DIÁLOGOS
COM SCHUMPETER – 4
(Baseado
na História da análise econômica de Joseph A. Schumpeter)
(adendo à última nota, acrescido em 24/03/18)
(adendo à última nota, acrescido em 24/03/18)
Eduardo
Simões
http://terracoeconomico.com.br/wp-content/uploads/2016/09/sch1.jpg
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A discussão sobre ideologia lança sérios questionamentos sobre possibilidades
de uma objetividade confiável o bastante para que uma afirmação qualquer possa
ser chamada de “científica”, algo que a ciência do final do século XIX e início
do XX julgava possuir, e era expresso principalmente pela corrente do empirismo
na filosofia e do comportamentalismo na psicologia, pelo funcionalismo na
sociologia, etc., que tendiam a isolar o objeto do observador e da realidade
social, imaginando ter assim um conhecimento “fiel”, da realidade.
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Mesmo na sua versão mais branda de elemento neutro e não mais negativo, como se
fora um mascaramento, uma falsificação, consciente ou não da realidade, como
propunham Marx e Engels, o termo ideologia ainda implicava num compromisso
político que certamente interferiria, peço vênia aos marxistas, em última
instância, no resultado das pesquisas, comprometendo a própria credibilidade ou
a consistência do conhecimento científico, justo quando a economia lutava para
fazer valer o seu status de ciência, junto às já consagradas ciências naturais.
Uma
reviravolta
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Quando Schumpeter começou a escrever História da análise econômica, no início
dos anos 40, ele ainda estava firmemente convencido, de que era possível à
ciência alcançar um grau de objetividade que permitisse ao pesquisador acessar
à objetividade do real, isolando os elementos ideológicos da análise econômica,
tal como acontecia com a descrição dos fenômenos e a elaboração leis nas
ciências naturais. E esse era o seu maior objetivo – seu biógrafo Thomas McCraw
(2012) chega a dizer que ele, por um tempo, dispendeu um grande esforço para
aprimorar a sua matemática, no intuito de dar mais precisão à sua análise,
entretanto após uma luta exaustiva Schumpeter teve que “jogar a toalha”, como diz
McCraw: “Finalmente chegara ao fim a
busca de Schumpeter por uma economia exata. A longa batalha que travara consigo
mesmo e com os outros economistas... [o impasse] afinal se resolvia, pelo menos no seu espírito, jamais seria possível
alcançar uma economia exata em grande escala. Com a ajuda de outras disciplinas
– especialmente a história – contudo, poderia haver constante progresso” (p
509).
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A revelação dessa grande descoberta foi feita no seu discurso de posse como
presidente da Associação Americana de Economia, em 30 de dezembro de 1948, em
Cleveland, e mais tarde publicada na The
American Economic Review, no ano seguinte, cujos trechos eu traduzo abaixo,
com um resultado surpreendente.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzGnX_watWtk-zaBaTu49pHuo7XiElP7x_zBqnmXsqtFZIk9Djo0pQP3c3h9ayPut9dN_B7kRdmbaYjJa1WckcuJ1hlQUbndZStXFhulm_2CG5-EvcFeXO4W2MtQJuttFeKE7NM5DKZDM/s1600/schumpeters+speech.png
Schumpeter
discursando para a AEA, numa postura que lhe era característica nesses momentos:
jogar levemente a cabeça para traz.
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Numa reunião solene, prestigiada pela nata dos economistas americanos, Schumpeter
começa seu discurso de posse enaltecendo as grandes conquistas analíticas já
feitas por economistas e o enorme enriquecimento da análise econômica em geral,
graças não só ao grande acúmulo de dados como à criação de novos e engenhosos
métodos de abordagem, em paralelo com o que acontecia nas ciências naturais,
principalmente nesse período tão dinâmico – o pós-Guerra – embora a paisagem
por vezes pareça devastada, uma vez que nos últimos 20 anos houvera a maior
crise econômica global e a maior guerra de todos os tempos, bem no seio das
sociedades capitalistas; mas não há motivos para desesperanças, embora reconheça
as dificuldades inerentes à complexidade da prática científica:
“Muitos tipos de mente são necessários para construir a
estrutura do conhecimento humano, tipos que nunca se entendem muito bem. A
ciência é técnica, e quanto mais ela se desenvolve, mais ela ultrapassa o
alcance da compreensão não apenas do público, mas também a própria
especialidade escolhida pelo pesquisador” (p 346).
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A expansão tremenda do conhecimento humano, na atualidade, seria, portanto, um
obstáculo considerável a uma compreensão globalizante da realidade; mas não é
essa a única dificuldade a ser enfrentada:
“A maioria de nós, não contente com sua tarefa científica,
cede ao chamado do dever público e ao desejo de servir ao seu país e à sua
geração, e, ao fazê-lo, introduz sua análise seus esquemas de valores
individuais, os seus costumes, as suas crenças políticas, a totalidade de sua
personalidade moral e até sua crença espiritual” (idem).
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Ou seja, buscando fazer o bem, participar mais e ser útil à comunidade, não
raro o economista contamina o seu discurso e sua prática científica com
elementos vinculados às suas escolhas pessoais, independente e por vezes
contradizendo do que acontece no âmbito da pesquisa científica (1); mas a questão não era tão grave
assim:
“Não vou reabrir a velha discussão sobre
juízos de valor ou sobre a defesa dos interesses de grupo. Pelo contrário, é
essencial para o meu propósito enfatizar que, em si mesmo o desempenho
científico não exige que nos despojemos de nossos juízos de valor ou que
renunciemos ao chamado de defender algum interesse particular. Investigar fatos
ou desenvolver ferramentas para isso é uma coisa; avaliá-los de algum ponto de
vista moral ou cultural é, na lógica, outra coisa, e os dois não precisam
entrar em conflito. Similarmente, o defensor de algum interesse ainda pode
fazer um trabalho analítico honesto, e o motivo de provar um ponto para o
interesse ao qual ele deve lealdade não prova nada a favor ou contra esse
trabalho analítico. Dito de outra maneira: defender não implica em mentir...
