AMEAÇA
À EDUCAÇÃO E À DEMOCRACIA BRASILEIRA
Prof
Eduardo Simões
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Vereador
Fernando Holliday e Kim Kataguiri. Aprendizes de feiticeiro...
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Foi com horror que fiquei sabendo, pelas maiores agências noticiosas do país,
da abusiva ação do vereador Fernando Holiday, do DEM, embora oriundo do MBL
(Movimento Brasil Livre), de Kim Kataguiri, a penetrar nas escolas da
prefeitura de São Paulo, a pretexto de exercer o dever fiscalizador inerente de
sua função, mas na verdade para espionar e constranger professores, conferindo
seus diários de classe, que não estivessem ministrando suas aulas segundo a
cartilha ou o “catecismo” do movimento “Escola sem Partido”.
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Não se tratou, portanto, de uma ação fiscalizadora, mas antes intimidadora,
ameaçadora, assim o sentiram os professores, muito parecida com as inúmeras que
se observaram na Alemanha e na Itália nazifascistas, e na Rússia comunista,
antes da Grande Guerra – os totalitarismos se assemelham – tanto que gerou uma
crise no gabinete de prefeito João Doria, aparentemente abafada em nome da
viabilidade eleitoral do deste, para 2018, antes que pela defesa de elevados
princípios democráticos e de uma educação minimamente merecedora de respeito.
A matriz maléfica
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O
mestre dos magos behavioristas.
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O Escola Sem Partido erra grotescamente, pois deriva de uma abordagem
psicológica falida: o behaviorismo clássico americano, que está destruindo o
sistema escolar deles e que, infelizmente, tem sido a matriz conceitual dos
educadores do Brasil, tanto de direita quanto de esquerda, nesses últimos anos,
a mostrar o quanto desconhecem da criança e de seus mecanismos de aprendizagem.
Para que o leitor tenha uma ideia do que estamos falando reproduzo duas pérolas
do fundador da psicologia behaviorista, o americano John Broadus Watson,
publicada em um livro Behaviorismo,
em 1930, e no Manifesto behaviorista,
de 1913:
“Dê-me uma dúzia de
crianças saudáveis e bem formadas e meu mundo específico para criá-las, e eu me
comprometo a escolher uma delas ao acaso e treiná-la para que chegue a ser
qualquer tipo de especialista que eu escolher: médico, advogado, artista,
comerciante, inclusive mendigo e ladrão, sem levar nem um pouco em conta seus
talentos, capacidades, tendências, habilidades ou a raça de seus antepassados” [o lado bom do behaviorismo, naqueles
anos tão marcados pela crença da superioridade da “raça branca” e inferioridade
das “raças” “negra” e “amarela”]. “O
behaviorista em seus esforços de conseguir um esquema unitário de resposta
animal, não vê nenhuma linha divisória entre o homem e a besta”.
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A vida pessoal trágica de Watson e de sua família, marcada pela repressão
religiosa, abandonos, violência, escândalos, doença mental e suicídios, perdurou
por gerações – uma neta sua, a atriz Mariette Hartley, se apresentava como uma “vítima”
das experiências do avô – comprovaram da maneira mais cabal o enorme fracasso
dessa teoria, sem falar de estudos posteriores que a desacreditaram
completamente, até o PISA ressuscitá-la novamente em sua cepa mais branda,
embora não inócua.
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Associando-se ao regresso do behaviorismo triunfante em nosso país, que nem o
boêmio do Nelson Gonçalves, o Escola Sem Partido (ESP) diz que os professores
estão utilizando-se de sua cátedra, de seu suposto domínio sobre crianças e
jovens, para “doutriná-las” e transformá-las, que nem os pimpolhos de Watson,
em perigosos agentes do “comunismo internacional”, “nacional”, “destruir a
família”, ou qualquer outra fantasia gestada em algumas mentes delirantes.
Cinismo ou ignorância?
