falando reproduzo duas pérolas do fundador da psicologia behaviorista, o americano John Broadus Watson, publicada em um livro Behaviorismo, em 1930, e no Manifesto behaviorista, de 1913:

“Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis e bem formadas e meu mundo específico para criá-las, e eu me comprometo a escolher uma delas ao acaso e treiná-la para que chegue a ser qualquer tipo de especialista que eu escolher: médico, advogado, artista, comerciante, inclusive mendigo e ladrão, sem levar nem um pouco em conta seus talentos, capacidades, tendências, habilidades ou a raça de seus antepassados” [o lado bom do behaviorismo, naqueles anos tão marcados pela crença da superioridade da “raça branca” e inferioridade das “raças” “negra” e “amarela”]. “O behaviorista em seus esforços de conseguir um esquema unitário de resposta animal, não vê nenhuma linha divisória entre o homem e a besta”.    

__ A vida pessoal trágica de Watson e de sua família, marcada pela repressão religiosa, abandonos, violência, escândalos, doença mental e suicídios, perdurou por gerações – uma neta sua, a atriz Mariette Hartley, se apresentava como uma “vítima” das experiências do avô – comprovaram da maneira mais cabal o enorme fracasso dessa teoria, sem falar de estudos posteriores que a desacreditaram completamente, até o PISA ressuscitá-la novamente em sua cepa mais branda, embora não inócua.
__ Associando-se ao regresso do behaviorismo triunfante em nosso país, que nem o boêmio do Nelson Gonçalves, o Escola Sem Partido (ESP) diz que os professores estão utilizando-se de sua cátedra, de seu suposto domínio sobre crianças e jovens, para “doutriná-las” e transformá-las, que nem os pimpolhos de Watson, em perigosos agentes do “comunismo internacional”, “nacional”, “destruir a família”, ou qualquer outra fantasia gestada em algumas mentes delirantes.

Cinismo ou ignorância?  
__ O termo doutrinação é claramente retirado dos usos e costumes do ambiente castrense. Ele é observado, por exemplo, quando um sargento ou oficial qualquer, cheio de boa vontade, mas com pouca cultura ou precocemente bitolado (ou devo dizer “doutrinado”?) – pode ser que exista um assim – começa a destilar uma saraivada de sandices a respeito de costumes ou de política interna ou internacional, a um agrupamento de soldados, silenciosos e atentos (ai de quem não ficar assim!), durante uma instrução. Que soldado ousará divergir durante essa instrução? Isso é doutrinação. Agora pense comigo, caro leitor, se essa doutrinação fosse de fato eficaz haveria a necessidade de os exércitos estigmatizarem tão fortemente a deserção? ... Se a doutrinação não funciona num ambiente rígido e controlado como o de uma caserna, como funcionará num ambiente flexível e aberto de uma escola civil? Onde, numa instrução militar, o soldado manda o sargento procurar a progenitora num bordel ou tomar coisas em um lugar tão funcionalmente inadequado, como fazem nossos alunos?
__ Numa escola civil, o aluno tem não só o direito, como até o dever, de replicar ao professor, e este, se tiver um mínimo de competência profissional, ficará contente com isso. Por outro lado, quantas vezes não debati com meus colegas as nossas tentativas infrutíferas de fazer os alunos se posicionarem no debate de qualquer questão mais delicada, mais candente, do Brasil ou de fora, e tudo que encontramos é uma cortina de ferro de silêncio, quando não nos vemos a conter, com grande esforço, a desordenada dispersão de jovens sem base, mal preparados, e sem um pingo de educação e boas maneiras trazidas de casa, inclusive em escolas privadas.
__ Daí segue uma outra questão sobre o que realmente se passa na sala de aula, e que destoa gravemente da fantasia apresentada pela propaganda do ESP. Dados recentes, de 2014, apresentam o Brasil como “líder mundial em agressões a professores”, cerca de 12,5% dos professores pesquisados, uma situação tão grave que gerou, inclusive, um documento da Câmara de Deputados, que deve ser do conhecimento do senhor Jair Bolsonaro, um dos mentores do ESP, chamado Violência contra professores nas escolas, de autoria de Katia Santos Pereira, da Consultoria do Legislativo. Em São Paulo, o estado onde o senhor Fernando Holiday espalha a sua “brasa”, o sindicato dos professores contabiliza 44% de professores agredidos por alunos! Eu, que escrevo estas linhas, apesar de meu tamanho avantajado, já fui agredido fisicamente por um aluno do 6º Ano, de 11 anos de idade, na frente da coordenadora! Quanto às ameaças de morte, já perdi a conta... (1)
__ O que é que vocês acham que pode acontecer quando jovens deputados, pais, líderes religiosos, semianalfabetos, mas bons de lábia ou apadrinhados por gente poderosa, começarem a invadir as salas de aula, desautorizando, ameaçando ou repreendendo um professorado, que já luta com esforço e cautela pela sua incolumidade física em sala de aula.
__ O professor não tem como “fazer a cabeça” de um aluno que não queira, ainda que muito jovem, pelas simples razões abaixo:
a) o pouquíssimo tempo de convivência com os alunos e o fato de o professor interagir com eles em grupos e não individualmente, em que pese as exigências estapafúrdias de secretarias de educação ao esse respeito, de um atendimento personalizado, e avaliação minuciosa, em salas de 40 alunos ou mais. Tudo para brasileiro ver...
b) quase sempre o entorno social e os interesses psicológicos do professor não se assemelham aos dos alunos, pois são de classes sociais e níveis culturais diferentes, gerando, naturalmente, muitos ruídos durante a sua comunicação.
c) a influência do professor sobre o aluno não pode, em absoluto, competir com a influência dos pais sobre ele, o aluno, uma vez que a quantidade e a qualidade da convivência pai-filhos é muito mais abrangente e carregada de afetividade que aquela que envolve professor e aluno, em que pese o fato de quanto maior a convivência maior o risco de conflitos, que não são necessariamente a negação da qualidade da relação, mas antes fases de transição para um maior aprofundamento, se a crise for bem gerida pela família.
__ Dizer que o professor é capaz de “fazer” a cabeça de uma criança, a revelia da família, é negar peremptoriamente os resultados mais escancarados de mais de cem anos de pesquisas em psicologia e psiquiatria, e é por isso que toda criança ou jovem que tem que se haver com um profissional dessas áreas do conhecimento, é sempre convidada para comparecer às consultas acompanhadas pelos pais e não pelos professores! Já pensaram nisso? 
__ Do que foi dito acima podemos tirar um aforismo: se um professor consegue exercer sobre um aluno uma influência contrária e maior que a de seus pais, do aluno, tem alguma coisa muito errada nessa família. Ou os conflitos estão sendo pessimamente geridos ou criminosamente ignorados. Agora, se nós professores tivéssemos o poder que o ESP diz que nós temos sobre as crianças e jovens, a primeira coisa que faríamos seria doutriná-los a que parassem de ofender às nossas, algumas já falecidas, santas mãezinhas.

