domingo, 27 de dezembro de 2015

HISTORIA DA IGREJA BASEADA EM JEDIN – VIII

Obrigado aos amigos do Brasil, Estados Unidos, Canadá, Venezuela que acompanham esse blog. Que ele vos seja útil. Deus os abençoe.

Prof Eduardo Simões

A Tumba de Pedro

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Debaixo do baldaquino de Bernini, protegida por um vidro.

__ Um dos episódios mais marcantes da Bíblia é o relatado por Mateus, sobre a confissão de fé de Pedro (16,13-20), também narrado mais direto e secamente por Marcos (8,27-30) e Lucas (9,18-21). O fato teria acontecido no território de Cesareia de Filipe onde, após uma oração (Lc 9,18), seu momento de comunicação com o Pai, Jesus fez uma pergunta de supetão, como quem quer provocar uma revelação ou, de acordo com a psicologia humana, sondar as disposições de alguém, aparentemente a esmo: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). Os discípulos, pegos de surpresa, relatam as opiniões disparatadas do vulgo, conforme o contexto da da época.
__ “E vós, prosseguiu Jesus, quem dizei que eu sou?” (16,15). Era a hora da verdade, provavelmente muitos já o tinham abandonado (Jo 6,66 ), e até aos apóstolos ele já teria feito um desafio, “e vós também não quereis ir?” (6,67). Era hora de ir além, de cada um justificar a Jesus e a si mesmo se valia a pena continuar investindo naquela empreitada perigosa. Os apóstolos hesitam, talvez ainda não entendessem bem o impacto de tudo o que até ali lhes fora revelado ou apenas se tivessem deixando levar pelo bem estar que lhes provocava a proximidade com Jesus. Simão, ousadamente, toma a palavra e diz algo que ele, Simão, provavelmente, nem entendia direito seu significado – os fatos futuros comprovariam esta suspeita – e diz: “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”. A resposta de Jesus é a de alguém profundamente alegre e impressionado com o que acaba de ouvir: “Bem-aventurado és tu, Simão filho de Jonas (Simão Bar Jonas), porque não foi a carne nem o sangue [Simão se tornara canal direto da Revelação] que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro [Pedro é um nome grego, mas Jesus deve ter dito “Cefas”, pedra em aramaico], e que sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades [o mal personificado] nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus...”

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__ Em 1939, o recém-eleito Papa Pio XII, resolveu mexer em uma área “tabu” dentro do Vaticano: uma área, debaixo do majestoso baldaquino de Bernini, onde fica o altar principal, chamado “da confissão” – a confissão de Pedro de que Jesus é o “Filho de Deus” – bem no centro da gigantesca cúpula que se eleva sobre a Basílica de São Pedro, onde, de acordo antiga tradição, estariam enterrados os ossos de São Pedro, local sempre cercado de respeito, devoção e pudor; um pudor quase sobrenatural de provocar a Deus, perturbando o descanso de uma pessoa tão venerável, só para conferir o acerto da tradição, sem falar que o cristão católico maduro, como o justo da Bíblia, vive da fé e não de sinais concretos (Hb 10,38). Estes não são mais que suportes, apoios, principalmente para aqueles que estão no início da caminhada.
__ Mas o mundo mudara. A incredulidade ativa, travestida de ceticismo, ganhara o mundo ocidental, capitalista, burguês, onde a Igreja Católica estava inserida, agora, como um apêndice, prestes ao seu final melancólico, como uma instituição desnecessária para o mundo moderno, propenso a crer somente naquilo que tinha substância suficiente para provocar os sentidos. O mundo, não a Igreja, precisava de uma demonstração sensível da fé, de uma prova, antes de ir pelos ares com as guerras que seus interesses mesquinhos estavam provocando, como a 1ª Guerra Mundial. Pio XII, entendendo esse momento, estava disposto a dar essa prova concreta. Ele resolveu, pela primeira vez desde o século IX, abrir as grutas do Vaticano à pesquisa de estudiosos e da moderna arqueologia, entregando os trabalhos aos cuidados do monsenhor alemão Ludwig Kaas, teólogo, historiador, político excessivamente pragmático e filósofo (1), que, apesar de sua boa vontade, não era um pesquisador de carreira e por pouco não pôs tudo a perder...