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O termo doutrinação é claramente retirado dos usos e costumes do ambiente
castrense. Ele é observado, por exemplo, quando um sargento ou oficial
qualquer, cheio de boa vontade, mas com pouca cultura ou precocemente bitolado
(ou devo dizer “doutrinado”?) – pode ser que exista um assim – começa a
destilar uma saraivada de sandices a respeito de costumes ou de política
interna ou internacional, a um agrupamento de soldados, silenciosos e atentos
(ai de quem não ficar assim!), durante uma instrução. Que soldado ousará
divergir durante essa instrução? Isso é doutrinação. Agora pense comigo, caro
leitor, se essa doutrinação fosse de fato eficaz haveria a necessidade de os
exércitos estigmatizarem tão fortemente a deserção? ... Se a doutrinação não
funciona num ambiente rígido e controlado como o de uma caserna, como
funcionará num ambiente flexível e aberto de uma escola civil? Onde, numa
instrução militar, o soldado manda o sargento procurar a progenitora num bordel
ou tomar coisas em um lugar tão funcionalmente inadequado, como fazem nossos
alunos?
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Numa escola civil, o aluno tem não só o direito, como até o dever, de replicar
ao professor, e este, se tiver um mínimo de competência profissional, ficará
contente com isso. Por outro lado, quantas vezes não debati com meus colegas as
nossas tentativas infrutíferas de fazer os alunos se posicionarem no debate de
qualquer questão mais delicada, mais candente, do Brasil ou de fora, e tudo que
encontramos é uma cortina de ferro de silêncio, quando não nos vemos a conter, com
grande esforço, a desordenada dispersão de jovens sem base, mal preparados, e
sem um pingo de educação e boas maneiras trazidas de casa, inclusive em escolas
privadas.
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Daí segue uma outra questão sobre o que realmente se passa na sala de aula, e
que destoa gravemente da fantasia apresentada pela propaganda do ESP. Dados
recentes, de 2014, apresentam o Brasil como “líder mundial em agressões a
professores”, cerca de 12,5% dos professores pesquisados, uma situação tão
grave que gerou, inclusive, um documento da Câmara de Deputados, que deve ser
do conhecimento do senhor Jair Bolsonaro, um dos mentores do ESP, chamado Violência contra professores nas escolas,
de autoria de Katia Santos Pereira, da Consultoria do Legislativo. Em São
Paulo, o estado onde o senhor Fernando Holiday espalha a sua “brasa”, o
sindicato dos professores contabiliza 44% de professores agredidos por alunos!
Eu, que escrevo estas linhas, apesar de meu tamanho avantajado, já fui agredido
fisicamente por um aluno do 6º Ano, de 11 anos de idade, na frente da
coordenadora! Quanto às ameaças de morte, já perdi a conta... (1)
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O que é que vocês acham que pode acontecer quando jovens deputados, pais,
líderes religiosos, semianalfabetos, mas bons de lábia ou apadrinhados por gente
poderosa, começarem a invadir as salas de aula, desautorizando, ameaçando ou
repreendendo um professorado, que já luta com esforço e cautela pela sua incolumidade
física em sala de aula.
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O professor não tem como “fazer a cabeça” de um aluno que não queira, ainda que
muito jovem, pelas simples razões abaixo:
a)
o pouquíssimo tempo de convivência com os alunos e o fato de o professor
interagir com eles em grupos e não individualmente, em que pese as exigências
estapafúrdias de secretarias de educação ao esse respeito, de um atendimento
personalizado, e avaliação minuciosa, em salas de 40 alunos ou mais. Tudo para
brasileiro ver...
b)
quase sempre o entorno social e os interesses psicológicos do professor não se assemelham
aos dos alunos, pois são de classes sociais e níveis culturais diferentes,
gerando, naturalmente, muitos ruídos durante a sua comunicação.
c)
a influência do professor sobre o aluno não pode, em absoluto, competir com a
influência dos pais sobre ele, o aluno, uma vez que a quantidade e a qualidade
da convivência pai-filhos é muito mais abrangente e carregada de afetividade
que aquela que envolve professor e aluno, em que pese o fato de quanto maior a
convivência maior o risco de conflitos, que não são necessariamente a negação
da qualidade da relação, mas antes fases de transição para um maior
aprofundamento, se a crise for bem gerida pela família.