Depósitos de crianças

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Assim é muito mais fácil doutrinar!

__ Os políticos brasileiros, em geral, foram muito bem-sucedidos num objetivo educacional. Ajudados por uma série de circunstâncias sociais e econômicas, eles conseguiram convencer a grande maioria dos pais, criaram quase uma cultura a esse respeito, de que a escola é um depósito de crianças, e que esta pode, independente do que acontecer no ambiente familiar, tornar a criança aquilo que os pais querem que ela seja.
__ De fato, as questões educacionais, no Brasil, são discutidas como se as crianças desaparecessem toda vez que toca o horário de saída das escolas e reaparecessem, magicamente, quando toca o primeiro sinal de início das aulas pela manhã. É como se não existisse mundo exterior à escola, e toda a inadequação no seu comportamento escolar pudesse ser resolvida exclusivamente na escola. As escolas, por assim dizer, tornaram-se depósitos de crianças, cuidadas por super-homens ou supermulheres, podendo os pais, libertos dos filhos, se dedicarem aos seus “afazeres” e deleites pessoais. Então a gente entende o estado de fúria catatônica com que eles invadem o espaço escolar, quando são forçados por algum incidente envolvendo seus pimpolhos a comparecer à escola, como que a dizer: “eu já fiz o favor de deixar o meu filho (a) nesse depósito, por que estou sendo ‘amolado’, enquanto tento ganhar meu dinheiro?” Os professores são como que babás de luxo para livrar os pais de suas responsabilidades com seus filhos. Isso é a educação escolar no Brasil!
__ Aqui nós percebemos uma fenômeno nacionalmente uniforme, pelo menos nas escolas públicas: toda vez que há uma convocação ou convite para os pais irem à escola para receber o boletim de seus filhos, a maioria esmagadora de responsáveis é composta de mulheres: mães, tias e irmãs mais velhas. Ou seja, elas, por serem as que mais próximas estão da educação dessas crianças, sabem o quanto é difícil educar uma criança numa sociedade sem valores morais e espirituais; elas sabem o quanto nós, professores, penamos nessa missão. É muito sintomático que o ESP foi lançado e tenha sua tropa de choque formada exclusivamente por homens, justo os que, em termos estatísticos, menos participam da vida escolar das crianças.
__ O senhor Miguel Nagib, um dos fundadores do ESP, disse num programa, que sua filha de 14 anos chegou em casa cheia de dúvidas “subversivas”, aspas minhas, que lhe teriam sido incutidas por um seu professor. Solução para esse senhor: começar um movimento para proibir aos professores de falar à sua filha sobre assuntos que lhe desagradam. Já imaginaram o que acontecerá se todos pais agirem assim?
__ A primeira coisa a questionar é se a menina do senhor Nagib estava de fato impressionada pelo que ouvira do professor ou se apenas procurava um pretexto para entabular uma rica conversa sobre ideologias e política com um pai, que tem um nível de formação intelectual e cultural superior à média, e quiçá à do próprio professor. É verdade que os filhos nos solicitam, às vezes, nos momentos mais inapropriados, eu criei duas filhas e sei disso, mas a solução é fazer com que eles não nos procurem mais, e pior ainda, aplicar um golpe desse calibre numa das colunas de nossa sociedade, que é a escola?
__ Se o fato é tornar agora a educação num caso de polícia, como a outra questão famosa, toda vez que uma criança ou jovem apresentar uma mudança de comportamento, pela suposta ação e um professor, esse professor, decerto, deve ser repreendido por ter empobrecido a abordagem de sua matéria por meio de uma ideologização barata, unilateral, mas os pais também deveriam responder por “abandono de incapaz”, pois se o jovem se deixou arrastar a posições ideológicas adversas às de sua família foi porque esse jovem, moça ou rapaz, foi antes abandonado aquela. A não ser que nós comecemos a imaginar outra possibilidade...
__ Pergunto: os jovens podem ou não podem, durante o seu crescimento, tomar caminhos diferentes dos de seus pais? Discordar ideologicamente de seus pais? Eles devem seguir necessariamente as ideias e os costumes de seus pais? Eles não podem, em virtude de suas experiências, diferentes das vividas por seus genitores, se sentirem mais atraídos pelos valores, coincidentemente cultivados por seus professores, que aqueles oriundos de sua família? Segundo os gurus da Escola Sem Partido não pode, e nesse caso toda a sociedade brasileira deve regredir ao nível do Neolítico, da Idade da Pedra, das sociedades tribais, onde nos rituais de iniciação o jovem deve ser submetido a toda sorte de sofrimento e tortura para nem sequer pensar em mudar aquilo que já foi estabelecido pelos seus genitores. Isso é do interesse da nação brasileira?

Mais uma vez no meio do fogo
__ Nos quatro cantos do mundo se expande, por influência dos países mais desenvolvidos em matéria de educação, a crença de que o papel do professor no processo educacional é cada vez mais central, e que de sua qualificação e status depende o sucesso de qualquer reforma educacional séria. No nosso país, como é tradicional, o professor é engalanado no período eleitoral, e depois esquecido, vilipendiado, ou, na melhor das hipóteses, empobrecido pelo desajuste de salário. O resultado, nós bem o sabemos...
__ Num momento tão trágico para a educação brasileira, onde parece que, de tanto seguir modismos estrangeiros, não sabemos mais o que fazer nessa área, o Escola Sem Partido dá uma contribuição realmente arrasadora: destrói completamente a imagem do professor brasileiro, apontado para a sociedade como um corruptor em potencial de menores, como alguém previamente interessado em criar graves problemas para as famílias, por meio das crianças, um patife, um canalha, que precisa ser detido por uma lei, que o mantenha calado ou o faça, sob ameaça, dizer apenas aquilo que os pais querem que ele diga.
__ E o que é que os pais querem? Todos os pais de “direita” pensam igual? Só existem pais de direita nas escolas? A verdade é o pensamento ou a ideologia da “direita”, assim como a da “esquerda”, não se manifesta uniformemente, variando muito a visão de “perigo” de “doutrinação” de uma família para a outra, o que deve gerar, na prática, as situações mais embaraçosas, se esse desvario for aprovado. O que farão os pais que simpatizam com a “esquerda”?  - só um obcecado ou alguém muito imaturo pode pensar que esses jovens que invadiram as escolas foram todos manipulados por professores doutrinadores, quando na verdade trouxeram já de casa, de seus pais, suas crenças esquerdistas; e estes, vendo os professores de sua linha política na berlinda, irão se arremessar contra aqueles que lhe movem ideologia oposta.  
__ Imagine, caro leitor, todo mundo contra todo mundo dentro da escola! Ali um aluno, um adolescente, filhos de um simplório qualquer ou de alguém como muita sede de publicidade, com sentimento de inferioridade em relação aos professores, de dedo em riste acusa cheio de autoridade: “o meu pai disse que o senhor é comunista!” ou “fascista!” Escolham o seu lado. Noutro momento, pais, que até ali estiveram ausentes das escolas, as invadirão, dirigindo ameaças aos professores por coisas ditas, supostas ou mal-entendidas pelos ouvidos pouco treinados e incultos de crianças e adolescentes semianalfabetos. Ali será um político, sedento de publicidade, a invadir a escola em busca de indícios de doutrinação, vasculhando os diários de classe a seguir, interrogando professores, talvez já acompanhado pela imprensa. Para cada professor de “esquerda” constrangido, os pais, adeptos dessa ideologia, se mobilizarão para constranger ao professor de “direita” mais próximo, a assim ao infinito, até a paralisia completa da educação formal brasileira, com os professores passando mais tempo perante as barras dos tribunais, explicando exatamente o que disseram, do que planejando e ministrando aulas. A extrema irracionalidade desse projeto e a intensidade com que ainda se o discute mostra a falência, a completa miséria, do debate educacional em nosso país.