Para mencionar um exemplo: estabelecer a consistência lógica das condições
(equações) descritivas de uma economia socialista parecerá à maioria das pessoas
equivalente a querer ganhar pontos para o socialismo; mas isso foi feito por
Enrico Barone (2), um homem que, o que quer que ele tenha sido,
com certeza não foi simpatizante de ideais socialistas” (p 347).
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Mas existe algo mais insidioso e deletério à análise científica, que os
chamados juízos de valores, estes, em geral, derivados do senso comum e
claramente explícito:
“Porque elas parecem fora do nosso controle,
em um sentido em que juízos de valor e simpatias pessoais não são, e, embora
aliados a estes, merecem ser separado e discutidos independentemente, que são
aquilo que nós chamamos de ideologias” (idem).
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Schumpeter passa então a discorrer sobre a origem e o significado do termo, até
o seu sentido mais geral, propalado pelo senso comum, que a identifica
praticamente com tudo que possa sair da mente humana, o que o torna em um
conceito praticamente inútil devido ao seu elevado gau de abrangência.
Interessa a Schumpeter explorar um sentido espécifico de ideologia,
“um que pode ser mais facilmente deduzido por
meio do "materialismo histórico" de Marx e Engels. De acordo com essa
doutrina, a história é determinada pela evolução autônoma da estrutura de
produção: a organização social e política, religiões, moral, artes e ciências
são meras "superestruturas ideológicas" geradas pelo processo
econômico” (idem).
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Segue-se uma introdução histórica:
“Desde metade do século XIX a evolução da
"ciência" tinha sido considerada como um processo puramente
intelectual - como uma sequência de explorações do que é empiricamente dado pelo
universo ou, como também podemos dizê-lo, como um processo de filiação de descobertas
ou ideias analíticas que ocorreram, ainda que, sem dúvida, sob a influência da história
social e sendo influenciado por ela de muitas maneiras, mas de acordo com uma
lei própria. Marx foi o primeiro a transformar essa relação de interdependência
entre "ciência" e outros elementos da história social em uma relação
de dependência daquela aos dados objetivos da estrutura social e, em particular,
sobre a localização social de trabalhadores científicos determinando a sua
visão sobre a realidade e daí o que eles veem e como veem isso”.
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Estavam todos, segundo os dizeres de Marx, envolvidos numa armadilha perfeita,
a armadilha ideológica, embora Schumpeter reconheça que nos casos das
matemáticas e das ciências naturais essa armadilha não chega a ser tão
asfixiante assim, colocando questionamentos inevitáveis
“Poucos negarão que nos casos de lógica,
matemática e física a influência do viés ideológico não se estende para além da
escolha dos problemas eleitos e da abordagem escolhida, mas é forçoso reconhecer
que o sistema de interpretação sociológico, pelo menos nos últimos dois ou três
séculos, nunca chegou a desafiar a "verdade objetiva" dos resultados.
Esta "verdade objetiva" pode ser, e atualmente está sendo, contestada
por outros motivos, mas não com base que uma determinada proposição é
verdadeira apenas com referência a localização social dos homens que a
formularam [alguns bem que tentam, e saem por aí falando em “ciência burguesa”
versus “ciência proletária”]... Um
pedregulho cai da mesma forma para o capitalista e para o proletário. Ora, isso
não acontece no caso das ciências sociais que ficam expostas a ação das
ideologias não só nos seus fundamentos como nas suas conclusões” (p 348), o
que não deixa de acarretar problemas para as pretensões de cientificidade da
economia, uma vez que ela é também uma ciência social.
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A primeira coisa é colocar tudo em pratos limpos:
“Há poucos estudiosos que negam pra valer que
exista na economia um estoque de fatos "corretamente observados" e
proposições "verdadeiras". Mas igualmente pequeno é o número daqueles
que negam inteiramente a influência do preconceito ideológico. A maioria dos
economistas está entre esses extremos: eles estão prontos o suficiente para
admitir a sua presença, porém, como Marx, eles o acham só nos outros e nunca em
si mesmos; mas eles não admitem que é uma maldição inescapável e que vicia a
economia em seu núcleo”. E nesse momento ele dá uma definição muito feliz
de ideologia: “aquilo que os homens pensam
que veem” (idem). Genial!
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Schumpeter avança marcando melhor a sua posição, esvaziando-se de veleidades
etnocêntricas ou da acusação de anacronismo, tão comuns na análise dos
“experts” de hoje:
“estou falando de ciência, enquanto técnica,
que produz resultados, os quais, juntamente com juízos de valor ou preferências
[dos cientistas], produz recomendações
individuais ou grandes sistemas, tais como o mercantilismo, o liberalismo e
assim por diante... Eu concordo plenamente com aqueles que sustentam que
julgamentos sobre os valores mais adequados para o Bem Comum, por exemplo,
estão além do alcance do cientista, exceto como objetos de estudo, que estes
temas são ideológicos por natureza e que o conceito de progresso científico só
pode ser aplicado a eles somente na medida em que os ajudam a ser aperfeiçoados
ou implementados. Eu compartilho a convicção que não faz sentido dizer que as
idéias do mundo contemporâneo são "superiores", em qualquer sentido
relevante, às idéias da Idade Média, ou as idéias gestadas sob o socialismo em
relação àquelas do capitalismo liberal. Na verdade, acredito ainda que não há
outro motivo, senão preferência pessoal, para dizer que há mais sabedoria ou
conhecimento em nossas políticas do que no tempo dos Tudors ou dos Stuarts ou
ainda, pouco importa, no de Carlos Magno” (p 349).
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De fato, é um absurdo (anacronismo) querer julgar os atos pessoais, sociais ou
jurídicos criados em outros contextos históricos, tomando como padrão os
comportamentos e juízos de valores hodiernos. E agora ele toma como ponto de
partida dois procedimentos próprios para a correção de excessos ideológicos
durante uma análise:
“Parte-se da percepção
de um conjunto de fenômenos relacionados que desejamos analisar e acaba, por
enquanto, num modelo científico, em que esses fenômenos são conceituados e as
relações entre eles explicitamente formuladas, seja como pressupostos ou como
proposições (teoremas)”...