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Necrópole Vaticana, uma cidade para os mortos debaixo da Basílica de São Pedro

__ Quando começaram as escavações os arqueólogos quase perderam o fôlego. Havia, e ainda há, debaixo da Basílica de São Pedro, uma vasta necrópole – conjunto de edificações próximas, a semelhança de uma vila, feito para abrigar cadáveres, que, pelo seu luxo revelavam o elevado status das pessoas ali sepultadas – pré-cristã. A Necrópole Vaticana. De certa forma, se o túmulo de Pedro estivesse ali, parecia reproduzir as circunstâncias da morte de Jesus, sepultado com apreço (Mt 57,60), conforme previsto numa das leituras possíveis do profeta Isaías (53,9). Acima de tudo espantara-os o tamanho do terrapleno que fora feito por ordem do imperador Constantino, em 318, mais de um milhão de metros cúbicos de areia, quando havia uma área já aplainada ao lado, no chamado Circo de Nero, para plantar os alicerces da sua basílica! O que ele quis preservar ou marcar ali, inclusive soterrando túmulos de famílias importantes de Roma!

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Sepultura de Pedro vista de frente e em corte: upper niche = nicho superior; graffiti wall = muro dos grafites; repository = local onde se acharam os ossos em 1942; red wall = muro vermelho; original ground level of the tropaion = nível original do tropaion (monumento a Pedro mais antigo); surviving part of Peter’s grave = parte restante da sepultura [a primeira] de Pedro

__ Em 1942, foram encontrados alguns ossos, muito revolvidos, no local onde se supunha estar sepultado o apóstolo. Kaas, aparentemente sem saber de quem eram, os recolheu, temendo que fossem desrespeitados ou mal manuseados, guardou-os num local a parte, para submetê-los, posteriormente, a análise, enquanto os trabalhos se arrastavam sem nada digno de nota. Lá fora o mundo se autodestruía na 2ª Guerra Mundial. Entretanto, antes que algo pudesse ser feito em relação a esses ossos, Ludwig Kaas morreu, e os ossos, guardados noutro lugar, dentro de uma caixa, foram esquecidos (2). Outro momento embaraçoso foi quando, ao ser derrubada uma das paredes próximas à suposta tumba de Pedro, caíram em pedaços algumas das primeiras estruturas, e um dos dirigentes das escavações, o Pe. Antonio Ferrua, supondo ser entulho – a história nunca foi explicada direito – resolveu pegar um pedaço para guardar consigo. Amadorismo, excesso de pudor, caça às relíquias e até vaidades pessoais ameaçavam comprometer todo trabalho. E assim transcorreram as coisas até o ano de 1950, quando as escavações são encerradas oficialmente. Na radiomensagem de Natal daquele ano, 23/12/1950, o Papa Pio XII anuncia o descobrimento da tumba de São Pedro, mas deixa em aberto a questão sobre os ossos do apóstolo.

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Mesmo monumento acima visto de cima

__ Em 1952, Após a morte de Kaas, a direção dos trabalhos foi entregue a uma famosa epigrafista, a doutora Marguerita Guarducci (2), que começou a traduzir as inúmeras inscrições (grafites) nos muros que isolavam a área ao redor. Num deles podia se ler: “Pedro roga por nós, os cristãos que estamos sepultados junto ao seu corpo”. Havia ainda inúmeras referências a Pedro, com uma característica suis generis: à haste vertical da letra “P” se acrescentavam três pequenos apêndices horizontais, simulando uma chave, mas ainda faltava o principal. Os vários ossos encontrados nas imediações do suposto túmulo pertenciam a homens e mulheres comuns, sepultados sem maiores cuidados, além de animais diversos, pequenos mamíferos e aves, que rondam os cemitérios ou eram oferecidos em sacrifício aos mortos.  Nesse transe, ficou-se sabendo que o padre Ferrua estava de posse de um artefato, suposto entulho, retirado das escavações. Imediatamente foi expedida uma ordem dos mais altos escalões: “devolva-o já!” Nesse pedregulho o olhar clínico da doutora Guarducci identificou um tesouro valiosíssimo, um grafite incompleto, em grego, uma língua muito falada na Roma do século I, principalmente entre cristãos – o cristianismo criou fortes raízes na Grécia, antes de chegar a Roma – onde se podia ler: “PETROS ENI” = PEDRO ESTÁ AQUI ou PEDRO ESTÁ AQUI DENTRO. Mas onde estava Pedro?

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(idem)
Reconstituição.