A discussão substantiva
__ Existem professores imaturos o bastante para tentarem fazer de seus alunos plateia cativa e sobre eles destilar, de maneira unilateral, as suas crenças? Sim existe. E qual é o efeito disso em crianças e jovens? Bem menos do que se imagina. Pelas seguintes razões:
a) as crianças não são vasos ou latas de conserva vazias, que você põe dentro o que bem entender, que será acriticamente assimilado, modificando a sua estrutura ou sua forma de pensar. Não, aquilo que o professor ou qualquer outro meio de comunicação informar ao aprendiz será submetido, inclusive a nível de inconsciência, ao crivo de suas crenças já existente e se, as contradiz muito é imediatamente descartado; e não é só isso: a forma ou complexidade de transmissão desse conteúdo também interfere. Suponhamos que uma criança esteja sensibilizada para o conteúdo em que o professor deseja doutriná-la, se ele o fizer em termos muito difíceis para a criança ou de uma forma excessivamente discursiva e abstrata, acima de seu nível mental atual, a resposta pode ser uma repulsa invencível àquele conteúdo. Assim um conteúdo que pregue a igualdade entre os sexos, a superioridade de uma determinada expressão sexual, um conceito político-econômico, etc. que se choque com crenças arraigadas da criança será automaticamente rejeitado ou, quando muito, posto no limbo para discussão posterior com os adversários dessa doutrina – que foi isso que aconteceu com a filha do senhor Nagib.
b) se a criança está chegando sem crenças na escola é porque está abandonada pela família, pelos pais, ou sofre contradições e violências tais que precisa, desesperadamente, encontrar apoio em alguém, e esse alguém pode ser um professor imaturo, que é apenas consequência e não causa de desvios de comportamento posteriores da criança.
c) a mente humana busca e estabilidade e a economia, portanto não mudará sem que haja muito convencimento, seja por conta do discurso seja por conta da realidade. É a realidade do entorno, como um todo, que “faz a cabeça” das crianças, e não um professor isolado.
d) um professor imaturo e “doutrinador” apenas empobrece culturalmente os poucos momentos que ele terá de convivência com a criança, e mesmo a suposta fidelidade que ele conseguir de uma ou outra será tão fluídica e contingencial, que facilmente será modificada por fatores externos. Não há condições de trabalho mínimas numa escola, ainda bem, para um professor se tornar um guru de uma única turma, sem causar profundas perturbações na escola – ele deve dividir a atenção dos alunos com outros professores, que certamente não partilharão de sua ideologia. As pessoas estão assistindo muitos filmes americanos de professores “mágicos”. Acordemos para realidade.
e) um professor que apenas emita uma opinião ou crença pessoal, deixando bem claro que essa é apenas a sua posição, e não uma verdade científica, o que muitas vezes acontece, inclusive a pedido dos alunos, não merece qualquer crítica, e isso não interferirá de forma alguma no posicionamento existencial das crianças. Puni-lo por isso é atentar ao mesmo tempo contra a democracia e a sã pedagogia.
f) um professor que apenas tenta induzir pelo discurso, mas sem constranger as crianças, a uma determinada posição ideológica, erra duas vezes, como ser humano e como profissional, desrespeita as crianças e a si próprio, e raramente obtém algum efeito, ainda que mínimo, dessa sua infantilidade. Deve ser orientado durante as reuniões de ATPCs nas escolas, que precisam deixar de ser tão burocráticas e conceituais, para se tornarem mais objetivas, mais ligadas às questões concretas das escolas, um momento ideal para desbastar as arestas grosseiras de professores novatos.
g) os professores que, além de tentarem induzir verbalmente as crianças a assumirem as suas crenças, as constrangem quase fisicamente ao imporem, por meio de nota, por exemplo, que o aluno assuma esse ou aquele discurso devem ser denunciados e encaminhados para uma solução administrativa em nível de diretoria de escola ou de diretoria de ensino, para receberem a orientação ou a punição, caso reincidente, adequada.   
h) a criança, o adolescente e o jovem têm, ao longo de seu desenvolvimento existencial, todo direito de assumir em relação a determinados conteúdos intelectuais e sociais, posições independentes, diferentes, das de seus pais e professores, e não somente a estes. É hediondo que alguns pais acreditem que têm poder absoluto sobre tudo o que seus filhos pensam e digam, de tal sorte que se eles aparecem com opiniões contrárias isso só pode ser culpa dos professores, como se as crianças não tivessem vida social fora da escola e de suas casas. Isso é um ledo engano, e boa parte dos “desvios” de conduta aparecem a revelia da família e da escola, às vezes por conta de parentes, embora seja mais conveniente atribuir tudo aos professores e tentar calá-los, humilhá-los, encurralá-los, por meio de uma lei absurda.
__ A lei da Escola Sem Partido, desvinculada da paranoia do movimento, levanta uma questão sobre a qualidade da formação dos professores e, mais do que isso, coloca em cheque a política educacional errática que atualmente prospera em São Paulo e no Brasil, e que valoriza os professores jovens e inexperientes, em detrimento dos mais experimentados, dos “macacos velhos”, que têm em si próprios as marcas da longa travessia da vida, e consideram melhor as opções educacionais disponíveis, e aprenderam, com seus próprios erros, a respeitar seus alunos, mantendo uma saudável e respeitosa distância, que os priva, inclusive, de quererem se promover a custa dos educandos. Precisamos melhorar a formação dos professores e valorizar a sabedoria dos antigos.
__ Precisamos aprofundar a questão sobre o que é ser um bom professor, o melhor professor para os estudantes, o que é intimamente vinculado de outra questão fundamental: como é que as crianças aprendem, coisas da psicologia do desenvolvimento ou da aprendizagem, para afastarmos definitivamente os resíduos de pré-história da nossa educação, embutidos em projetos como Escola Sem Partido.           
     
