quarta-feira, 15 de março de 2017

CINGAPURA SE RENDE - PISA DESMORALIZADO - LAURO OLIVEIRA LIMA TINHA RAZÃO.

Prof Eduardo Simões

http://news.asiaone.com/sites/default/files/styles/w641/public/original_images/Dec2013/students_singapore.jpg?itok=4hM2PKpK&timestamp=1386148633
http://news.asiaone.com
Frustração: “Ah, se eu conseguisse que os meus alunos, pelo menos, acompanhassem o jornal da televisão, vez ou outra!

__ Na edição online da agência de notícias inglesa BBC, em português, de 11/03/2017, nossa atenção é chamada para o título: Porque Cingapura, 1ª no ranking mundial, quer reduzir o foco em notas na escola. O texto é claro, a eterna campeonissima do PISA está ansiosa por saltar do “barco” behaviorista e safar-se dos efeitos maléficos de uma educação feita para amestrar animais de circo ou ratos de laboratórios, que como certos psicólogos e gestores educacionais enxergam como seres humanos (matéria completa http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39203674).
__ Segundo o texto do site, escrito por uma das autoridades educacionais mais prestigiadas em Cingapura, a professora Lim Lai Sheng, que tem alguns vídeos bem provocadores já postados no Youtube, um dos quais é Today’s Students Tomorrow’s Underemployed’s (alunos hoje, subempregados amanhã), já começa dizendo a que virá essa nova reforma: criar “uma postura mais positiva nos alunos e em sua capacidade de enfrentar situações adversas”, que jamais poderão ser reproduzidas em canhestras provas de múltipla escolha ou em currículos escolares que privilegiam essas provas.
__ Em seu livro Mutações em educação segundo McLuhan, de 1971, Lauro Oliveira Lima diz provocador: “Já não se pode dizer que a escola é uma “preparação para a vida”, uma vez que só os profetas podem prever como será a vida das crianças que hoje entram na escola. Uma disciplina que prepararia o aluno para a vida... seria Ficção Científica... O que os alunos precisam para enfrentar o ano 2000 é da flexibilidade operatória de seus esquemas de assimilação e não de respostas aprendidas (learning, dos americanos) [que é o que praticamos compulsivamente na preparação para exames como SARESP, AAP, PISA, etc.]. Quanto menos hábitos intelectuais fixos e mais poder de adaptação à situação nova [ou “adversa”, como diz a senhora Lim] mais preparado estará o jovem para a vida... A evolução da educação não procurará mais... separar [como acontece na escola atual], mas integrar o homem no seu contexto universal. A expressão “preparar para a vida”... tornar-se-á um absurdo. Não há uma vida previsível para a qual se possa preparar alguém. A todo momento, através dos retro-efeitos (feedback) a vida irá se transformando, segundo uma lei geral das probabilidades (auto-regulação). Foi a estratificação da sociedade que criou a necessidade de escola [e de exames de comprovação por mérito]: a escola foi mais um instrumento de estratificação da vida (desestimulação da criatividade), que fator de reequilibração permanente. A tecnologia levou, de roldão, em sua permanente criatividade, a estabilidade cíclica [a anualidade escolar] dos sistemas simbólicos (arquiteturas puramente ideológicas)” (14ª edição; Vozes; 1985; p 14-15 e 60-61). Bem no alvo! Os cingapurianos descobriram isso, com 46 anos de atraso! Nós, os brasileiros, quanto mais ainda vamos esperar?
__ O resultado da busca exclusiva por excelência acadêmica e primeiras notas em exames, por Cingapura, diz a senhora Lim, fez as escolas “se tornarem espaços estratificados e competitivos [não é esse o objetivo do behaviorismo americano?]. Famílias com renda mais alta têm mais capacidade de oferecer às crianças atividade extra... aulas de reforço... Os que não podem arcar com esses custos dependem da motivação pessoal das crianças, e dos recursos oferecidos pela própria escola...” Ou seja: a escola “made in PISA”, baseada no desempenho acadêmico e no controle por meio dos exames, agrava as desigualdades sociais, justo aquilo que a escola se propõe combater. É o fracasso completo! A melhor resposta a isso é o modelo finlandês: escola pública, para todos sem exceção e sem busca pelo desempenho, antes pelo desenvolvimento integral da criança. Uma educação, vista a partir do que é essencialmente humano, e as pessoas tratadas como fator e estratégico fundamental, algo muito difícil em uma sociedade tão marcada pela escravidão como a nossa.
