LAURO
OLIVEIRA LIMA E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO-2
Prof Eduardo
Simões
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Um novo mundo começa a
surgir
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“A repugnância à ociosidade e ao
parasitismo [um conceito ambíguo não desprovido de preconceito, que precisa
ser historicamente condicionado, de acordo com os valores das sociedades de
cada época] “profissionalizou” todas as
atividades, até a dos artistas que hoje se engajam na arquitetura, no desenho
industrial...Ser profissional tronou-se sinônimo de ser cidadão. O trabalho
manual praticamente desapareceu, face à mecanização, à automatização e à
automação. Muitas atividades
intelectuais “programáveis” foram cibernetizadas [nós dizemos “informatizadas”].
Pode-se dizer que a profissão como
estereotipia e automatização tende a desaparecer diante da eletrônica, da
automação e da cibernética [ou seja, as ações repetitivas por parte do
profissional, como na antiga linha de produção]... Um engenheiro e um agrônomo são profissionais no sentido ‘estrito’ da
palavra, mas não se pode dizer o mesmo de um físico ou de um biólogo, que não
trabalham com a ‘técnica’, e sim com a própria ‘ciência’”. Vejam a
perspicácia e a candência dessa última questão que, junto com outros
inumeráveis paradoxos psicopedagógicos, além das questões político-sociais, precisa
estar claramente definida, equacionada, antes de se começar a tirar projetos de
reforma da educação, seja da cartola de um mágico seja do bolso de um deputado.
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Escola
secundária x escola profissionalizante; alguém tem que servir ao piquenique.
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A seguir Lauro chama a atenção para uma consequência importante das reformas
que se seguiram à Revolução Francesa (acima). “Aparece a necessidade (com a extinção das corporações de ofício
medievais...) de se sistematizar a formação da mão-de-obra [rompendo com o
antigo modelo de escola herdada dos gregos... a escola suméria, que aparece na
ilustração do artigo anterior, é mais profissionalizante, sem deixar de ser
elitista e intelectualista]. Criam-se
assim escolas profissionais, que se situam justamente entre a escola primária e
a escola superior (no período da adolescência), paralelamente á escola
secundária. Isto gerou o problema que até hoje perdura, de distinguir ou
unificar a “educação desinteressada” e a educação “vocacional”. A escola
secundária é filha das escolas (“colégios”, na Inglaterra...) onde recebiam
educação (em geral lições de etiqueta) os rebentos da aristocracia,
posteriormente invadidas pelos filhos da classe burguesa... Ao seu lado foram
surgindo as escolas profissionais, que visavam outro tipo de “etiqueta”, isto
que hoje chamam de ‘know how’, ‘savoir faire’ ou ‘habilidades manuais’,
práticas ensinadas aos que se destinavam a energizar o sistema de produção”
(ilustração acima). Com fina ironia, Lauro desmascara o caráter de classe da
escola secundária nascente, colocando mais uma vez o dedo na ferida: como
implementar uma reforma educacional sem definir seriamente, em detalhes, a que
tipo de sociedade essa escola vai servir. Bastarão as declarações pomposas,
aduladoras, de políticos populistas, que nos demonstram, escândalo após
escândalo, o quão indignos são de confiança?
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Alguém
tem que lavar a roupa, o que não requer uma maior preparação técnica ou
intelectual. A máquina de lavar acabará com isso (belíssima ilustração de Robert
Morland).
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Até um determinado momento histórico não havia nenhum estresse envolvendo seja
e educação básica seja a superior, até o alvorecer da Revolução Industrial e a
ascensão da burguesia. Um problema sério, surge então, “quando se tem de decidir o destino social do jovem. Um problema de
caráter socioeconômico – o das classes ociosas frente às classes trabalhadoras
– transforma-se de repente num problema
educacional. Mas os educadores (geralmente idealistas, sem visão sociológica)
supõem... estar salvando (com a defesa da escola “desinteressada”) o humanismo,
confundido por eles como artes liberais e belas artes. De fato estão
justificando uma odiosa discriminação de classe. Só hoje o trabalho foi
incorporado ao conceito de “hominização”... Foi preciso que a ciência
desmanualizasse progressivamente o trabalho [ilustação acima], para que se superasse a antinomia entre
prático e intelectual [sem resolver, infelizmente, o problema da pobreza e
da desigualdade social, como se imaginava naquela época, outro tipo de
“idealismo”]. Muito contribuiu ...a profissionalização
das carreiras liberais... Todo trabalho é hoje uma profissão, toda profissão é
mais ou menos intelectual e todo indivíduo pode apreciar e criar arte. Não se
justifica, portanto, dois tipos de escola, mesmo porque a ‘democracia pretende
abrir oportunidades iguais para todos, independentemente da classe social’”
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Vamos lá! Nenhuma reforma educacional pode começar sem uma sólida concepção de
sociedade e de evolução social desejada, claramente colocada e assentida pela
maioria. Sem isso a reforma não passa de um remendo, um tapa-buraco, feito para
satisfazer no curto prazo certas demandas sociais mal alinhavadas e pouco
esclarecidas, embora possa dar munição para a propaganda do senhor político na
próxima eleição. A exaltação do trabalho, e a colocação de todo trabalho no
mesmo nível de “dignidade” e “honraria”, era revolucionário na época e ainda o
é na cabeça de muito mais gente, em nosso país, do que nós imaginamos. A ideia
de igualdade, como um valor intrinsecamente democrático é mais revolucionário
ainda, agora pregar, como consequência disso, uma só escola para todos – como o
fazem as maiores autoridades em educação no Ocidente, e quiçá no mundo: os
finlandeses – o é ainda mais. A questão
da escola técnica, profissionalizante, será aprofundada mais adiante.