[Nesse momento duas coisas devem ser observadas] Primeiro, essa percepção de um conjunto de fenômenos relacionados é um
ato pré-científico. Deve ser realizado para dar às nossas mentes algo com que
fazer o trabalho científico... mas não é científica em si mesmo, e, embora
pré-científico, não é pré-analítico. Ela não consiste simplesmente em perceber
fatos por um ou mais de nossos sentidos, antes esses fatos devem ser
reconhecidos como tendo algum significado ou relevância que justifique o nosso
interesse por eles, e eles devem ser reconhecidos como relacionados entre si,
para que possamos separá-los dos outros - que envolve algum trabalho analítico
por nossa imaginação ou senso comum, e é essa mistura de percepções e análises
pré-científicas que chamaremos de “visão” ou “intuição” do pesquisador. Na
prática, é claro, dificilmente se começa do zero, de modo que se possa dizer
que o ato de visão pré-científica seja apenas nosso. Nós começamos muito
frequentemente a partir da consideração de trabalhos já feitos por nossos
antecessores ou contemporâneos, ou então das idéias que existem ao nosso redor,
na mente das pessoas” (p 350)
“Em segundo lugar, é
preciso clarificar as condições em que se dá o “modelo” que eu pretendo
utilizar na análise científica dos fatos abarcados pelos sentidos. O modelo
econômico vigente em nossos dias e sua analogia com outras ciências são,
naturalmente, o produto de estágios finais dos esforços da ciência.
Essencialmente, no entanto, eles não acrescentam nada que não já estivesse
presente nas primeiras formas de esforço analítico... e outras realizações de trabalhadores
individuais, em primitivos modelos fragmentados e ineficientes. Este trabalho
consiste em escolher certos fatos em vez de outros, classificando-os, além do
acúmulo de fatos adicionais, não apenas para suplementá-los, mas também para
substituir alguns daqueles originalmente fixados na formulação e melhorar as
relações percebidas de forma breve, em pesquisa tanto "factual" como
"teórica"... em uma cadeia infinita... com os fatos posteriores
sugerindo novos instrumentos analíticos (teorias) e estes por sua vez nos
levando ao reconhecimento da importância de novos fatos” (p 350-351).
__ Há, portanto, um
processo cumulativo, que precisa ser conhecido e reconhecido, ressaltando a
importância da história, e, porque não dizer, da “tradição”, na formulação de
um conceito mais consistente daquilo que se poderia chamar “economia”, ou melhor
dizendo: “ciência econômica”:
“Tão logo tenhamos realizado o milagre de
saber o que nós normalmente não percebemos: a existência do viés ideológico em
nós mesmos e nos outros, e podemos rastreá-lo até sua fonte mais simples. Esta
fonte é a visão inicial dos fenômenos que nós propomos submeter a tratamento
científico. Este tratamento em si está sob controle objetivo, no sentido de que
é sempre possível estabelecer se uma determinada declaração, em referência a um
determinado estado de conhecimento, é demonstrável, refutável, ou nem uma coisa
nem outra. Claro que isso não exclui erros honestos ou desonestos... Mas permite
a exclusão desse tipo particular de ilusão que nós chamamos ideologia porque o
teste envolvido é indiferente a qualquer ideologia”. É uma forma de dizer
que existem elementos sociais, isto é, colegiados de cientistas, em
universidades, editoras científicas e institutos respeitáveis, que podem
rastrear e identificar contaminações puramente ideológicas em um trabalho, por
meio de verificações diversas, contraprovas criadas para esta finalidade, terminando
por classificar as conclusões do trabalho avaliado como válidas, a comprovar ou
simplesmente inválidas.
__ Após mais algumas
observações, ele se debruça sobre a influência ideológica presente na obra de três
dos mais famosos analistas econômicos da história: Adam Smith, Karl Marx e
Mainard Keynes:
“No caso de Adam Smith, o que chama a atenção
não é tanto a ausência, mas a inofensividade do preconceito ideológico. Não
estou me referindo à sabedoria prática dele, ligada ao seu tempo e às condições
de seu país, sobre o laissez-faire, livre comércio, colônias e afins...
preferências políticas e recomendações do homem [e não do economista]...
Estou me referindo exclusivamente a seu trabalho analítico, este mesmo sempre
indicativo, nunca impositivo... seguindo o receituário marxista [para
identificar a ideologia de alguém], devemos olhar para sua localização social...
a sua classe social e ancestral, filiações, e, além da conotação de classe, das
influências que podem ter formado ou ajudado a formar aquilo que chamamos de
sua cosmovisão. Ele era um “homo academicus”, que se tornou um funcionário
público. Seu ambiente era mais ou menos semelhante: sua família não era pobre
nem rica, mas manteve um certo padrão de educação, que se enquadrava em um
grupo social bem conhecido na Escócia de seus dias. Acima tudo isso não pertencia
à classe empresarial... Ele contemplou o processo econômico de seu tempo com um
olhar frio e inquiridor, e instintivamente olhou para a sua mecânica, ao invés
de fatores pessoais, para suas explicações, como na divisão do trabalho. Sua
atitude para com os terratenentes e para as classes capitalistas foi a do
observador de fora, e ele deixou bem claro que considerava o proprietário rural
(o senhorio “preguiçoso”, que colhe onde não semeou), desnecessário, e o
capitalista (que contrata "gente industriosa" e os provê com recursos,
matérias-primas e ferramentas) como um mal necessário... Além disso, suas
simpatias foram inteiramente para o trabalhador, aquele que "veste todo
mundo, enquanto ele mesmo anda em farrapos... devo enfatizar que o outro
componente desta visão, a filosofia da lei natural, que ele absorveu na sua
formação, era produto de homens condicionados de forma semelhante, e norteou o
fundo ideológico a partir do qual ele escreveu em defesa da liberdade de ação [livre iniciativa], do direito natural do
trabalhador à integralidade do produto de seu trabalho... tudo isso foi
ensinado a ele antes que suas faculdades críticas fossem desenvolvidas, mas
dificilmente havia necessidade de ensinar-lhe essas coisas, porque elas lhe
foram induzidas "naturalmente" pelo ambiente onde ele viva. Mas... essa
ideologia, tão fortemente enraizada, realmente não prejudicou muito a sua
realização científica” (p 352-353).