__ A descrição dos males, pela senhora Lim, prossegue: “A divisão social no país está cada vez maior, porque as práticas do sistema educacional baseadas no princípio da meritocracia que renderam elogios a Cingapura não promovem mais a mobilidade social como deveriam.  Está em curso um trabalho para combater tudo no sistema que esteja prejudicando a coesão social [a preocupação com a “coesão social” foi, segundo Pasi Sahberg, um dos pilares da reforma do sistema escolar finlandês, em 1970]... Essa atualização terá de assegurar que o país possa criar uma sociedade mais justa, construa um sólido pacto social entre seus cidadãos e, ao mesmo tempo, desenvolva suas capacidades para a nova economia digital. As políticas estão se distanciando da obsessão nada saudável de pais e alunos por notas e vagas nas melhores escolas e enfatizando a valores e princípios. Escolas estão sendo encorajadas, especialmente as do ensino fundamental, a riscar do currículo exames padrões e focar no desenvolvimento integral da criança”.
__ A base psicológica para as mudanças foi encontrada no trabalho do americano Martin Seligman, da Pensilvânia. “ O modelo proposto por Seligman sustenta que o sucesso acadêmico e o bem-estar formam uma dupla hélice, e que a melhor educação deve ensinar crianças sobre valores e caráter bem como a interagir com outras pessoas, estabelecer metas para elas mesmas e trabalhar para alcançar esses objetivos. A "educação positiva"... trabalha para criar uma cultura escolar de relações baseadas em atenção e confiança [algo que jamais será alcançado com a fiscalização compulsiva e a obsessão por controle como existe hoje, por exemplo, nas escolas de São Paulo]. O foco está em desenvolver habilidades emocionais, intelectuais e encorajar um estilo de vida mais saudável...” Isso é uma necessidade humana fundamental, que as nossas autoridades educacionais esqueceram!
__ Até o Ensino Médio perde o seu caráter obsessivamente profissionalizante, e se abre para uma formação mais geral. “No ensino médio do país, programas ensinam jovens a serem mais empáticos, socialmente responsáveis e ativos em suas comunidades, estimulando o trabalho com idosos, migrantes e crianças em creches - cujos pais trabalham em tempo integral”. Que diferença do que se está querendo implantar em nosso país! As reformas alcançam inclusive o nível superior: “houve iniciativas pedindo que escolas e faculdades tivessem um processo de admissão mais flexível, com a avaliação de qualidades como motivação, resiliência e entusiasmo... Em nome da equidade, o Ministério da Educação também tentou distribuir recursos de forma mais uniforme em todas as escolas, promoveu um rodízio de diretores mais experientes naquelas que precisam de mais atenção. De forma geral, as autoridades defendem uma definição mais ampla de sucesso, que vá além das notas acadêmicas. Mídia e escolas de elite têm sido desencorajadas de fazer propaganda de seus melhores alunos e suas respectivas conquistas acadêmicas”. Coitados dos cursinhos de lá! Se é que tem algum! “Trata-se de uma abordagem mais suave, enfatizando valores e princípios e tentando aprimorar o elo entre escola e trabalho. É a busca para a próxima fórmula da educação em Cingapura”.
__ É, enfim, o esvaziamento proposital, estratégico do culto às provas e exames que se tornaram, em nosso país, em especial no nosso estado, uma compulsão nacional, em favor de uma avaliação mais abrangente e voltada para a adaptação do jovem ao ambiente social, ao trabalho, que é muito mais que saber dos princípios que movem as máquinas, os sistemas de informação, as transformações bioquímicas, etc., à vida, que sempre foi muito maior que a instituição escolar, à qual nossas “autoridades” teimam reduzi-la.

