quinta-feira, 2 de março de 2017

LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 E O SONHO DE LAURO DE OLIVEIRA LIMA - 1

Prof Eduardo Simões

http://www.admin.paginaoficial.ws/admin/arquivos/biblioteca/prof37547.jpg
http://m.vermelho.org.br

__ Conheci e privei com Lauro de Oliveira Lima, para mim um dos maiores educadores que o mundo já conheceu, um revolucionário com um descortino de visão impressionante, numa área do conhecimento marcada pelo tradicionalismo, o que o torna ainda mais raro. Seus textos sobre educação são os únicos que fazem algum sentido para mim, porque dizem coisas, descrevem situações, que eu posso facilmente identificar na realidade, uma vez que Lauro não fica apenas na divagação abstrata, nas grandes dimensões éticas, antropológicas, políticas, etc. do agir pedagógico, próprio de quem não tem muito claro onde quer chegar, mas busca ensinar aos seus leitores, de maneira por vezes confusa, por causa de sua abissal erudição, como fazer, passo a passo, para alcançar um fim almejado.
__ Suas palestras eram impressionantes. Seu humor cáustico disparava como uma metralhadora, não perdia uma piada, já os amigos... A sua erudição espetacular, as relações inesperadas e geniais que criava entre os fatos mais insignificantes, faziam-nos ficar mobilizados, de modo a não perder uma palavra, do princípio ao fim. Mas era um provocador! Um provocador compulsivo, que não raro incitava o horror e repulsa de parte considerável dos ouvintes, incapazes de perceber o caráter metafórico e o objetivo mobilizador, didático, de suas provocações. Noutras palavras, eram esses os ignorantes, os acomodados, os conformados com o status quo, que constituíam a maioria na educação do país, e que arrastaram a nossa escola formal para o fundo do abismo onde hoje se encontra.
__ Sim, Lauro lutou como um leão para que nossa educação fosse diferente, e pagou o preço de ter olho são em terra de cegos, mas estes sofrerão mais e, infelizmente, muito mais do que eles, os seus filhos, pois a causa de Lauro, e daqueles que admiram as suas ideias, é o pleno desenvolvimento de jovens e crianças, cada vez mais comprometido nesse manicômio em que se transformou o sistema escolar brasileiro, onde cada reforma não passa de uma grosseira repaginação de antigas práticas, já aleijadas de tão decrépitas e de tão errado que que deram... É mais do mesmo, até ver se a quantidade se transforma magicamente em qualidade, como nos livros de fábulas.
__ A pregação profética de Lauro começou no final dos anos 50 e alcançou plena maturidade nos 70, até que, por força das circunstâncias políticas, uma vez que estava associado às iniciativas educacionais do governo João Goulart, foi perseguido pelo Governo Militar, preso, cassado e precocemente aposentado, junto com a elite brasileira pensante na época, num movimento de pura vingança ou para não deixar dúvidas sobre a densidade das trevas do novo regime, que alguns ensandecidos, ignorantes, pedem hoje, nas ruas, para que volte. Nessa situação tremenda, tipicamente latino-americana, Lauro montou, sobre os alicerces da mais profunda e consistente teoria do conhecimento existente, a de Jean Piaget, um projeto de educação e de escola, que nunca chegou a se concretizar plenamente, uma vez que visava todo o Brasil, mas que deu frutos na escola fundada por ele e seus filhos no Rio de Janeiro e em Fortaleza, e numa escola fundada por mim e minha esposa em Guaratinguetá – 14 anos após sepultarmos essa nossa escola, recebemos de um ex-aluno, que agora reside na Austrália, um depoimento emocionante: “foi a melhor escola que eu já estudei na minha vida”, enquanto funcionava muitos pais nos contaram que seus filhos os importunavam no sábado e no domingo... para irem à escola! Resta-me um consolo: eu vi essa escola funcionando no Brasil!
__ Em terras de... de... de quem mesmo hein? Não sobrou ninguém da plêiade de grandes educadores brasileiros dos anos 50 e 60. Os porta-vozes da educação atual ou são militantes fanáticos de esquerda, prontos a usá-la como degrau para a conquista do poder a qualquer preço, ou empresários, economistas, estatísticos, administradores, de uma direita neobehaviorista, que não consegue pensar em outra coisa que “mão-de-obra” qualificada, nem barata nem cara o bastante para não parecer escravidão ou servidão medieval, sem deixar completamente de o ser, nem reduzir os lucros da escola-empresa ou sobrecarregar as despesas do Estado. O importante é que essa mão-de-obra se preocupe com desempenho e não pense muito, como os ratos de laboratórios de Watson e Skinner, o escravo romano antigo e o servo da gleba medieval. O trabalhador brasileiro deve viver para trabalhar, apertar botões no momento certo, como os ratos de Skinner vivem para apertar alavancas, a fim de receber sua porção diária de comida.  Voltamos às cavernas...
__ Nesse ambiente não é de admirar que um pensamento educacional tão avançado, fulgurante e desafiador, como o de Lauro O Lima, se encaminhasse lentamente para o ocaso, não fora um caso fortuito e espetacular. No final da primeira década do século XXI começou a ser noticiada pela imprensa a existência de um modelo educacional estonteante, capaz de arrastar ao seu país de origem, levas de educadores do mundo inteiro a perguntarem assombrados: “mas o que é que está acontecendo aqui? É o contrário de tudo que estamos acostumados a considerar “sagrado”, “intocável”, na educação, e aqui funciona muito melhor!” O sistema educacional finlandês subverteu todos os conceitos e crenças da “boa” educação e ameaça deixar o resto da humanidade para trás, se não aprender logo a sua lição! Avançando mais na leitura e nos vídeos sobre essa maravilhosa revolução educacional percebemos, pasmos, que essa estrutura é quase idêntica àquela que o professor Lauro buscava instaurar no Brasil, há uns 50 ou 40 anos atrás, e pela qual ele pagou tão caro!
__ Lauro previu e planejou para o Brasil, com décadas de antecedência, aquilo que hoje é considerado o maior fenômeno educacional do mundo e, decerto, a maior glória desse pequeno país do norte, enquanto o nosso país, em matéria de educação... Lauro, se estivesse vivo hoje, bem que poderia dizer aquelas palavras de Darcy Ribeiro: “fui derrotado em todos os projetos educacionais que sonhei para o Brasil, mas eu não queria estar no lugar dos que me venceram!”      

