O
QUE A FINLÂNDIA EXPLICA DO FRACASSO ESCOLAR BRASILEIRO
Prof
Eduardo Simões
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Não é a cultura, como muitos dizem, e que, decerto, é bem diferente, que nos
afasta dos finlandeses na construção de uma escola compreensiva de qualidade
para todos, mas a atitude diante das dificuldades e oposições, que até pode ter
matizes culturais específicos, mas que não são de modo algum intransponíveis.
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Como vemos na história e no livro Lições finlandesas 2.0, de Pasi Sahlberg, a
guerra da independência da Finlândia, contra a União Soviética nascente, foi
particularmente sangrenta – foi comum o fuzilamento indiscriminado dos prisioneiros
de ideologia oposta – e deu ensejo a que entrasse em aliança com a Alemanha
nazista, quando perdeu miseravelmente a 2ª Guerra Mundial, para a mesma União
Soviética. Uma das condições do Armistício de Moscou, de setembro de 1944, foi
a legalização do Partido Comunista, intimamente ligado a Moscou, além da perda
de territórios e a expulsão de centenas de milhares de finlandeses dos
territórios recém-tomados pelos soviéticos.
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É claro que nessas condições, boa parte dos finlandeses devia olhar para o
Partido Comunista com muito ressentimento, como um agente do opressor histórico
infiltrado no país. O PCF, agindo com prudência, uniu-se a outros grupamentos
da esquerda não comunistas, criou a Frente Democrática Popular Finlandesa, em
1944, e logo se tornou uma das principais forças políticas do país, até 1979,
recebendo sempre generosas subvenções dos soviéticos. Muitos finlandeses se
sentiam como que feitos de gato e sapato por aqueles. Mas havia uma questão
premente a ser respondida por quem queria melhorar a educação do país. “O que
vale mais neste momento: nossas tristes memórias, nossas crenças ideológicas,
nossas mágoas pessoais, ou o bem das crianças e com elas um futuro melhor, que
nos liberte das marcas desse passado?”
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O conservador Urho Kekkonen, de terno claro, abraça o
chefão da URSS, Leonid Brejnev, todo frajola na foto. Kekkonen era tido em tal consideração,
que nos altos escalões da União Soviética e do PCUS, era tratado como “nosso
amigo finlandês”.
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Abandonados pelo Ocidente e cientes de que não podiam mover indefinidamente
guerra contra seu poderoso vizinho, os finlandeses optaram por uma atitude
realista e uma convivência pacífica e respeitosa com a URSS. A capacidade dos
políticos desse país de manter uma relação de equilíbrio e neutralidade não
oportunista entre os países do Pacto de Varsóvia e os ocidentais capitalistas é
um feito diplomático memorável. Os dois lados sempre mantiveram as mais
cordiais ligações com a Finlândia, enquanto as tentativas de dirigi-la por meio
de infiltração ou ajuda externa explícita, como no caso dos soviéticos, não
conseguiu desviar esse povo e sua elite da rota neutral assumida, mostrando que
ser flexível não significa se render nem se acovardar.
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O resultado disso foi que na hora de se construir a maravilhosa escola
compreensiva finlandesa, seus idealizadores tiveram que lidar com correntes
políticas tão poderosas, em termos de representação parlamentar, quanto
antagônicas, em termos ideológicos, com um grande rol de mágoas e cicatrizes
históricas ainda expostas, unidas em torno da Frente Democrática Popular
Finlandesa e da União Agrária. Manobrando com cautela, buscando pontos de
convergência, mas sem esquecer de mobilizar entidades sindicais e a população
em geral, os idealizadores da peruskoulu conseguiram uma adesão sincera dos
dois lados ao projeto, o que permitiu a sua manutenção, integridade e ampliação,
fosse no governo da Frente fosse no da Liga – de um modo geral a mentalidade do
projeto, muito igualitarista, se aproximava da ideologia da Frente, enquanto
suas ligações com às concepções liberais-federalistas da Liga, também eram
evidentes, o que fez com que o mais importante líder conservador da Finlândia,
Urho Kekkonen, se tornasse o principal fautor da escola nascente (acima).
A síndrome do quixote
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Vejam
as salas de aula sem paredes da Escola Parque de Anísio Teixeira! O Brasil já
teve disso sim! Já estivemos entre os mais avançados sistemas escolares do
mundo!
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É aqui, portanto, a meu ver, que mora a diferença fundamental. Se analisarmos a
caminhada dos principais luminares de nossa educação, nos efervescentes anos de
1950 e 1960, veremos duas situações típicas. Os quixotes solitários, como, por
exemplo, Lauro Oliveira Lima, Maria Nilde Mascelani, Anísio Teixeira, eram
secundados por quixote de um só sancho pança, o da esquerda, como Darcy Ribeiro
e Paulo Freire, que jogaram todas as suas fichas em uma única corrente
política, a pretexto de fidelidade e coerência, quando o que estava em jogo não
era a sua coerência pessoal, da qual ninguém, a não ser por malícia, jamais poderia
duvidar, mas o futuro da educação, ou melhor dizendo, da nação brasileira. Será
que este objetivo valeria a pena o sacrifico de negociar com o oposto
ideológico?