__ Após mais algumas
informações irrelevantes, a meu ver, sobre Smith, mostrando o quanto, nas suas conclusões
acadêmicas, ele era dominado pelo senso comum, embora fosse estritamente lógico
quando analisava os fatos, comparando o viés ideológico deste com um “inofensivo homem de palha” (3), Schumpeter dá início a análise da
ideologia de Karl Marx:
“Marx foi o economista que descobriu a
ideologia para nós [economistas] e
quem melhor entendeu a sua natureza. Cinquenta anos antes de Freud, este foi um
desempenho da primeira classe [que elogio!]. Mas, é constrangedor dizê-lo, ele era totalmente cego para os seus
perigos no que dizia respeito a si mesmo. Somente as outras pessoas, os
economistas burgueses e os socialistas utópicos, foram vítimas de ideologia. Ao
mesmo tempo, o caráter ideológico de suas premissas e o viés ideológico de seu
argumento é óbvio em toda parte – alguns de seus seguidores, como Mehring (4), por
exemplo, reconheceram isso. Não é difícil descrever o caráter sua ideologia: ele
era um radical burguês, que rompeu com o radicalismo burguês... Sua crítica não
foi original; ela permeou os círculos radicais de Paris e pode ser rastreada
até escritores do século XVIII, como Linguet (5). História concebida como luta
entre classes, que, em Linguet, são definidas como haves [os possuidores] e havenots [os despossuídos],
com a exploração de uma pela outra, com o
aumento contínuo da riqueza da minoria, os haves, e uma miséria e degradação cada
vez maior entre os havenots, movendo-os para uma inevitável e necessária explosão
social... esta visão, porém, implica em várias declarações que certamente não
resistem a uma análise científica; e, de fato, na medida que seu trabalho
analítico amadureceu, Marx não apenas elaborou muitas peças de análise que eram
neutras para essa visão, mas também algumas que parecem não concordar bem com
isso, como quando, por exemplo, ele superou as teorias do subconsumo, concomitante
com a superprodução, como fonte das crises do capitalismo, que ele parece ter defendido
no início, além de inúmeros vestígios eventualmente encontrados no
quebra-cabeças de seus escritos posteriores. Ele introduziu outros elementos em
sua análise, para a sustentação do ideário original, por meio do artifício de
declará-lo uma lei "absoluta" (ou seja, abstrata [= não testável]), embora admitindo a existência de forças
contrárias, que expunham fenômenos divergentes de suas afirmações na vida real.
Algumas partes de sua visão, finalmente, se refugiaram na fraseologia
vituperativa que não afeta os elementos científicos de seus argumentos. Por
exemplo, certo ou errado, sua teoria da mais-valia é uma genuína peça de
análise teórica, enquanto suas frases raivosas contra a exploração poderiam
muito bem ser anexadas a outras teorias e autores como Bohm-Bawerk (6)” (p 354-355).
__ Nesse momento,
com a anuência prazenteira da plateia, ele põe o dedo bem na feria do marxismo:
“Mas alguns elementos de sua visão original –
em particular, o aumento inevitável miséria das massas, que acabaria por
arrastá-las à revolução e à vitória final – eram insustentáveis e ao mesmo
tempo indispensáveis para ele, uma vez que estavam tão intimamente ligados ao
significado mais profundo de sua mensagem, que não seria possível descartá-los;
e foram justamente eles que lhe atraíram uma multidão de seguidores movidos por
uma lealdade fervorosa. Foram eles [esses elementos] que explicam o efeito organizador e mobilizador de seu pensamento, que,
sem eles, há muito já teria sido considerado obsoleto e sem vida. E assim, nós
vemos, neste caso, a vitória da ideologia sobre a análise, com a consequente
transformação de sua visão em um credo social, tornando a sua análise cientificamente
estéril”.
__ Até ali
Schumpeter saira-se bem à sisuda plateia que acompanhava atentamente cada
palavra sua. Pegara leve com Adam Smith, um símbolo histórico, e, embora também
tenha sido complacente com Marx, o desafeto de quase todos, e o teórico por
trás da força que então se opunha aos Estados Unidos e ao capitalismo, a União
Soviética, mais do que a maioria gostaria, não deixara outrossim de lhe vibrar
uma contundente crítica, mas agora era a vez de analisar ideologicamente o mais
recente “queridinho da América”: o economista inglês Maynard Keynes. Ele começa
fazendo menção ao opúsculo de Keynes, Consequências
da paz (o Tratado de Versalhes, 1919) editado em 1920:
“Esses parágrafos criaram o estagnacionismo
moderno (7); entretanto, humores
estagnacionistas já haviam sido expressos, em intervalos regulares, por muitos
economistas, até antes do Britannia Languens, em 1680 (8), prevendo e explicitando as
características essenciais da sociedade capitalista madura e arteriosclerótica,
que tenta poupar mais do que suas oportunidades de investimento decadente podem
absorver. Essa visão nunca mais desapareceu” (p 355-356). Ou seja: não
havia nada de novo no pensamento de Keynes, era inclusive muito antigo...
__ Prossegue Schumpeter dizendo que, embora essa tendência já fosse apontada
no livro do economista Dennis Robertson (1890-1963) (9), Práticas bancárias e
nível de preço, Keynes tratou o tema como algo menor, até perceber que o
ambiente social criado pela Grande Depressão de 1929, tornou as pessoas
(ideologicamente) receptivas a essa mensagem – alguém poderá deduzir das
palavras de Schumpetr uma leve acusação de “oportunismo” a Keynes, não
necessariamente em sentido “neutro”.
