sexta-feira, 31 de março de 2017

LAURO OLIVEIRA LIMA E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO-2

Prof Eduardo Simões

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Um novo mundo começa a surgir
__ “A repugnância à ociosidade e ao parasitismo [um conceito ambíguo não desprovido de preconceito, que precisa ser historicamente condicionado, de acordo com os valores das sociedades de cada época] “profissionalizou” todas as atividades, até a dos artistas que hoje se engajam na arquitetura, no desenho industrial...Ser profissional tronou-se sinônimo de ser cidadão. O trabalho manual praticamente desapareceu, face à mecanização, à automatização e à automação. Muitas atividades intelectuais “programáveis” foram cibernetizadas [nós dizemos “informatizadas”]. Pode-se dizer que a profissão como estereotipia e automatização tende a desaparecer diante da eletrônica, da automação e da cibernética [ou seja, as ações repetitivas por parte do profissional, como na antiga linha de produção]... Um engenheiro e um agrônomo são profissionais no sentido ‘estrito’ da palavra, mas não se pode dizer o mesmo de um físico ou de um biólogo, que não trabalham com a ‘técnica’, e sim com a própria ‘ciência’”. Vejam a perspicácia e a candência dessa última questão que, junto com outros inumeráveis paradoxos psicopedagógicos, além das questões político-sociais, precisa estar claramente definida, equacionada, antes de se começar a tirar projetos de reforma da educação, seja da cartola de um mágico seja do bolso de um deputado.


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By George Morland - 7gE4r4YXPUkbOg at Google Cultural Institute maximum zoom level, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=22009222
Escola secundária x escola profissionalizante; alguém tem que servir ao piquenique.

__ A seguir Lauro chama a atenção para uma consequência importante das reformas que se seguiram à Revolução Francesa (acima). “Aparece a necessidade (com a extinção das corporações de ofício medievais...) de se sistematizar a formação da mão-de-obra [rompendo com o antigo modelo de escola herdada dos gregos... a escola suméria, que aparece na ilustração do artigo anterior, é mais profissionalizante, sem deixar de ser elitista e intelectualista]. Criam-se assim escolas profissionais, que se situam justamente entre a escola primária e a escola superior (no período da adolescência), paralelamente á escola secundária. Isto gerou o problema que até hoje perdura, de distinguir ou unificar a “educação desinteressada” e a educação “vocacional”. A escola secundária é filha das escolas (“colégios”, na Inglaterra...) onde recebiam educação (em geral lições de etiqueta) os rebentos da aristocracia, posteriormente invadidas pelos filhos da classe burguesa... Ao seu lado foram surgindo as escolas profissionais, que visavam outro tipo de “etiqueta”, isto que hoje chamam de ‘know how’, ‘savoir faire’ ou ‘habilidades manuais’, práticas ensinadas aos que se destinavam a energizar o sistema de produção” (ilustração acima). Com fina ironia, Lauro desmascara o caráter de classe da escola secundária nascente, colocando mais uma vez o dedo na ferida: como implementar uma reforma educacional sem definir seriamente, em detalhes, a que tipo de sociedade essa escola vai servir. Bastarão as declarações pomposas, aduladoras, de políticos populistas, que nos demonstram, escândalo após escândalo, o quão indignos são de confiança?

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Alguém tem que lavar a roupa, o que não requer uma maior preparação técnica ou intelectual. A máquina de lavar acabará com isso (belíssima ilustração de Robert Morland).

__ Até um determinado momento histórico não havia nenhum estresse envolvendo seja e educação básica seja a superior, até o alvorecer da Revolução Industrial e a ascensão da burguesia. Um problema sério, surge então, “quando se tem de decidir o destino social do jovem. Um problema de caráter socioeconômico – o das classes ociosas frente às classes trabalhadoras – transforma-se de repente num problema educacional. Mas os educadores (geralmente idealistas, sem visão sociológica) supõem... estar salvando (com a defesa da escola “desinteressada”) o humanismo, confundido por eles como artes liberais e belas artes. De fato estão justificando uma odiosa discriminação de classe. Só hoje o trabalho foi incorporado ao conceito de “hominização”... Foi preciso que a ciência desmanualizasse progressivamente o trabalho [ilustação acima], para que se superasse a antinomia entre prático e intelectual [sem resolver, infelizmente, o problema da pobreza e da desigualdade social, como se imaginava naquela época, outro tipo de “idealismo”]. Muito contribuiu ...a profissionalização das carreiras liberais... Todo trabalho é hoje uma profissão, toda profissão é mais ou menos intelectual e todo indivíduo pode apreciar e criar arte. Não se justifica, portanto, dois tipos de escola, mesmo porque a ‘democracia pretende abrir oportunidades iguais para todos, independentemente da classe social’
__ Vamos lá! Nenhuma reforma educacional pode começar sem uma sólida concepção de sociedade e de evolução social desejada, claramente colocada e assentida pela maioria. Sem isso a reforma não passa de um remendo, um tapa-buraco, feito para satisfazer no curto prazo certas demandas sociais mal alinhavadas e pouco esclarecidas, embora possa dar munição para a propaganda do senhor político na próxima eleição. A exaltação do trabalho, e a colocação de todo trabalho no mesmo nível de “dignidade” e “honraria”, era revolucionário na época e ainda o é na cabeça de muito mais gente, em nosso país, do que nós imaginamos. A ideia de igualdade, como um valor intrinsecamente democrático é mais revolucionário ainda, agora pregar, como consequência disso, uma só escola para todos – como o fazem as maiores autoridades em educação no Ocidente, e quiçá no mundo: os finlandeses – o é ainda mais.  A questão da escola técnica, profissionalizante, será aprofundada mais adiante.

O aparecimento da burguesia
__ “A ascensão da burguesia e a Revolução Industrial implicam em:
a) manutenção de uma escola média “desinteressada”, que “aristocratize” a burguesia sem ‘pedigree’...
b) a manutenção de uma escola média “profissional” [ou técnica] que forme a capatazia do sistema de produção tendente à industrialização
c) profissionalização da escola superior (agronomia, arquitetura...) que capacite a burguesia a assumir o comando do sistema de produção, agora altamente complexificado... Até então a universidade [criada no âmbito de sociedades dirigidas por uma aristocracia, na Baixa Idade Média] era também “desinteressada””
__ “Criam-se, pois, duas formas de ‘trabalho’: uma, ‘inferior’ que vai da mão-de-obra qualificada até o limiar das profissões de nível superior (perito, técnico, especialista, etc.) e outra ‘superior’ continuação histórica das artes liberais”. Ou seja, o sistema educacional se organiza de acordo com os valores, resistências e/ou preconceitos sociais, historicamente definidos, da classe ascendente, que anseia em ver a expansão de seus valores culturais (culto ao trabalho e ao capital) sem abrir mão do que já têm ou pretende conquistar em termos de patrimônio ou propriedade.
__ “A escola-lazer (histórica)... passa a ter duas outras funções
a) formação da mão-de-obra de nível técnico (a capatazia) visto que a mão-de-obra de baixo nível ainda não foi escolarizada...
b) instrumento de manutenção do controle do sistema de produção mediante formatura em ensino superior. Nos países subdesenvolvidos, o fato de inúmeros “doutores” não exercerem a profissão correspondente à sua “especialidade” (médico dirigir banco, engenheiro administrar empresa...) mostra que o ensino superior nessas zonas socioeconômicas ainda tem muito de caráter simbólico...)