O aparecimento da
burguesia
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“A ascensão da burguesia e a Revolução
Industrial implicam em:
a) manutenção de uma
escola média “desinteressada”, que “aristocratize” a burguesia sem
‘pedigree’...
b) a manutenção de uma
escola média “profissional” [ou técnica] que forme a capatazia do sistema de
produção tendente à industrialização
c) profissionalização da
escola superior (agronomia, arquitetura...) que capacite a burguesia a assumir
o comando do sistema de produção, agora altamente complexificado... Até então a
universidade [criada
no âmbito de sociedades dirigidas por uma aristocracia, na Baixa Idade Média] era também “desinteressada””
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“Criam-se, pois, duas formas de
‘trabalho’: uma, ‘inferior’ que vai da mão-de-obra qualificada até o limiar das
profissões de nível superior (perito, técnico, especialista, etc.) e outra
‘superior’ continuação histórica das artes liberais”. Ou seja, o sistema
educacional se organiza de acordo com os valores, resistências e/ou
preconceitos sociais, historicamente definidos, da classe ascendente, que
anseia em ver a expansão de seus valores culturais (culto ao trabalho e ao
capital) sem abrir mão do que já têm ou pretende conquistar em termos de
patrimônio ou propriedade.
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“A escola-lazer (histórica)... passa a
ter duas outras funções
a) formação da
mão-de-obra de nível técnico (a capatazia) visto que a mão-de-obra de baixo
nível ainda não foi escolarizada...
b) instrumento de
manutenção do controle do sistema de produção mediante formatura em ensino superior.
Nos países subdesenvolvidos, o fato de inúmeros “doutores” não exercerem a
profissão correspondente à sua “especialidade” (médico dirigir banco,
engenheiro administrar empresa...) mostra que o ensino superior nessas zonas
socioeconômicas ainda tem muito de caráter simbólico...)”
A burguesia ascendente e
a questão educacional
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Par Edgar
Degas — The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN
3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH., Domaine public, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=150053
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“O desaparecimento das classes ociosas e
a ascensão da burguesia ao comando do sistema de produção não implicou ... na
unificação do sistema educacional...
a) ao nível elementar
temos uma escola primária curta de transição para as classes elevadas [que seguiriam para o ginasial] e outra longa, terminal, destinada às
classes mais humildes”. Aqueles que formarão o estrato mais baixo do
sistema, o operariado não especializado, que vive de bicos, por não estar
preparado para uma função técnica: o lumpemproletariado. O conceito de
terminalidade, no sistema escolar brasileiro, veio para tentar contornar um
fenômeno tão grave quanto típico no nosso sistema escolar até hoje: a evasão,
em geral provocada por razões econômicas, reforçando, ainda hoje, a colocação
do professor Lauro! Em 2014 apenas 74% dos alunos que ingressaram na educação
Fundamental terminaram o curso, enquanto os que ingressaram no ensino médio
foram apenas 57%
“b)
ao nível médio temos a escola secundária (de transição) privilégio reservado à
classe média em ascensão, e a vocacional (profissional), destinada à formação
do escalão médio do sistema de produção”. Ou seja, os garotos da baixa classe
média ou alta classe baixa, que já não alimentam o sonho, comum entre a classe média,
de um dia se tornar classe alta. Embora hoje o Ensino Médio, antigo secundário,
esteja à disposição de todos, a peneira social continua... ‘peneirando’, a
revelia da lei e das belas intenções dos ‘quixotes’ de plantão, e os jovens das
classes mais pobres abandonam em massa o Médio, se não o fazem já no
Fundamental, para irem trabalhar, talvez numa boca de fumo, e/ou cuidar do
filho precoce, o que torna o texto de Lauro atualíssimo. Nosso maior problema
educacional chama-se “realidade”.