http://swt3hss.s1.vatitude.com/qql/slot/happenings/ie01/f01b8ccaf_20.jpg
http://swt3hss.s1.vatitude.com/
O que foi que nós fizemos com os laboratórios de ciências de nossas escolas públicas? Conheci um, em minha cidade, repleto de equipamentos e de uma infinidade de substâncias químicas, em vidros ainda lacrados, que fora transformado em quarto de despejo, e camarim de teatro improvisado! Eliminamos os laboratórios de ciências para substituí-los por experimentos simulados no computador (dá para adquirir know-how em ciências vendo simulações na TV?). Agora nossos os professores dão aulas em ciências com cuspe e giz ou amparados em laboratórios manuais improvisados, insuficientes para o grande número de alunos, onde quem faz a experiência é quem menos precisa: o professor.

https://static01.nyt.com/images/2009/04/22/world/23singapore2_600.JPG
http://www.nytimes.com
As garotas islâmicas de Cingapura estão muito mais preparadas e competentes para o ramo das ciências e sobreviver no mundo do futuro, que a maioria dos alunos de nossas escolas públicas. Nada substitui a experimentação PESSOAL.

O mestre com a palavra
__ Lauro O Lima tem um capítulo magistral e profético sobre avaliação no seu Escola secundária moderna, de 1976. Ouçamo-lo:
A seleção dos mais aptos... não se deve basear em “conhecimentos atuais” apurados numa emergência (por exemplo vestibulares e exame de admissão), mas nas aptidões gerais constatadas em longos e meticulosos períodos de observação [o fim do vestibular!]. Quando a observação não é correta os privilegiados levam vantagem”.
O conceito de verificação de rendimento escolar, portanto, tomou outro sentido: “não é mais o meio para reprovar alguns... mas recurso para diagnosticar os alunos que merecem auxílio suplementar... por vezes um prato de sopa [a fome] é a diferença entre aprovação e reprovação”. A fome de pão, muito presente naquela época, foi parcialmente removida pela merenda escolar, mas e a fome de atenção e afeto, em meio ao colapso das famílias?
Usar provas e exames como recurso de coação para promover o estudo não só demonstra a incapacidade do professor para liderar a classe, como cria tensões psicológicas altamente prejudiciais... o medo é fonte de desajustamento”. Essa tensão foi hipocritamente atenuada pelo método da aprovação automática, sem um atendimento extra adequado aos alunos com dificuldade. E para provar que nossas autoridades não mudam, os exames continuam “recurso de coação”, usado agora contra os professores, que tem seus ganhos atrelado ao rendimento de seus alunos em provas que não passam de uma grande farsa!
o sistema de verificação que consiste em comparar alunos entre si [com acontece no SAREP, PISA, AAP, IDEB, etc.] não só é profundamente injusto (dadas as diferenças individuais) cm provoca hostilidades, desavenças, quebrando a desejável solidariedade que deve ser cultivada na juventude... As comparações criam competição, ódio, inveja, desânimo [quebram a coesão social; não é isso que os cingapurianos estão descobrindo hoje?]. Uma escola deve ser um centro de treinamento da cooperação [veja uma escola assim em  https://www.youtube.com/watch?v=nDXDrvd1utE]. 
““Se o aluno não aprendeu, o professor não ensinou”... não descobriu a forma própria com deveria para orientá-lo ou as causas que impediram a aprendizagem [impossível hoje nas salas superlotadas das escolas paulistas, com o dobro de alunos das congêneres europeias e americanas].  O professor deve ser um especialista em diagnosticar e em orientar aprendizagem”. Não é isso que se tenta fazer, hoje, nas escolas de tempo integral, e mesmo na atual reforma de Cingapura (ver o artigo completo), embora no caso brasileiro essa pressão toda não é tanto para promover o bem do aluno, mas para compensar uma certa “má impressão” de que o nosso professor “trabalha pouco”.
Não deve haver horas especiais de verificação... Foi o sistema de aulas expositivas que criou a necessidade de testes, provas e exames. Substitua-se o processo pela atividade e desaparecera o imperativo das avaliações cíclicas”.
O sistema traumático das provas e exames mede menos o rendimento real e as aptidões que o equilíbrio emocional... Provas e exames medem mais a resistência emocional que o nível intelectual”.
Os alunos devem ser educados para a solidariedade... e não para a desenfreada competição”. É o que os cingapurianos buscam agora, seguindo as pegadas dos finlandeses, enquanto nós nos sentimos à beira da guerra civil ou já a experimentamos de uma forma não oficial, na criminalidade crescente.
Provas e exames, dificilmente, permitem verificar o comportamento do indivíduo numa “situação de vida”... selecionam num sentido artificial desligado dos problemas da vida real”.
O que não se deve fazer... estimular qualquer forma de memorização [inevitável em provas múltipla escolha]... a memorização é um subproduto da atividade racional [e é tanto mais aguçada quanto maior é o interesse do aluno pelo assunto]... Fazer julgamentos milimétricos [notas com décimos]”.
“Estimular os alunos a criticar os julgamentos dos autores que usam [e até os do professor]... O professor não deve adotar como critério de julgamentos o “conformismo”, mas a capacidade de encontrar novas soluções”. Como criar essa inteligência plástica, adaptável, com provas de múltipla escolha?
As chamadas “provas objetivas”... são uma contrafação da objetividade (Quando se fala em “objetividade” a propósito destes testes, trata-se apenas de evitar a subjetividade do professor)” O que é uma aberração!
O atual processo de verificação funciona menos como um instrumento científico de avaliação... que como um recurso de atemorização para levar os alunos a estudar, dada a generalizada incapacidade do magistério para entusiasmar os jovens [as carências atuais do professorado são agravadas pelo colapso da família e dos valores sociais]... promove a hipertrofia... do aspecto de memorização, de vez que as questões de arguição, provas e exames, para serem objetivas (sic!) solicitam apenas a reprodução de conhecimentos que possam ser comparados com os existentes nos manuais [de onde a farsa de chamar essas provas de “múltipla escolha”, como se o aluno pudesse escolher outra opção que não a “certa”, sem baixar a nota]  
__ Muito mais foi dito sobre esse assunto por Lauro, mas acho que está mais do que claro de como Lauro antecipou em várias décadas o que hoje é visto como o suprassumo da educação moderna. Quem o escutou?