A burguesia ascendente e a questão educacional

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Par Edgar Degas — The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN 3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH., Domaine public, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=150053

__ “O desaparecimento das classes ociosas e a ascensão da burguesia ao comando do sistema de produção não implicou ... na unificação do sistema educacional...
a) ao nível elementar temos uma escola primária curta de transição para as classes elevadas [que seguiriam para o ginasial] e outra longa, terminal, destinada às classes mais humildes”. Aqueles que formarão o estrato mais baixo do sistema, o operariado não especializado, que vive de bicos, por não estar preparado para uma função técnica: o lumpemproletariado. O conceito de terminalidade, no sistema escolar brasileiro, veio para tentar contornar um fenômeno tão grave quanto típico no nosso sistema escolar até hoje: a evasão, em geral provocada por razões econômicas, reforçando, ainda hoje, a colocação do professor Lauro! Em 2014 apenas 74% dos alunos que ingressaram na educação Fundamental terminaram o curso, enquanto os que ingressaram no ensino médio foram apenas 57%
“b) ao nível médio temos a escola secundária (de transição) privilégio reservado à classe média em ascensão, e a vocacional (profissional), destinada à formação do escalão médio do sistema de produção”. Ou seja, os garotos da baixa classe média ou alta classe baixa, que já não alimentam o sonho, comum entre a classe média, de um dia se tornar classe alta. Embora hoje o Ensino Médio, antigo secundário, esteja à disposição de todos, a peneira social continua... ‘peneirando’, a revelia da lei e das belas intenções dos ‘quixotes’ de plantão, e os jovens das classes mais pobres abandonam em massa o Médio, se não o fazem já no Fundamental, para irem trabalhar, talvez numa boca de fumo, e/ou cuidar do filho precoce, o que torna o texto de Lauro atualíssimo. Nosso maior problema educacional chama-se “realidade”.
c) o nível superior, apesar de visar à formação dos quadros dirigentes... divide-se em carreiras privilegiadas [as mais procuradas] – como a advocacia, a medicina e a engenharia – para as classes mais abastadas, e carreiras destinadas às pessoas de menores recursos, como dentista, enfermeira e economista”. O sistema não perde uma oportunidade de marcar a discriminação social. Se é verdade que odontologia e economia não são mais carreiras para as classes mais humildes, também é verdade que a pedagogia e as licenciaturas exercem uma atração incomum em pessoas dessas classes – o que dá ao governo a esperança de no curtíssimo prazo não haver um blecaute na educação brasileira por falta de professor, enquanto o blecaute das verbas destinadas às bolsas universitárias lançam no vazio milhares de jovens pobres, que acreditaram que poderiam, enfim, romper as correntes que os amarram à base da pirâmide social  – o que nos faz desconfiar que o fator social (= renda), e não o vestibular, é a principal peneira à entrada de um jovem numa universidade brasileira.

A ‘bendita” meritocracia

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__ “Fala-se hoje… em ‘meritocracia’ para significar que a tecnocracia não respeita o “status” socioeconômico dos indivíduos, mas apenas seus méritos [era o discurso, por exemplo, de militares, políticos e empresários ligados ao regime militar]. J. Galbraith [economista ‘pop’ americano]... chega a afirmar que a tecnocracia é a nova classe (dirigente), que na macroempresa moderna, supera a dominação até aqui exercida pelo dono do capital... imune aos privilégios decorrentes da estratificação social. Acontece, porém, que o mérito aparece... dentro de um círculo vicioso: crianças provenientes de núcleos socioeconomicamente bem dotados levam vantagem inicial [acesso a instrumentos e técnicas de aprendizagem mais modernos e sofisticados] que não poder ser posteriormente compensada. A meritocracia baseia-se num pressuposto (inatismo) que a psicologia e a sociologia demonstraram não ser verdadeiro: o ‘germe’ [a semente] não contém a árvore; a árvore é fruto da interação do germe com o meio; o mérito também não é inato, é função das estruturas genéticas ao relacionarem-se com o meio. Em síntese: o meio (a classe, o status, etc.) é que “realizam” o mérito...” Bem no alvo! Eis um exemplo típico e muito inteligente de unir a complexa teoria de Piaget, com a praticidade de uma análise político-sociológica destinada ao grande público, desmascarando ou esclarecendo um discurso politicamente correto, mas realisticamente equivocado.
__ Assim fica claro, para quem não é especialista em educação, segundo Lauro, que o único caminho para o paraíso da sociedade capitalista é por meio da escola secundária, e, por ela, chegar a universidade, onde se tem, afinal, acesso às carreiras mais rentáveis e o reconhecimento social, ficando a escola profissionalizante para a formação da capatazia, “marcando o indivíduo, socialmente, para estrato inferior da sociedade”. Tentou-se, na Lei 5692, usar de artimanha semântica e legal para encobrir esse fato na chamada “lei das equivalências”, onde o período gasto num curso profissionalizante seria considerado equivalente a um mesmo período do 2º Grau, o Ensino Médio da época, antigo secundário secundária, além de chamar de ““ginásio” e “colégio” às escolas profissionais” – mudamos de nomenclatura na educação como trocamos de moeda e de constituição, até parece que nenhuma delas tem valor para nós.
__ Mas essas variações semânticas não iludem... As classes inferiores sabem que a estrada real para a universidade... é a escola secundária. O fato de a lei permitir o acesso à universidade à partir das escolas técnicas não modifica fundamentalmente a situação... Quando, por exemplo, a seleção do sistema escolar se torna insuficiente para as aspirações do sistema social (invasão indiscriminada da escola secundária = ascensão da massa), aparecem outros recursos, como os chamados ‘cursinhos’... por meio dos quais se processo novo tipo de triagem econômica: o cursinho exige não só a disponibilidade do tempo, mas também recurso financeiro, que implica numa seleção que nada tem de intelectual, tornando anedótica a meritocracia... Assim as estruturas sociais mostram ter mais peso na decisão [dos estudantes] do que as românticas intenções legais (equivalência e variações semânticas). O cursinho – reservado aos que têm poder econômico – anula todos os esforços legais de hipotética homogeneização das oportunidades. O rigor dos exames [vestibulares] – que aparece aos olhos dos idealistas como a solução meritocrática – implica simplesmente numa discriminação socioeconômica”. Ainda mais porque a matéria, que normalmente faz parte dos exames vestibulares, é retirada exclusivamente do conteúdo constante do currículo das escolas secundárias não profissionalizantes ou técnicas, com evidente prejuízo para os que frequentam a estas, sem falar, como foi dito acima, do peso dos cursinhos. É um verdadeiro massacre!

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A solução clássica e mais fácil para a eterna crise educacional brasileira: repressão policial, ou sob outras formas mais sutis. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

O QUE A FINLÂNDIA EXPLICA DO FRACASSO ESCOLAR BRASILEIRO

Prof Eduardo Simões

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__ Não é a cultura, como muitos dizem, e que, decerto, é bem diferente, que nos afasta dos finlandeses na construção de uma escola compreensiva de qualidade para todos, mas a atitude diante das dificuldades e oposições, que até pode ter matizes culturais específicos, mas que não são de modo algum intransponíveis.
__ Como vemos na história e no livro Lições finlandesas 2.0, de Pasi Sahlberg, a guerra da independência da Finlândia, contra a União Soviética nascente, foi particularmente sangrenta – foi comum o fuzilamento indiscriminado dos prisioneiros de ideologia oposta – e deu ensejo a que entrasse em aliança com a Alemanha nazista, quando perdeu miseravelmente a 2ª Guerra Mundial, para a mesma União Soviética. Uma das condições do Armistício de Moscou, de setembro de 1944, foi a legalização do Partido Comunista, intimamente ligado a Moscou, além da perda de territórios e a expulsão de centenas de milhares de finlandeses dos territórios recém-tomados pelos soviéticos.
__ É claro que nessas condições, boa parte dos finlandeses devia olhar para o Partido Comunista com muito ressentimento, como um agente do opressor histórico infiltrado no país. O PCF, agindo com prudência, uniu-se a outros grupamentos da esquerda não comunistas, criou a Frente Democrática Popular Finlandesa, em 1944, e logo se tornou uma das principais forças políticas do país, até 1979, recebendo sempre generosas subvenções dos soviéticos. Muitos finlandeses se sentiam como que feitos de gato e sapato por aqueles. Mas havia uma questão premente a ser respondida por quem queria melhorar a educação do país. “O que vale mais neste momento: nossas tristes memórias, nossas crenças ideológicas, nossas mágoas pessoais, ou o bem das crianças e com elas um futuro melhor, que nos liberte das marcas desse passado?”

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O conservador Urho Kekkonen, de terno claro, abraça o chefão da URSS, Leonid Brejnev, todo frajola na foto. Kekkonen era tido em tal consideração, que nos altos escalões da União Soviética e do PCUS, era tratado como “nosso amigo finlandês”.