Duas divergências importantes, mas não fundamentais
__ Filho do seu tempo, o efervescente Brasil dos anos 1950 e 1960, Lauro era um pessimista em relação à nossa sociedade, que ele via como que encruada em antigos costumes patriarcais, herdados do império e quiçá, do período colonial, controlado por pessoas de mentalidade estreita e repressora, que jamais permitiriam a crianças e jovens desenvolver toda a sua potencialidade. A melhor coisa a fazer, portanto, seria separar as crianças dessa sociedade, em escolas transformadas em comunidades educacionais, pelo maior tempo possível, até tornarem-se plenamente sujeitas de todo o imenso cabedal de conhecimento e inteligência que a natureza dotou a nossa espécie, aptas, por conseguinte, a revolucionar nossa sociedade estagnada. Lauro e a sua geração tinham pressa. Nesse sentido ele apoiou a escola de tempo integral e o aumento da carga horária letivo – no seu livro Escola secundária moderna ele apresenta essa questão de forma tão dimensionada que até parece ver aí a panaceia salvadora de nossa educação. A crise da segurança pública atual parece indicar que a escola pública é o melhor, caminho na atualidade, para nossas crianças e jovens. Já que o Estado não consegue dar segurança aos cidadãos...
__ Por caminho bem diferente foram os finlandeses, segundo  Pasi Sahlberg. A reforma da educação finlandesa foi considerada desde o início como uma condição e uma consequência necessária da reforma da sociedade finlandesa. O sucesso da reforma escolar dependeria assim do sucesso nas tentativas de legisladores finlandeses em reduzir as desigualdades sociais, em estabelecer uma sociedade mais justa para todos, e seria, ao mesmo tempo, um fator de aceleração desse mesmo processo de mudança social. Nesse sentido a sociedade torna-se uma extensão da escola e vice versa, no que tange aos cuidados com a infância, e um importante fator de experiências tanto cognitivas como emocionais, assim como a escola, sendo inclusive muito benéfico e esperado que a criança conviva ao máximo com sua família e comunidade de origem – as pessoas não imaginam o bem que faz a uma criança poder circular sem medo nas ruas do bairro e da cidade onde mora – não sendo, portanto, de admirar que o seu ano letivo e a carga horário dos estudantes finlandeses na escola sejam uma das menores do mundo.
__ Lauro frequentou uma escola que eu nem consigo imaginar seus méritos e suas deficiências. Ele, porém, percebeu mais a estas, principalmente aquelas derivadas da ação direta do professor, que nós sabemos que existem, embora não seja politicamente correto ou “revolucionário” apontá-las. Mas Lauro não se importava em ser politicamente incorreto, antes até considerava isso um atestado de inteligência, numa sociedade onde todos primavam por ser politicamente corretos, acomodados e submissos, e por isso ele estabeleceu como meta – ele me falou isso uma vez, numa conversa densa, recheada de maresia, nas areias da Praia do Futuro, em Fortaleza – criar “um método à prova de professor”, podendo passar para os mais desavisados que, para Lauro, o grande adversário da boa educação era o professor. Ele tinha muito péssimas memórias de seus professores, e às vezes era cruel e expunha publicamente as deficiências de professores consagrados, mas ele também era muito crítico em relação aos pais, em especial as “má-mães”, e as babás, que enchiam a mente das crianças de medos infundados. Para Lauro o cerne do sistema educacional era a criança, e não atender, por uma deformação da personalidade ou por puro comodismo, às necessidades naturais desta um crime.