http://assets.inhabitat.com/wp-content/blogs.dir/1/files/2016/03/Rainbow-Nanyang-Primary-School-Singapore-2-889x677.jpg
http://inhabitat.com/

Acima, incrível escola primária de Anyang, criada a partir de modelo do arco-íris. É uma gente que investe pesado na educação e o faz de maneira a atender às necessidades da criança.
A “maldição da educação”! Um prefeito de minha cidade, aconselhado por alguma múmia desorientada, ou, segundo alguns, para fazer uma homenagem à maçonaria, resolveu edificar em algumas escolas municipais uma biblioteca e espaço cultural em forma de pirâmide. O resultado foi um interior muito claustrofóbico, com a sensação de paredes caindo sobre o visitante, sem falar da perda colossal de espaço interno útil. COMO É QUE NINGUÉM FALOU PARA ESSE HOMEM QUE PIRÂMIDE É MONUMENTO FUNERÁRIO, E QUE NÃO SE CONSTRÓI MONUMENTO FUNERÁRIO EM ESPAÇO DEDICADO ÀS CRIANÇAS. Nada exprime melhor a falência da educação brasileira e o nosso desapreço pela infância do que uma coisa dessas!!!!    

A recepção do futuro no Brasil
__ O professor e autoridade educacional finlandesa Pasi Sahlberg diz que nas escolas finlandesas o professor se preocupa menos em ensinar conteúdo que ensinar o aluno a aprender. Vejam esse episódio que escutei de Lauro mesmo:
__ Na metade dos anos 1960 ele estava preso numa cela do 23º Batalhão de Caçadores, por envolvimento no projeto de educação “comunista” de João Goulart. O Capitão que o interrogaria estava particularmente nervoso, com uma pilha de papéis e livros de Lauro sobre uma mesinha.
__ “Que significa isso?” Perguntou
__ “Minha crença pedagógica!” Foi a resposta
__ “Mas porque se repete tanto? Por que essa frase foi posta tão repetitivamente em várias páginas de seus escritos?”
__ “Para ressaltar e fixar-se naqueles que os lerem. Não tem gente que canta o hino nacional todo dia? (os militares por exemplo)”
__ Os presentes se entreolham, enquanto folheiam nervosos aquelas páginas. “Só pode ser!” Diz um. “É, responde outro, deve ser a “senha” para alguma ação subversiva, que pode estar para acontecer!” O capitão toma uma decisão: “Avise a todos os comandos militares e policiais, para que procurem algo igual ou semelhantes em outros documentos subversivos já aprendidos, e que estejam atentos a isso nas próximas prisões e desmantelamento de células!”. E virando-se para Lauro disse ameaçador: “Nós vamos descobrir o que é isso, e vamos acabar com vocês; comunas filhos da.....”
__ Dessa época, também me lembro de um testemunho de uma filha de Lauro, relatando, com lágrima nos olhos, que muitas pessoas, que antes viviam na casa deles, algumas pedindo ajuda, que não lhe era negada, depois dessa prisão começaram a mudar de calçada, à vista do professor ou de seus familiares, para não ser constrangida a lhes dirigir a palavra...
__ A propósito, a frase que tanto dissabor causara a Lauro naquele momento, pode ser lida, solta no canto inferior de algumas páginas do Escola secundária moderna, e diz o seguinte:
__ O PROFESSOR NÃO ENSINA: AJUDA O ALUNO A APRENDER.


Nenhum comentário:

Postar um comentário