__ Abandonados pelo Ocidente e cientes de que não podiam mover indefinidamente guerra contra seu poderoso vizinho, os finlandeses optaram por uma atitude realista e uma convivência pacífica e respeitosa com a URSS. A capacidade dos políticos desse país de manter uma relação de equilíbrio e neutralidade não oportunista entre os países do Pacto de Varsóvia e os ocidentais capitalistas é um feito diplomático memorável. Os dois lados sempre mantiveram as mais cordiais ligações com a Finlândia, enquanto as tentativas de dirigi-la por meio de infiltração ou ajuda externa explícita, como no caso dos soviéticos, não conseguiu desviar esse povo e sua elite da rota neutral assumida, mostrando que ser flexível não significa se render nem se acovardar.
__ O resultado disso foi que na hora de se construir a maravilhosa escola compreensiva finlandesa, seus idealizadores tiveram que lidar com correntes políticas tão poderosas, em termos de representação parlamentar, quanto antagônicas, em termos ideológicos, com um grande rol de mágoas e cicatrizes históricas ainda expostas, unidas em torno da Frente Democrática Popular Finlandesa e da União Agrária. Manobrando com cautela, buscando pontos de convergência, mas sem esquecer de mobilizar entidades sindicais e a população em geral, os idealizadores da peruskoulu conseguiram uma adesão sincera dos dois lados ao projeto, o que permitiu a sua manutenção, integridade e ampliação, fosse no governo da Frente fosse no da Liga – de um modo geral a mentalidade do projeto, muito igualitarista, se aproximava da ideologia da Frente, enquanto suas ligações com às concepções liberais-federalistas da Liga, também eram evidentes, o que fez com que o mais importante líder conservador da Finlândia, Urho Kekkonen, se tornasse o principal fautor da escola nascente (acima).

A síndrome do quixote

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Vejam as salas de aula sem paredes da Escola Parque de Anísio Teixeira! O Brasil já teve disso sim! Já estivemos entre os mais avançados sistemas escolares do mundo!

__ É aqui, portanto, a meu ver, que mora a diferença fundamental. Se analisarmos a caminhada dos principais luminares de nossa educação, nos efervescentes anos de 1950 e 1960, veremos duas situações típicas. Os quixotes solitários, como, por exemplo, Lauro Oliveira Lima, Maria Nilde Mascelani, Anísio Teixeira, eram secundados por quixote de um só sancho pança, o da esquerda, como Darcy Ribeiro e Paulo Freire, que jogaram todas as suas fichas em uma única corrente política, a pretexto de fidelidade e coerência, quando o que estava em jogo não era a sua coerência pessoal, da qual ninguém, a não ser por malícia, jamais poderia duvidar, mas o futuro da educação, ou melhor dizendo, da nação brasileira. Será que este objetivo valeria a pena o sacrifico de negociar com o oposto ideológico?
__ Eram pessoas íntegras, raras, e profissionais brilhantes; alguns, gênios! Mas um tanto fechados na sua crença pedagógica e talvez pouco afeitos a negociar com gente intelectualmente estreita, na sua opinião, mesmo que poderosa. Era como se dissessem: “não tenho tempo para lhes convencer”. Mas convenhamos: isso era realista? Daria para fazer uma reforma do porte que se sonhava para educação do Brasil, sem fazer um grande e contínuo processo de cooptação dos políticos? Sem eles como a reforma se tornaria lei? Era, ou é, realista esperar que bastaria o povo nas ruas para fazer os políticos mudarem de ideia a cerca de um assunto ou outro? Estamos descobrindo que a capacidade de nossos políticos em resistir ao apelo das ruas é maior que imaginávamos. Uma coisa é certa: não faltava nos bons projetos.
__ Ninguém se preocupou em construir pontes com as diversas alternativas políticas representadas no Congresso Nacional e na sociedade, e mesmo quando se dirigiam aos sindicatos e organizações, o faziam exclusivamente para os de uma única categoria sem pensar na que lhe fazia oposição. Se iam aos operários não buscavam os patrões e vice-versa. Para um projeto da envergadura da educação nacional isso foi um erro capital.

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__ Em 1964, quando desabou a repressão e a maré mudou de lado, eles estavam sozinhos e seus maravilhosos projetos educacionais desmoronaram como castelos de cartas. Faltou alguém para fazer a ligação com os diversos grupos de interessados, professores, pais, alunos, políticos, burocratas, etc. numa tarefa de convencimento, procurando pegar de cada uma dessas correntes ou grupo de interesse algo que pudesse ser acrescentado ao projeto, e que naquele momento pudesse torná-lo palatável ao maior número de pessoas possível, preservando-o da tempestade que se avizinhava. Onde não encontrou resistência considerável, os tentáculos da ditadura não pouparam nem a pessoa desses educadores, como aconteceu com o massacre de Anísio Teixeira.
__ Disso nos fica uma lição básica: quanto mais revolucionário for o projeto educacional, mais deve o seu autor se desdobrar, ou nomear alguém para isso, em conquistar o maior número de apoios possíveis, ainda mais num país como o Brasil, onde a diversidade de cultura e opinião é enorme, transitando da esquerda para o direita, dos patrões aos operários, tendo sempre em mente que o objetivo final de um projeto educacional é, no curto prazo, jovens e crianças, mas no longo são o futuro, a nação, algo muito maior que as diferenças ideológicas atuais e mágoas que colecionamos ao conviver com gente que não pensa com nós. É preciso ter humildade, paciência, muita diplomacia, e escolher bem os apoios que desejamos obter para a nossa causa – não ir atrás de corruptos de modo algum ou de fundamentalistas, enquanto estes não mostrarem disposição de sair do monólogo para o diálogo.
__ Não pensem que exagero ou distorço, pois conversei com muita gente dessa geração ou escutei suas palestras (Darcy, Paulo Freire, Lauro), e invariavelmente eles, ou alguém, os ligavam ao Quixote de Cervantes, com uma conotação sempre elogiosa. Mas há uma correção por ser feita: o quixotismo, a revelia de méritos ou intenções, é a recusa ao diálogo com a realidade, seja pela loucura, pelo excesso de ingenuidade ou pela autossuficiência. Quixotesca é a atitude daqueles jovens escoteiros que, querendo praticar a sua boa ação do dia, levavam uma velhinha a atravessar a rua, indiferentes aos seus reclamos: “MAS EU NÃO QUERO ATRAVESSAR!” Talvez não seja adequado eles esperarem agradecimento quando aquilo, enfim, terminar. O quixotismo é o simétrico perfeito do coronelismo ou do mandonismo brasileiro, tão simetricamente perfeito, que se confunde com ele....
__ Em direção diferente seguiram os finlandeses, e seus vizinhos do extremo norte, negociando exaustivamente com os grupos envolvidos as reformas, deixando de lado os desastres do passado, que por diversas vezes quase os levaram à sua completa destruição física ou cultural, e transformaram, por meio da educação, uma das regiões mais inóspitas do planeta em um manancial de felicidade para o planeta. A Finlândia é o 5º país mais feliz do planeta, segundo relatório anual da ONU; o Brasil ficou em 22º - só se for para os brasileiros muito ricos...
__ A minha geração cresceu imaginando que o paraíso ficava nos trópicos, e que Deus era brasileiro, tão gostoso era morar aqui, junto com pelas belas garotas, praias maravilhosas, uma música de uma sonoridade ímpar, a alegria espontânea de nosso povo, uma natureza maravilhosa, etc., e hoje somos obrigados a constatar que o paraíso se deslocou para uma região que não tem um décimo do potencial da nossa, para os desertos gelados do extremo norte, que, inclusive, atraem brasileiros, como Cristina Miranda-Christensen, que vive, sozinha, na Noruega, e se “derrete” em elogios aos noruegueses, no site do UOL: “aqui me sinto livre e segura... não existe discriminação, todos são iguais... o brasileiro, hoje em dia, não sabe a diferença entre o que é certo e o que é errado”. Sabem o que é que determina isso? A educação. É a educação que transforma a Escandinávia, que tem tudo para ser um purgatório, em um paraíso, e é a falta dela que nos transforma de um país que tem tudo para ser um paraíso em um purgatório sem fim.

__ A educação é um caminho que precisa ser trilhado a partir de suas margens; uma é a humildade e a outra a paciência...  

sexta-feira, 24 de março de 2017

MERCENÁRIOS CELTAS

Prof Eduardo Simões

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No século III a.C. os governantes do Egito, a dinastia macedônica dos ptolomeus, fizeram vir ao país alguns mercenários celtas, com os quais gregos e macedônios conviviam há muito tempo, para combater, principalmente, o expansionismo agressivo dos selêucidas da Síria. A ilustração di ilustrador inglês Angus Mcbride rememora esse acontecimento, mascando bem a diferença do biótipo de cada raça: os celtas grandes, brancos e alourados, enquanto os egípcios eram negroides, de estatura relativamente baixa.  