“c) o nível superior, apesar de visar à
formação dos quadros dirigentes... divide-se em carreiras privilegiadas [as
mais procuradas] – como a advocacia, a
medicina e a engenharia – para as classes mais abastadas, e carreiras
destinadas às pessoas de menores recursos, como dentista, enfermeira e
economista”. O sistema não perde uma oportunidade de marcar a discriminação
social. Se é verdade que odontologia e economia não são mais carreiras para as
classes mais humildes, também é verdade que a pedagogia e as licenciaturas
exercem uma atração incomum em pessoas dessas classes – o que dá ao governo a
esperança de no curtíssimo prazo não haver um blecaute na educação brasileira
por falta de professor, enquanto o blecaute das verbas destinadas às bolsas
universitárias lançam no vazio milhares de jovens pobres, que acreditaram que
poderiam, enfim, romper as correntes que os amarram à base da pirâmide
social – o que nos faz desconfiar que o
fator social (= renda), e não o vestibular, é a principal peneira à entrada de
um jovem numa universidade brasileira.
A ‘bendita” meritocracia
http://www.giromarilia.com.br/img/news/meritocracia_1446816890.jpg
http://www.giromarilia.com.br
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“Fala-se hoje… em ‘meritocracia’ para
significar que a tecnocracia não respeita o “status” socioeconômico dos
indivíduos, mas apenas seus méritos [era o discurso, por exemplo, de militares,
políticos e empresários ligados ao regime militar]. J. Galbraith [economista ‘pop’ americano]... chega a afirmar que a tecnocracia é a nova classe (dirigente), que na
macroempresa moderna, supera a dominação até aqui exercida pelo dono do
capital... imune aos privilégios decorrentes da estratificação social.
Acontece, porém, que o mérito aparece... dentro de um círculo vicioso: crianças
provenientes de núcleos socioeconomicamente bem dotados levam vantagem inicial
[acesso a instrumentos e técnicas de aprendizagem mais modernos e sofisticados]
que não poder ser posteriormente
compensada. A meritocracia baseia-se num pressuposto (inatismo) que a
psicologia e a sociologia demonstraram não ser verdadeiro: o ‘germe’ [a
semente] não contém a árvore; a árvore é
fruto da interação do germe com o meio; o mérito também não é inato, é função
das estruturas genéticas ao relacionarem-se com o meio. Em síntese: o meio (a
classe, o status, etc.) é que “realizam” o mérito...” Bem no alvo! Eis um
exemplo típico e muito inteligente de unir a complexa teoria de Piaget, com a
praticidade de uma análise político-sociológica destinada ao grande público,
desmascarando ou esclarecendo um discurso politicamente correto, mas
realisticamente equivocado.
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Assim fica claro, para quem não é especialista em educação, segundo Lauro, que
o único caminho para o paraíso da sociedade capitalista é por meio da escola
secundária, e, por ela, chegar a universidade, onde se tem, afinal, acesso às
carreiras mais rentáveis e o reconhecimento social, ficando a escola
profissionalizante para a formação da capatazia, “marcando o indivíduo, socialmente, para estrato inferior da sociedade”.
Tentou-se, na Lei 5692, usar de artimanha semântica e legal para encobrir esse
fato na chamada “lei das equivalências”, onde o período gasto num curso
profissionalizante seria considerado equivalente a um mesmo período do 2º Grau,
o Ensino Médio da época, antigo secundário secundária, além de chamar de ““ginásio” e “colégio” às escolas
profissionais” – mudamos de nomenclatura na educação como trocamos de moeda
e de constituição, até parece que nenhuma delas tem valor para nós.
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Mas essas variações semânticas não
iludem... As classes inferiores sabem que a estrada real para a universidade...
é a escola secundária. O fato de a lei permitir o acesso à universidade à
partir das escolas técnicas não modifica fundamentalmente a situação... Quando,
por exemplo, a seleção do sistema escolar se torna insuficiente para as
aspirações do sistema social (invasão indiscriminada da escola secundária =
ascensão da massa), aparecem outros recursos, como os chamados ‘cursinhos’...
por meio dos quais se processo novo tipo de triagem econômica: o cursinho exige
não só a disponibilidade do tempo, mas também recurso financeiro, que implica
numa seleção que nada tem de intelectual, tornando anedótica a meritocracia...
Assim as estruturas sociais mostram ter mais peso na decisão [dos
estudantes] do que as românticas
intenções legais (equivalência e variações semânticas). O cursinho – reservado
aos que têm poder econômico – anula todos os esforços legais de hipotética
homogeneização das oportunidades. O rigor dos exames [vestibulares] – que aparece aos olhos dos idealistas como a
solução meritocrática – implica simplesmente numa discriminação socioeconômica”.
Ainda mais porque a matéria, que normalmente faz parte dos exames vestibulares,
é retirada exclusivamente do conteúdo constante do currículo das escolas
secundárias não profissionalizantes ou técnicas, com evidente prejuízo para os
que frequentam a estas, sem falar, como foi dito acima, do peso dos cursinhos.
É um verdadeiro massacre!
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http://jornalggn.com.br
A
solução clássica e mais fácil para a eterna crise educacional brasileira:
repressão policial, ou sob outras formas mais sutis.