__ Bem diferente, parece, o sistema finlandês onde o realce da pessoa do professor é mais do que evidente. O professor passa por uma “peneira” tremenda, e logo após esta uma preparação rigorosíssima, e então estará pronto a ser admitido em sala de aula. Na escola de Lauro também havia um sistema rigoroso e diário de formação do professor, que fazia com que sua escola, apesar de ser privada, não hesitasse em ficar com o professor, quando de uma pendência em que o aluno estava errado, porque os gestores da escola sabiam o quanto lhes custava preparar um professor minimamente apto para aplicar o seu complexo planejamento. E era estritamente a esse planejamento, às atividades nele descritas, que o professor tinha que se ater, embora sempre houvesse alguma liberdade para a criatividade. O sistema finlandês, ao contrário, dá completa liberdade aos seus professores, inclusive para, se acharem conveniente, dar as suas aulas usando apenas lousa e giz! Ele tem total liberdade sobre o método a ser usado e as formas de avaliação cognitiva, que por sinal lá são raríssimas, ao contrário do sistema de Lauro em que as avaliações são constantes. Os finlandeses colocaram o professor num patamar superior, e fizeram dele a principal coluna de seu sistema.
__ Eu, pessoalmente não me inclino nem a um nem a outro. Eu acredito que o cerne do sistema educacional escolar é uma relação, a relação professor-aluno, secundada pela outra que também é fundamental: a relação criança-família. Nesse sentido eu concordo com os finlandeses quando afirmam que nenhuma reforma de longo alcance atingirá o seu objetivo se, concomitante a ela, a sociedade também não se reformar, e as famílias não tiverem melhora real na sua qualidade de vida, no sentido mais abrangente possível desse termo. Também concordo com eles quando afirmam que nenhuma reforma duradoura acontecerá sem a participação fundamental, indispensável do professor, de onde a necessidade estratégica de turbinar as suas condições de trabalho, o seu status social e, em consequência, o seu salário; mas também concordo com o professor Lauro por achar que o professor deve conhecer tudo que puder sobre psicologia infantil, psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem – aliás esta parece ser a grande ausente nos debates sobre educação implementados pelos finlandeses, nos quais não se consegue perceber a matriz psicológica infanto-juvenil que os guia – de tal sorte que antes que um “expert” em alguma matéria o professor deve ser um especialista em criança. Haja psicologia! Cada vez mais!  
__ Bem, já que o nosso xenocentrismo, nosso complexo de inferioridade, nos fez perseguir a Lauro de Oliveira Lima e ignorar sistematicamente o seu chamado profético a uma educação escolar de qualidade, muito à frente de seu tempo, só nos resta aprender a um custo muito maior, mas de uma fonte também segura, embora estrangeira, os ditames de uma educação escolar que realmente funciona para além das promessas dos políticos, dos números e gráficos de pesquisas encomendadas, que de quatro em quatro anos tentam nos convencer que temos um dos melhores sistemas escolares do mundo, até o próximo exame internacional nos mostrar, cruamente, justo o contrário. Recuperemos com os finlandeses a educação que desprezamos com nosso Lauro de Oliveira Lima. É o mínimo que podemos fazer por nossas crianças e... professores.
__ A estes dedico esse trabalho.
   


LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 (DE PASI SAHLBERG)

Tradução, entre aspas e em itálico, e comentários [entre colchetes]: Eduardo Simões

http://swisspearl.com/uploads/pics/Kannisto_School_Vantaa_Finland_0006_Kannisto_school_photo_1.jpg
http://swisspearl.com

Escola Kanniston, em Helsinque

Prefácio da Segunda Edição (Salhberg)

Quando eu sou convidado para falar sobre lições finlandesas... Eu sempre começo chamando a atenção sobre três questões que merecem destaque. Primeiro, minha intenção com esse livro e na apresentação do sistema escolar finlandês não é convencer a minha audiência de que a Finlândia tem o melhor sistema educacional do mundo. A imprensa internacional e alguns especialistas criaram a falsa impressão de que existe uma métrica universal para determinar qual é o melhor – ou o pior – sistema educacional do mundo... quando o primeiro resultado do PISA foi divulgado em 2001, mostrando a Finlândia em primeiro lugar, alguns finlandeses disseram a si mesmos: “nós devemos estar fazendo alguma coisa errada, para sermos os melhores em um exame de avaliação estandardizado, que mede as aquisições dos alunos em três áreas do conhecimento acadêmico...”
[eles, entretanto, não estavam fazendo nada errado, mas apenas ativaram, talvez sem o saber plenamente, o principal motor da aprendizagem inteligente – que é extremamente adaptativa – a motivação, a mobilização da afetividade, fruto de métodos e expectativas sociais saudáveis sobre crianças e jovens. Os testes estandardizados, em áreas do conhecimento dos alunos, são uma coisa banal, banal demais para uma criança inteligente e motivada]
.......

Segundo, eu jamais digo, em meu livro ou em minhas palestras, que se outros países quiserem imitar o modelo finlandês na reforma de seus sistemas de ensino, que eles estão fazendo a melhor escolha... o que faz sentido e traz progresso a um sistema de ensino, numa determinada realidade, pode não ter o mesmo efeito em outra realidade... A Finlândia apenas pode oferecer a educadores de outros países oportunidade para refletir mais profundamente sobre suas próprias escolas ou sobre suas próprias culturas...

[O fundamental, creio eu é descobrir os princípios gerais que movem o sistema, sem se impressionar com as aparências, ou aquilo que se destaca mais aos sentidos, que em geral é o menos relevante, e uma vez captado o sentido, aplica-lo em outra realidade que, se for formada por outros seres humanos, fatalmente dará bons resultados. Princípio geral: descobrir os princípios gerais da educação finlandesa, para além das escolas, as sociedade e da cultura finlandesa, e que funcionam bem pelo simples fato de eles serem humanos]

Finalmente é preciso ter em mente que muito da reforma do sistema escolar finlandês foi inspirado em políticas educacionais de outros países. No início do século XX, quando a Finlândia se tornou uma nação independente, e começou a estabelecer o seu sistema escolar, a Alemanha e a Suíça serviram de inspiração às primeiras escolas. A ideia de uma escola compreensiva igualitária veio de seus vizinhos nórdicos, em especial a Suécia. Mais recentemente, Escócia, Inglaterra e Estados Unidos foram lugares onde educadores finlandeses buscaram ideias para o atual modelo de ensino-aprendizagem”.