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(idem)


Nessa ilustração de McBride, o mercenário celta, talvez proveniente das regiões mais ao norte da Europa, pena com o calor do Mediterrâneo, enquanto ganha sua vida como soldado a serviço de Cartago. Entretanto, quando ele entrar em ação contra as legiões romanas, certamente sentirá muito mais calor!

quinta-feira, 23 de março de 2017

GINÁSIO VOCACIONAL: UMA EXCELENTE ESCOLA COMPREENSIVA BRASILEIRA

Texto copiado de http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/54/
aprender-a-aprender

http://www.pucsp.br/cedic/memoria_educacao/root/galerias/memorias/redimensionadas/0140001.jpg
http://www.pucsp.br/

Aprender a aprender
Os ginásios vocacionais, criados no início da década de 1960 no estado de São Paulo, foram uma experiência de escola pública tão bem-sucedida que irritou até o regime militar

por Xandra Stefanel, Revista do Brasil publicado , última modificação 21/12/2010 17h25

Jornais da época anunciavam a instalação em caráter experimental de uma escola ginasial pública com características bem diferentes das tradicionais. Atraídos pelo anúncio, os pais de Claudia Alencar, hoje atriz da TV Record, pintora e escritora, a matricularam, mas não sabiam que ela estrearia uma nova pedagogia. Um ano antes de suas aulas começarem, em 1961, foi criado por decreto, em São Paulo, o Serviço do Ensino Vocacional (SEV), subordinado ao gabinete do secretário estadual de Educação, Luciano Vasconcellos de Carvalho, que coordenava as unidades dos novatos ginásios vocacionais.
Numa viagem pela Europa, Carvalho descobriu os métodos de Sèvres (francês) e da Escola Compreensiva inglesa, segundo os quais a formação deveria incentivar a participação ativa e consciente dos alunos numa sociedade democrática. Assim que voltou, o secretário formou uma comissão de educadores e especialistas do ensino secundário e industrial para desenvolver uma escola que atendesse ao que considerava os novos apelos da sociedade. O que ele não sabia é que na cidade de Socorro, no interior do estado, Maria Nilde Mascelani e Olga Bechara já estavam à frente de um projeto chamado Classes Experimentais, bem próximo dos moldes de Sèvres. Assim nasceu o SEV, que não era nem escola ginasial – correspondente às quatro últimas séries do ensino fundamental de hoje – nem industrial, mas um ambiente de descoberta que dava ferramentas para os alunos conhecerem as áreas que poderiam escolher no futuro.
Claudia Alencar, admitida na unidade do bairro paulistano do Brooklin, ajudou, com outros alunos, a preparar a escola para o início das aulas. “O prédio não estava pronto. A gente envernizou as carteiras, limpou tudo, foi muito divertido. Lá fazíamos e aprendíamos coisas que não se viam em nenhum lugar”, afirma a atriz.
Olga Bechara participou de todo o processo de implementação das escolas, foi supervisora de orientação pedagógica e professora. “O que é vocação para uma criança de 12 anos? O que fazíamos era explorar suas aptidões – hoje chamadas de competências – e seus interesses. Para isso, oferecíamos vários campos para eles conhecerem.”
Esméria Rovai, então professora de recursos audiovisuais, explica que a proposta surgiu em um momento histórico em que era revista a concepção de ciências sociais. “Estava surgindo uma nova antropologia, com a visão de um homem que sofria a influência de seu meio e devia tornar-se consciente e engajado. Nisso se baseavam os ginásios vocacionais.”

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Diversidade
Antes de inaugurar as escolas, a coordenação do SEV fazia uma profunda pesquisa na comunidade para descobrir o perfil da região, os tipos de comércio e empresa, as classes sociais dos moradores, entre outras características. O resultado subsidiava o processo de seleção e eram promovidas entrevistas com pais e filhos interessados. As unidades da capital e do município de Batatais foram inauguradas em 1962, no ano seguinte vieram as de Rio Claro e Barretos e, por fim, em 1968, entrou em funcionamento a de São Caetano do Sul.
O ex-aluno Luiz Carlos Marques afirma que a pesquisa na comunidade fazia com que houvesse heterogeneidade entre os selecionados. “Eu estudava na unidade do Brooklin. Se lá 10% dos moradores fossem da classe A, 50% da classe B e 40% da C, por exemplo, essa seria a composição das turmas. Na época a gente nem sabia disso”, lembra Luigy, como é conhecido o atual presidente da GVive, Associação dos Ex-Alunos e Amigos do Vocacional.
Outra inovação foi o conteúdo curricular, também desenvolvido de acordo com as características locais. As disciplinas eram estudadas a partir de um tema central (geralmente na área dos estudos sociais), decidido em uma espécie de assembleia de professores e alunos. Havia aulas de estudos sociais – uma mistura de geografia, história e sociologia –, português, matemática, ciências, inglês, francês, além das matérias técnicas, como artes industriais, práticas comerciais, práticas agrícolas (em algumas unidades), artes plásticas, educação doméstica, educação musical, educação física, teatro, orientação religiosa ecumênica e sexual.
“Se o tema era Olimpíada, em matemática tirávamos as medidas de quadras, em português pesquisávamos textos sobre o assunto, nas artes plásticas desenhávamos os temas, em educação musical, pesquisávamos e tocávamos os hinos. Era um processo cíclico. Todas as disciplinas dialogavam e se complementavam”, recorda Luigy. No primeiro ano do Ginásio Vocacional estudava-se o bairro, depois, passava-se para as cidades próximas, o estado, o país, e no quarto ano ampliavam para temas relacionados com o resto do mundo.
O astro do programa era o que chamavam de estudos do meio, em que os grupos saíam das escolas para conhecer a realidade da cidade, viajavam para os municípios vizinhos e para outros estados. “Teve uma turma que chegou a ir para a Bolívia!”, diz Luigy. Eles visitavam os comércios, indústrias, iam para fazendas aprender de perto noções de agricultura e pecuária. O aprendizado era complementado pelas atividades na cooperativa, no banco, no escritório contábil e no governo estudantil.
Podia até parecer brincadeira, mas tudo fazia parte do método de ensino: nas viagens e na cantina, os alunos usavam cheques emitidos por banco próprio, vendiam material escolar na cooperativa, faziam o balanço financeiro no escritório de contabilidade e ainda votavam para governador e deputados, tal qual em regimes democráticos de gente grande. Marco Otávio Baruffaldi, que estudou na mesma turma de Luigy, lembra: “Os pais que podiam depositavam dinheiro na conta do filho e era com isso que ele ia viajar nos estudos do meio, comprava alguma coisa na cantina... E os filhos dos pais que não podiam também faziam tudo isso porque os outros pais, em segredo, depositavam para eles também”.
Apesar de sua família ser pobre, Elisete Greve Tedesco nunca deixou de fazer atividades nem de viajar com sua turma, em Barretos, por falta de dinheiro. Filha de uma viúva – a cozinheira da unidade – e com outros dois irmãos, ela garante ter sido essa escola que a ajudou a tornar-se o que é hoje: historiadora, artista plástica, administradora de empresas e presidente da Academia de Letras e Artes de Barretos. “Como eu teria acesso às artes plásticas, à decoração, à pintura? Tocávamos Chiquinha Gonzaga, Donga, fazíamos xilogravuras, óleos sobre tela, mosaicos. Também tínhamos torno, práticas agrícolas... Plantávamos, colhíamos e preparávamos os alimentos nas aulas de economia doméstica. Meninos e meninas juntos. E tudo com a maior naturalidade”, lembra Elisete, hoje com 53 anos.