__ Nesse momento de perplexidade, um trabalhador lembrou-se que o padre Kaas havia retirado uns ossos do local e guardado noutro lugar, um armazém nas oficinas do Vaticano, onde estavam colocados dentro de uma caixa, devidamente classificados (3). Os ossos foram submetidos à análise pelo Professor de Antropologia Venerando Correnti, da Universidade de Palermo, e as conclusões foram as seguintes:
1º - Os ossos continham terra semelhante a da tumba encontrada vazia – uma vez que Kaas retirara os ossos sem o conhecimento dos arqueólogos – e que era diferente da terra das outras sepulturas próximas.
2° - Os ossos continham, em seus poros, muita terra entranhada, sinal que estiveram por um bom tempo em contato diretamente com o solo, como seria de se esperar, tendo em conta as circunstâncias da morte de Pedro.
3º - Esses ossos apresentavam, misturados a eles, fios de um tecido de cor púrpura, emaranhados com fios de ouro finíssimos, uma trama que, na época, era exclusiva de vestes imperiais, mostrando que aqueles ossos, pertenciam a uma pessoa muito considerada, mas que morreu pobre, uma vez que esses indícios não estão associados ao primeiro sepultamento.
4º - Os ossos seriam de um homem robusto, que morreu entre os sessenta e setenta anos. A robustez coincidia com a profissão e o estilo de vida de Pedro, a idade também coincidia com a suposta pela tradição.
5º - As rótulas estavam muito gastas, como acostuma acontecer com pescadores, que as forçam muito ao empurrar seus barcos para dentro ou fora da água.
6º - foram encontrados ossos de todas as partes do corpo, menos dos pés, o que confirma um costume romano de cortar os pés daqueles que eram crucificados de cabeça para baixo, uma vez que era trabalhoso tirar os cravos que perfuravam os ossos dos pés e que também, neste caso, ficavam numa posição incômoda (no alto).

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__ Na área da tumba também foram encontradas muitas moedas antigas, dos séculos finais da Antiguidade e início da Idade Média, além dos cadáveres de homens e uma mulher, sepultados sem o mesmo cuidado. Pedro decerto não morreu sozinho. Seria essa mulher a sua esposa, confirmando mais um fato da tradição?

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(idem)
Reconstituição do muro de grafites

__ Percebendo o impasse interminável criado pelos limites da ciência humana – indagado sobre se a ossada na caixa era de fato a do Apóstolo Pedro, o professor Correnti respondera que havia uma “alta probabilidade”, de realmente serem de Pedro; e isso de fato era o máximo que a ciência então podia afirmar – e do clima “pesado” que se criara em torno da equipe responsável pelas escavações, em especial os atritos entre Margherita Guarducci e Antonio Ferrua, Paulo VI toma a iniciativa e declara oficialmente, em 26 de junho de 1968 a descoberta dos ossos de São Pedro, 12 séculos depois deles terem sido lacrados, por questões de segurança. Alguns desses ossos serão expostos ao público, numa missa campal, em 24 de novembro de 2013, pelo Papa Francisco, na abertura do Ano da Fé

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Estado atual do muro dos grafites

Palavras da Professora Guarducci – entre aspas ou parênteses, as minhas intervenções estão entre colchetes.