[Princípio geral: abrir-se para aprender com outros países, estar atento ao que ocorre no exterior]
...
Eu espero que “Lições finlandesas 2.0” inspire a você e o convença que dá para construir uma escola de boa qualidade para todas as crianças. A receita finlandesa para uma boa educação é simples: pergunte a você mesmo se a política ou a reforma que você pretende começar vai ser igualmente boa para alunos e professores. Se você hesita na resposta então é melhor nem começar”.

[Princípio geral: ter bem claro que são os atores principais do processo. Entre os finlandeses são os alunos e os professores, igualmente]


Introdução: Sim Nós Podemos (aprender uns com os outros)

.........
Ser bem-sucedido nessa reforma [a da educação] é um imperativo moral e econômico para uma nação assim como para seus líderes. É uma obrigação moral porque toda pessoa bem formada e minimamente feliz é mais valorada pelo conhecimento, habilidades, e cultura geral que se adquire com uma boa educação escolar. É também um imperativo econômico porque o bem-estar das nações depende mais do que nunca do know-how tecnológico...
......

A vitrine do norte
As lições finlandesas podem ser sempre retomadas porque elas partem de ideias e sugestões frequentemente encontradas em livros e jornais especializados em desenvolvimento educacional [não há mistério, antes uma vontade política honesta]. Além disso, essas lições mostram que a melhoria sistêmica é possível apenas quando as políticas e estratégias são construídas de forma realista e sustentável, envolvendo professores e diretores no planejamento, implementação e revisão sobre todos os aspectos os quais se pretende aperfeiçoar.

[Princípio geral: envolver todos os sujeitos do processo nas mudanças]

Embora essas lições contenham em si uma grande promessa, elas também clamam por paciência. Nesse tempo de busca de resultados imediatos, a educação exige outra predisposição mental. A reforma de um sistema educacional é um processo lento e complexo; acelerá-lo [como tentamos fazer em São Paulo] seria a sua ruína...”

[Princípio geral: toda mudança educacional requer tempo, muito mais tempo que a média das mudanças em outros setores da sociedade. É algo de longo prazo. Não podemos continuar com essa política de resultados de curto prazo, estritamente quantificáveis, em função do ciclo das empresas ou das eleições, o ciclo da educação é muito mais longo; se mede por décadas, talvez seja o caso de tirar a educação do Brasil do controle dos políticos, que só podem garanti-la nos quatro anos de seu mandato]
........

http://swisspearl.com/uploads/pics/Kannisto_School_Vantaa_Finland_0001_Kannisto_school_photo_8.jpg
(idem)
Interior da escola Kanniston

A Finlândia como uma inspiração   
Os sistemas de educação pública estão em crise no mundo inteiro... por falhar em prover uma educação de qualidade para todas as crianças [noutras palavras: a discriminação social as emperra], embora tentativas de soluções nada ortodoxas não faltem nesses países [na Europa e América do Norte] como: aumentar a competição entre as escolas, complexificar a avaliação de resultados dos alunos, condicionar os ganhos dos professores ao desempenho das turmas, fechar escolas com baixos índices [ou entregá-las a outro ente público; os municípios por exemplo] é tudo parte do receituário falho imposto a esses sistemas [fala São Paulo!].
Esse livro não sugere que o aumento da competição ou da carga horária das aulas, o enfraquecimento das associações e sindicatos de professores, a entrega de escolas à iniciativa privada [as charter-schools americanas], o emprego de elementos da gestão corporativa em sistemas educacionais possa dar uma solução para a crise... O outro caminho [tomado pela Finlândia] é buscar o fortalecimento do status do professor, limitar as avaliações ao mínimo possível, estimular o senso de responsabilidade e a confiança antes das avaliações e controles, investir em igualdade educacional, entregar a direção das escolas e dos órgãos intermediários a experimentados profissionais da educação”
[Nós preferimos denunciar e expor os maus profissionais e fazer deles o suposto modelo de toda a categoria, forçar a aposentadoria ou exoneração dos professores mais antigos, a pretexto de sua inabilidade em novas tecnologias].