Nota
(1)http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema11/2016-7221_violencia-contra-professores-nas-escolas_katia-pereira-1
http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-08-30/brasil-e-lider-mundial-em-agressao-a-professores.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/06/44-dos-professores-ja-foram-agredidos-em-sala-aponta-pesquisa.html

http://istoe.com.br/198947_PROFESSOR+PROFISSAO+PERIGO/
A MÃE DE TODAS AS BOMBAS VIVE COM O PAI DE TODOS OS ERROS

Prof Eduardo Simões


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/e2/US_Navy_030210-N-3241H-105_USS_Carl_Vinson_Battle_Group_conducts_a_replenishment_at_sea_%28RAS%29_in_the_Western_Pacific_Ocean.jpg/800px-US_Navy_030210-N-3241H-105_USS_Carl_Vinson_Battle_Group_conducts_a_replenishment_at_sea_%28RAS%29_in_the_Western_Pacific_Ocean.jpg
Wikipedia.org

__ Trumpistas, sionistas, direitistas, racistas, etc. estão felizes, por motivos diversos, com as últimas iniciativas de política externa tomadas por Donald Trump – Gryzinski, de VEJA, trombeteia eufórica: “Melhor que a encomenda: Trump está virando o jogo”. Diferente da política, a ideologia é uma questão de fé, deixemos, pois, esta para os crentes de muita fé e pouco juízo e nos dediquemos àquela, que, mesmo enquanto fruto da fé, sempre faz apelo à razão.
__ Vejamos o que aconteceu nesses últimos dias. Ele deu um “cavalo de pau” no seu discurso de campanha, em relação à Europa, e reconheceu que a OTAN não é mais “obsoleta”; disse que a China não está mais adulterando a sua moeda, como foi habitual na sua campanha, e se reuniu com Xin Ping em Washington; deflagrou um ataque contra a Síria, movido por uma indignação pessoal com os ataques químicos do governo, que combate o EI; ameaçou a Coreia do Norte e para lá enviou um grupo de ataque da marinha (coincidentemente, poucos dias depois, o ensaio com um míssil balístico coreano foi um fracasso); lança a mãe de todas as bombas no Afeganistão, fazendo um estrago horrível numa base do EI; deteve os assentamentos de Israel na Palestina, também contrariando seu discurso de campanha. Nem Jim Carrey, possuído pelo Todo-poderoso, seria capaz de mostrar tanta energia, embora nos fizesse rir e aprender, ao final, virtude elevada, ao contrário desses acontecimentos.
__ Creio que estamos diante de uma personalidade interessada antes de tudo em “causar”, em aparecer, como é próprio do “espírito” das redes sociais, ainda que a custo de grandes contradições, quebra de promessas e vidas humanas, sem falar de furos e problemas que se criam a partir desse voluntarismo desvairado, a saber: a Rússia, possível aliada no combate ao crescimento chinês, passa para o lado oposto – sem que se vislumbre qualquer mudança na “questão asiática”, a saber: como deter o expansionismo chinês que ameaça o seu similar americano? – e, de quebra, promete armar o governo da Síria com armas mais sofisticadas. Ou seja: a paz, agora, ficou mais distante. Enquanto isso a Turquia, fora do campo de visão americano, ensaia o retorno ao sultanato, com um matiz republicano, que não engana nem aos turcos. Ela ficará permanentemente no limbo? Claro que não, mas se pular para o lado dos russos os europeus estarão encrencados, e os russos muito bem posicionados para intervir no Oriente Médio.
__ Essas intervenções recentes vão justo na direção oposta às promessas de campanha que apontavam ao retorno do isolamento, que fez a prosperidade da América nos anos 1920-30, e apontam para mais engajamentos armados, dos quais, a sociedade americana já sinalizou fartamente estar saturada, só que com uma característica nova, tipicamente trumpiana: não há qualquer direcionamento perceptível. As relações internacionais se tornaram completamente imprevisíveis.
__ Já que os trumpistas gostam tanto de falar em “jogo”, permaneçamos no campo dessa metáfora. Suponhamos um jogo de xadrez. Trump mexe muitas pedras aleatoriamente, tentando sanar problemas de curto prazo, sem pensar nas jogadas seguintes. Quais são as possibilidades de sucesso? Mas o xadrez é um jogo complexo e sofisticado demais para um homem como Trump e a melhor metáfora talvez seja a do cassino em Las Vegas ou, melhor, do saloon, do Faroeste, onde o cowboy entra chutando a porta, e vai, sedento, se ajuntar aos jogadores, disputando ao mesmo tempo várias partidas em várias modalidades diferentes.
__ Trump parece agir como se acreditasse que só ele sabe blefar, que se jogar os dados dessa ou daquela maneira conseguirá esse ou aquele resultado, que se seus parceiros de pôquer fizerem esse ou aquele gesto, por menor que seja, estarão comunicando essa ou aquela emoção, e que as regras do acaso ou das probabilidades de maneira alguma interferem nos resultados de suas decisões, por conseguinte, ele tem controle absoluto sobre tudo. Para ele, ao que parece, os homens são perfeitamente racionais e previsíveis, como afirmam os gurus do behaviorismo americano, e a tal estímulo se obterá sempre a mesma resposta. Quais são as chances reais de isso dar certo? Parafraseando Piaget, eu diria que Trump parece um operatório concreto, com uma importante decalage no plano emocional...
__ Resta ainda uma questão: o que estará por trás dessas mudanças tão surpreendentes de direção: ele nunca falou a verdade, mas apenas aquilo que interessava ao eleitor naquele momento? Encontrou nos membros do Partido Republicano mais resistência do que esperava (os republicanos simularam ódio muito intenso às políticas sociais, intervencionistas, de Barack Obama, mas parece que a causa desse ódio era de outra natureza, e só agora se manifestou)? As instituições americanas, com raízes seculares, em todos os escalões, estão podando os galhos mais proeminentes do arbusto trompista? A simulação tem nele caráter de uma estratégia compulsiva para confundir os adversários, que nem ele mesmo sabe bem quem são ne, onde quer chegar?
__ Trump mexe em muita coisa ao mesmo tempo, e o faz de maneira desconexa, aparentemente sem um plano de longo prazo, como a sanar estresses episódicos. As chances de isso dar certo são quase nulas, já de dar errado... Ele não está virando o jogo, está virando a mesa, pode ser que os outros jogadores não gostem e resolvam sacar suas armas, como era vulgar no Faroeste.