__ “As escavações começaram [em 1940] e duraram até 1949. Forma umas escavações estranhas nas quais muitos achados foram destruídos e se cometeram erros indescritíveis”
__ “Encontraram uma necrópole, um antigo e vasto cemitério, que se estendia de leste a oeste, paralelo ao Circo de Nero, o mesmo circo onde Pedro teria sofrido o martírio. Esta grande necrópole estava coberta de terra, porque Constantino, ou alguém em seu nome... queria construir aí os alicerces sobre os quais se erigiria a primeira basílica em honra de Pedro”
__ O que encontraram sob o altar papal? Uma sucessão de monumentos e altares: uns debaixo de outros, uns dentro de outros. Isto significava que aquele lugar... havia sido, desde séculos atrás, objeto do culto a Pedro. Debaixo do altar papal, que é o atual altar de Clemente VIII (1594), se encontrou o anterior, de Calisto II (1123); dentro do altar de Calisto II se encontrou o altar de Gregório Magno (590-604); o altar de Gregório Magno, por sua vez, se apoiava sobre o monumento que Constantino, ainda antes de construir a basílica, havia mandado erigir sobre a tumba de Pedro, e que pode ser datado de entre 321 e 326. O monumento ode Constantino abarcava outro mais antigo, que teria sido construído no século II, o primeiro monumento a Pedro... se incluía uma pequena edificação, encostada em um muro rebocado de vermelho, que fazia as vezes de fundo ao primeiro monumento de Pedro. Nesta pequena edificação havia um muro [lateral, pequeno e grosso] coberto de símbolos e antigas inscrições (naturalmente anteriores ao monumento de Constantino...)... epígrafos que indicavam, por sua abundância, a imensa devoção dos fieis. Depois, atrás dessa edificação, se vê que o primeiro monumento de São Pedro era uma espécie de forro, que cobria uma antiga tumba de terra [a sepultura original de Pedro], sobre a qual haviam se sobreposto todos esses monumentos. Sob esse forro, desgraçadamente, não havia nada...
__ “Esse era o estado das coisas quando se concluíram as escavações de 1940-1949... Comecei a ocupar-me das escavações de São Pedro, depois que estas haviam terminado e fora publicado um relatório, em 1952”
__ “Um dos escavadores [provavelmente o padre Ferrua] havia publicado, embora não corretamente, um dos epígrafos que se havia encontrado no lugar onde estava o muro coberto de inscrições citado acima”
__ “Já havia tido oportunidade de ver um dos epígrafos, do qual se havia intuído a leitura “Petros Eni” (“eni” no sentido de “enesti”: Pedro está dentro)”.
__ “Foi então que pedi autorização a Pio XII para visitar as escavações... Pio XII me concedeu a permissão, e então comecei a procurar a inscrição “Petros eni”, mas não a encontrei, porque um dos escavadores [Ferrua] a havia levado para casa”
__ “Comecei a estudar o muro das inscrições, que estava dentro do monumento constantiniano. Agora esse muro era como uma selva impenetrável... me propus a decifrá-lo. A tarefa durou meses. Foi uma das mais difíceis que já fiz... em um determinado momento, porém, eu peguei o fio da meada e comecei a entender. Usava-se, ali, uma criptografia mística, ou seja, se jogava, em um certo sentido, com as letras do alfabeto. Ali superabundava o nome de Pedro, expresso nas letras P, PE, PET, vinculado normalmente ao nome de Cristo, com a sigla de Cristo e com o nome de Maria, e, sobretudo, dominava, nesse muro, aclamações à vitória de Cristo, de Pedro e de Maria. Também se recordava a Trindade, a Cristo, segunda pessoa... toda a teologia do momento estava ali, escrita no muro”.
__ “Depois comecei a interessar-me pelos ossos de Pedro... Os ossos de Pedro estavam na tumba, na terra, sob o forro, como sustentava a tradição da Igreja. Depois, quando Constantino quis fazer um monumento em honra ao apóstolo, os ossos foram tirados da terra e envoltos num precioso manto de púrpura e ouro e depositado nesse nicho (4), e foi lacrado para sempre. Sucedeu que durante as escavações, os escavadores, ansiosos por chegar ao lugar que a tradição indicava como sepultura de Pedro, não se preocuparam com os detalhes. Derrubaram o altar de Calisto II a golpes de marreta... para chegar o quanto antes à tumba. E o que aconteceu? Sob os fortes golpes da marreta caiu uma grande quantidade de escombros, do antigo muro rebocado em roxo, e tudo ficou misturado nessa cavidade, com os infelizes ossos que Constantino havia mandado depositar no nicho do monumento. Assim pareciam [aos olhos dos amadores e de arqueólogos pensando noutras coisas] um montão de entulhos, onde não se reconheceram os ossos”.
__ “Naquele momento... Monsenhor Kaas (Homem de confiança de Pio XII) notou que entre os escombros do nicho havia alguns ossos. Fê-los apartar dos escombros [a todos eles?] e guardá-los dentro de uma caixa, posteriormente trancada em um armário nas grutas vaticanas, onde permaneceu ignorada por uns dez anos”
__ “Um antropólogo de minha confiança, o professor Correnti, examinou o grupo de ossos da caixa, e me disse: “Há algo estranho neles, porque todos os grupos de ossos que me fizeram examinar até agora [os primeiros que foram achados “oficialmente”] eram de indivíduos diversos, já estes são de um só indivíduo”. Perguntei-lhe: “De que sexo”. “Masculino”, respondeu-me. “Idade?”. “Avançada”. “Compleição?”. “Robusta”. [Fim do relato da professora Guarducci]
__ O texto é claro e igualmente muito embaraçoso para a equipe arqueológica original, da mesma forma que para todos os católicos, pelas vicissitudes desnecessárias que os ossos de Pedro tiveram que passar. Ele não deixa lugar para dúvidas ou maledicências, como as mostradas em sites e artigos de pretensas autoridades científicas que, impossibilitadas de atacar a honorabilidade da professora Guarducci e do professor Correnti, apegam-se a detalhes insignificantes que abundam em quase todos os sítios arqueológicos, sem nem por isso perderem a sua credibilidade, ou omitem escandalosamente dados fundamentais. Gente, enfim, que é movida não pelo amor à verdade, mas por um não querer crer (5).