“Também isso era ideologia – a visão de que a decadência do capitalismo
poderia ser explicada em apenas uma de muitas causas possíveis – e foi ela quem
salvou a pátria, e não uma conclusão analítica, no livro de 1936 (10), que
por si mesmo, sem a proteção que encontrou no amplo apelo a ela, teria sofrido
muito mais com as críticas que lhe foram dirigidas quase imediatamente. Ainda
assim, o aparato conceitual era não só de uma mente brilhante, mas também
madura, de um marshaliano
[que, segundo Schumpeter, Keynes nunca deixou de ser] (11)... Ele [Keynes] continuou a ser aquilo em que havia se
tornado em 1914, um mestre do ofício teórico, que foi capaz de fornecer a sua
visão com uma tal armadura que impediu muitos de seus seguidores de ver o
elemento ideológico em tudo... não existe [na obra de Keynes] princípios
realmente novos para absorver. A ideologia do subemprego crônico e de contenção
de gastos – que é um termo melhor para usar aqui do que “poupança” – é
prontamente visto para ser incorporado em algumas poucas restritivas suposições
que enfatizam certos fatos (reais ou supostos)... Isso reduz as controvérsias
keynesianas ao nível ciência técnica. Na falta de apoio institucional, o
"credo" esgotou-se junto com a situação que o tornara plausível.
Mesmo os mais robustos McCullochs (12)
dos nossos dias estão fadados a
entrar em uma dessas posições dos quais é difícil dizer se envolvem renúncia,
reinterpretação, ou mal-entendido da mensagem original” (p 356).
__
Schumpeter passa então a considerar pontos específicos da teoria de Keynes,
lembrando que as discussões envolvendo a poupança, muito ampliadas por este, na
verdade já haviam sido levantadas no passado por grandes economistas do século
XVIII, como Adam Smith (1723-1790) e Turgot (1727-1781), e até antes deles, até
o arremate impiedoso:
“Mas ai há, como sempre acontece, pregação
elogiosa ou vituperativa sobre o assunto, que, auxiliado por truques
terminológicos como a confusão entre poupar e não gastar, conseguiu produzir um
falso antagonismo entre os escritores sobre o assunto. Tem-se enfatizado muito
as diferenças na doutrina, para as quais não há base factual ou analítica, indicando,
embora em si mesmos não provem, a presença de viés ideológico de um lado ou de
ambos - o que neste caso provêm de duas atitudes diferentes para o modo de vida
burguês [uma baseado na “gastança” outra na “avareza”]”.
“Outro exemplo de ideologia desse tipo é
proporcionado pela atitude de muitos, senão a maioria dos economistas, em
relação a qualquer coisa ligada ao monopólio (oligopólio) e à fixação de preços
combinados (cartel). Essa atitude não mudou desde Aristóteles e Molina (13),
embora tenha adquirido um significado um pouco diferente sob as condições da
indústria moderna. Agora como então, a maioria dos economistas subscreveria o
dito de Molina: “o monopólio é injusto e uma injúria à sociedade”, mas não é
esse juízo de valor que é relevante ao meu argumento... antes a análise que
leva a isso e a influência ideológica que aí transparece. Quem já leu os
Princípios de Marshall, e mais ainda Indústria e comércio, deve saber que entre
as empresas que são cobertas por aqueles termos [monopólio e oligopólio], existem muitas que beneficiam, e não injuriam, a eficiência da economia
e os interesses dos consumidores. E mais, a análise moderna tem demonstrado
claramente que muito poucas e não qualificadas objeções podem ser verdadeiras
para todas elas, e que os meros fatos do tamanho, da venda exclusiva, da
limitação de mercado e do preço combinado, não são em si suficientes para
afirmar que o desempenho resultante desse tipo de empresa seja inferior ao que
teria sido esperado em um ambiente de concorrência perfeita – em outras
palavras a análise econômica não oferece material que dê suporte à desconfiança
generalizada sobre os “trustes”, e o material que, porventura, dê azo a esse
tipo de sentimento deve ser procurado no âmbito de cada caso particular [como
acontece com quaisquer outras empresas]. Mas o certo é que muitos economistas
dão apoio a esse tipo de desconfiança generalizada... A ideologia deles é que a
economia capitalista cumpriria sua função social, como que num toque de mágica,
não fosse a sombra que monopólios ou oligopólios lançam sobre o sistema. Nenhum
argumento é mais poderoso em prol dos negócios de maior escala que a sua
inevitabilidade, assim como inevitáveis são os custos sociais envolvidos na
destruição das estruturas existentes e o fracasso do modelo de concorrência
perfeita [enterrem de vez a Adam Smith!]”.
“Entretanto, mesmo nos estendendo bem sobre
os efeitos da ideologia, não conseguimos abarcar toda a sua área de influência;
e não há lugar onde ela deixe mais fortemente as marcas de sua influência que
na história econômica... [por exemplo] o
tema sobre o papel que as políticas de governos desempenham no desenvolvimento
econômico, proporciona uma excelente base para uma discussão: historiadores
econômicos, sozinhos ou em grupos, têm sistematicamente super- ou subestimado a
importância dessas políticas, de uma maneira que aponta para inequívocas
convicções pré-científicas [ideológicas]. Mesmo as inferências derivadas das estatísticas, tão propícias à
objetividade e boa lógica, ficam comprometidas quando temas ideologicamente
relevantes estão em jogo. Muitas das vagas sociológicas, psicológicas,
antropológicas e biológicas que vêm bater em nossas praias estão tão viciadas
pelo viés ideológico, que os economistas só podem avançar por entre esses
escolhos com estudos comparativos”
“Há um pequeno conforto
em postular, como tem acontecido algumas vezes, a existência de mentes
destacadas, imunes ao viés ideológico e, em hipótese, capazes de superá-lo.
Tais mentes podem realmente existir, e isso pode ser facilmente observado em
grupos que se mantém mais afastados da influência ideológica do que outros,
embora pertençam a um estrato social muito susceptível à ação ideológica tanto
na área politica como econômica
[nem todo operário é militante marxista e nem todo empresário fecha com a
defesa do liberalismo e do capitalismo tradicional]... Há ainda mais o conforto na observação de que nenhuma ideologia
econômica dura para sempre... e disso segue não só o fato de que os padrões
sociais mudam e que, portanto, toda ideologia econômica a eles vinculada está
destinada a murchar, mas também a relação que a ideologia mantém com o ato
cognitivo pré-científico que chamamos de visão. Uma vez que este ato gera a
busca e a análise de fatos, e estes tendem a destruir o que não resistir o
crivo de testagens, nenhuma ideologia econômica poderia sobreviver
indefinidamente, mesmo em um mundo social estacionário. Como o tempo passa e
esses testes estão sendo aperfeiçoados, eles fazem seu trabalho mais
rapidamente e mais efetivamente. Mas ainda assim temos a certeza de que alguma
ideologia sempre estará conosco, e disso eu estou bem convencido”.