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Juntos e iguais
Os garotos participavam das aulas de educação doméstica, iam para a cozinha, aprendiam a pregar botão, assim como as meninas iam para o torno, a marcenaria e a horta. O respeito à individualidade era o mesmo para ambos os sexos. Elisete destaca como marcantes de seus quatro anos de estudo ginasial não apenas o conteúdo das aulas, mas a forma como eram dadas. Liberdade era palavra de ordem, sempre acompanhada de outra de igual importância: responsabilidade. “Se quiséssemos sair, saíamos, éramos livres e responsabilizados pelos nossos atos. A educação do Vocacional formava para a liderança, para aprendermos a viver com as diferenças e respeitá-las. Os alunos eram contestadores. Os professores estimulavam o pensamento, que buscássemos as respostas. Eles sempre nos devolviam as perguntas”, emociona-se.
A liderança era incentivada por meio de uma técnica chamada sociograma. Os jovens elegiam três pessoas que queriam ter em seus grupos e os mais votados eram os líderes. Claudia e Elisete foram escolhidas. Pérsio Ebner foi além. Candidatou-se pelo partido União Vocacional Democrática e foi eleito para o cargo de deputado. “Fui eleito pela cota do partido. A gente estudava as leis e adaptava para a escola. Tinha eleição mesmo – mesário, título de eleitor, campanha”, conta o biomédico de 57 anos, selecionado em 1965 para estudar na unidade de Batatais.
“Inicialmente conhecíamos os aspectos da cidade e íamos estudando tudo dentro do contexto dos estudos sociais. Conhecemos indústria de leite, de calçados, fomos a museus, descobrimos os tipos de vegetação. Fizemos muitas viagens. Fomos para Belo Horizonte, São Paulo, acampamos numa fazenda de alho em Batatais. Eu me desenvolvi muito”, garante Pérsio.
Aos 78 anos e cheia de lucidez, a ex-coordenadora de orientação pedagógica Olga Bechara conhece como poucos a história de todas as unidades do Vocacional e lembra a alegria dos que lá estudavam. “Acabava a aula e eles não queriam ir embora. Nessa idade, isso não é muito comum, né? Os pais me perguntavam: ‘Que escola é essa que, quando quero castigar meu filho, digo que ele não vai à aula?’ Eles não entendiam”, ri.
O engenheiro e empresário Nelson Freire teve três dos quatro filhos na unidade do Brooklin. Seu entusiasmo com a escola foi tão grande que se tornou presidente da Federação das Associações de Pais e Amigos do Vocacional. “Foi uma experiência maravilhosa, porque víamos que o processo educacional era inovador e criativo. Havia envolvimento profundo dos alunos na vida da comunidade e da sociedade. Como pai e cidadão, passei por um aprendizado fabuloso”, diz, saudoso.
A maior dificuldade do SEV sempre foi o orçamento, proveniente da Secretaria de Educação e considerado baixo para o tamanho do investimento. O coordenador financeiro do serviço, Manoel Maia, lembra que suas visitas à sede do governo e à secretaria eram frequentes. “Fui várias vezes ao gabinete do (governador) Abreu Sodré em busca de verbas para suportar o projeto. Sempre conseguia alguma coisa, apesar da má vontade. No geral, havia desinteresse do estado.” O contador afirma que parte dos recursos era arrecadada pelas associações de pais. “Mesmo assim, a verba não cobria nunca. Era um ensino diferenciado, mas valia a pena, era um celeiro de inteligência.”

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Início do fim
Foi essa mesma percepção que levou o governo militar – ainda mais arbitrário em 1968 devido à promulgação do Ato Institucional número 5 – a apertar cada vez mais o cerco àquela nova forma de ensinar que formava cidadãos críticos e contestadores. Afastamentos, ameaças e até prisões aconteceram. Por fim, em 1969, foi oficialmente extinto pela ditadura – permitindo apenas aos alunos que tinham iniciado seus cursos e aos que entraram no ano seguinte concluir seus estudos. Foi por esse contexto que Manoel Maia ficou preso por três meses, Elisete viu pais de amigos indo para a prisão, Nelson Freire teve de prestar depoimento na Polícia Federal e Olga Bechara, no DOI-Codi. Se o problema até então era a falta de recursos, agora era também a perseguição à coordenação, ao corpo docente e até mesmo aos pais dos alunos.
Olga sofreu ameaças. A situação que viveu numa salinha daquele centro de tortura ficou gravada na memória. “O cabo me perguntou como eu podia levar um menino de 12 anos para conhecer uma favela. Eu respondi que não precisava esconder a favela dele, que era preciso conhecer o problema habitacional. ‘O senhor precisa ver, cabo, o que eles dizem quando voltam. Eles querem consertar o país, fazem projetos. Se a gente esconde isso agora, quando descobrirem a realidade na universidade, ficarão revoltados e será pior.’ E o cabo ficou ali, me olhando”, lembra a ex-coordenadora pedagógica.
Além das ameaças da ditadura, a experiência dos vocacionais sofreu com os desencontros pessoais que começaram a surgir nas equipes. Olga e a ex-professora Esméria afirmam que hoje várias escolas particulares utilizam conceitos do ginásio vocacional, mas nunca mais a iniciativa aproximou-se das públicas.
“Conhecer a realidade, e não ficar apenas com o ‘estudo livresco’, levou o Vocacional a ser considerado um projeto subversivo. Ainda hoje seus princípios básicos são atualíssimos e acho que ele pode e deve ser levado à educação pública”, opina Esméria, autora do livro Ensino Vocacional: uma Pedagogia Atual.
O ex-aluno Marco Buruffaldi não deixa de pensar: “Imagine se metade da população brasileira tivesse acesso ao que tivemos no Vocacional! Tenho certeza de que não estaríamos na situação em que estamos hoje”.

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(idem)
Éramos assim...

... como fomos acabar nisso?!

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Em educação andamos para trás, rumo a Idade da Pedra!

Mas se você desejar ver um filme completo sobre essa incrível escola pública, o Ginásio Vocacional, procure no endereço abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=u0NbxuFPCrg
LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 E O SONHO DE LAURO DE OLIVEIRA LIMA - 2

Prof Eduardo Simões

Capítulo 1

Um Sonho Finlandês Uma Boa Escola Para Todos


A história da Finlândia é uma história de sobrevivência, magistralmente captada na novela ‘Sete irmãos’, de Aleksis Kivi, escrita em 1870. Na novela, um dos órfãos encontra a prosperidade e a felicidade na vida graças à sua alfabetização, e desde essa época, a leitura se tornou uma parte essencial da cultura finlandesa... Sendo uma nação relativamente pequena, situada entre grandes potências do leste e do oeste [Rússia, Suécia e depois Alemanha] a Finlândia foi obrigada a se submeter às condições existentes e a não perder nenhuma chance ou oportunidade. Diplomacia, cooperação, buscar consenso na solução de problemas se tornaram marcas registradas na cultura finlandesa moderna...”
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[Para que os brasileiros não pensem, como é habitual, que os finlandeses apenas usufruem da vida fácil que todos os países do “Primeiro Mundo” sempre tiveram, graças à exploração dos mais pobres da periferia do capitalismo, e que a escola finlandesa é um resultante natural de um país antigo e próspero, coletei as ilustrações abaixo, referentes à trágica história do país]   

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By Fäderneslandet, old Swedish newspaper - Ett satans år, book from Sveriges Radios förlag, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3713907

Fome de 1866-68. Duzentos e setenta mil mortos na Finlândia e na Suécia! No fundo da gravura um homem tira a casca de um pinheiro local para usá-la como alimento, como foi comum nesse período e na guerra de 1917-18 - é a parte interna da casca, que pode ser comida crua ou assada.

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Quadro de Eero Järnefelt, a queima de lenha, 1893, denunciando a brutalidade do trabalho infantil na Finlândia, ao final do séculoXIX. Até 1952 algumas prefeituras ofereciam espaços públicos onde as pessoas mais pobres, em especial as crianças e doentes mentais, se alugavam ou se vendiam às famílias mais ricas. O olhar da criança é um dos mais expressivos já registrados em uma tela.


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Meninos entre 14 e 17 anos mobilizados pelos “brancos” na guerra civil que se seguiu à declaração de independência da Finlândia, de 1917 a 1918, envolvendo liberais e conservadores (brancos) contra comunistas (vermelhos), apoiados pela recém-criada União Soviética, a herdeira do Império Russo, que até ali dominava a Finlândia, ora com brandura ora com mão forte.

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Meninas também foram mobilizadas na guerra civil – a da foto lutou pelos “vermelhos” – que deixou um saldo de 40 mil mortos e feridos.

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(idem)

Um soldado finlandês empilha o cadáver de uma criança com o de outras 20 pessoas, mortas num ataque soviético-russo à cidade fronteiriça finlandesa de Lokka, em 14 de julho de 1944, durante a Guerra da Continuação (1941-1945) – os russos-soviéticos podem mostrar fotos igualmente chocantes, ou mais; o importante aqui é mostrar o quão sangrento e difícil foi o começo dessa nação. Nessa guerra, segundo Pasi Sahlberg, morreram 90 mil finlandeses, 60 mil quedaram definitivamente incapacitados, 25 mil esposas enviuvaram, 50 mil crianças ficaram órfãs, perdeu-se 12% do território nacional e 450 mil pessoas (11% da população) tiveram que migrar de uma hora para outra – compare isso com os 443 mortos e 3 mil feridos da FEB na Itália. Sem falar que com a derrota os finlandeses tiveram que abrir seu país para a influência de um partido comunista fortemente identificado com os interesses de seu maior inimigo e vencedor da guerra: a União Soviética.

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Mulheres atuaram como observadoras antiaéreas e nos centros de comunicação nas duras condições de inverno durante a Guerra da Continuação, iniciada em grande parte devido a pressão da Alemanha nazista. Após perderem a guerra contra a União Soviética, os finlandeses tiveram que empreender outra guerra para expulsar os incômodos aliados do pais.