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Dizer que o professor é capaz de “fazer” a cabeça de uma criança, a revelia da
família, é negar peremptoriamente os resultados mais escancarados de mais de
cem anos de pesquisas em psicologia e psiquiatria, e é por isso que toda
criança ou jovem que tem que se haver com um profissional dessas áreas do
conhecimento, é sempre convidada para comparecer às consultas acompanhadas
pelos pais e não pelos professores! Já pensaram nisso?
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Do que foi dito acima podemos tirar um aforismo: se um professor consegue
exercer sobre um aluno uma influência contrária e maior que a de seus pais, do
aluno, tem alguma coisa muito errada nessa família. Ou os conflitos estão sendo
pessimamente geridos ou criminosamente ignorados. Agora, se nós professores
tivéssemos o poder que o ESP diz que nós temos sobre as crianças e jovens, a
primeira coisa que faríamos seria doutriná-los a que parassem de ofender às
nossas, algumas já falecidas, santas mãezinhas.
Depósitos de crianças
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Assim é muito mais fácil doutrinar!
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Os políticos brasileiros, em geral, foram muito bem-sucedidos num objetivo
educacional. Ajudados por uma série de circunstâncias sociais e econômicas,
eles conseguiram convencer a grande maioria dos pais, criaram quase uma cultura
a esse respeito, de que a escola é um depósito de crianças, e que esta pode,
independente do que acontecer no ambiente familiar, tornar a criança aquilo que
os pais querem que ela seja.
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De fato, as questões educacionais, no Brasil, são discutidas como se as
crianças desaparecessem toda vez que toca o horário de saída das escolas e
reaparecessem, magicamente, quando toca o primeiro sinal de início das aulas
pela manhã. É como se não existisse mundo exterior à escola, e toda a
inadequação no seu comportamento escolar pudesse ser resolvida exclusivamente
na escola. As escolas, por assim dizer, tornaram-se depósitos de crianças,
cuidadas por super-homens ou supermulheres, podendo os pais, libertos dos
filhos, se dedicarem aos seus “afazeres” e deleites pessoais. Então a gente
entende o estado de fúria catatônica com que eles invadem o espaço escolar,
quando são forçados por algum incidente envolvendo seus pimpolhos a comparecer
à escola, como que a dizer: “eu já fiz o favor de deixar o meu filho (a) nesse
depósito, por que estou sendo ‘amolado’, enquanto tento ganhar meu dinheiro?”
Os professores são como que babás de luxo para livrar os pais de suas
responsabilidades com seus filhos. Isso é a educação escolar no Brasil!
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Aqui nós percebemos uma fenômeno nacionalmente uniforme, pelo menos nas escolas
públicas: toda vez que há uma convocação ou convite para os pais irem à escola
para receber o boletim de seus filhos, a maioria esmagadora de responsáveis é
composta de mulheres: mães, tias e irmãs mais velhas. Ou seja, elas, por serem
as que mais próximas estão da educação dessas crianças, sabem o quanto é
difícil educar uma criança numa sociedade sem valores morais e espirituais;
elas sabem o quanto nós, professores, penamos nessa missão. É muito sintomático
que o ESP foi lançado e tenha sua tropa de choque formada exclusivamente por
homens, justo os que, em termos estatísticos, menos participam da vida escolar
das crianças.
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O senhor Miguel Nagib, um dos fundadores do ESP, disse num programa, que sua
filha de 14 anos chegou em casa cheia de dúvidas “subversivas”, aspas minhas,
que lhe teriam sido incutidas por um seu professor. Solução para esse senhor:
começar um movimento para proibir aos professores de falar à sua filha sobre
assuntos que lhe desagradam. Já imaginaram o que acontecerá se todos pais
agirem assim?