__ A situação pode, inclusive, se complicar antes mesmo de começarem os grandes lances, pois ao dar um chute nas portas do saloon, o cowboy, ignorando o detalhe das molas nas dobradiças, corre o risco de recebê-las violentamente de volta, pelos dois lados, causando-lhe uma grande dor de cabeça.        

quinta-feira, 6 de abril de 2017


LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 DE PASI SAHLBERG – 3

Tradução e comentários prof. Eduardo Simões

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A geração pós mudança educacional

__ “... após a reforma na escola compreensiva nos anos 1970, a evolução do sistema escolar finlandês pode ser dividida em três fases:
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__ Fase 1: Repensando teorias e métodos (década de 80)
__ Algumas pesquisas e projetos levados a cabo após as mudanças no sistema de escolas compreensivas no final dos anos 70 e início dos 80 levantaram uma série de críticas e dúvidas sobre as práticas e métodos tradicionais, em especial aqueles cuja aprendizagem era centrada na pessoa do professor, como havia na tradicional escola finlandesa. A nova escola fora lançada junto com uma filosofia educacional que ressaltava o papel da educação pública como meio de preparar cidadãos para pensar crítica e independentemente. Um dos principais temas que se discutiu nas escolas foi sobre a criação de um conceito de aprendizagem dinâmica [nós, os piagetianos da linha do professor Lauro, dizemos que simplesmente não é possível falar em conhecimento sem se referir a uma atividade; o pensamento é necessariamente um processo ativo, dinâmico, fora do qual não há pensamento, sequer uma memória digna do nome (a memória supõe uma atividade do intelecto sobre aquilo que é memorizado)]... Uma significativa guinada nessa direção foi dada pela introdução das novas tecnologias da informação dentro da escola, exatamente nesse período. Alguns temiam, com toda razão, que a disseminação do uso de computadores em sala de aula trouxesse problemas tais como a fragmentação do conhecimento, e determinismo tecnológico [um reducionismo tecnológico que faz imaturos e ingênuos, além dos espertos de sempre, acreditar que a tecnologia da informática é uma panaceia, a solução pronta e rápida de todos os problemas tecnológicos e sociais, principalmente os educacionais, como parece estar ocorrendo em nosso país]
__ O desenvolvimento tecnológico correspondeu com a revolução no ensino das ciências [que ficou mais experimental, e continua assim até hoje no mundo afora; nós demos marcha a ré nessa área]. O predomínio da psicologia cognitiva, com a emergência das teorias construtivistas da aprendizagem e o avanço da neurociência no horizonte atraíram os pesquisadores finlandeses para analisar as concepções de ensino e aprendizagem nas escolas finlandesas”.
[Como é que se põe centenas, milhares e milhões de crianças dentro de escolas em um sistema escolar público, para evoluírem de seu estágio infanto-juvenil atual, sem ter bem claro como é que essa criança amadurece, como ocorre o seu processo de maturação, e o que normalmente faz esse processor avançar ou recuar, considerando as peculiaridades de cada sujeito? Uma supervisora de ensino nos falou, certa vez, que “O emocional não nos interessa”. A ciência de educar supõe, da parte do professor, um profundo conhecimento de psicologia do desenvolvimento, inclusive a natureza e as características das manifestações emocionais, em que pese a incompreensão de ‘especialistas’]

__ “Da perspectiva internacional, essa primeira fase da escola finlandesa foi excepcional! Ao mesmo tempo que os professores da Finlândia exploravam todas as possibilidades teóricas sobre o ensino e a aprendizagem, e redesenhavam o currículo de suas escolas para ser congruente com aqueles, seus pares na Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos estavam lutando contra o aumento dos controles sobre as escolas, a imposição externa de uma aprendizagem padronizada [conforme o modelo behaviorista], e a competição desestabilizava os professores a ponto de muitos quererem abandonar a sua carreira [esse problema está ocorrendo agora nas escolas públicas de São Paulo, mas na época que o autor se refere também estava havendo uma debandada de professores das escolas no Brasil, em decorrência do desprestígio da carreira e do arrocho salarial dos governos militares]. Na Inglaterra e Estados Unidos, nessa época, esse tipo de pesquisa era levado a cabo apenas por professores especialistas nas universidades e pelas lideranças políticas nos gabinetes [os professores desses países, como os nossos agora, se dedicavam apenas em preencher prontuários, relatórios, tornando-se meros cumpridores de ordens que vinham de fora se seus ambientes de trabalho, de preferência sem questionar]... a Finlândia permaneceu imune aos ventos da educação dirigida para o mercado, que afetou a quase todos os países membros da OCDE, durante os anos 90”.
[Nós pegamos esses ventos, e já evoluímos da gripe para a pneumonia]

__ [em seguida Pasi Sahlberg relata o quanto a Finlândia deveu, nesse momento aos preciosos resultados das pesquisas educacionais ocorridas em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Países Nórdicos, etc. O que é muito irônico, pois nesses países, onde essas pesquisas se originaram, elas de nada serviram, e eles continuaram presos à canoa furada da “educação dirigida para o mercado”, à qual nós também nos agarramos. Sobre isso Sahlberg tem uma explicação:] “O segredo do sucesso dessas teorias educacionais da Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, é que elas foram lidas a partir do modelo programático da escolas finlandesas e frutificaram em abundância. Sintomaticamente, é muito pequena a produção de autores finlandeses nessa área pedagógica” [os finlandeses, parece, são muito práticos e pouco teóricos]. 
__ [Sahlberg cita a opinião de um autor reconhecido, lá, Erno Lehtinen, sobre como foi a natureza desse primeira fase da reforma finlandesa:] “As discussões sobre as novas concepções de conhecimento e aprendizagem afetou a forma como os professores finlandeses começaram a encarar o processo ensino-aprendizagem. As primeiras discussões se caracterizaram pela substituição dos processos tradicionais de socialização, ensino factual, valores impostos e obediência hierárquica, pelo aprimoramento da reflexão, do pensamento crítico, da resolução de problemas e de aprender a aprender...” [como profetizava no Brasil, 15 anos antes, Lauro Oliveira Lima].          
.........
__ “Fase 2: melhoramento por meio de ramificações e autorregulação (anos 1990)
__ A Reforma Nacional do Currículo, de 1994, é frequentemente apresentada como a mais importante reforma da educação finlandesa, junto com a Reforma da Escola Compreensiva, nos anos 1970. O principal veículo das mudanças foi o papel ativo das municipalidades [os políticos de lá, prefeitos e vereadores, parecem sinceramente interessados em educação!] e das escolas na elaboração do currículo e implementação das mudanças. As escolas foram encorajadas a se ajudarem mutuamente, em parceria com os pais, empresas, organizações não-governamentais. Em nível da administração central, todo esse movimento de colaboração e autogoverno entre as escolas culminou no Projeto Aquarium, uma espécie de “escola nacional” para prover a professores e diretores de todas as escolas do país de ferramentas e recursos para se integrarem uns aos outros. O cerne do projeto era transformar cada escola numa comunidade de aprendizagem...”
[Com o Projeto Aquarium criava-se, portanto, um gigantesco banco de dados ou uma central de trocas de informações de sorte que as experiências positivas de umas fossem multiplicadas, e as negativas de outras, depois de devidamente analisadas, descartadas, ou seja, o fim do desperdício de know-how – quantas vezes Lauro Oliveira Lima não lamentou, em seus livros, que todo professor novato que ao entrar numa sala de aula, pela sua primeira vez, no Brasil, o faz como se fosse o primeiro professor que o país já teve, porque todas as experiências, bem ou malsucedidas, de centenas de milhares de professores que vieram antes deles, ao longo dos séculos, foi simplesmente perdida, jogada fora!]