“Mas isso não é uma
desgraça. É pertinente lembrar outro aspecto da relação entre ideologia e
visão. Esse ato cognitivo pré-científico, que é a fonte de nossas ideologias é
também o pré-requisito de nosso trabalho científico [tanto a ciência como a ideologia
nascem de nosso sistema sensorial, lato senso]. Nenhum início, recomeço ou mudança em qualquer ciência é possível sem
isso. Através dele, adquirimos novos materiais para nossos esforços científicos
e algo para formular teorias, defender e atacar. Nosso estoque de fatos e
ferramentas cresce e se rejuvenesce no processo. E assim, embora nós devamos prosseguir
devagar por causa de nossas ideologias, talvez não conseguíssemos prosseguir
sem elas” (p 357-359).
__
Nesse momento, diz McCraw a sisuda, douta e convencional plateia presente
levantou-se, e como que tocada de uma só vez por uma potente descarga elétrica,
e prorrompeu numa ovação pouco comum ao contido e formal temperamento anglo-saxão,
ainda mais em um meio acadêmico, considerada também a época do evento: metade
do século XX. Até Schumpeter se admirou, mas não havia dúvidas, depois de todas
as incompreensões e até perseguições que sofrera nos Estados Unidos – chegou a
ser vigiado pelo FBI do controvertido J Edgar Hoover (1895-1975), por suspeita
de filogermanismo – sua carreira chegara ao auge, e ele podia alimentar a
ilusão juvenil de ter se tornado o maior economista do seu tempo, ainda que
dividindo o posto com Keynes . Eufórico ele escreve em seu diário:
“A força das Coelhinhas (14) se
afirmava gloriosamente. Obrigado Coelhinhas por me apoiarem e por um dos mais
ricos presentes. Todos se levantaram para aplaudir... Todo o público presente
no salão de baile de Cleveland levantou-se para me aplaudir. Não foi um momento
pequeno e de pobreza. E ainda assim imerecido. Obrigado Coelhinhas. Oh, deem-me
forças, Oh Deus, Oh Coelhinhas. E que eu possa me acostumar lentamente à ideia
de uma morte voluntária. Deveria pedir, talvez, ajudem-me a alcançar uma morte
voluntária? Oh Deus e Coelhinhas, obrigado. Abençoem 1949, se for possível. Eu
não poderia aguentar muito mais que um ano”.
__
Essa palavras foram escritas no penúltimo dia de 1948, e no dia 8 de janeiro de
1950 ele morreu, enquanto dormia, de uma hemorragia cerebral, que lhe causou coma
seguido de morte em poucas horas.
Álbum
http://i31.photobucket.com/albums/c373/apd1004/CUT/mercury%201936.jpg~original
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpNA1VpKnr4cTAavW89rpjLCUiWNmtVNv78ZtP7aA-QhZIpNvoNmxKgU3-gocjbVsDEWhldMfSUujfMp1hNhjlnV1rN-GMl40cypFPTvx6er5J0qI2e5pmuO1cFVVKRMwUnU-acQoMYQQ/s1600/1948+Cleveland+Ohio.JPG
http://cowellhubbard.com/wp-content/uploads/2012/01/Scanned-Horz-w-credts-9.jpg
Cleveland,
1948; as marcas da força revolucionária do capitalismo que tanto impressionou a Schumpeter.
https://www.aeaweb.org/images/2018_webcasts.jpg
https://www.aeaweb.org/content/file?id=987
Reunião
da AEA, em 2018; duas coisas que quase não havia no tempo de Schumpeter: mulheres e gente
de pele amorenada.
Notas
1 – Certa vez em um encontro acadêmico,
o célebre epistemólogo suíço Jean Piaget, foi indagado de chofre se ele gostava
de crianças, afinal a grande massa de suas pesquisas dizia respeito a elas.
Surpreso, Piaget afirmou que sim, mas que não via como isso poderia ter
influenciado os resultados de suas pesquisas, que era sobre o que ele falava na
ocasião...
2 – Enrico Barone (1859-1942) foi um
economista italiano, muito ligado a Vilfredo Pareto, a quem Schumpeter muito
admirava, que fez um estudo técnico do socialismo, em um artigo, escrito em
1908, chamado “O ministro da produção no estado coletivista”, cujo resumo
recente, traduzido do italiano, apresento abaixo, corroborando o que foi dito
por Schumpeter acima: “Aqui estão as últimas peças do ensaio de Enrico Barone
sobre a praticidade teórica de um sistema econômico com planejamento central.
De uma forma muito concisa, ele antecipa as conclusões a que von Mises chegará
em seu ensaio sobre o socialismo (Die Gemeinwirthschaft) publicado em 1922.
Barone também salienta a impossibilidade, numa economia planificada, de um
sistema de preços que garanta a implementação dos melhores coeficientes de
produção na ausência do mecanismo de livre comércio e experimentação produtiva.
A chamada "anarquia de produção" que para os centralistas é o sinal
do fracasso da "mão invisível", pois leva a uma mudança contínua de
produção e processos de produção, para Barone é o pré-requisito para que dos
coeficientes [dos diferentes tipos de produção e processos] surja continuamente
uma produção mais eficiente. Assim, para "administrar" a economia em
vista do resultado coletivo máximo, o ministro da produção do Estado
coletivista não pode deixar de usar as mesmas categorias de livre comércio que
ele busca extinguir [pelo planejamento centralizado], a menos que ele queira
implementar um sistema econômico caracterizado por uma ineficiência muito alta
na alocação de fatores de produção. Não é precisamente isso que ocorreu no
decorrer do século XX, em todas as tentativas de economia centralizada?” [quando
Maduro, Ortega, Díaz-Canel, e os latino-americanos aprenderão isso?] (ver, em
italiano, http://www.panarchy.org/barone/stato.collettivista.1908.html).