Embora haja muitas maneiras de contar a história da Finlândia, dependendo da proposta e da corrente histórica do autor, neste caso é útil ilustrar uma certa relação entre o desenvolvimento do sistema escolar finlandês e os três estágios de desenvolvimento econômico do país, que se seguiram à 2ª guerra Mundial.
* reforço de uma mentalidade de educação igual para todos, após a transição de uma sociedade predominantemente agrícola para uma industrializada de 1945 a 1970 [também passamos por esse processo, mais ou menos nesse período, embora tenhamos empobrecido a nossa meta, reduzindo a educação a mera “escolarização”, sem qualquer compromisso com a igualdade].
* criação de um sistema de escola compreensiva, baseada no modelo nórdico de Estado de Bem Estar Social, com o crescimento do setor de serviços e o aumento dos níveis de tecnologia e inovação tecnológica (1965-1990) [também passamos pela inovação tecnológica, sem tirar qualquer conclusão consistente para a educação, enquanto o nosso Estado cuida apenas do “Bem Estar” dos políticos seus cúmplices].
* aprimoramento de uma educação básica de qualidade e expansão da educação superior acoplada à nova identidade da Finlândia, como um país de alta tecnologia e uma sociedade baseada no conhecimento (1985-hoje).
........
Em 1950 as oportunidades escolares na Finlândia eram muito desiguais, no sentido que só os moradores das cidades e das maiores municipalidades tinham acesso às escolas de nível secundário [como era entre nós]. Muitos jovens deixavam a escola após 6 ou 7 anos de educação formal básica [índice que nós só alcançamos agora]... Essa educação básica poderia ser complementada por uma educação técnica profissionalizante, mas apenas nas grandes cidades.
Em 1950 havia 338 escolas secundárias oferecendo complementação educacional completa aos alunos, após os 6 anos da escola básica [primária]. O estado finlandês geria 103 dessas escolas e as municipalidades concorriam com 18. As 217 escolas remanescentes.... eram geridas por cidadãos ou associações [iniciativa privada]. O maior fardo da rápida expansão educacional que se seguiu à escolarização básica foi arcado pela inciativa privada. Uma importante inovação social em 1950 foi a promulgação de uma legislação que garantia subsídios públicos às escolas privadas, que permitiu, progressivamente, o controle do estado sobre essas escolas. Essa mudança tornou possível dar uma reposta ao interesse público crescente pela educação, por meio da abertura de escolas privadas, com a redução dos riscos financeiros sobre os fundos públicos [o gestor privado tinha todo interesse em que a sua escola desse certo, e certamente havia mais fiscalização e controle do que normalmente há por aqui].
Nos anos que se seguiram à independência da Finlândia, o ensino nas escolas era muito formalista, centrado apenas no professor, focado mais na moral que no desenvolvimento cognitivo [o que não é um mal, desde que não seja uma moral exclusivamente convencional, baseada na autoridade e não na consciência e no consentimento]. Embora ideias educacionais destinadas a garantir ganhos sociais e o desenvolvimento integral do educando fossem conhecidas na Finlândia, desde os anos 1930, elas não tinham muita influência na educação... Três temas dominantes nas discussões educacionais finlandesas entre 1945 e 1970, acabaram por transformar o modelo tradicional:
* a estrutura do sistema educacional deveria ser tal que provesse mais e melhor educação para todos [meu destaque].
* a forma e o conteúdo do currículo deveriam focar no desenvolvimento individual e no aspecto global da personalidade das crianças [o que só se pode fazer com uma boa dose de psicologia].
* a formação dos professores deveria responder às necessidades decorrentes do desenvolvimento da nação. O futuro sonhado pela Finlândia seria construído sobre o conhecimento e as habilidades de seus cidadãos. Dessa forma, a educação era vista como o alicerce fundamental para esse futuro [era um “todos pela educação”, levado com seriedade].
A economia da Finlândia de 1950 se comparava a da Suécia de 1910; estava em transição. As indústrias-chaves estavam se deslocando do setor agrícola e das pequenas empresas para o das indústrias e produção de tecnologia...