“__ Particularmente importante é o relatório apresentado pela maioria das escolas, de que haviam conseguido melhorias significativas, graças ao empenho dos professores, mesmo em um período de recessão e crise econômica... o Projeto Aquarium conseguiu estimular professores e diretores a buscar inovações em suas escolas e a aprofundar seus estudos nas universidades [integração escola-universidade]. Ele também demonstrou que é na escola, e não na burocracia do sistema, o local do controle e da capacitação para as reformas”.
[De fato, é nas escolas, nas unidades escolares, que acontecem os fenômenos educacionais, e é lá que precisam ser observados e gestadas as intervenções, bem diferente do que ocorre no Brasil, onde as políticas educacionais e as grandes discussões sobre os problemas educacionais ocorrem apenas nos corredores das repartições públicas (secretarias de educação) e das universidades, distantes da realidade escolar].

“__ “Esse projeto, Aquarium, estava de acordo com as novas ideias de descentralização e aumento da autonomia das escolas vigentes nos anos 90. Como uma estratégia para a melhoria das escola esse projeto pressionava o compartilhamento de responsabilidades dentro das escolas [professores ‘polivalentes’ ou melhor dizendo: todos cuidam de todos e de tudo], iniciativas personalizadas, e esforços coletivos para a melhoria do ambiente escolar [que diluíam o individualismo suposto no item anterior], e nesse sentido o Projeto Aquarium incorporou características consistentes de políticas educacionais neoliberais, e, eventualmente, essas características foram vistas como sinais de um aumento da competição entre as escolas... É verdade que as escolas podem escolher se tornar um ambiente competitivo, mas o ambiente de rede das trocas concernentes às melhorias escolares, dirigiam a competição para um esforço de melhoria das escolas como um todo. O forte matiz social do Projeto Aquarium induzia à troca de ideias, a solução de problemas compartilhada, e evitava que as escolas começassem a se ver, umas às outras como adversárias...”

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http://www.mfa.fi

Liceu Joensuu

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(idem)
Liceu Joensuu.

Fase 3: Melhoria da eficiência estrutural e administrativa do sistema (2000 ao presente)

[gostaria aqui de chamar a atenção para algo: primeiro eles procuraram uma base teórica, uma pedagogia e uma psicologia para a sua reforma; por fim eles realizaram a mudança de layout, a melhoria dos prédios. Aqui nós fazemos justo contrário: começamos pelos prédios, e em geral paramos aí – lembram dos CIEPs do Brizola, dos CIACs do Collor, dos CAICs do Itamar? Outra coisa que fazemos bem diferente dos finlandeses é que a reforma deles começou pelo norte do país. Na Lapônia, a região mais fria, menos povoada e a mais pobre. Nossas reformas começam justo pelo oposto: pelas regiões mais ricas e saturadas, e em geral terminam por aí, por puro esgotamento, sem acúmulo de know-how, acentuando mais um tanto as disparidades regionais. É hora de repensar o modelo].
__ “O primeiro resultado do PISA, publicado em dezembro 2004, pegou a todos de surpresa. Em todas as três áreas – linguagem, ciências e matemática – a Finlândia se colocava entre as nações de mais alta performance.... e os finlandeses aprenderam todo o conhecimento e as habilidades que eles demonstraram nesses testes sem aulas de reforço particulares, sem aulas extras, ou um grande amontoado de trabalhos para casa, como é comum entre os estudantes do Extremo Oriente...
__ A reação inicial ao anúncio dos resultados desse primeiro PISA entre os educadores finlandeses foi de perplexidade e confusão. Alguns chegaram a especular se esses resultados, tão elevados, não estariam errados. Desde os anos 1970 a educação finlandesa tinha focado pesadamente sobre música, arte, artesanato, estudos sociais, habilidades para resolver problemas do cotidiano, e não em linguagem, ciências e matemática...”
[Façamos um parágrafo para clarificar sobre um assunto que Piaget e Lauro de Oliveira Lima já haviam se debruçado antes e sobre isto apresentado fartos esclarecimentos:
a) uma coisa é a inteligência, um fenômeno mental, geral, que abarca e dirige as ações humanas comuns aos melhores resultados com o menor dispêndio de energia possível – o importante não é trabalhar muito, mas trabalhar bem – e outras, bem diferentes, são: a memorização de conteúdos, muito solicitadas nos testes do PISA, e habilidades específicas nos esportes, nas arte, numa oficina, que podem ser aprendidas por repetição ou especialização congênita, gerando trabalhos de grande perícia sem a necessidade de um grande nível intelectual (veja-se os portadores de síndrome de savant). 
b) O desenvolvimento da inteligência parte das ações mais simples para as mais complexas, onde estas são a base estrutural para aquelas, de tal sorte que se alguém é capaz de resolver um problema ou fazer uma ação mais complexa, da mesma forma, e mais facilmente, será capaz de resolver problemas ou fazer os atos mais simples, que são um ou vários graus genéticos (de gênese) mais simples – dito de outra forma: quem é capaz entender o mecanismo de multiplicação será também capaz de entender o mecanismo da soma; quem é capaz de andar sobre duas pernas também será capaz de andar de quatro.
O que os educadores finlandeses não entendiam, e nesse ponto se assemelhavam aos behavioristas americanos, é que o desenvolvimento da inteligência de tão geral e complexo não cabe todo no cotidiano das escolas e tampouco pode ser dirigido nesta ou naquela direção (fazedores de provinhas e exames, orientais x humanistas fabricados em escolas, finlandeses). A educação é um processo não diretivo, tentar fazê-lo diretivo é por a perder o principal da educação (= aprender para a vida). O que aconteceu foi que os testes do PISA, em seu primitivismo, apenas faziam jovens finlandês que já eram campeões em corrida de conhecimento, se comportassem como bestas de carga, a andar de quatro no conhecimento, preenchendo provas de múltipla escolha. Eles conseguem fácil, mas um dia eles vão enjoar disso e as notas devem cair]
__ “O que o PISA, em geral, revela é que as políticas públicas baseadas no princípio de igualdade de oportunidades educacionais e na equidade da educação, que trazem os professores para o coração do sistema educacional, impactam positivamente a qualidade de um sistema de educação [outa abordagem da questão, absolutamente verdadeira]... [mas] Aparentemente a variação na performance dos estudantes, devido a fatores socioeconômicos, parece estar aumentando [de acordo com os últimos dados do Pisa sobre o país, o que demanda intervenções corretivas ou o abandono definitivo do PISA como medida de qualidade ou de análise do sistema. Para mim os dados do PISA são uma grande fantasia, sem falar que aí pode estar ocorrendo uma questão mais sociológica que educacional, pois en geral os pobres, e lá não deve ser diferente, têm muito menos paciência para lidar com o que não têm finalidade ou utilidade prática, bobagens, com as provas do PISA, do que os jovens mais ricos, domesticamente mais disciplinados].
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O Sistema educacional finlandês em 2015