[Quatro são os fatores porque a Finlândia tornou-se uma inspiração para o mundo... inteligente]
1º - “A Finlândia é especial por ter sido capaz de criar um sistema educacional onde os estudantes aprendem bem e onde uma educação de qualidade foi garantida em todos os rincões do país, de sorte que há muito pouca diferença entre as escolas espalhadas no território finlandês”.
[Nós sempre colocamos como opostas, como contraditórias, educação de qualidade e educação para todos, e sempre optamos pela segunda, por ser mais fácil e barata de implementar...]
2º - “A Finlândia demonstra que há outro caminho para construir um sistema educacional bem-sucedido, usando soluções diferente das propostas de uma educação orientada pelo mercado, que se tornou muito comum no resto do mundo [como em São Paulo]. A fórmula finlandesa de mudanças... se baseia na confiança, no profissionalismo e na responsabilidade compartilhada... e despreza a inspeção nas escolas [o que reduz os custos e não estressa professores e alunos], a dependência de dados colhidos por órgãos externos, currículo estandardizado, testagem contínua de estudantes, avaliações padronizadas e definidoras...”
3° - “... A Finlândia pode oferecer alternativa para que se pense sobre o problema educacional crônico que atinge outros países... tais como as altas taxas de desistência na escola secundária [só 4% dos alunos, na Finlândia, não chegam à escola secundária], o desgaste prematuro dos professores e educação especial inadequada”.
4º - “A Finlândia tem uma alta performance mundial em comércio, desenvolvimento de tecnologia sustentável, boa governança, prosperidade, igualdade de gênero e proteção à infância, e dessa maneira tem levantado questões muito instigantes sobre a interdependência entre a educação e outros setores da sociedade. Aparentemente, outros setores de políticas públicas, tais como saúde e emprego, respondem aos efeitos benéficos de longo prazo das mudanças ocorridas na educação”.
.....
Embora haja limites quanto ao que se pode transferir do sistema educacional finlandês para os outros países, algumas lições básicas podem ser repetidas com sucesso alhures, como encaminhar uma política de valorização dos professores, criar situações de aprendizagem para os alunos livres de estresse, criar um ambiente de confiança mútua dentro do sistema escolar”. 
“... Eu gostaria de citar três elementos das mudanças educacionais ocorridas a partir de 1970, na Finlândia, que transcendem a cultura nacional:
1º é preciso estar claro para todos que é possível uma educação pública de boa qualidade: Toda a Finlândia se comprometeu seriamente com a construção de uma escola pública para todas as crianças, cem por cento financiada pelo Estado e gerida pelos governos locais [desconfio que isso não seja possível ou adequado no Brasil, em virtude do nosso ainda pouco comprometimento com o poder local, e ausência de uma cultura da vizinhança – os brasileiros veem suas cidades como meros locais de passagens, como estações de rodoviária numa viagem sem fim]... Desde a introdução da peruskoulu [escola básica compreensiva], no início dos anos 1970, houve cerca de 20 governos diferentes, representando diferentes correntes políticas, com 27 ministros de educação diferentes, dirigindo os caminhos da reforma...