Rumo à Educação Básica Universal
Nas eleições de 1948, três partidos conseguiram uma representação igual no Parlamento: o Partido Social Democrata, com 50 cadeiras, o Partido do Centro Agrário, com 49, e o Comunista, com 49 [na década seguinte outro partido veio se juntar a eles formando a quarta força política, envolvida com as reformas na educação: o Partido Conservador].....
Em Junho de 1945 foi criado o Comitê para o Currículo da Escola Primária... Há várias razões pelas quais esse Comitê teve um papel central na história da educação finlandesa. Primeiro os membros devotaram uma especial atenção para a reformulação dos objetivos da educação, afastando-se assim da tradicional matriz alemã da educação na Finlândia.       O comitê deu ênfase a ideia de que a função da escola seria ajudar aos jovens educandos a desenvolver o conjunto de suas potencialidades e estimulá-los a querer estudar cada vez mais...
[O foco da ação educacional é, por conseguinte, a criança e o jovem na sua totalidade, enquanto ser humano específico, diferenciado dos adultos, com necessidades específicas, que nem sempre são idênticas às necessidades da sociedade dirigida pelos adultos – os finlandeses, portanto, tornaram suas escolas espaços infanto-juvenis – longe de deformações tais com as que vigem entre nós, onde a “sociedade”, para nossas autoridades educacionais, não passa de um amontoado de produtores e consumidores, máquinas de trabalhar e consumir, ou como uma supervisora falou certa vez numa reunião com professores: “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”]
Segundo, a reforma do currículo foi escorada num vasto estudo empírico, conduzido em 300 escolas, por uma legião de mil professores. Dessa maneira a pesquisa se torna o caminho para a viabilização de políticas educacionais [e não o interesse eleitoreiro]. O Memorando Final do Comitê, publicado em 1952, tem o mérito de uma formulação sistemática dos objetivos educacionais centrados na perspectiva da criança, apresentação modernizada e enriquecida do conteúdo educacional e ênfase na primazia da coesão social, apresentada como um dos principais objetivos da educação [o que os cingapurianos hoje procuram; leia o meu artigo Cingapura se rende – PISA desmoralizado – Lauro Oliveira Lima tinha razão]
Um segundo comitê em importância foi o Comitê para o Sistema de Educação, que iniciou os seus trabalhos em 1946, e regulou a educação compulsória e um conjunto de princípios comuns para determinar como as diversas partes do sistema deveriam se interligar [vale a pena cotejar esse trabalho com o da Reforma Capanema de 1942 a 1946, que para alguns representou a primeira legislação integral do sistema educacional brasileiro, desde a Reforma de Pombal]. Menos de dois anos após o início dos trabalhos o Comitê propôs que o sistema escolar finlandês fosse baseado em uma escola básica obrigatória de 8 anos, acessível a todas as crianças, independentemente de sua situação socioeconômica [eis uma grande diferença; lá eles se preocuparam em cumprir realmente a lei, enquanto nós nos especializamos em justificar, em longos memorandos e anexos, com torrentes de argumentos capciosos, o não cumprimento das metas legais, e a situação se arrasta até o limite]. O comitê advertiu que esse sistema escolar deveria se guardar de ficar rastreando quais alunos seriam mais “aptos para a universidade” e quais para o “profissionalizante” [uma forma de alimentar discriminação social], que seria oferecido em um sistema paralelo [escolas técnicas, semelhante às que havia por aqui].
... Embora a ideia de uma escola compreensiva, generalista, já estivesse claramente formulada, ela foi inviabilizada devido as severas críticas e oposição que sofreu dos meios universitários e do Sindicato dos Professores das Escolas Secundárias... A terceira grande iniciativa foi a criação do Comitê para o Currículo Escolar, em 1956, com o intuito de unificar o sistema escolar finlandês e interligar de maneira coerente os diversos setores da educação nacional.
As conclusões desse comitê foram construídas após uma análise sem precedentes do que havia em política educacional no mundo, particularmente nos países Nórdicos [Suécia, Noruega, Dinamarca]... O aumento da igualdade de oportunidades educacionais – que já era prioridade na Inglaterra e Estados Unidos – tornou-se o foco central dos trabalhos do comitê...
O Comitê para o Currículo da Escola concluiu os seus trabalhos no verão de 1959, sugerindo que a futura educação compulsória finlandesa fosse baseada em uma escola compreensiva municipal de 9 anos, com a seguinte estrutura:
* os primeiros quatro anos deveriam ser comuns a todas as crianças
* o 5º e o 6º anos seriam de escola média [nosso antigo ginásio], quando as crianças poderiam escolher um ramo de estudo favorito ou língua estrangeira de sua preferência.
* do 7º ao 9º ano haveria três temas a serem abordados: orientação prática e vocacional, estudo mediano de uma língua estrangeira e uma estudo aprofundado em duas línguas estrangeiras.
... Pela proposta do sistema deveria haver uma mescla gradual das escolas de secundárias privadas com suas equivalentes públicas, numa nova estrutura municipal, com a diminuição do papel da escola privada [justo o contrário do que vemos por aqui, onde a escola pública é esvaziada – milhares delas são fechadas em todo país – enquanto fervilham projetos e iniciativas de privatização das escolas e precarização do professorado; vide projeto de escola integral em São Paulo, cujos autores são, hoje, personagens de ponta no Ministério da Educação em Brasília (governo Temer)]. Esse Comitê também levantou uma questão chave para o desenvolvimento de toda educação finlandesa: É possível, em princípio, que todas as crianças possam ser educadas, e todas elas assimilar os mesmos objetivos educacionais? Essa questão dividiu as opiniões, mesmo dentro das famílias. Os professores das escolas primárias defendiam que isso era possível, já os professores universitários, por razões igualmente óbvias, acreditavam que não. Os políticos permaneciam divididos”.
.....
A proposta original do Comitê foi melhorada pelo Conselho Nacional de Educação Geral da Finlândia e apresentada ao Parlamento no início dos anos 1960 e aprovada em 22 de novembro de 1963. O debate que se seguiu à apresentação do projeto foi intenso e tumultuado. Vários previam um futuro sombrio para o país se o projeto de uma escola comum para todas as crianças, fosse implementado; os talentos do país seriam reduzidos a cinzas e, por causa disso, a Finlândia perderia a corrida do desenvolvimento econômico com os outros países. A votação final deu vitória ao projeto por 123 votos contra 68... [entretanto] Seria muito errado atribuir o nascimento da escola compreensiva, a peruskoulu, e do moderno sistema educacional finlandês, que tanta fama hoje granjeiam no mundo inteiro, apenas aos políticos e autoridades educacionais. Muitas outras pessoas, comprometidas tanto com a escola básica como com as universidades, contribuíram para a definição do novo modelo educacional finlandês... em especial diversas organizações da sociedade civil finlandesa... Um bom exemplo desse envolvimento foi o papel desempenhado, durante os debates, pela Associação Finlandesa dos Professores da Escola Primária (AFPEP), que desde o início dos trabalhos, em 1946, se posicionou a favor de uma escola unificada. Na metade da década de 1950, publicou seu próprio programa para o desenvolvimento da educação, acompanhado de uma proposta bem fundamentada e detalhada, para a criação de um sistema de escola unificada [onde estão as propostas de reforma de nossos sindicatos? Quando muito as apresentam na forma de tópicos, em algum pôster convocando para uma greve].
[a partir de 1955 as escolas secundárias finlandesas sofrem uma demanda crescente por vagas e o número de matrículas “explode” – de 34.000 em 1955-56 para 340.000 em 1970] A velha escola finlandesa [imóvel, segmentada e classista] não consegue mais atender à demanda dos pais por uma escola compreensiva para seus filhos, na esperança de estes alcançarem melhores condições de vida. Essa pressão social introduziu um novo tema nos debates sobre políticas educacionais: o desenvolvimento do potencial de cada um. Os pesquisadores defendiam que a inteligência e as habilidades de qualquer um poderiam se elevadas ao nível das exigências técnicas e culturais da sociedade, e que o sistema educacional apenas reflete esses limites e necessidades” [as escolas deixam de ser centros de excelência a garantir que as mentes privilegiadas ou os melhores talentos da nação não se percam ou se diluam, em contato com outros menos privilegiados pela natureza e/ou patrimônio familiar].        
[Nesse período, iniciamos uma ampla discussão de reforma, com o envio para o Congresso Nacional de um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que, infelizmente, mofou por 11 anos nas gavetas do Congresso Nacional, enquanto deputados e grupos da sociedade se engalfinhavam em público pelo que mais lhes interessava nessa reforma: para onde iria a verba pública? Seria correto o financiamento de escolas privadas com o dinheiro público? As crianças brasileiras e o seu futuro esperavam ao largo, enquanto uma direita gananciosa e uma esquerda simplória se batiam por dinheiro e ideologia. Não se prestava atenção aos poucos, como os Pioneiros da Educação, que colocavam questões psicológicas e pedagógica relevantes, nem às contribuições revolucionárias que psicólogos e pedagogos ofereciam às sociedades mais desenvolvidas; e assim, de costas para a nação, ao futuro e às crianças nossos políticos votaram um texto empobrecido por vetos e emendas, deixando o cerne do nosso arcaico sistema educacional como estava. Decepcionado, Lauro Oliveira Lima escreverá um comentário impagável, que aparecerá em seu livro Estórias da educação brasileira de Pombal a Passarinho, com o título: A montanha pariu um rato]
[Não creio que a municipalização, no caso do Brasil, seja a melhor saída para a nossa educação uma vez que nós não temos, como na Europa Germânica e América Saxônica – talvez ligada ao amadurecimento do feudalismo, que não aconteceu na Península Ibérica –  uma tradição de vizinhança partilhada e consentida, como quando os vizinhos se unem para enfrentar ameaças internas e principalmente externas. No Brasil, o único vizinho que um homem livre e pobre considerava era o chefe local – o que este mandava seria feito – e assim foi no tempo dos senhores de engenho, dos barões do café, dos coronéis das oligarquias, dos caciques partidários de hoje, principalmente, mas não exclusivamente, nas regiões mais pobres. Não há notícia, no Brasil, de uma comunidade se levantando e expulsando um chefão corrupto e violento, como já era comum na Europa medieval – quando há algum levante, como em alguns episódios recentes, o chefão volta amparado por alguma decisão judicial. Quem, em seu juízo perfeito, denunciará o desvio de verbas para a educação, por exemplo, por parte de um prefeito, que sabe o seu endereço, se não lhe é vizinho, que tem amplo acesso ao dinheiro público e ainda tem foro privilegiado? A municipalização é o dobre de finados da educação em grandes regiões do Brasil, justo as que mais precisam de uma boa educação, e inclusive em muitos municípios das regiões mais ricas, seja por causa do foro privilegiado seja pela falta de uma cultura municipalista consolidada].

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http://www.e-architect.co.uk 
Escola de Sipoo

Nasce a nova escola
__ Uma nova legislação (1966) e um novo currículo (1970) foram preparados na segunda metade da década de 1960. O novo ambiente social [marcado pela ascensão do welfare state escandinavo] consolidava os valores de igualdade e justiça social em todas as classes sociais da sociedade finlandesa [a conjunção de interesses, a sensibilidade das consciências, gerou um autêntico, embora não formalizado, pacto social, que permitiu catapultar esse pequeno e sofrido país para a vanguarda do mundo, desmentindo cabalmente a tese marxista de que a luta de classes é o “motor da história”. Errado! A luta de classes é motor de carrinho de mão, o W 16 da história é a cooperação de classes. Quando os esquerdistas latino-americanos vão entender e praticar isso, fora do âmbito das alianças espúrias pelo poder e para desviar dinheiro público?]. As despesas geradas pelo welfare state foram vistas como investimento na melhoria da produção e não como custo social [o povo, por seu lado, bem educado, procurou não abusar, como acontece alhures]... A nova escola compreensiva, a peruskoulu, estava pronta para ser implementada. De acordo com o plano, uma onda de reforma iniciou-se pelas regiões norte do país [justo as mais pobres], em 1972, até alcançar a região sul, mais urbanizada e industrializada, em 1978”.
[Nesse tempo os militares nos empurravam a lei 5692, goela abaixo, de supetão em todo território nacional, ao mesmo tempo em que cartilhas do MEC, quando do lançamento do MOBRAL, cheias de dados estatísticos, palavras pomposas e ordens secas, procuravam nos convencer, matematicamente, que em 1980 o analfabetismo estaria erradicado, além de várias outras conquistas. Autoproclamavamo-nos uma potência educacional, por antecipação].