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A primeira coisa a questionar é se a menina do senhor Nagib estava de fato
impressionada pelo que ouvira do professor ou se apenas procurava um pretexto
para entabular uma rica conversa sobre ideologias e política com um pai, que
tem um nível de formação intelectual e cultural superior à média, e quiçá à do
próprio professor. É verdade que os filhos nos solicitam, às vezes, nos
momentos mais inapropriados, eu criei duas filhas e sei disso, mas a solução é
fazer com que eles não nos procurem mais, e pior ainda, aplicar um golpe desse
calibre numa das colunas de nossa sociedade, que é a escola?
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Se o fato é tornar agora a educação num caso de polícia, como a outra questão
famosa, toda vez que uma criança ou jovem apresentar uma mudança de
comportamento, pela suposta ação e um professor, esse professor, decerto, deve
ser repreendido por ter empobrecido a abordagem de sua matéria por meio de uma
ideologização barata, unilateral, mas os pais também deveriam responder por “abandono
de incapaz”, pois se o jovem se deixou arrastar a posições ideológicas adversas
às de sua família foi porque esse jovem, moça ou rapaz, foi antes abandonado aquela.
A não ser que nós comecemos a imaginar outra possibilidade...
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Pergunto: os jovens podem ou não podem, durante o seu crescimento, tomar
caminhos diferentes dos de seus pais? Discordar ideologicamente de seus pais?
Eles devem seguir necessariamente as ideias e os costumes de seus pais? Eles
não podem, em virtude de suas experiências, diferentes das vividas por seus
genitores, se sentirem mais atraídos pelos valores, coincidentemente cultivados
por seus professores, que aqueles oriundos de sua família? Segundo os gurus da
Escola Sem Partido não pode, e nesse caso toda a sociedade brasileira deve
regredir ao nível do Neolítico, da Idade da Pedra, das sociedades tribais, onde
nos rituais de iniciação o jovem deve ser submetido a toda sorte de sofrimento
e tortura para nem sequer pensar em mudar aquilo que já foi estabelecido pelos
seus genitores. Isso é do interesse da nação brasileira?
Mais uma vez no meio do
fogo
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Nos quatro cantos do mundo se expande, por influência dos países mais
desenvolvidos em matéria de educação, a crença de que o papel do professor no
processo educacional é cada vez mais central, e que de sua qualificação e
status depende o sucesso de qualquer reforma educacional séria. No nosso país,
como é tradicional, o professor é engalanado no período eleitoral, e depois
esquecido, vilipendiado, ou, na melhor das hipóteses, empobrecido pelo
desajuste de salário. O resultado, nós bem o sabemos...
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Num momento tão trágico para a educação brasileira, onde parece que, de tanto
seguir modismos estrangeiros, não sabemos mais o que fazer nessa área, o Escola
Sem Partido dá uma contribuição realmente arrasadora: destrói completamente a
imagem do professor brasileiro, apontado para a sociedade como um corruptor em
potencial de menores, como alguém previamente interessado em criar graves
problemas para as famílias, por meio das crianças, um patife, um canalha, que
precisa ser detido por uma lei, que o mantenha calado ou o faça, sob ameaça,
dizer apenas aquilo que os pais querem que ele diga.
__
E o que é que os pais querem? Todos os pais de “direita” pensam igual? Só
existem pais de direita nas escolas? A verdade é o pensamento ou a ideologia da
“direita”, assim como a da “esquerda”, não se manifesta uniformemente, variando
muito a visão de “perigo” de “doutrinação” de uma família para a outra, o que
deve gerar, na prática, as situações mais embaraçosas, se esse desvario for
aprovado. O que farão os pais que simpatizam com a “esquerda”? - só um obcecado ou alguém muito imaturo pode
pensar que esses jovens que invadiram as escolas foram todos manipulados por
professores doutrinadores, quando na verdade trouxeram já de casa, de seus pais,
suas crenças esquerdistas; e estes, vendo os professores de sua linha política
na berlinda, irão se arremessar contra aqueles que lhe movem ideologia oposta.