3 – Nesse momento Schumpeter deve estar
a fazer referência ao espantalho do filme Mágico de Oz, que estreou em 1939, um
dos sucessos mais retumbantes do cinema e um símbolo caro da classe média
americana da época. Quem assistiu ao filme sabe o quanto o homem de palha era
inofensivo: só queria um cérebro para ter poder pensar melhor e se tornar sábio,
coisa que os amantes atuais das ideologias também deviam almejar.
4 – Franz Erdmann Mehring (1846-1919)
um socialdemocrata alemão que escreveu uma biografia de Marx que ficou
clássica: Karl Marx, a história de sua vida.
Numa carta de Engels a Mehring, datada de 14 de julho de 1893, fica bem claro a
cegueira de que Schumpeter fala: “A ideologia é um processo que, com efeito, é
completado com consciência pelo chamado pensador, mas com uma consciência falsa.
As forças impulsionadoras propriamente ditas que o movem permanecem-lhe
desconhecidas; se não, não seria, precisamente, processo ideológico nenhum. Ele
(o pensador) imagina, portanto, forças impulsionadoras falsas ou ilusórias.
Porque o (processo) é um processo de pensamento, ele deduz tanto o seu conteúdo
como a sua forma do puro pensar, quer do seu próprio quer do dos seus
antecessores. Ele trabalha com mero material de pensamento, que, sem dar por
isso, toma como produzido pelo pensar e, aliás, não investiga mais (se ele tem)
uma origem mais afastada, independente do pensar; e, com efeito, isso é para
ele evidente, porque, para ele, todo o agir, porque mediado pelo pensar, parece
também em última instância fundado no pensar... o ideólogo histórico tem,
portanto, em cada domínio científico uma matéria que se formou autonomamente a
partir do pensar de gerações anteriores e que fez um ciclo de desenvolvimento
próprio, autônomo, no cérebro dessas gerações sucessivas. Sem dúvida que fatos
exteriores, que pertencem ao próprio domínio ou a outros, podem
co-determinantemente ter actuado sobre este desenvolvimento, mas esses fatos
são, segundo o pressuposto tácito, eles próprios, meros frutos de um processo
de pensamento e, assim, permanecemos sempre na esfera do mero pensar, que
aparentemente digeriu com facilicidade mesmo os fatos mais duros”. A questão
central permanece, porém, insepulta ou não respondida: como Marx e Engels, e só
eles, escaparam da ilusão ou da falsificação ideológica? Às vezes parece que
Marx e Engel atribuem gratuitamente para os seus desafetos, vistos sempre como
grupo ou classe, nunca individualmente, embora ambos busquem sempre deixar bem
claro o que é próprio de um e de outro – o culto de Engels a Marx é
impressionante – “ideias típicas”, dando a entender que suas conclusões se
baseiam mais no mecanismo freudiano da compensação ou da projeção do que em
pesquisas “isentas” de ideologia. Freud fez mal em ter se manifestado só
cinquenta anos mais tarde... (carta completa de Engels em https://www.marxists.org/portugues/marx/1893/07/14.htm)
5 – Simon-Nicolas-Henri Linguet
(1736-1794), advogado e jornalista “incendiário”, no período pré-revolucionário
e neste, assim como a maioria dos que se sobressaíam, acabou miseravelmente na
guilhotina. Segundo a Wikipedia em francês ele “se opunha aos filósofos, aos
jansenistas, e sobretudo ao liberalismo econômico implementado pela Revolução
Francesa, cujas consequências ele denuncia com virulência aos membros das
classes trabalhadoras”.
6 – Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914),
economista austríaco e um dos fundadores da ultraliberal escola austríaca,
Böhm-Bawerk fez um minucioso trabalho criticando a teoria da mais-valia.
7 – A estagnação econômica é assim
definida pela Wikipedia em inglês: “um período de fraco crescimento econômico
(medido em termo de PIB), geralmente acompanhado de altas taxas de desemprego.
O termo “fraco” significa que o crescimento real analisado é menor que o
crescimento potencial de uma economia, medido por macroeconomistas, no âmbito
de uma economia específica”. Não existe uma taxa absoluta a partir da qual se
possa dizer que um crescimento é fraco ou forte. Sandroni (1999) lembra que a
estagnação pode ser consequência de uma baixa demanda global, um impulso
generalizado para a poupança, como aconteceu recentemente com o Japão. Sandroni
também traz uma informação importante para o contexto de que estamos falando: “Segundo
os economistas da escola keynesiana, a tendência a estagnação é uma das
características do capitalismo, caso a economia concorrencial seja relegada aos
seus mecanismos naturais. Para combater essa tendência, advogam a intervenção
do estado na economia, como instrumento de controle de taxa de juros e
incentivador de novos investimentos” (p 221). Foi provavelmente daqui que Lula,
Dilma e os economistas da nova matriz econômica tiraram sua principal linha de atuação
econômica.
8 – “A Grã-Bretanha enlanguece (se
esvai)”; folhetim escrito por William Petyt (1640-1707), advogado e funcionário
público, não confundir com o economista homófono, William Petty
(1623-1687), publicado em 1689, cuja
ementa esclarece sobejamente o seu conteúdos: “um discurso sobre o comércio,
mostrando que a atual administração do comércio na Inglaterra é verdadeira causa da decadência de nossas
manufaturas e a da última grande queda das rendas da terra, e que a
intensificação do comércio, pelo método agora em uso, deve decair, e com ele a
Inglaterra. O que fica particularmente demonstrado é a atual administração da
Companhia das Indias Orientais quase destruiu o nosso comércio naquelas terras,
assim como na Turquia, e que em curto espaço de tempo levará a nação à
mendicância. Humildemente oferecido à consideração deste presente Parlamento”. Onde
Schumpeter foi desencavar esse documento, feito por um personagem obscuro –
embora fosse um funcionário bem colocado, que sequer chegou a ser político,
embora simpatizante dos Wighs? Entretanto o fato de ele se dirigir ao
parlamento para esolver uma questão tipicamente econômica-administrativa
denuncia bem o seu caráter “keynesiano”. Ou seria o caráter petytiano de
Keynes?
