segunda-feira, 17 de abril de 2017

A MÃE DE TODAS AS BOMBAS VIVE COM O PAI DE TODOS OS ERROS

Prof Eduardo Simões


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/e2/US_Navy_030210-N-3241H-105_USS_Carl_Vinson_Battle_Group_conducts_a_replenishment_at_sea_%28RAS%29_in_the_Western_Pacific_Ocean.jpg/800px-US_Navy_030210-N-3241H-105_USS_Carl_Vinson_Battle_Group_conducts_a_replenishment_at_sea_%28RAS%29_in_the_Western_Pacific_Ocean.jpg
Wikipedia.org

__ Trumpistas, sionistas, direitistas, racistas, etc. estão felizes, por motivos diversos, com as últimas iniciativas de política externa tomadas por Donald Trump – Gryzinski, de VEJA, trombeteia eufórica: “Melhor que a encomenda: Trump está virando o jogo”. Diferente da política, a ideologia é uma questão de fé, deixemos, pois, esta para os crentes de muita fé e pouco juízo e nos dediquemos àquela, que, mesmo enquanto fruto da fé, sempre faz apelo à razão.
__ Vejamos o que aconteceu nesses últimos dias. Ele deu um “cavalo de pau” no seu discurso de campanha, em relação à Europa, e reconheceu que a OTAN não é mais “obsoleta”; disse que a China não está mais adulterando a sua moeda, como foi habitual na sua campanha, e se reuniu com Xin Ping em Washington; deflagrou um ataque contra a Síria, movido por uma indignação pessoal com os ataques químicos do governo, que combate o EI; ameaçou a Coreia do Norte e para lá enviou um grupo de ataque da marinha (coincidentemente, poucos dias depois, o ensaio com um míssil balístico coreano foi um fracasso); lança a mãe de todas as bombas no Afeganistão, fazendo um estrago horrível numa base do EI; deteve os assentamentos de Israel na Palestina, também contrariando seu discurso de campanha. Nem Jim Carrey, possuído pelo Todo-poderoso, seria capaz de mostrar tanta energia, embora nos fizesse rir e aprender, ao final, virtude elevada, ao contrário desses acontecimentos.
__ Creio que estamos diante de uma personalidade interessada antes de tudo em “causar”, em aparecer, como é próprio do “espírito” das redes sociais, ainda que a custo de grandes contradições, quebra de promessas e vidas humanas, sem falar de furos e problemas que se criam a partir desse voluntarismo desvairado, a saber: a Rússia, possível aliada no combate ao crescimento chinês, passa para o lado oposto – sem que se vislumbre qualquer mudança na “questão asiática”, a saber: como deter o expansionismo chinês que ameaça o seu similar americano? – e, de quebra, promete armar o governo da Síria com armas mais sofisticadas. Ou seja: a paz, agora, ficou mais distante. Enquanto isso a Turquia, fora do campo de visão americano, ensaia o retorno ao sultanato, com um matiz republicano, que não engana nem aos turcos. Ela ficará permanentemente no limbo? Claro que não, mas se pular para o lado dos russos os europeus estarão encrencados, e os russos muito bem posicionados para intervir no Oriente Médio.
__ Essas intervenções recentes vão justo na direção oposta às promessas de campanha que apontavam ao retorno do isolamento, que fez a prosperidade da América nos anos 1920-30, e apontam para mais engajamentos armados, dos quais, a sociedade americana já sinalizou fartamente estar saturada, só que com uma característica nova, tipicamente trumpiana: não há qualquer direcionamento perceptível. As relações internacionais se tornaram completamente imprevisíveis.
__ Já que os trumpistas gostam tanto de falar em “jogo”, permaneçamos no campo dessa metáfora. Suponhamos um jogo de xadrez. Trump mexe muitas pedras aleatoriamente, tentando sanar problemas de curto prazo, sem pensar nas jogadas seguintes. Quais são as possibilidades de sucesso? Mas o xadrez é um jogo complexo e sofisticado demais para um homem como Trump e a melhor metáfora talvez seja a do cassino em Las Vegas ou, melhor, do saloon, do Faroeste, onde o cowboy entra chutando a porta, e vai, sedento, se ajuntar aos jogadores, disputando ao mesmo tempo várias partidas em várias modalidades diferentes.
__ Trump parece agir como se acreditasse que só ele sabe blefar, que se jogar os dados dessa ou daquela maneira conseguirá esse ou aquele resultado, que se seus parceiros de pôquer fizerem esse ou aquele gesto, por menor que seja, estarão comunicando essa ou aquela emoção, e que as regras do acaso ou das probabilidades de maneira alguma interferem nos resultados de suas decisões, por conseguinte, ele tem controle absoluto sobre tudo. Para ele, ao que parece, os homens são perfeitamente racionais e previsíveis, como afirmam os gurus do behaviorismo americano, e a tal estímulo se obterá sempre a mesma resposta. Quais são as chances reais de isso dar certo? Parafraseando Piaget, eu diria que Trump parece um operatório concreto, com uma importante decalage no plano emocional...
__ Resta ainda uma questão: o que estará por trás dessas mudanças tão surpreendentes de direção: ele nunca falou a verdade, mas apenas aquilo que interessava ao eleitor naquele momento? Encontrou nos membros do Partido Republicano mais resistência do que esperava (os republicanos simularam ódio muito intenso às políticas sociais, intervencionistas, de Barack Obama, mas parece que a causa desse ódio era de outra natureza, e só agora se manifestou)? As instituições americanas, com raízes seculares, em todos os escalões, estão podando os galhos mais proeminentes do arbusto trompista? A simulação tem nele caráter de uma estratégia compulsiva para confundir os adversários, que nem ele mesmo sabe bem quem são ne, onde quer chegar?
__ Trump mexe em muita coisa ao mesmo tempo, e o faz de maneira desconexa, aparentemente sem um plano de longo prazo, como a sanar estresses episódicos. As chances de isso dar certo são quase nulas, já de dar errado... Ele não está virando o jogo, está virando a mesa, pode ser que os outros jogadores não gostem e resolvam sacar suas armas, como era vulgar no Faroeste.

__ A situação pode, inclusive, se complicar antes mesmo de começarem os grandes lances, pois ao dar um chute nas portas do saloon, o cowboy, ignorando o detalhe das molas nas dobradiças, corre o risco de recebê-las violentamente de volta, pelos dois lados, causando-lhe uma grande dor de cabeça.        

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