Tumba de São Paulo

__ Bem menos trabalho deu a tumba do apóstolo Paulo!
__ Segundo uma antiga tradição, São Paulo foi decapitado em algum lugar da Via Ostiense, que ligava, e ainda liga, Roma ao porto de Óstia, como se pode depreender do testemunho muito antigo do presbítero Gaios, do século II, citado por Eusébio de Cesareia na História Eclesiástica, e o de Jerônimo, em seu Vidas ilustres, além de outros testemunhos de sua decapitação feitos por Tertuliano, Lactâncio, João Crisóstomo e Sulpício Severo (6).
__ Segundo a tradição, após sua execução, acontecida às margens da via Ostiense, fora dos muros de Roma, o seu corpo foi sepultado numa área funerária próxima, pertencente a uma rica matrona romana, simpatizante do cristianismo, chamada Lucilla ou Lucina, a uns 3 quilômetros do local da execução. No início do século IV, o imperador Constantino fez construir uma basílica, justo nesse local, que já era objeto de culto, tal como nos informa o testemunho de Gaios. Essa basílica chamou-se de São Paulo Extramuros. Como o afluxo de peregrinos aumentasse de ano a ano, os imperadores Valentiniano II, Teodósio e Honório resolveram, no final desse mesmo século, ampliar a basílica. Grandes reformas, acontecidas em 433, sob o Papa Leão Magno, após um terremoto ter comprometido a estrutura, lacrarão a sepultura definitivamente. Mais tarde a basílica será saqueada por um ataque dos árabes, em 846. O pior ainda estava por vir!
__ Na noite de 15 para 16 de julho de 1823, um incêndio tremendo, provocado pelo descuido de um operário, durante uma obra de manutenção, destrói completamente a antiga basílica; todo o teto desabou, ficando apenas as paredes enegrecidas pelo fogo. Na reforma que se seguiu optou-se por “atualizar” o edifício, alterando-se completamente o aspecto da antiga basílica romana. Entretanto, durante o processo de restauro, as crônicas monásticas locais, a basílica estava sob os cuidados dos monges beneditinos, apontaram que num determinado momento, sob o altar principal, apareceu uma lápide de mármore branco onde se podia ler nitidamente a inscrição: “PAULO APOSTOLO MART”, que, por razões desconhecidas, não constou dos relatórios oficiais finais, e tornou a ser coberta. E assim as coisas continuaram.

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Reprodução fotográfica da lápide de São Paulo

__ Entretanto, no jubileu do ano 2000, pressionado pelos peregrinos, que reclamavam de não poder rezar aos pés do apóstolo Paulo, o bispo Marcelo Costalunga, o administrador da basílica, pediu e recebeu autorização do Papa para realizar escavações no local tradicionalmente atribuído à sepultura de São Paulo, sob o altar principal. Escavando com todo cuidado a área ao redor do altar, bem diferente do que aconteceu com a tumba de Pedro, a equipe do arqueólogo Giorgio Filippi deu numa lápide de mármore, em pedaços colados, de 2,12 m por 1,27, onde estava escrito em letras bem grandes PAVLO APOSTOLOMART[YRI] = PAULO APÓSTOLO E MÁRTIR, com uma característica curiosa, que comprova a sua antiguidade: 3 buracos feitos nela, um circular e dois quadrados, que facilitariam o costume antigo de jogar substâncias aromáticas dentro de sepultura, sem ter que abri-la completamente, ou inserir dentro dela objetos atuais, que se tornariam relíquias por contato com os ossos do santo.
__ Ao invés de abri-la, os arqueólogos optaram por uma outra abordagem, introduzindo pinças mecânicas pelas aberturas, que recolheram algumas amostras e as entregaram a um laboratório de análise, sem que seus profissionais soubessem o que iam analisar. O que se concluiu dessas análises foi o seguinte:
a) restos de incenso e substâncias aromáticas
b) amostras de linho de cor púrpura, costurado com fios de ouro; como na sepultura de Pedro.
c) ossos de um homem datados pelo carbono 14 como sendo do Iº ou IIº século.
__ Juntando tudo a conclusão é óbvia, e ela veio de forma muito discreta e ponderada, da mesma forma como na tumba de Pedro, na homilia do Papa Bento XVI, em 28 de junho de 2009, quando do fechamento do Ano Paulino: “[Depois de uma breve descrição das conclusões da análise científica] Isto parece confirmar a unânime e incontrovertida tradição de que se trata dos restos mortais do Apóstolo Paulo” (traduzido de www.audioguiaroma.com/san-pablo-extramuros.php).