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Eram pessoas íntegras, raras, e profissionais brilhantes; alguns, gênios! Mas
um tanto fechados na sua crença pedagógica e talvez pouco afeitos a negociar
com gente intelectualmente estreita, na sua opinião, mesmo que poderosa. Era
como se dissessem: “não tenho tempo para lhes convencer”. Mas convenhamos: isso
era realista? Daria para fazer uma reforma do porte que se sonhava para
educação do Brasil, sem fazer um grande e contínuo processo de cooptação dos
políticos? Sem eles como a reforma se tornaria lei? Era, ou é, realista esperar
que bastaria o povo nas ruas para fazer os políticos mudarem de ideia a cerca
de um assunto ou outro? Estamos descobrindo que a capacidade de nossos
políticos em resistir ao apelo das ruas é maior que imaginávamos. Uma coisa é
certa: não faltava nos bons projetos.
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Ninguém se preocupou em construir pontes com as diversas alternativas políticas
representadas no Congresso Nacional e na sociedade, e mesmo quando se dirigiam
aos sindicatos e organizações, o faziam exclusivamente para os de uma única
categoria sem pensar na que lhe fazia oposição. Se iam aos operários não
buscavam os patrões e vice-versa. Para um projeto da envergadura da educação
nacional isso foi um erro capital.
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Em 1964, quando desabou a repressão e a maré mudou de lado, eles estavam
sozinhos e seus maravilhosos projetos educacionais desmoronaram como castelos
de cartas. Faltou alguém para fazer a ligação com os diversos grupos de
interessados, professores, pais, alunos, políticos, burocratas, etc. numa
tarefa de convencimento, procurando pegar de cada uma dessas correntes ou grupo
de interesse algo que pudesse ser acrescentado ao projeto, e que naquele
momento pudesse torná-lo palatável ao maior número de pessoas possível,
preservando-o da tempestade que se avizinhava. Onde não encontrou resistência
considerável, os tentáculos da ditadura não pouparam nem a pessoa desses
educadores, como aconteceu com o massacre de Anísio Teixeira.
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Disso nos fica uma lição básica: quanto mais revolucionário for o projeto educacional,
mais deve o seu autor se desdobrar, ou nomear alguém para isso, em conquistar o
maior número de apoios possíveis, ainda mais num país como o Brasil, onde a
diversidade de cultura e opinião é enorme, transitando da esquerda para o
direita, dos patrões aos operários, tendo sempre em mente que o objetivo final
de um projeto educacional é, no curto prazo, jovens e crianças, mas no longo
são o futuro, a nação, algo muito maior que as diferenças ideológicas atuais e
mágoas que colecionamos ao conviver com gente que não pensa com nós. É preciso
ter humildade, paciência, muita diplomacia, e escolher bem os apoios que desejamos
obter para a nossa causa – não ir atrás de corruptos de modo algum ou de fundamentalistas,
enquanto estes não mostrarem disposição de sair do monólogo para o diálogo.
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Não pensem que exagero ou distorço, pois conversei com muita gente dessa
geração ou escutei suas palestras (Darcy, Paulo Freire, Lauro), e
invariavelmente eles, ou alguém, os ligavam ao Quixote de Cervantes, com uma
conotação sempre elogiosa. Mas há uma correção por ser feita: o quixotismo, a
revelia de méritos ou intenções, é a recusa ao diálogo com a realidade, seja
pela loucura, pelo excesso de ingenuidade ou pela autossuficiência. Quixotesca é
a atitude daqueles jovens escoteiros que, querendo praticar a sua boa ação do
dia, levavam uma velhinha a atravessar a rua, indiferentes aos seus reclamos:
“MAS EU NÃO QUERO ATRAVESSAR!” Talvez não seja adequado eles esperarem
agradecimento quando aquilo, enfim, terminar. O quixotismo é o simétrico
perfeito do coronelismo ou do mandonismo brasileiro, tão simetricamente
perfeito, que se confunde com ele....
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Em direção diferente seguiram os finlandeses, e seus vizinhos do extremo norte,
negociando exaustivamente com os grupos envolvidos as reformas, deixando de
lado os desastres do passado, que por diversas vezes quase os levaram à sua
completa destruição física ou cultural, e transformaram, por meio da educação,
uma das regiões mais inóspitas do planeta em um manancial de felicidade para o
planeta. A Finlândia é o 5º país mais feliz do planeta, segundo relatório anual
da ONU; o Brasil ficou em 22º - só se for para os brasileiros muito ricos...
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A minha geração cresceu imaginando que o paraíso ficava nos trópicos, e que
Deus era brasileiro, tão gostoso era morar aqui, junto com pelas belas garotas,
praias maravilhosas, uma música de uma sonoridade ímpar, a alegria espontânea
de nosso povo, uma natureza maravilhosa, etc., e hoje somos obrigados a
constatar que o paraíso se deslocou para uma região que não tem um décimo do
potencial da nossa, para os desertos gelados do extremo norte, que, inclusive,
atraem brasileiros, como Cristina Miranda-Christensen, que vive, sozinha, na
Noruega, e se “derrete” em elogios aos noruegueses, no site do UOL: “aqui me
sinto livre e segura... não existe discriminação, todos são iguais... o
brasileiro, hoje em dia, não sabe a diferença entre o que é certo e o que é
errado”. Sabem o que é que determina isso? A educação. É a educação que
transforma a Escandinávia, que tem tudo para ser um purgatório, em um paraíso,
e é a falta dela que nos transforma de um país que tem tudo para ser um paraíso
em um purgatório sem fim.
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A educação é um caminho que precisa ser trilhado a partir de suas margens; uma
é a humildade e a outra a paciência...
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