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Imagine, caro leitor, todo mundo contra todo mundo dentro da escola! Ali um
aluno, um adolescente, filhos de um simplório qualquer ou de alguém como muita
sede de publicidade, com sentimento de inferioridade em relação aos professores,
de dedo em riste acusa cheio de autoridade: “o meu pai disse que o senhor é comunista!”
ou “fascista!” Escolham o seu lado. Noutro momento, pais, que até ali estiveram
ausentes das escolas, as invadirão, dirigindo ameaças aos professores por
coisas ditas, supostas ou mal-entendidas pelos ouvidos pouco treinados e
incultos de crianças e adolescentes semianalfabetos. Ali será um político,
sedento de publicidade, a invadir a escola em busca de indícios de doutrinação,
vasculhando os diários de classe a seguir, interrogando professores, talvez já
acompanhado pela imprensa. Para cada professor de “esquerda” constrangido, os
pais, adeptos dessa ideologia, se mobilizarão para constranger ao professor de “direita”
mais próximo, a assim ao infinito, até a paralisia completa da educação formal
brasileira, com os professores passando mais tempo perante as barras dos
tribunais, explicando exatamente o que disseram, do que planejando e
ministrando aulas. A extrema irracionalidade desse projeto e a intensidade com
que ainda se o discute mostra a falência, a completa miséria, do debate
educacional em nosso país.
A discussão substantiva
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Existem professores imaturos o bastante para tentarem fazer de seus alunos
plateia cativa e sobre eles destilar, de maneira unilateral, as suas crenças?
Sim existe. E qual é o efeito disso em crianças e jovens? Bem menos do que se
imagina. Pelas seguintes razões:
a)
as crianças não são vasos ou latas de conserva vazias, que você põe dentro o
que bem entender, que será acriticamente assimilado, modificando a sua
estrutura ou sua forma de pensar. Não, aquilo que o professor ou qualquer outro
meio de comunicação informar ao aprendiz será submetido, inclusive a nível de inconsciência,
ao crivo de suas crenças já existente e se, as contradiz muito é imediatamente
descartado; e não é só isso: a forma ou complexidade de transmissão desse
conteúdo também interfere. Suponhamos que uma criança esteja sensibilizada para
o conteúdo em que o professor deseja doutriná-la, se ele o fizer em termos
muito difíceis para a criança ou de uma forma excessivamente discursiva e
abstrata, acima de seu nível mental atual, a resposta pode ser uma repulsa
invencível àquele conteúdo. Assim um conteúdo que pregue a igualdade entre os
sexos, a superioridade de uma determinada expressão sexual, um conceito
político-econômico, etc. que se choque com crenças arraigadas da criança será
automaticamente rejeitado ou, quando muito, posto no limbo para discussão
posterior com os adversários dessa doutrina – que foi isso que aconteceu com a
filha do senhor Nagib.
b)
se a criança está chegando sem crenças na escola é porque está abandonada pela
família, pelos pais, ou sofre contradições e violências tais que precisa,
desesperadamente, encontrar apoio em alguém, e esse alguém pode ser um
professor imaturo, que é apenas consequência e não causa de desvios de
comportamento posteriores da criança.
c)
a mente humana busca e estabilidade e a economia, portanto não mudará sem que
haja muito convencimento, seja por conta do discurso seja por conta da realidade.