__ Fim das dúvidas. Tanto quanto é possível, com a ciência e a tecnologia contemporâneas, podemos acreditar no encontro dos restos mortais de Pedro e Paulo, personagens tão gloriosos e cercados de veneração, que nem pareciam mais ser desse mundo, quase elementos míticos ou lendários pela incrível sorte que tiveram de ver o que viram e enfrentar o que enfrentaram, e mais ainda: podemos apontar o seu endereço. Todos os dois na Igreja Católica e, no caso de Pedro, embaixo e bem no centro da sede da Igreja Católica – dizem os estudiosos que se for colocado um fio de prumo bem no centro da cúpula da Basílica de São Pedro, ele vai apontar diretamente para o sepulcro do fundador da Igreja – cumprindo literalmente a profecia de Cristo: “SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA IGREJA”, que tem demonstrado ao longo da história uma capacidade imensa, misteriosa, de resistir incólume, quando não sai fortalecida, aos seus mais encarniçados inimigos; isto é o que mais veremos ao longo dos próximos capítulos dessa história apaixonante, sem falar que são dois exemplos cabais do acerto da Igreja em colocar a Tradição dos Santos Padres como uma de suas fontes de fé.

Notas
(1) Do grupo diretor das escavações faziam parte, além do Monsenhor Kaas, os arqueólogos Enrico Josi, Pe Antonio Ferrua, arqueólogo, Pe Engelberto Kirschbaum, arqueólogo, e o arquiteto Bruno Maria Apolonj Ghetti, e os trabalhos se estenderam de 1941 a 1950.
(2) Aqui começa uma situação particularmente espinhosa. Erros grosseiros cometidos durante as escavações, explicitados posteriormente pela doutora Guarducci, devem ter contaminado os relatórios feitos ao Papa Pio XII, induzindo-o a pensar em mudanças profundas na direção dos trabalhos, e tentar salvar todos os esforços já feitos. Houve, aparentemente, um grande açodamento no início das escavações, que levou à destruição precipitada de, no mínimo, importantes testemunhos epigráficos – antigas pichações deixadas nas paredes – talvez até por se desconhecer a sua importância! Será que algumas das pessoas envolvidas, percebendo a transcendental importância de sua tarefa, e a sorte de terem sido designadas para ela, entraram numa disputa do tipo “corrida do ouro”, buscando a primazia no achado e na divulgação dessa incrível descoberta? Seja como for, em 1952, aproveitando a morte de seu grande amigo e colaborador próximo, Ludwig Kaas, Pio XII começou tratativas com a famosa epigrafista Margherita Guarducci.
Marguerita era membro da tradicional e influente família italiana, e alguns quiseram ver nisso a influência do poderoso patriciado romano, que tantos problemas causou à Igreja, por sua excessiva ingerência nos assuntos papais, ao longo da história. Ela tinha contra si, também, o fato de não constar, desde o início, da equipe diretora da escavação, de não ser uma arqueóloga, mas uma epigrafista, especialista em ambiente, em “circunstâncias”, que pouco podia optar sobre o que mais interessava: o corpo de Pedro, de ser uma mulher em um mundo ainda muito masculino: o Vaticano, que ainda estava a digerir a famosa madre Pascalina Lehnert, o braço direito do Papa, a primeira mulher a morar no Vaticano, sem falar que, além de não ser  uma típica  “católica praticante”, nos moldes da época, chocada com o que vira, ela divulgará, com discrição, mas sem meias palavras, as barbaridades cometidas no início das escavações, que comprometiam a equipe original.
Entretanto é preciso reconhecer que o comportamento da professora, ao longo do período que ela esteve à frente dos trabalhos, foi absolutamente profissional e científico, em contraste com a de seus êmulos, em especial o Padre Antonio Ferrua, que se apropriará indevidamente de uma peça importantíssima das escavações, e que, até o final de seus dias, negará o valor das conclusões da sua chefa – para o padre Ferrua, morto em 2003, com 103 anos, os ossos encontrados nas escavações, nenhum deles, são de Pedro. No entanto, os Papas Pio XII e Paulo VI acatarão rigorosamente as conclusões da professora Guarducci e reconhecerão, no final, o seu papel fundamental para o sucesso da empreitada. Ela será a porta-voz oficial das escavações.
(3) Esse estranho episódio veio a luz em 1953, relatado pela professora Marguerita Guarducci, que, perplexa com a quantidade de grafites, quase todos referentes a Pedro, numa área das escavações, resolveu investigar mais a fundo se realmente nada fora encontrado na cripta abaixo deles, o local da tumba. Foi aí que ela entrou em contato com o funcionário responsável pela manutenção da Basílica, Giovanni Segoni, o braço direito do Monsenhor Kaas. Segoni contou que, certa vez, como costumavam fazer todos os dias, à noite, ele e o Monsenhor Kaas foram examinar o resultado das escavações, e encontraram uma pilha de pedras e ossos misturados no local da tumba, e que o Monsenhor, angustiado pela possibilidade de se estar profanando sepulturas alheias, mandou recolher e classificar todos os ossos que estivessem no meio daquela pilha de entulhos, guardando-os adequadamente, julgando, inclusive, que fossem de várias pessoas. Os ossos foram então guardados nos armazéns das Oficinas de São Pedro, nas grutas do Vaticano. Segoni foi então com Guarducci até o armazém, e mostrou a caixa com os ossos. Estava tudo como ele havia dito. Foram esses ossos, ao todo uns 135, de diversos tamanhos, que Venerando Correnti, analisando, concluiu serem de um homem só, que reunia as características mais prováveis de Pedro – apenas um osso craniano não batia com o conjunto.