__ “Uma das mensagens-chave desse livro... é que o sistema educacional finlandês não tem sido contaminado por modelos de educação voltada para o mercado, como acontece em outros países, que acirra a competição entre as escolas para que haja uma corrida de inscrições [o número de inscrições é sinal de o quanto a escola é respeitada!], o seguimento servil de propostas educacionais estandardizadas de ensino e aprendizagem [elaboradas fora das escolas; pelas secretarias de educação, por exemplo], e a aplicação de testes de alta-performance [pelo amor de Deus, isso por aqui é uma epidemia grave, e estamos a precisar do remédio finlandês com urgência!]... Os educadores e autoridades finlandeses, especialmente os professores, não estão convencidos que dados macroeducacionais, acumulados por meio da realização de frequentes testes externos [SARESP, AAP, PISA, etc.], e um minucioso controle sobre os professores possa ser benéfico aos alunos e à sua aprendizagem.
__ A política educacional deve estar integrada, necessariamente, a outras políticas sociais, em especial com a política cultural global do país [ou seja, uma mudança dessa envergadura tem que mexer com o conjunto da nação, criar uma nova mentalidade nacional a respeito da educação e dos seus objetivos principais, não pode jamais surgir, de repente, da iniciativa de uma autoridade política ou mesmo uma autoridade técnica, especializada, por mais completa e bem-intencionada que seja a proposta]. A chave do sucesso da passagem da Finlândia para uma economia do conhecimento, com boa governança e um respeitável sistema de ensino tem sido a habilidade para alcançar amplo consenso nos principais pontos referentes à educação... a Finlândia parece realizar, com razoável maestria, a implementação e manutenção de políticas e práticas de governo com mudanças sustentáveis... a educação na Finlândia é vista como um bem público e por conseguinte como um importante elemento de construção da nação
[Se a chave para o sucesso é a construção de consenso em diversas áreas capitais, então estamos com um problema. Como construir consensos num país tão grande e diversificado como o nosso, varrido por tantos interesses contraditórios e por vezes inconfessáveis? Só vejo uma possibilidade, já levantada por Sahlberg algumas páginas atrás: dar mais autonomia aos sistemas estaduais de educação, para que, como se cada um fosse um país quase independente, como na Federação Americana, pudessem viabilizar, cada um no seu ritmo, um sistema educacional minimamente compatível com a grandes linhas de um projeto nacional, muito mais flexível que o atualmente existente, dando muita independência, enquanto gera uma obrigação moral nos estados mais atrasados ou com piores resultados em sua reforma a procurarem se espelhar nos estados mais bem sucedidos].

__ “A política educacional desenvolvida para aumentar os índices da aprendizagem na Finlândia colocou um forte acento sobre o que é específico ao ensino e à aprendizagem, encorajando as escolas a criarem por si mesmas um ambiente adequado ao ensino e à aprendizagem, que ajudasse aos alunos a alcançar os objetivos instrucionais. Isso é o oposto da política de muitos países [principalmente do Brasil e de São Paulo], onde diretrizes e parâmetros criados em órgãos externos são impostos às escolas, como acontece com o Common Core State Standards dos Estados Unidos, o National Standards da Nova Zelândia, ou o New Education Standards na Alemanha... [e os Parâmetros Curriculares Nacionais, um amontoado sem sentido, no Brasil]. Partiu-se muito prematuramente, na reforma educacional finlandesa, da crença de que os professores e os métodos de ensino são os elementos que fazem a diferença na aprendizagem dos alunos nas escolas, e não a parametrização, a avaliações ou programas instrucionais alternativos [que vivem a cair de paraquedas em nossas escolas, prometendo milagres].
[Vale a pena encararmos um pouco daquilo que Pasi Sahlberg fala tanto, como algo a ser evitado, e no qual nós, desafortunadamente, mergulhamos de cabeça e tanto que é a educação voltada para o mercado. Vejam essa declaração no site do Common Core State Standard, dos EUA, num link chamado: “o que os país precisam saber”:] “os estudantes de hoje estão se preparando para um mundo onde as faculdades e as empresas exigem cada vez mais. Para garantir [to ensure] que todos os alunos estejam prontos para o sucesso após o ensino médio, o Núcleo Comum dos Parâmetros Estaduais estabelece diretrizes claras e consistentes sobre o que cada aluno deve saber e ser capaz de fazer em artes, matemática em língua inglesa do Jardim de Infância ao final do Ensino Médio [“grade 12” ou “k-12”]. A chamada do site é: “PREPARANDO OS ESTUDANTES DA AMÉRICA PARA O SUCESSO”.  http://www.corestandards.org/what-parents-should-know/
[Já o site do Ministério da Educação da Nova Zelândia, o National Standards é apresentado da seguinte maneira] “O Standard estabelece claras orientações sobre o que o estudante precisa saber na aprendizagem da escrita e da matemática nos primeiros oito anos de escola” e “O Currículo Nacional é composto do Currículo Nacional da Nova Zelândia... o qual fixa as diretrizes para a aprendizagem dos estudantes e estabelece guias para as escolas modificarem ou revisarem o seu currículo [ou seja, é uma receita que vem de fora, de um ambiente estranho à escola, feita por pessoas que não trabalham na escola, lhe dizendo o que é melhor para ela! Qual é a chance de isso dar certo?]. Veja mais em http://nzcurriculum.tki.org.nz/The-New-Zealand-Curriculum
[Reproduzo, em seguida, uma parte muito interessante de um artigo, a parte pedagógica, com que eu concordo, publicado em num site da Quarta Internacional, em inglês, chamado: “Alemanha, os novos parâmetros educacionais – aperfeiçoando o sistema de seleção social”. O artigo começa narrando o encontro dos ministros da educação dos estados alemães (kultusministerkonferenz = KMK) para definirem os novos parâmetros ou diretrizes educacionais nesses estados].... “esses parâmetros especificam as habilidades que os alunos devem atingir em um certo período. Por exemplo, de acordo com os padrões educacionais do KMK, após 10 anos na escola, o aluno deve conhecer “um conjunto de obras literárias apropriadas à sua idade – incluindo [além dos clássicos] literatura para jovens leitores – de autores que sejam significativos [conceito difícil de definir]”. Ele também deve ser “capaz de diferenciar um texto épico, de um lírico ou dramático, assim como as diferentes formas de narrativas: a épica, as novelas, as narrativas longas, romances, dramas e poesias”. Além disso os alunos devem se familiarizar com formas de “mídias específicas, textos impressos e noticiários online, infoentretenimento, hipertextos, publicidade e filme”... [é impressionante como tanto lá, quanto aqui, essa gente é minuciosa e detalhista em seu controle sobre as escolas]. Seria uma conquista enorme se as escolas e os professores estivessem em condições de transmitir esse conhecimento a cada um dos alunos. Também não seria errado monitorar o sistema educativo, incluindo professores e escolas, por meio de padrões internacionais [algo questionável], se isso significasse buscar corrigir fraquezas. É compreensível que aqueles que lidam com o ativo mais importante da sociedade – as crianças – sejam submetidos ao escrutínio de seu trabalho [concordo plenamente].
Isso levanta, porém, muitas questões acerca dos professores e das escolas. Podem eles garantir uma boa educação para todos os alunos? Será que eles suportam de boa vontade os alunos mais fracos ou eles evitam suas responsabilidades passando os alunos problemáticos para turmas inferiores? [o autor pode estar se referindo à reprovação ou às turmas especiais, para as quais muitos professores passam os alunos que lhe causam problemas. Em São Paulo as aulas devem ser atribuídas pelo diretor que, para evitar desgaste com sua equipe, se esta estiver insatisfeita a escola terá muita dificuldade em alcançar seus objetivos, não raro se permite que os professores mais antigos, com mais pontos, escolham as turmas por primeiro, e estes, quase sempre, escolhem as turmas mais adiantadas e fáceis, deixando as mais difíceis justo para os professores mais novos e inexperientes, com grandes prejuízos para as crianças e estes professores. Também pode acontecer de, uma diretora querendo dar uma lição em algum professor mais inconformado, em geral os mais inteligentes, lhe atribua uma sala particularmente difícil. Precisamos ainda crescer muito nesse aspecto] Que método será usado? [isso é fundamental!] Como as escolas e os professores se veem... os padrões de educação de um sistema escolar depende do ethos [o espírito que move esse sistema!] de todo o sistema educativo, bem como de seus valores, conceitos e objetivos fundamentais].
Na Escandinávia [Finlândia]... Os parâmetros da educação, e o fato de eles serem regularmente checados e revisados, têm por objetivo ajudar aos alunos mais fracos, assim como vistoriar e revisar os métodos de ensino [um ponto fulcral, já alertado por Lauro Oliveira Lima]. Embora na Escandinávia não haja igualdade de oportunidades real – pobreza e riqueza também existem por lá – o sistema educacional serve para mitigar um pouco essas contradições. A escolarização de 11 a 16 anos [fase equivalente ao antigo ginasial, quando se sobressaem, “naturalmente”, as diferenças socioeconômicas] é muito unificada... os alunos não repetem de ano e não há expulsões por causa do mau desempenho do aluno
Na Alemanha, por outro lado, o sistema educacional é mais diretamente um instrumento de seleção social [= discriminação social] – é a autoridade [educacional] que reforça as diferenças de classe desde o início e as reforça a cada etapa. A introdução de parâmetros, mantendo a orientação fundamental da educação, apenas acirrará esse processo de discriminação precoce e contínuo. Nesse sistema os parâmetros da educação e os testes regulares que os acompanham tornar-se-ão em obstáculos que os alunos devem remover para ir subir na graduação ou passar em um exame final para um curso superior...
Os parâmetros são projetados para fornecer às escolas uma orientação, mas também servirão como controle. Os 16 länder (estados federais) pretendem verificar se as escolas desempenharam as suas tarefas de acordo com as normas estabelecidas. A avaliação desses testes, incluindo conselhos e sugestões de melhoria será dada às escolas. Mas por que apenas às escolas? Esta é uma demanda feita por especialistas em educação, que temem o pior: a publicação de todos os resultados, como na Grã-Bretanha [e no Brasil, o que propiciaria munição tanto para uma “caça às bruxas”, como a estigmatização ou a rotulagem das escolas em “boas” ou “más”, independente das condições socioeconômicas da clientela e de suas condições de funcionamento (uma escola situada num bairro de classe média dá as mesmas condições de ensino e aprendizagem de uma escola situada próximo de uma “boca quente”, como também acontece no Brasil].