É a realidade do entorno, como um todo, que “faz a cabeça” das crianças, e não
um professor isolado.
d)
um professor imaturo e “doutrinador” apenas empobrece culturalmente os poucos
momentos que ele terá de convivência com a criança, e mesmo a suposta
fidelidade que ele conseguir de uma ou outra será tão fluídica e contingencial,
que facilmente será modificada por fatores externos. Não há condições de
trabalho mínimas numa escola, ainda bem, para um professor se tornar um guru de
uma única turma, sem causar profundas perturbações na escola – ele deve dividir
a atenção dos alunos com outros professores, que certamente não partilharão de
sua ideologia. As pessoas estão assistindo muitos filmes americanos de
professores “mágicos”. Acordemos para realidade.
e)
um professor que apenas emita uma opinião ou crença pessoal, deixando bem claro
que essa é apenas a sua posição, e não uma verdade científica, o que muitas
vezes acontece, inclusive a pedido dos alunos, não merece qualquer crítica, e
isso não interferirá de forma alguma no posicionamento existencial das
crianças. Puni-lo por isso é atentar ao mesmo tempo contra a democracia e a sã
pedagogia.
f)
um professor que apenas tenta induzir pelo discurso, mas sem constranger as
crianças, a uma determinada posição ideológica, erra duas vezes, como ser
humano e como profissional, desrespeita as crianças e a si próprio, e raramente
obtém algum efeito, ainda que mínimo, dessa sua infantilidade. Deve ser
orientado durante as reuniões de ATPCs nas escolas, que precisam deixar de ser
tão burocráticas e conceituais, para se tornarem mais objetivas, mais ligadas
às questões concretas das escolas, um momento ideal para desbastar as arestas
grosseiras de professores novatos.
g)
os professores que, além de tentarem induzir verbalmente as crianças a
assumirem as suas crenças, as constrangem quase fisicamente ao imporem, por
meio de nota, por exemplo, que o aluno assuma esse ou aquele discurso devem ser
denunciados e encaminhados para uma solução administrativa em nível de
diretoria de escola ou de diretoria de ensino, para receberem a orientação ou a
punição, caso reincidente, adequada.
h)
a criança, o adolescente e o jovem têm, ao longo de seu desenvolvimento
existencial, todo direito de assumir em relação a determinados conteúdos intelectuais
e sociais, posições independentes, diferentes, das de seus pais e professores,
e não somente a estes. É hediondo que alguns pais acreditem que têm poder
absoluto sobre tudo o que seus filhos pensam e digam, de tal sorte que se eles
aparecem com opiniões contrárias isso só pode ser culpa dos professores, como
se as crianças não tivessem vida social fora da escola e de suas casas. Isso é
um ledo engano, e boa parte dos “desvios” de conduta aparecem a revelia da
família e da escola, às vezes por conta de parentes, embora seja mais conveniente
atribuir tudo aos professores e tentar calá-los, humilhá-los, encurralá-los,
por meio de uma lei absurda.
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A lei da Escola Sem Partido, desvinculada da paranoia do movimento, levanta uma
questão sobre a qualidade da formação dos professores e, mais do que isso, coloca
em cheque a política educacional errática que atualmente prospera em São Paulo
e no Brasil, e que valoriza os professores jovens e inexperientes, em
detrimento dos mais experimentados, dos “macacos velhos”, que têm em si próprios
as marcas da longa travessia da vida, e consideram melhor as opções
educacionais disponíveis, e aprenderam, com seus próprios erros, a respeitar
seus alunos, mantendo uma saudável e respeitosa distância, que os priva,
inclusive, de quererem se promover a custa dos educandos. Precisamos melhorar a
formação dos professores e valorizar a sabedoria dos antigos.
__
Precisamos aprofundar a questão sobre o que é ser um bom professor, o melhor
professor para os estudantes, o que é intimamente vinculado de outra questão fundamental:
como é que as crianças aprendem, coisas da psicologia do desenvolvimento ou da
aprendizagem, para afastarmos definitivamente os resíduos de pré-história da
nossa educação, embutidos em projetos como Escola Sem Partido.
Nota
(1)http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema11/2016-7221_violencia-contra-professores-nas-escolas_katia-pereira-1
http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-08-30/brasil-e-lider-mundial-em-agressao-a-professores.html
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/06/44-dos-professores-ja-foram-agredidos-em-sala-aponta-pesquisa.html
http://istoe.com.br/198947_PROFESSOR+PROFISSAO+PERIGO/
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