(4) O famoso crítico de arte italiano Frederico Zeri, que se identifica como um “não crente” escreveu: “o que mais me persuadiu de que os ossos encontrados naquele nicho são os que a tradição atribuía a Pedro, ou melhor, que na época de Constantino eram considerados ossos de Pedro, é o fato de que estavam envoltos naquele tecido... isto é, um tecido púrpura (tingido com uma concha que vinha da costa da Síria, na costa libanesa) costurado com fios de ouro. Um tecido deste gênero estava reservado exclusivamente à autoridade mais sagrada do império, isto é, ao imperador... só o augusto tinha esse atributo [o uso exclusivo] da púrpura e do ouro. Não existe em absoluto outra possibilidade: o próprio imperador deve tê-los envolvido naquele tecido precioso, que era o símbolo de sua autoridade e, inclusive, de sua vontade” (traduzido do espanhol de http://www.conoze.com/doc.php?doc=1506). Noutras palavras: ou os ossos são de Pedro ou do mais excêntrico imperador romano que se tem notícia, ainda não descoberto...
(5) Na mesma linha seguem aqueles que fizeram, e ainda fazem estardalhaço por causa da descoberta de alguns ossuários, por frades franciscanos, em 1953, numa caverna no Monte das Oliveiras, em Jerusalém, próximos à igreja Dominus Flevit, “o Senhor que chora”, no mesmo local onde, segundo uma tradição do tempo das cruzadas, Jesus chorou após ter uma vista geral de Jerusalém (Lc 19,41-44). No Monte das Oliveiras também, todos lembram, Jesus viveu seu momento mais angustiante, antes de morrer, seus discípulos o mais vergonhoso e foi lá que o prenderam. Naquele ano os franciscanos levantavam um muro para marcar a área de ocupação da futura igreja de Dominus Flevit, planejada e erguida entre 1953 e 1955, próximo às ruínas do tempo dos cruzados, quando deram com um cemitério muito antigo – os achados datavam do tempo dos cananeus até a ocupação bizantina – sem qualquer vestígio na tradição cristã, anterior às cruzadas, ligada aos apóstolos. Vários ossuários foram achados e em um deles pode se ler: “Shimon Bar Yonah” ou Simão filho de Jonas. Para alguns, então, as escavações do Vaticano eram falsas, e como foram encontradas evidências de ser um cemitério cristão, além dos ossuários de uma Marta e uma Maria, a conclusão foi imediata: Pedro fora sepultado junto com as irmãs de Lázaro! Mas há problemas; e que problemas!
a) Só havia um Simão Bar Jonas na Palestina daquela época?
b) Por que Pedro iria querer ser sepultado em um lugar de tão péssimas recordações? Se o sepultamento foi feito por cristãos a revelia das memórias de Pedro, então eles não podiam ter imaginado uma punição pior para o seu querido Apóstolo.
c) Se Pedro está sepultado ali, por que o local nunca foi lugar de culto?
d) Que relação há ou poderia ser encontrada, em qualquer lugar que seja, entre Pedro e as irmãs de Lázaro e entre estas e Jerusalém?
e) Por que os ossuários ficariam todos misturados, como se todos fossem do mesmo nível ou tivessem a mesma importância dentro da comunidade cristã, quando é exatamente isso que não se vê nem nos Evangelhos nem nos Atos dos Apóstolos.
O professor Stephen Pfann, da Universidade da Terra Santa, num estudo muito erudito, mostra que as inscrições devem ser lidas antes como “Shimon Barzillai”, membro dos Barzillai, uma poderosa e conhecida família judia da Palestina. O estudo do professor Pfann pode ser visto em http://www.uhl.ac/en/projects/talpiot-tomb/shimon-barzillai/
(6) Numa página do site do Vaticano lê-se que São Paulo foi decapitado “fora das muralhas aurelianas, na Via Ostiense, sem dúvida alguma em Aquas Salvias”; que “as escavações confirmaram a presença de um cemitério debaixo da Basílica e ao seu entorno, composto de nichos e fossas para pobres, escravos e libertos”; que “o presbítero Gaios, “que vivia no tempo de Zeferino, bispo dos romanos de 199 a 217”, foi o primeiro que disse ter visto a memória [os monumentos] dos dois apóstolos”; que “o orifício redondo, que não altera a inscrição, é sem dúvida nenhuma contemporâneo [ao período do sepultamento de Constantino], trata-se de um pequeno conduto unido à sepultura e recorda um costume romano, e depois também cristão, de verter perfumes nas tumbas. Esta lápide dos séculos IV/V testifica um culto anterior à grande construção de 386 [feita por Teodósio e outros imperadores]”    http://www.vatican.va/various/basiliche/san_paolo/sp/basilica/tomba.htm  