9 – Dennis Holme Robertson, economista
inglês, trabalhou muito próximo a Keynes nas décadas de 20 e 30, e teria sido o
criador de um conceito muito escutado em conversas de economistas: “armadilha
de liquidez”. Keyne gabava-o de ter “uma inteligência perfeita de primeira
classe”.
10 – Teoria
geral do emprego, do juro e da moeda, uma das obras mais famosas e
admiradas de Keynes.
11 – Referência ao economista inglês
Alfred Marshall (1842-1924), da chamada “escola neoclássica”, um dos mais
importantes economistas do final do século XIX. É uma forma de dizer que não
havia nada de novo em Keynes, apesar da admiração do vulgo.
12 – Referência a um célebre processo
judiciário americano envolvendo um funcionário do Segundo Banco dos Estados
Unidos, em Baltimore, Maryland, no ano de 1819, Thomas McCulloch, conhecido
como McCulloch v Maryland, remetido à Suprema Corte, onde pontificava nessa
época outro Marshall, um dos mais famosos juízes americanos, John James
Marshall (1755-1835). O caso todo girou em torno da possibilidade de a União
poder exercer atividade financeira ou interferir na economia, e de sua
autonomia diante das leis estaduais, ambas as possibilidades reconhecidas pela
Suprema Corte.
13 – Aristóteles (384-322aC), filósofo
grego que especulou algo sobre o assunto, e Luis de Molina (1535-1600), um
padre jesuíta espanhol, que deu algumas contribuições interessantes para a
análise econômica.
14 – No original o termo aparece em
alemão e no plural – “Hasen” (coelhas) – que, segundo Robert Allen, em seu
livro “Opening Doors: the Life and Work of Joseph Schumpeter”,
books-google.com, era a forma como Schumpeter se referia a Johanna Schumpeter,
sua mãe, e Annie Reisinger, o grande amor de sua vida, ambas mortas no terrível
biênio 1926-27. Diz ainda Allen, que entre os alemães, no tempo de Schumpeter, esse
termo era usado para se referir a pessoa(s) querida(s), íntima(s). Curioso é
que, na heráldica, a lebre ou o coelho, é o símbolo do “homem de ânimo
pacífico, que evita os perigos [um sábio], um espírito que aprecia o silencio e
a solidão, um homem alheio à fadiga e ao cansaço”, segundo a Wikipedia em
italiano, era assim, mais ou menos, como Schumpeter se sentia em seu “exílio”
em Taconic, Massachussetts, EUA, segundo McCraw (2012): “em paz, mas sem alegria”.
Adendo: A respeito do sentido das palavras no diário dele, diz McCraw: "Falando de morte voluntária, Schumpeter provavelmente não se referia a um suicídio. Nada em sua maneira habitual de pensar, apontava nessa direção, nem mesmo a assustadora perspectiva de uma vida sem Elizabeth [que já estava muito doente, entretanto alguns autores batem nessa tecla, em trabalhos bem menos fundamentados que McCraw, impressionados com o linguajar dramático de Schumpeter]. Ele parecia ter em mente, na verdade, um certo espírito de resignação... Quando chegasse a hora ele não se insurgiria contra o apagar das luzes". Reproduzindo um pouco a cultura urbana da época, ainda mais na América que valorizava tanto o vigor produtivo da juventude, ao completar sessenta anos Schumpeter já se sentia velho e decadente, sem falar de uma ou outra limitação típica da idade, como a redução natural das jornadas de leitura e capacidade de concentração e memória, além dos traumas psicológicos, que ele adquiriu ao longo de sua intensa e atribulada vida de gênio incompreendido.
Adendo: A respeito do sentido das palavras no diário dele, diz McCraw: "Falando de morte voluntária, Schumpeter provavelmente não se referia a um suicídio. Nada em sua maneira habitual de pensar, apontava nessa direção, nem mesmo a assustadora perspectiva de uma vida sem Elizabeth [que já estava muito doente, entretanto alguns autores batem nessa tecla, em trabalhos bem menos fundamentados que McCraw, impressionados com o linguajar dramático de Schumpeter]. Ele parecia ter em mente, na verdade, um certo espírito de resignação... Quando chegasse a hora ele não se insurgiria contra o apagar das luzes". Reproduzindo um pouco a cultura urbana da época, ainda mais na América que valorizava tanto o vigor produtivo da juventude, ao completar sessenta anos Schumpeter já se sentia velho e decadente, sem falar de uma ou outra limitação típica da idade, como a redução natural das jornadas de leitura e capacidade de concentração e memória, além dos traumas psicológicos, que ele adquiriu ao longo de sua intensa e atribulada vida de gênio incompreendido.
Bibliografia
Abbagnano, Nicola; Dicionário de filosofia; trad. Alfredo Bosi – rev. Ivone C.
Benedetti; 4ª edição; Martins Fontes; São Paulo; São Paulo; 2000
Bottomore, Tom; Dicionário do pensamento marxista; trad Waltensir Dutra; Zahar; Rio
de Janeiro; 2012 – edição digital de 2013
Diakov, Vladimir; História da Antiguidade – Roma; vol 3; trad João Cunha Andrade;
Fulgor; São Paulo; 1965.
Gramsci, Antonio: Concepção dialética da história; trad Carlos Nelson Coutinho; 3ª
edição; Civilização Brasileira; Rio de Janeiro; 1978.
McCraw, Thomas; O profeta da inovação; trad Clovis Marques; 1ª edição; Record; Rio
de Janeiro-São Paulo; 2012;
Mora, José Ferrater; Diccionario
de Filosofia; 5ª edición; Sudamerica; Buenos Aires; 1964.
Politzer, Georges; Principios fundamentais de filosofía; online
Sandroni, Paulo; Novíssimo dicionário de economia; 1ª edição; Best Seller; São
Paulo; 1999
Schumpeter, Joseph A; História da análise econômica; trad Alfredo Moutinho Reis – José
Luís Miranda – Renato Rocha; Fundo de Cultura; Rio de Janeiro – São Paulo –
Lisboa; 1964; 3 vols.
____; History of economic analysis – introduction
of Mark Perlman; Routledge; 2006; UK (online)
____; Science and Ideology; The American
Economic Review; Vol. 39, No. 2 (Mar., 1949), pp. 346-359.
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