Uma crença fundamental à velha estrutura escolar era que nem todas as crianças seriam capazes de aprender tudo; noutras palavras, o talento não se distribuía na sociedade  como algo que pudesse ser aprendido [e nesse caso não adiantava muito educar crianças sem talento = pobres]. Na Finlândia, entretanto, fez forte eco a publicação do Relatório Coleman, nos EUA, durante os anos 60, que demonstrava que as disposições básicas de jovens e crianças que entravam para a escola eram determinadas antes de tudo na família, e que não seria substancialmente modificada pela escolarização (Coleman et ali, 1966)...
[Isso transformaria a escola, antes de tudo, em um centro de socialização, de aprendizagem de costumes e modos sociais, além de alguns conteúdos socialmente relevantes e técnicas variadas, ao alcance de qualquer um, desde que ministradas por um corpo de professores competentes, algo que ainda não aprendemos, ou insistimos em não aprender, em que pese todas as evidências em contrário, além de se chegar a uma imposição incontornável: para haver uma autêntica e duradoura reforma educacional é preciso igualmente reformar, pelo menos, a mentalidade da sociedade em relação aos objetivos da educação. Se a família não assumir o novo conceito de educação que se propõe tudo será em vão. E assim os nossas leis e reformas educacionais são feitos e impostos, como se o fato educacional começasse e terminasse na escola, sem nenhuma interferência do meio. Dessa distorção nasce uma pressão desproporcional contra o professor, e uma visão ridiculamente ultrapassada e behaviorista de culto aos conteúdos acadêmicos, e, por conseguinte, a provas e exames; somos um cão que persegue compulsivamente a própria cauda].

A ideia central da peruskoulu era fundir as diversas modalidades de escolas na Finlândia numa única escola compreensiva de 9 anos mantida pelos municípios... todas as crianças, independentemente de seu domicílio, de suas condições socioeconômicas ou interesses pessoais deveria cumprir os nove anos de educação básica em uma escola governamental dirigida pelas autoridades locais... Críticos do novo sistema argumentavam que não era possível manter as mesmas expectativas educacionais para todas as crianças, ignorando a origem social e condicionamento intelectual diversos. Que o futuro da Finlândia, como uma nação industrializada, estava em risco porque essa educação generalista, globalizante, da escola compreensiva deveria ser nivelada por baixo, para atender aos alunos mais fracos.
... Embora a estrutura da escola compreensiva fosse similar em todo o país, o  novo currículo escolar criou criados instrumentos que permitiam adaptações locais, aos diferentes grupos de habilidades e personalidades, além e atender às peculiaridades da comunidade atendida pela escola.   
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A reforma da escola compreensiva desencadeou o desenvolvimento de três aspectos do sistema educacional finlandês, que se mostraram, mais tarde, fundamentais para a criação de um sistema educacional de alta-performance.
* trouxe uma ampla variedade de alunos, com experiências de vida, costumes domésticos e aspirações de vida bem diferentes para aprender numa mesma escola e na mesma classe, exigindo uma nova abordagem do ensino e da aprendizagem [ou seja, da formação do professor]. Logo no início percebeu-se que a educação de crianças com necessidades especiais só seria bem-sucedida se suas deficiências fossem prontamente identificadas e tratadas [Sahlberg se refere aqui a crianças com dificuldades de aprendizagem e não com algum retardo mental].
* Segundo, a orientação profissional e o aconselhamento se tornou uma parte obrigatória em todas as escolas compreensivas. Acreditava-se, nesse tempo, que se todas as crianças permanecessem na escola básica até o fim, conforme a lei determinava, eles precisariam de um aconselhamento sistemático ao longo de sua carreira escolar. Na orientação profissional tentava-se minimizar a possibilidade de a criança ou adolescente fazer uma escolha profissional errada [na verdade a certeza dessa escolha, nesse momento determinaria se a criança continuaria seus estudos na escola secundária, como uma etapa para a universidade ou se dirigiria para o ensino técnico profissionalizante]...
* A nova peruskoulu exigia que o professor, que antes se via obrigado a trabalhar em várias escolas diferentes... trabalhasse agora numa só escola com alunos com habilidades diferentes... a peruskoulu não foi apenas uma renovação estrutural, burocrática, do sistema [ou uma reforma de prédio], mas exigiu também uma mudança de filosofia na educação nacional... Essa filosofia assumia a crença de que todas as crianças podem aprender se lhes dão oportunidades adequadas e um suporte compatível com o seu desenvolvimento, que se compreenda que a aprendizagem se processa de vários modos, em meio à diversidade humana, e que a escola tem a função de ser uma democracia em pequena escala, como insistia John Dewey algumas décadas antes. A nova peruskoulus, por conseguinte, exigia que o professor empregasse métodos alternativos de ensino, que adaptasse o seu planejamento para as diferentes formas de aprendizagem de diferentes crianças, e usufruísse de um alto status profissional. Essas expectativas levaram à grande reforma do magistério de 1979: a nova lei do magistério enfatizava o aperfeiçoamento profissional e a formação docente baseada na pesquisa.
Uma outra consequência da consolidação da peruskoulu foi a rápida expansão da educação secundária...”
[Ou seja, a melhoria da escola básica levou a uma maior demanda por pais e alunos, segundo Sahlberg, por uma educação integral em um nível superior, de tal sorte que hoje em dia apenas 4% dos adolescentes finlandeses que concluem a escola básica não continuam seus estudos no nível secundário ou médio – no Brasil, em 2014, em média, apenas 71% dos alunos que ingressam no Ensino Fundamental o concluem (na Região Norte são apenas 58%), e dos que ingressam no Ensino Médio apenas 54% o concluem (na Região Norte seriam apenas 40%); o volume da evasão escolar continua tão escandaloso como o era quando a discussão sobre isso começou há 50 anos atrás! Pesquisa de 2016, site da revista Época diz-nos que 90% dos jovens brasileiros não estão satisfeitos com as aulas que recebem; os professores, por sua vez, eu creio, se diriam insatisfeitos em 99%, com a postura dos alunos em suas aulas]

O consenso finlandês

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__ O Parlamento finlandês conseguiu chegar a um acordo de princípios quanto a escola compreensiva, em novembro de 1963.a decisão não foi unânime, pois a grande maioria do Parlamento estava dividida entre membros da Liga Agrária e esquerdistas [duas correntes ideologicamente opostas]. A vitória final, do único e mais importante consenso da história da educação na Finlândia não seria possível sem o suporte da Liga Agrária [atual Partido do Centro] e o mais amplo consenso nacional para o bem comum [ou seja, foi fundamental a união sincera dos políticos, colocando em primeiro lugar o bem do país, acima de seus interesses pessoais ou de classe].
__ A Liga Agrária, há muito que resistia a ideia de um sistema de escola compreensiva. A ala mais jovem do partido, de olho no acelerado processo de urbanização por que o país passava [que nem o Brasil nessa época, com o Êxodo Rural], entendia que o melhor seria repetir no país experimentos bem-sucedidos em educação, já em uso nos países mais avançados [o caminho mais fácil, com o qual estamos tão familiarizados]... Porém, uma nova geração de políticos, que se aproximou do Associação dos Professores de Escola Primária, os fez mudar de ideia, e eles passaram a defender a ideia de que todas a crianças poderiam ser submetida aos mesmos objetivos educacionais, com todos estudando em uma mesma escola. O Presidente do país, e antigo membro da Liga Agrária, Urho Kekkonen foi um dos baluartes da reforma [Kekkonen (1900-1986) foi o Getúlio Vargas finlandês, sem a fome do outro pelo poder pessoal, foto acima].
... O processo que levou a decisão parlamentar de 1963, foi de cunho estritamente político. Ele garantiu que a elite política da Finlândia ficasse fortemente comprometida com os paradigmas da escola compreensiva. O amplo suporte político para a reforma foi decisivo porque ele garantiu que o sistema se aprimorasse paulatinamente, sem sofrer qualquer detenção ou impedimento devido às mudanças de governo....
... O professor Pauli Kettunen diz que o estado do bem-estar social nórdico foi construído a partir de ideais políticos fundamentais: o ideal de liberdade campônio, o espírito do capitalismo e a utopia marxista. Igualdade, eficiência e solidariedade... mesclados no consenso de que a prosperidade de todos é a melhor garantia da prosperidade de cada um”.
(texto de Erkki Aro... Conselho Nacional de Educação Geral)
[Em resumo: sem um consenso prévio e um forte comprometimento dos políticos, sob o olhar atento da sociedade, é inútil qualquer reforma, uma vez que o grupo seguinte no poder tenderá, naturalmente, a esvaziar uma proposta que não saiu de suas fileiras e, principalmente, que esteja dando certo. É a lógica do poder nas democracias pouco desenvolvidas. No nosso caso seria como se Ronaldo Caiado e Lindbergh Farias deixassem de lado suas divergências ideológicas e picuinhas pessoais, e se dessem as mãos para um trabalho sincero em prol da educação. Enquanto perdurar esse clima de desconfiança generalizada e anseio por extinguir qualquer oposição, a política transformada num assunto pessoal, nada de sério e duradouro se conseguirá a respeito da educação ou de qualquer grande tema nacional no Brasil].