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Uma escola do jardim de infância em forma de gato, em Karlsruhe, na Alemanha.

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A mesma escola vista por dentro. Uma bela arquitetura a serviço de uma visão de educação ultrapassada. O prof. Lauro diria: “pedagogia predial”.


[Não dá para negar que aquilo que é descrito no contexto da Alemanha é exatamente o que a gente experimenta no contexto de Brasil, principalmente São Paulo, e que deve se agravar com a reforma retirada recentemente do bolso do paletó pelo Governo Federal, da mesma forma que não dá para negar que o diagnóstico do artigo é certeiro. Essa escola, que visa a performance, a centralização das decisões, a imposição de modelos, a obrigatoriedade e a multiplicidade de controles na forma de testes e exames, o esvaziamento da autonomia da escola e do professor, serve, necessariamente ao acirramento da estratificação social, ao aprofundamento do abismo social entre pobres e ricos, como acontece na Alemanha e alhures, inclusive entre nós.
Ao chamar a atenção para a preocupação das escolas escandinavas em detectar precocemente as crianças com dificuldades, e colocar todo o seu empenho em ajudá-las a sanar essas dificuldades, o artigo também chega a uma conclusão certeira, já destacada por Pasi Sahlberg em suas Lições finlandesas. Essa abordagem, acredita Sahlberg, fez com que a diferença entre os índices de notas das escolas das diversas regiões da Finlândia seja hoje uma das menores do mundo. Todas as escolas finlandesas têm um padrão de ensino equivalente.
Por fim, como podemos deduzir das premissas dos parâmetros americanos, neozelandeses e alemães, podemos dizer que para esses sistemas educacionais a aquisição de conhecimento é um fenômeno apenas quantitativo, linear, imposto de fora para dentro (behaviorismo), perfeitamente previsível, no qual o professor é, quando muito, uma adereço figurativo, o que não faz o menor sentido, visto o esforço desses países em aumentar o grau de especialização de seus professores – para que se eles vão apenas seguir um prontuário já elaborado pelos burocratas? Outra pergunta que a parametrização não responde é: se a educação é assim tão óbvia e previsível, porque ainda então existe educação?     

No final deste capítulo o autor faz uma apanhado geral dos aspectos mais positivos da educação finlandesa, não deixando de citar os cuidados que o estado e os pais têm ou devem ter com as crianças, desde o nascimento, para que elas cresçam física e emocionalmente saudáveis, para isso ambos os pais são estimulados a ficar o máximo de tempo possível com as crianças recém-nascidas, de tal sorte que o auxílio-maternidade pode chegar a oito meses, tanto para o pai como para a mãe, além de uma cobertura de pré-escola que atende a 98% das crianças nessa faixa de idade. É fundamental acreditar, e essa é uma tecla que nós, os piagetianos, batemos há décadas, que uma criança bem gestada, cuidada, alimentada e protegida terá muito mais chance de se tornar um adolescente ou jovem estudioso, e um adulto produtivo, socialmente integrado, na sociedade onde ele estiver inserido. A Finlândia é a confirmação cabal disso].