Bibliografia
Bíblia de Jerusalém; 3ª impressão; Paulus; São Paulo; 2004
Bloch, Raymond e Cousin, Jean; Roma e o seu destino; trad Ma. Antonieta M Godinho; Cosmos; Lisboa-Rio de Janeiro; 1964
Cornell, Tim e Matthews, John; Roma legado de um império; col. Grandes Impérios e Civilizações; trad Maria Emilia Vidigal; Del Prado; 2 vol; Madrid, 1996;
Diacov, V. e Covalev, S.; História da Antiguidade – Roma; trad João Cunha Andrade; Fulgor; São Paulo; 1965
Giordani, Mario Curtis; Antiguidade Clássica II – História de Roma; 9ª edição; Vozes; Petrópolis; 1987.
Jedin, Hubert (org); Manual de Historia de la Iglesia – e la Iglesia primitiva a los comienzos de la gran Iglesia - tomo primero; versión castellana Daniel Ruiz Bueno; Herder; Barcelona 1966; (online)
McKenzie, John L.; Dicionário bíblico; trad. Álvaro Cunha e outros; 8ª edição; Paulus; São Paulo; 2003.
Mora, Jose Ferrater; Diccionario de Filosofia; Sudamericana; Buenos Aires (online)
Reale, GiovanniAntiseri, Dario; História da Filosofia – Patrística e Escolástica; trad. Ivo Torniolo; 4ª edição; Paulus; vol 2; São Paulo; 2009
Sobre a tumba de Pedro recomendo as seguintes páginas em espanhol, francês, inglês e italiano.
http://www.conoze.com/doc.php?doc=1506
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/fr/audiences/1968/documents/hf_p-vi_aud_19680626.html
https://web.archive.org/web/20041127084958/http://www.amaldi2000.it/Giribaldi/itomba_di_pietro.htm
http://www.conocereisdeverdad.org/website/index.php?id=4969
http://stpetersbasilica.info/Necropolis/MG/TheTombofStPeter-1.htm
http://infocatolica.com/blog/razones.php/1008071230-san-pedro-en-el-vaticano-las

http://kaire.wikidot.com/san-pedro-en-vaticano-las-pruebas-indiscutibles

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