quinta-feira, 23 de março de 2017

LIÇÕES FINLANDESAS 2.0 E O SONHO DE LAURO DE OLIVEIRA LIMA - 2

Prof Eduardo Simões

Capítulo 1

Um Sonho Finlandês Uma Boa Escola Para Todos


A história da Finlândia é uma história de sobrevivência, magistralmente captada na novela ‘Sete irmãos’, de Aleksis Kivi, escrita em 1870. Na novela, um dos órfãos encontra a prosperidade e a felicidade na vida graças à sua alfabetização, e desde essa época, a leitura se tornou uma parte essencial da cultura finlandesa... Sendo uma nação relativamente pequena, situada entre grandes potências do leste e do oeste [Rússia, Suécia e depois Alemanha] a Finlândia foi obrigada a se submeter às condições existentes e a não perder nenhuma chance ou oportunidade. Diplomacia, cooperação, buscar consenso na solução de problemas se tornaram marcas registradas na cultura finlandesa moderna...”
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[Para que os brasileiros não pensem, como é habitual, que os finlandeses apenas usufruem da vida fácil que todos os países do “Primeiro Mundo” sempre tiveram, graças à exploração dos mais pobres da periferia do capitalismo, e que a escola finlandesa é um resultante natural de um país antigo e próspero, coletei as ilustrações abaixo, referentes à trágica história do país]   

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By Fäderneslandet, old Swedish newspaper - Ett satans år, book from Sveriges Radios förlag, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3713907

Fome de 1866-68. Duzentos e setenta mil mortos na Finlândia e na Suécia! No fundo da gravura um homem tira a casca de um pinheiro local para usá-la como alimento, como foi comum nesse período e na guerra de 1917-18 - é a parte interna da casca, que pode ser comida crua ou assada.

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annabelfrage.wordpress.com

Quadro de Eero Järnefelt, a queima de lenha, 1893, denunciando a brutalidade do trabalho infantil na Finlândia, ao final do séculoXIX. Até 1952 algumas prefeituras ofereciam espaços públicos onde as pessoas mais pobres, em especial as crianças e doentes mentais, se alugavam ou se vendiam às famílias mais ricas. O olhar da criança é um dos mais expressivos já registrados em uma tela.


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Meninos entre 14 e 17 anos mobilizados pelos “brancos” na guerra civil que se seguiu à declaração de independência da Finlândia, de 1917 a 1918, envolvendo liberais e conservadores (brancos) contra comunistas (vermelhos), apoiados pela recém-criada União Soviética, a herdeira do Império Russo, que até ali dominava a Finlândia, ora com brandura ora com mão forte.

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Meninas também foram mobilizadas na guerra civil – a da foto lutou pelos “vermelhos” – que deixou um saldo de 40 mil mortos e feridos.

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(idem)

Um soldado finlandês empilha o cadáver de uma criança com o de outras 20 pessoas, mortas num ataque soviético-russo à cidade fronteiriça finlandesa de Lokka, em 14 de julho de 1944, durante a Guerra da Continuação (1941-1945) – os russos-soviéticos podem mostrar fotos igualmente chocantes, ou mais; o importante aqui é mostrar o quão sangrento e difícil foi o começo dessa nação. Nessa guerra, segundo Pasi Sahlberg, morreram 90 mil finlandeses, 60 mil quedaram definitivamente incapacitados, 25 mil esposas enviuvaram, 50 mil crianças ficaram órfãs, perdeu-se 12% do território nacional e 450 mil pessoas (11% da população) tiveram que migrar de uma hora para outra – compare isso com os 443 mortos e 3 mil feridos da FEB na Itália. Sem falar que com a derrota os finlandeses tiveram que abrir seu país para a influência de um partido comunista fortemente identificado com os interesses de seu maior inimigo e vencedor da guerra: a União Soviética.

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Mulheres atuaram como observadoras antiaéreas e nos centros de comunicação nas duras condições de inverno durante a Guerra da Continuação, iniciada em grande parte devido a pressão da Alemanha nazista. Após perderem a guerra contra a União Soviética, os finlandeses tiveram que empreender outra guerra para expulsar os incômodos aliados do pais.

Embora haja muitas maneiras de contar a história da Finlândia, dependendo da proposta e da corrente histórica do autor, neste caso é útil ilustrar uma certa relação entre o desenvolvimento do sistema escolar finlandês e os três estágios de desenvolvimento econômico do país, que se seguiram à 2ª guerra Mundial.
* reforço de uma mentalidade de educação igual para todos, após a transição de uma sociedade predominantemente agrícola para uma industrializada de 1945 a 1970 [também passamos por esse processo, mais ou menos nesse período, embora tenhamos empobrecido a nossa meta, reduzindo a educação a mera “escolarização”, sem qualquer compromisso com a igualdade].
* criação de um sistema de escola compreensiva, baseada no modelo nórdico de Estado de Bem Estar Social, com o crescimento do setor de serviços e o aumento dos níveis de tecnologia e inovação tecnológica (1965-1990) [também passamos pela inovação tecnológica, sem tirar qualquer conclusão consistente para a educação, enquanto o nosso Estado cuida apenas do “Bem Estar” dos políticos seus cúmplices].
* aprimoramento de uma educação básica de qualidade e expansão da educação superior acoplada à nova identidade da Finlândia, como um país de alta tecnologia e uma sociedade baseada no conhecimento (1985-hoje).
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Em 1950 as oportunidades escolares na Finlândia eram muito desiguais, no sentido que só os moradores das cidades e das maiores municipalidades tinham acesso às escolas de nível secundário [como era entre nós]. Muitos jovens deixavam a escola após 6 ou 7 anos de educação formal básica [índice que nós só alcançamos agora]... Essa educação básica poderia ser complementada por uma educação técnica profissionalizante, mas apenas nas grandes cidades.
Em 1950 havia 338 escolas secundárias oferecendo complementação educacional completa aos alunos, após os 6 anos da escola básica [primária]. O estado finlandês geria 103 dessas escolas e as municipalidades concorriam com 18. As 217 escolas remanescentes.... eram geridas por cidadãos ou associações [iniciativa privada]. O maior fardo da rápida expansão educacional que se seguiu à escolarização básica foi arcado pela inciativa privada. Uma importante inovação social em 1950 foi a promulgação de uma legislação que garantia subsídios públicos às escolas privadas, que permitiu, progressivamente, o controle do estado sobre essas escolas. Essa mudança tornou possível dar uma reposta ao interesse público crescente pela educação, por meio da abertura de escolas privadas, com a redução dos riscos financeiros sobre os fundos públicos [o gestor privado tinha todo interesse em que a sua escola desse certo, e certamente havia mais fiscalização e controle do que normalmente há por aqui].
Nos anos que se seguiram à independência da Finlândia, o ensino nas escolas era muito formalista, centrado apenas no professor, focado mais na moral que no desenvolvimento cognitivo [o que não é um mal, desde que não seja uma moral exclusivamente convencional, baseada na autoridade e não na consciência e no consentimento]. Embora ideias educacionais destinadas a garantir ganhos sociais e o desenvolvimento integral do educando fossem conhecidas na Finlândia, desde os anos 1930, elas não tinham muita influência na educação... Três temas dominantes nas discussões educacionais finlandesas entre 1945 e 1970, acabaram por transformar o modelo tradicional:
* a estrutura do sistema educacional deveria ser tal que provesse mais e melhor educação para todos [meu destaque].
* a forma e o conteúdo do currículo deveriam focar no desenvolvimento individual e no aspecto global da personalidade das crianças [o que só se pode fazer com uma boa dose de psicologia].
* a formação dos professores deveria responder às necessidades decorrentes do desenvolvimento da nação. O futuro sonhado pela Finlândia seria construído sobre o conhecimento e as habilidades de seus cidadãos. Dessa forma, a educação era vista como o alicerce fundamental para esse futuro [era um “todos pela educação”, levado com seriedade].
A economia da Finlândia de 1950 se comparava a da Suécia de 1910; estava em transição. As indústrias-chaves estavam se deslocando do setor agrícola e das pequenas empresas para o das indústrias e produção de tecnologia...

Rumo à Educação Básica Universal
Nas eleições de 1948, três partidos conseguiram uma representação igual no Parlamento: o Partido Social Democrata, com 50 cadeiras, o Partido do Centro Agrário, com 49, e o Comunista, com 49 [na década seguinte outro partido veio se juntar a eles formando a quarta força política, envolvida com as reformas na educação: o Partido Conservador].....
Em Junho de 1945 foi criado o Comitê para o Currículo da Escola Primária... Há várias razões pelas quais esse Comitê teve um papel central na história da educação finlandesa. Primeiro os membros devotaram uma especial atenção para a reformulação dos objetivos da educação, afastando-se assim da tradicional matriz alemã da educação na Finlândia.       O comitê deu ênfase a ideia de que a função da escola seria ajudar aos jovens educandos a desenvolver o conjunto de suas potencialidades e estimulá-los a querer estudar cada vez mais...
[O foco da ação educacional é, por conseguinte, a criança e o jovem na sua totalidade, enquanto ser humano específico, diferenciado dos adultos, com necessidades específicas, que nem sempre são idênticas às necessidades da sociedade dirigida pelos adultos – os finlandeses, portanto, tornaram suas escolas espaços infanto-juvenis – longe de deformações tais com as que vigem entre nós, onde a “sociedade”, para nossas autoridades educacionais, não passa de um amontoado de produtores e consumidores, máquinas de trabalhar e consumir, ou como uma supervisora falou certa vez numa reunião com professores: “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”]
Segundo, a reforma do currículo foi escorada num vasto estudo empírico, conduzido em 300 escolas, por uma legião de mil professores. Dessa maneira a pesquisa se torna o caminho para a viabilização de políticas educacionais [e não o interesse eleitoreiro]. O Memorando Final do Comitê, publicado em 1952, tem o mérito de uma formulação sistemática dos objetivos educacionais centrados na perspectiva da criança, apresentação modernizada e enriquecida do conteúdo educacional e ênfase na primazia da coesão social, apresentada como um dos principais objetivos da educação [o que os cingapurianos hoje procuram; leia o meu artigo Cingapura se rende – PISA desmoralizado – Lauro Oliveira Lima tinha razão]
Um segundo comitê em importância foi o Comitê para o Sistema de Educação, que iniciou os seus trabalhos em 1946, e regulou a educação compulsória e um conjunto de princípios comuns para determinar como as diversas partes do sistema deveriam se interligar [vale a pena cotejar esse trabalho com o da Reforma Capanema de 1942 a 1946, que para alguns representou a primeira legislação integral do sistema educacional brasileiro, desde a Reforma de Pombal]. Menos de dois anos após o início dos trabalhos o Comitê propôs que o sistema escolar finlandês fosse baseado em uma escola básica obrigatória de 8 anos, acessível a todas as crianças, independentemente de sua situação socioeconômica [eis uma grande diferença; lá eles se preocuparam em cumprir realmente a lei, enquanto nós nos especializamos em justificar, em longos memorandos e anexos, com torrentes de argumentos capciosos, o não cumprimento das metas legais, e a situação se arrasta até o limite]. O comitê advertiu que esse sistema escolar deveria se guardar de ficar rastreando quais alunos seriam mais “aptos para a universidade” e quais para o “profissionalizante” [uma forma de alimentar discriminação social], que seria oferecido em um sistema paralelo [escolas técnicas, semelhante às que havia por aqui].
... Embora a ideia de uma escola compreensiva, generalista, já estivesse claramente formulada, ela foi inviabilizada devido as severas críticas e oposição que sofreu dos meios universitários e do Sindicato dos Professores das Escolas Secundárias... A terceira grande iniciativa foi a criação do Comitê para o Currículo Escolar, em 1956, com o intuito de unificar o sistema escolar finlandês e interligar de maneira coerente os diversos setores da educação nacional.
As conclusões desse comitê foram construídas após uma análise sem precedentes do que havia em política educacional no mundo, particularmente nos países Nórdicos [Suécia, Noruega, Dinamarca]... O aumento da igualdade de oportunidades educacionais – que já era prioridade na Inglaterra e Estados Unidos – tornou-se o foco central dos trabalhos do comitê...
O Comitê para o Currículo da Escola concluiu os seus trabalhos no verão de 1959, sugerindo que a futura educação compulsória finlandesa fosse baseada em uma escola compreensiva municipal de 9 anos, com a seguinte estrutura:
* os primeiros quatro anos deveriam ser comuns a todas as crianças
* o 5º e o 6º anos seriam de escola média [nosso antigo ginásio], quando as crianças poderiam escolher um ramo de estudo favorito ou língua estrangeira de sua preferência.
* do 7º ao 9º ano haveria três temas a serem abordados: orientação prática e vocacional, estudo mediano de uma língua estrangeira e uma estudo aprofundado em duas línguas estrangeiras.
... Pela proposta do sistema deveria haver uma mescla gradual das escolas de secundárias privadas com suas equivalentes públicas, numa nova estrutura municipal, com a diminuição do papel da escola privada [justo o contrário do que vemos por aqui, onde a escola pública é esvaziada – milhares delas são fechadas em todo país – enquanto fervilham projetos e iniciativas de privatização das escolas e precarização do professorado; vide projeto de escola integral em São Paulo, cujos autores são, hoje, personagens de ponta no Ministério da Educação em Brasília (governo Temer)]. Esse Comitê também levantou uma questão chave para o desenvolvimento de toda educação finlandesa: É possível, em princípio, que todas as crianças possam ser educadas, e todas elas assimilar os mesmos objetivos educacionais? Essa questão dividiu as opiniões, mesmo dentro das famílias. Os professores das escolas primárias defendiam que isso era possível, já os professores universitários, por razões igualmente óbvias, acreditavam que não. Os políticos permaneciam divididos”.
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A proposta original do Comitê foi melhorada pelo Conselho Nacional de Educação Geral da Finlândia e apresentada ao Parlamento no início dos anos 1960 e aprovada em 22 de novembro de 1963. O debate que se seguiu à apresentação do projeto foi intenso e tumultuado. Vários previam um futuro sombrio para o país se o projeto de uma escola comum para todas as crianças, fosse implementado; os talentos do país seriam reduzidos a cinzas e, por causa disso, a Finlândia perderia a corrida do desenvolvimento econômico com os outros países. A votação final deu vitória ao projeto por 123 votos contra 68... [entretanto] Seria muito errado atribuir o nascimento da escola compreensiva, a peruskoulu, e do moderno sistema educacional finlandês, que tanta fama hoje granjeiam no mundo inteiro, apenas aos políticos e autoridades educacionais. Muitas outras pessoas, comprometidas tanto com a escola básica como com as universidades, contribuíram para a definição do novo modelo educacional finlandês... em especial diversas organizações da sociedade civil finlandesa... Um bom exemplo desse envolvimento foi o papel desempenhado, durante os debates, pela Associação Finlandesa dos Professores da Escola Primária (AFPEP), que desde o início dos trabalhos, em 1946, se posicionou a favor de uma escola unificada. Na metade da década de 1950, publicou seu próprio programa para o desenvolvimento da educação, acompanhado de uma proposta bem fundamentada e detalhada, para a criação de um sistema de escola unificada [onde estão as propostas de reforma de nossos sindicatos? Quando muito as apresentam na forma de tópicos, em algum pôster convocando para uma greve].
[a partir de 1955 as escolas secundárias finlandesas sofrem uma demanda crescente por vagas e o número de matrículas “explode” – de 34.000 em 1955-56 para 340.000 em 1970] A velha escola finlandesa [imóvel, segmentada e classista] não consegue mais atender à demanda dos pais por uma escola compreensiva para seus filhos, na esperança de estes alcançarem melhores condições de vida. Essa pressão social introduziu um novo tema nos debates sobre políticas educacionais: o desenvolvimento do potencial de cada um. Os pesquisadores defendiam que a inteligência e as habilidades de qualquer um poderiam se elevadas ao nível das exigências técnicas e culturais da sociedade, e que o sistema educacional apenas reflete esses limites e necessidades” [as escolas deixam de ser centros de excelência a garantir que as mentes privilegiadas ou os melhores talentos da nação não se percam ou se diluam, em contato com outros menos privilegiados pela natureza e/ou patrimônio familiar].        
[Nesse período, iniciamos uma ampla discussão de reforma, com o envio para o Congresso Nacional de um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que, infelizmente, mofou por 11 anos nas gavetas do Congresso Nacional, enquanto deputados e grupos da sociedade se engalfinhavam em público pelo que mais lhes interessava nessa reforma: para onde iria a verba pública? Seria correto o financiamento de escolas privadas com o dinheiro público? As crianças brasileiras e o seu futuro esperavam ao largo, enquanto uma direita gananciosa e uma esquerda simplória se batiam por dinheiro e ideologia. Não se prestava atenção aos poucos, como os Pioneiros da Educação, que colocavam questões psicológicas e pedagógica relevantes, nem às contribuições revolucionárias que psicólogos e pedagogos ofereciam às sociedades mais desenvolvidas; e assim, de costas para a nação, ao futuro e às crianças nossos políticos votaram um texto empobrecido por vetos e emendas, deixando o cerne do nosso arcaico sistema educacional como estava. Decepcionado, Lauro Oliveira Lima escreverá um comentário impagável, que aparecerá em seu livro Estórias da educação brasileira de Pombal a Passarinho, com o título: A montanha pariu um rato]
[Não creio que a municipalização, no caso do Brasil, seja a melhor saída para a nossa educação uma vez que nós não temos, como na Europa Germânica e América Saxônica – talvez ligada ao amadurecimento do feudalismo, que não aconteceu na Península Ibérica –  uma tradição de vizinhança partilhada e consentida, como quando os vizinhos se unem para enfrentar ameaças internas e principalmente externas. No Brasil, o único vizinho que um homem livre e pobre considerava era o chefe local – o que este mandava seria feito – e assim foi no tempo dos senhores de engenho, dos barões do café, dos coronéis das oligarquias, dos caciques partidários de hoje, principalmente, mas não exclusivamente, nas regiões mais pobres. Não há notícia, no Brasil, de uma comunidade se levantando e expulsando um chefão corrupto e violento, como já era comum na Europa medieval – quando há algum levante, como em alguns episódios recentes, o chefão volta amparado por alguma decisão judicial. Quem, em seu juízo perfeito, denunciará o desvio de verbas para a educação, por exemplo, por parte de um prefeito, que sabe o seu endereço, se não lhe é vizinho, que tem amplo acesso ao dinheiro público e ainda tem foro privilegiado? A municipalização é o dobre de finados da educação em grandes regiões do Brasil, justo as que mais precisam de uma boa educação, e inclusive em muitos municípios das regiões mais ricas, seja por causa do foro privilegiado seja pela falta de uma cultura municipalista consolidada].

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http://www.e-architect.co.uk 
Escola de Sipoo

Nasce a nova escola
__ Uma nova legislação (1966) e um novo currículo (1970) foram preparados na segunda metade da década de 1960. O novo ambiente social [marcado pela ascensão do welfare state escandinavo] consolidava os valores de igualdade e justiça social em todas as classes sociais da sociedade finlandesa [a conjunção de interesses, a sensibilidade das consciências, gerou um autêntico, embora não formalizado, pacto social, que permitiu catapultar esse pequeno e sofrido país para a vanguarda do mundo, desmentindo cabalmente a tese marxista de que a luta de classes é o “motor da história”. Errado! A luta de classes é motor de carrinho de mão, o W 16 da história é a cooperação de classes. Quando os esquerdistas latino-americanos vão entender e praticar isso, fora do âmbito das alianças espúrias pelo poder e para desviar dinheiro público?]. As despesas geradas pelo welfare state foram vistas como investimento na melhoria da produção e não como custo social [o povo, por seu lado, bem educado, procurou não abusar, como acontece alhures]... A nova escola compreensiva, a peruskoulu, estava pronta para ser implementada. De acordo com o plano, uma onda de reforma iniciou-se pelas regiões norte do país [justo as mais pobres], em 1972, até alcançar a região sul, mais urbanizada e industrializada, em 1978”.
[Nesse tempo os militares nos empurravam a lei 5692, goela abaixo, de supetão em todo território nacional, ao mesmo tempo em que cartilhas do MEC, quando do lançamento do MOBRAL, cheias de dados estatísticos, palavras pomposas e ordens secas, procuravam nos convencer, matematicamente, que em 1980 o analfabetismo estaria erradicado, além de várias outras conquistas. Autoproclamavamo-nos uma potência educacional, por antecipação].

Uma crença fundamental à velha estrutura escolar era que nem todas as crianças seriam capazes de aprender tudo; noutras palavras, o talento não se distribuía na sociedade  como algo que pudesse ser aprendido [e nesse caso não adiantava muito educar crianças sem talento = pobres]. Na Finlândia, entretanto, fez forte eco a publicação do Relatório Coleman, nos EUA, durante os anos 60, que demonstrava que as disposições básicas de jovens e crianças que entravam para a escola eram determinadas antes de tudo na família, e que não seria substancialmente modificada pela escolarização (Coleman et ali, 1966)...
[Isso transformaria a escola, antes de tudo, em um centro de socialização, de aprendizagem de costumes e modos sociais, além de alguns conteúdos socialmente relevantes e técnicas variadas, ao alcance de qualquer um, desde que ministradas por um corpo de professores competentes, algo que ainda não aprendemos, ou insistimos em não aprender, em que pese todas as evidências em contrário, além de se chegar a uma imposição incontornável: para haver uma autêntica e duradoura reforma educacional é preciso igualmente reformar, pelo menos, a mentalidade da sociedade em relação aos objetivos da educação. Se a família não assumir o novo conceito de educação que se propõe tudo será em vão. E assim os nossas leis e reformas educacionais são feitos e impostos, como se o fato educacional começasse e terminasse na escola, sem nenhuma interferência do meio. Dessa distorção nasce uma pressão desproporcional contra o professor, e uma visão ridiculamente ultrapassada e behaviorista de culto aos conteúdos acadêmicos, e, por conseguinte, a provas e exames; somos um cão que persegue compulsivamente a própria cauda].

A ideia central da peruskoulu era fundir as diversas modalidades de escolas na Finlândia numa única escola compreensiva de 9 anos mantida pelos municípios... todas as crianças, independentemente de seu domicílio, de suas condições socioeconômicas ou interesses pessoais deveria cumprir os nove anos de educação básica em uma escola governamental dirigida pelas autoridades locais... Críticos do novo sistema argumentavam que não era possível manter as mesmas expectativas educacionais para todas as crianças, ignorando a origem social e condicionamento intelectual diversos. Que o futuro da Finlândia, como uma nação industrializada, estava em risco porque essa educação generalista, globalizante, da escola compreensiva deveria ser nivelada por baixo, para atender aos alunos mais fracos.
... Embora a estrutura da escola compreensiva fosse similar em todo o país, o  novo currículo escolar criou criados instrumentos que permitiam adaptações locais, aos diferentes grupos de habilidades e personalidades, além e atender às peculiaridades da comunidade atendida pela escola.   
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A reforma da escola compreensiva desencadeou o desenvolvimento de três aspectos do sistema educacional finlandês, que se mostraram, mais tarde, fundamentais para a criação de um sistema educacional de alta-performance.
* trouxe uma ampla variedade de alunos, com experiências de vida, costumes domésticos e aspirações de vida bem diferentes para aprender numa mesma escola e na mesma classe, exigindo uma nova abordagem do ensino e da aprendizagem [ou seja, da formação do professor]. Logo no início percebeu-se que a educação de crianças com necessidades especiais só seria bem-sucedida se suas deficiências fossem prontamente identificadas e tratadas [Sahlberg se refere aqui a crianças com dificuldades de aprendizagem e não com algum retardo mental].
* Segundo, a orientação profissional e o aconselhamento se tornou uma parte obrigatória em todas as escolas compreensivas. Acreditava-se, nesse tempo, que se todas as crianças permanecessem na escola básica até o fim, conforme a lei determinava, eles precisariam de um aconselhamento sistemático ao longo de sua carreira escolar. Na orientação profissional tentava-se minimizar a possibilidade de a criança ou adolescente fazer uma escolha profissional errada [na verdade a certeza dessa escolha, nesse momento determinaria se a criança continuaria seus estudos na escola secundária, como uma etapa para a universidade ou se dirigiria para o ensino técnico profissionalizante]...
* A nova peruskoulu exigia que o professor, que antes se via obrigado a trabalhar em várias escolas diferentes... trabalhasse agora numa só escola com alunos com habilidades diferentes... a peruskoulu não foi apenas uma renovação estrutural, burocrática, do sistema [ou uma reforma de prédio], mas exigiu também uma mudança de filosofia na educação nacional... Essa filosofia assumia a crença de que todas as crianças podem aprender se lhes dão oportunidades adequadas e um suporte compatível com o seu desenvolvimento, que se compreenda que a aprendizagem se processa de vários modos, em meio à diversidade humana, e que a escola tem a função de ser uma democracia em pequena escala, como insistia John Dewey algumas décadas antes. A nova peruskoulus, por conseguinte, exigia que o professor empregasse métodos alternativos de ensino, que adaptasse o seu planejamento para as diferentes formas de aprendizagem de diferentes crianças, e usufruísse de um alto status profissional. Essas expectativas levaram à grande reforma do magistério de 1979: a nova lei do magistério enfatizava o aperfeiçoamento profissional e a formação docente baseada na pesquisa.
Uma outra consequência da consolidação da peruskoulu foi a rápida expansão da educação secundária...”
[Ou seja, a melhoria da escola básica levou a uma maior demanda por pais e alunos, segundo Sahlberg, por uma educação integral em um nível superior, de tal sorte que hoje em dia apenas 4% dos adolescentes finlandeses que concluem a escola básica não continuam seus estudos no nível secundário ou médio – no Brasil, em 2014, em média, apenas 71% dos alunos que ingressam no Ensino Fundamental o concluem (na Região Norte são apenas 58%), e dos que ingressam no Ensino Médio apenas 54% o concluem (na Região Norte seriam apenas 40%); o volume da evasão escolar continua tão escandaloso como o era quando a discussão sobre isso começou há 50 anos atrás! Pesquisa de 2016, site da revista Época diz-nos que 90% dos jovens brasileiros não estão satisfeitos com as aulas que recebem; os professores, por sua vez, eu creio, se diriam insatisfeitos em 99%, com a postura dos alunos em suas aulas]

O consenso finlandês

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__ O Parlamento finlandês conseguiu chegar a um acordo de princípios quanto a escola compreensiva, em novembro de 1963.a decisão não foi unânime, pois a grande maioria do Parlamento estava dividida entre membros da Liga Agrária e esquerdistas [duas correntes ideologicamente opostas]. A vitória final, do único e mais importante consenso da história da educação na Finlândia não seria possível sem o suporte da Liga Agrária [atual Partido do Centro] e o mais amplo consenso nacional para o bem comum [ou seja, foi fundamental a união sincera dos políticos, colocando em primeiro lugar o bem do país, acima de seus interesses pessoais ou de classe].
__ A Liga Agrária, há muito que resistia a ideia de um sistema de escola compreensiva. A ala mais jovem do partido, de olho no acelerado processo de urbanização por que o país passava [que nem o Brasil nessa época, com o Êxodo Rural], entendia que o melhor seria repetir no país experimentos bem-sucedidos em educação, já em uso nos países mais avançados [o caminho mais fácil, com o qual estamos tão familiarizados]... Porém, uma nova geração de políticos, que se aproximou do Associação dos Professores de Escola Primária, os fez mudar de ideia, e eles passaram a defender a ideia de que todas a crianças poderiam ser submetida aos mesmos objetivos educacionais, com todos estudando em uma mesma escola. O Presidente do país, e antigo membro da Liga Agrária, Urho Kekkonen foi um dos baluartes da reforma [Kekkonen (1900-1986) foi o Getúlio Vargas finlandês, sem a fome do outro pelo poder pessoal, foto acima].
... O processo que levou a decisão parlamentar de 1963, foi de cunho estritamente político. Ele garantiu que a elite política da Finlândia ficasse fortemente comprometida com os paradigmas da escola compreensiva. O amplo suporte político para a reforma foi decisivo porque ele garantiu que o sistema se aprimorasse paulatinamente, sem sofrer qualquer detenção ou impedimento devido às mudanças de governo....
... O professor Pauli Kettunen diz que o estado do bem-estar social nórdico foi construído a partir de ideais políticos fundamentais: o ideal de liberdade campônio, o espírito do capitalismo e a utopia marxista. Igualdade, eficiência e solidariedade... mesclados no consenso de que a prosperidade de todos é a melhor garantia da prosperidade de cada um”.
(texto de Erkki Aro... Conselho Nacional de Educação Geral)
[Em resumo: sem um consenso prévio e um forte comprometimento dos políticos, sob o olhar atento da sociedade, é inútil qualquer reforma, uma vez que o grupo seguinte no poder tenderá, naturalmente, a esvaziar uma proposta que não saiu de suas fileiras e, principalmente, que esteja dando certo. É a lógica do poder nas democracias pouco desenvolvidas. No nosso caso seria como se Ronaldo Caiado e Lindbergh Farias deixassem de lado suas divergências ideológicas e picuinhas pessoais, e se dessem as mãos para um trabalho sincero em prol da educação. Enquanto perdurar esse clima de desconfiança generalizada e anseio por extinguir qualquer oposição, a política transformada num assunto pessoal, nada de sério e duradouro se conseguirá a respeito da educação ou de qualquer grande tema nacional no Brasil].

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