[Eis aí o grande segredo da Finlândia e a nossa maior dificuldades: a continuidade, no governo seguinte, das boas inciativas do governo anterior. Sem isso nunca haverá nada consistente na nossa educação, uma vez que nesse setor os resultados só aparecem no longo, quando não no longuíssimo, prazo! Talvez a reforma educacional brasileira precise ser tocada por um organismo próprio, independente dos percalços da política, em especial das eleições, prestando contas diretamente a um corpo técnico superior; talvez o STF ou uma outra instância judiciária, ou ainda outra composta por elementos dos três poderes. Fica também patente a necessidade de preservar e ampliar a educação pública gratuita, enquanto instrumento indispensável de igualdade social, que jamais uma escola privada poderá propiciar]

“2° observar e aprender com os vizinhos... A via finlandesa de reforma educacional preserva o que há de melhor na sua cultura e práticas educativas, combinando-as com inovações trazidas de fora...”

a criação de respeitosas e inspiradoras condições de trabalho para professores e diretores. Que fazer para que os melhores e mais talentosos jovens se sintam motivados a fazer carreira no magistério? A experiência finlandesa... mostra que não é suficiente programas esporádicos para prepará-los para o mundo da sala de aula [como acontece nesses treinamentos, que vicejam nas escolas pública e desviam milhões para empresas especializadas em cursos de fins de semana] ou apenas pagar bem aos professores. A Finlândia paga bem aos seus [ganham metade do salário de um deputado... de lá!]. Mas a grande diferença da Finlândia é que seus professores sabem que poderão ministrar o seu conhecimento e exercer o seu julgamento, sozinho ou em grupo, com irrestrita liberdade e autoridade profissional. Os professores controlam o currículo, a avaliação dos alunos, as melhorias na escola, o envolvimento desta com a comunidade...

Aprendendo Com os Outros
[Para Sahlberg a Finlândia pode aprender com os outros por não ser tão diferente destes como se pensa, conforme descrito nas três situações descritas abaixo]
“1º a Finlândia é mais cultural e etnicamente homogênea que os EUA, por exemplo. Mas isso também é verdade para Estônia, Coreia, Japão, Xangai, Polônia. O índice de cidadãos nascidos no exterior é de 5,2%, em 2013, e o número de cidadãos não falantes do finlandês é superior a 10%... Note-se que a Finlândia é um país trilíngue, onde o finlandês, o sueco e o lapão são línguas oficiais. Entre as minorias as línguas mais faladas são o russo, o estoniano e o somali. A diversidade da sociedade finlandesa, após os anos 1990, aumentou a uma taxa de 800%, a mais alta da Europa...
a Finlândia é considerada muito pequena para ser um bom referencial de educação... Quando o fator tamanho é considerado em uma reforma educacional, é importante notar que muitas unidades federadas, como os estados nos grandes países, gozam de uma grande autonomia em questões educacionais. A população da Finlândia é hoje de 5,5 milhões de pessoas, a mesma do estado de Minesota, nos EUA, ou de Vitória, na Austrália, e um pouco mais que a de Alberta, no Canadá... [ou estados como Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, etc].
3º alguns não acreditam comparações internacionais sejam relevantes ou confiáveis naquilo que se propõem mostrar. Alguns desses testes como o PISA da OCDE... focam em áreas muito estreitas; estreitas demais para capturar tudo o que é relevante no conjunto do espectro da educação escolar, ignorando as habilidades sociais, o desenvolvimento moral, a criatividade ou a destreza digital, conquistas importantes numa educação pública dirigida para todos.
Há ainda críticas crescentes contra essas comparações por induzirem a criação de políticas educacionais “governadas por números” [São Paulo na cabeça!!!]

Outro grupo de céticos questiona que as metodologias de medida e avaliação aplicadas nesses testes, por acaso coincidem com aquilo que aparece na cultura e currículo das escolas finlandesas... Howard Gardnes, de Harvard, ao tratar desses testes, num encontro recente na Finlândia, alertou que os seus resultados devem ser vistos com cautela, uma vez que os seus resultados podem ser influenciados pela área de conhecimento escolhida e a metodologia de avaliação dos resultados usada... Há um número crescente de pessoas que questionam a credibilidade do PISA e a possibilidade de toda uma complexa rede de transformações, exigida por reformas educacionais no mundo inteiro, ser orientadas por um único instrumento de medida".
(Continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário