LAURO
OLIVEIRA LIMA E A REFORMA DA ESCOLA MÉDIA - 1
Prof.
Eduardo Simões
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A
primeira escola do mundo: a eduba sumeriana, que preparava futuros escribas
(trabalhadores intelectuais).
A colocação do problema
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No início de seu livro Escola secundária
moderna; Forense-Universitária; 1976; pg 21-37; Lauro faz uma profunda e muito útil, até hoje,
reflexão sobre a natureza e o papel da escola secundária de seu tempo, o Ensino
Médio de hoje. Que gostaria de compartilhar com você, leitor, na esperança de
que lance alguma luz no momento em que a educação, o Ensino Médio em especial,
sofre mais uma reforma de gabinete, embora reconheçamos que isso acontece não
apenas por culpa do governo atual, como quer a oposição, que teve a
oportunidade de lançar um debate sobre o tema e não o fez, preferiu debater
propina com as empreiteiras, seja por um desinteresse generalizado pelo tema
(considere-se a diminuta quantidade de pais que aparecem nas escolas para pegar
a nota e discutir sobre a situação de seu filhos), seja pela conveniente falta
de transparência dos políticos (havia um projeto de lei sobre o tema,
tramitando ou “gavetando” há quatro anos, no Congresso Nacional).
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Ele começa o texto chamando a atenção para a estabilidade e a clareza das
discussões acerca do caráter da universidade e da escola primária, em nossa
sociedade: a primeira sempre foi tratada em nossa sociedade como uma escola de
aprimoramento profissional, enquanto a segunda “todos concordam que a ela cabe fornecer às crianças “técnicas
fundamentais” que permitam acesso à [espúria] pirâmide escolar e um mínimo de maleabilidade dentro do sistema de
produção”; uma mentalidade canhestra e vã que até hoje persiste – em
algumas escolas de São Paulo se faz simuladão de dois em dois meses, em
crianças desde o 6° Ano (!), para prepará-las para o vestibular e concurso
público; numa brutalidade à natureza de meninos e meninas inenarrável – e que
demonstra que ainda não aprendemos a ver seres humanos como tais, mas antes
como máquina de trabalho, como no tempo da escravidão.
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Mas o “nó” do sistema, segundo Lauro se apresenta no “ensino médio – esse
período escolar indefinido e fluido que medeia entre a escola primária e a
superior... No dia em que se começou a denominar de “médio” esse período escolar, começaram também as dúvidas sobre a sua
definição. Sendo escola para “adolescentes” (pré e pós), foi sempre equívoca,
como equívoca é essa idade que separa o mundo fantasmagórico da infância,
descuidada e lúdica, do engajamento tranquilo ou traumático na sociedade
adulto... a escola que a essa fase corresponde terá de enfrentar, de uma forma
ou de outra, o problema do engajamento [do jovem na sociedade]. É na adolescência que o indivíduo forma o
seu conceito de sociedade (aceitando ou recusando as normas, os valores e os
símbolos culturais) e planeja a sua atuação com relação ao futuro de seu grupo
social”. Há, portanto, uma questão psicossocial premente, que nem sempre a
sociedade consegue lidar com o discernimento exigido para sua complexidade.
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A escola, por sua vez, pode alimentar dois propósitos diferentes – Lauro os vê
diferentes, enquanto eu os vejo, dentro de certos limites, complementares: ou
se dedica “a conservação de normas,
valores e símbolos culturais, isto é preservação cultural” ou “a reestruturação permanente da sociedade,
isto é, manter o processo diacrônico na evolução das formas de organização e de
produção sociais”. Lauro, por conseguinte, vê uma contradição ou uma
oposição absoluta entre conservação e transformação, entre o “moderno” e o
“antigo”, de que eu, porém, discordo, uma vez que nem tudo que é antigo ou
“mais velho” é necessariamente não funcional, descartável, que não serve, como
orientação e alicerce para as mudanças que virão. Se formos tão radicais quanto
Lauro, nesse tema, teremos que admitir que não existe sequer evolução, pois
toda mudança de fato uma transformação, com coisas diferentes surgindo, uma
após outra, do nada ou de estruturas já existentes, que sumiriam com a
transformação e que, portanto, ficariam assim inexplicáveis. Por mais profunda
que seja a mudança, a evolução, algo da estrutura antiga sempre permanece.
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“Ora, a conservação e a reestruturação
podem... referir-se à superestrutura (escola intelectualista) ou à
infraestrutura (escola vocacional), de modo que não é o fato de a escola ser
verbalista ou profissionalizante que determina o seu conteúdo conservador ou
evolucionista [o aluno de uma escola técnica não é mais “revolucionário”
que o de uma escola compreensiva, generalista, supostamente “burguesa”], mas a forma da abordagem dos conteúdos”.
Ou seja, o que torna uma escola revolucionária é o método que ela usa para
abordar a realidade: se permite a pesquisa e a troca de opinião sobre os
resultados e liberdade de inovação ou se tenta impor respostas padronizadas e
fazer valer o peso da “autoridade”.
Um problema social
importante
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As sociedades tratam diferentemente o problema da ascensão das novas gerações:
“há sociedades que preparam a inserção
dos imaturos em seu contexto, através de um processo de acesso gradual, de modo
que não se configura nelas o chamado conflito de gerações. Outras esmeram-se
por conter o ímpeto da juventude, tudo fazendo para prolongar, indefinidamente,
a sua imaturidade [pelo mimo ou pela repressão]. A escola média reflete rigorosamente essas posições, podendo aparecer como
estímulo à autonomia e à criatividade ou como rigoroso treinamento para a
conformação aos padrões sociais vigentes”, porém, seja qual for a
sociedade, “homogênea” ou “estratificada”, a “escola pode ser crítica e criativa ou conformista e transmissora [=
repetidora]”. Embora tenda a reproduzir no seu seio o tipo de relação social
dominante na sociedade, a escola possui uma certa autonomia em relação à
sociedade e um espaço suficientemente aceito para tentar novas combinações
sociais, da mesma forma que a escola, de per si, não tem força de determinar ou
modificar sozinha o se entorno social.
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“Os responsáveis pelo planejamento da
escola média sempre estiveram oscilando (como os próprios adolescentes que a
frequentam) entra o mental e o manual, o aplicado e o teórico, entre o
especializado e o geral [como acontece na reforma atual]... Por vezes é uma iniciação conservadora ou evolucionista... à vida
comunitária, mas, quase sempre, transforma-se em uma mera escola de transição
para os níveis superiores de ensino, adiando o problema do engajamento
[juvenil], indebitamente transferido para
o nível da universidade”. Isso é claramente perceptível na quantidade
enorme de alunos que se transfere de curso, depois de ingressar na
universidade, mesmo excluindo aqueles que buscam nos cursos menos concorridos,
um atalho torto para outro curso de maior status.
“a) do ponto de vista da “profissionalização”
e do “desinteresse” da escola média [antigamente se chamava a escola
compreensiva ou generalista de “desinteressada”; desinteressada das coisas
deste mundo para cultivar só o “espírito”], não
se trata evidentemente de um problema pedagógico, mas de uma concepção de
sociedade... Nos EUA e na URSS... a ambivalência da escola média foi superada,
obtendo-se uma escola comum para todos os adolescentes (escola compreensiva e
escola politécnica)” É importante considerar agora que Lauro não é fã
incondicional do sistema americano, e ele o exporá mais tarde.
b)
do ponto de vista do “manual” e do
“mental”, do “aplicado” e do “teórico”... (maneira sutil de camuflar a
discriminação socioeconômica), verifica-se que o problema não é de conteúdo,
mas de forma; o mesmo material pode ser abordado como automatização e como
reflexão, o que revela... que a dicotomia não é pedagógica [ou “tão
pedagógica assim” digo eu], mas
sociológica (sociedade fechada x sociedade aberta)”
Um pouco de história
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Lauro então destaca que ao longo da história as incongruências da escola média
mudavam ao sabor das mudanças sociais, determinadas por uma evolução amarrada a
múltiplos fatores. A escola, em primeiro lugar, surge como um apêndice da
superestrutura social, para aprimorar os conteúdos e práticas considerados a
partir dos interesses daquela, que variam de acordo com a natureza do grupo ou
da classe que controla essa superestrutura: “a escola nasceu como uma atividade que se opunha à ‘manualidade’”,
numa sociedade que se dividia em homens livres e escravos, e por muito tempo
manteve esse viés aristocrático, discriminatório, inclusive quando tentava disfarça-lo.
__“Os titulares das carreiras liberais não eram
propriamente especialistas que prestavam serviços assalariados, mas homens
livres que se dedicavam, por idealismo, (daí dizer-se, por exemplo, que a
Medicina é um sacerdócio) a determinadas ‘artes liberais’ (medicina,
engenharia, advocacia)... [daí que esses profissionais] não recebiam (ou não recebem) ‘pagamento’,
mas ‘honorário’ (de honor, oris = honra, em latim)... os artistas [principalmente
no início dos tempos modernos] dependiam
dos mecenas para sobreviver, pois a sua atividade nem correspondia a uma arte
liberal nem a um artesanato ou ofício manual. A arte, representando a rebeldia
do espírito e a criatividade, foi sempre tida como uma atividade suspeita...”
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“De fato, as chamadas artes liberais, no
fundo eram apenas ‘literatura’ (no sentido pejorativo: elucubração mental) sem
fundamentação científica nem tecnologia específica”. Mas é claro que foi
assim e não poderia ter sido diferente, afinal a ciência moderna e a tecnologia
dela decorrente é fruto de secular maturação, desde os alquimistas da Idade
Média até a Teoria da Relatividade, passando por Copérnico, Galileu, Bacon,
Lavoisier, etc. Lauro, no seu furor iconoclasta comete aqui, a meu ver, uma
injustiça com a Idade Média e peca por anacronismo por julgar a escala de
valores usada em um momento histórico pelos critérios ou escala de um período
subsequente, mas a conclusão que ele tira daí é genial! “Na medida em que as artes liberais (e em parte as belas artes) se vão
configurando como profissão (trabalho remunerado), começa-se a indagar se a
universidade é mera escola profissional, fazendo a crise da escola média atingir o Ensino Superior”
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Com o aprofundamento da Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, “as máquinas [assumindo o trabalho manual]
foram como que ‘liberalizando’ as profissões a ponto de não ser mais possível
distinguir, hoje, com precisão, as atividades manuais das atividades
intelectuais. Tradicionalmente, pois, a profissão se opunha ao conceito de
escola (lazer, em grego). O que era profissão, por definição, não podia ser
escola”. De fato, até fins do século XVIII, em virtude da simplicidade e do
‘primitivismo’ da tecnologia, muitas máquinas da Primeira Revolução Industrial foram
inventadas por mecânicos diletantes e sua manutenção entregue, às vezes, a
marceneiros ou carpinteiros. As profissões eram aprendidas em casa e passadas de
pai para filho ou por meio de corporações de ofício, que, no Brasil, isso se
estendeu até muito dentro do século XX, quando jovens pobres iam morar junto a
um mecânico para aprender a consertar automóveis. Aliás, diz Lauro, “esse processo continua até os nossos dias,
nas oficinas e nas fábricas, e talvez seja a única forma realmente eficiente de
se aprender uma técnica... Mão se conhece escola profissional que faça o aluo
transitar da sala de aula para o sistema de produção sem um ‘estágio’, ocasião
em que realmente aprende uma profissão. As situações escolares são muito
artificiais para levar a uma autêntica profissionalização. A profissão é
constituída em grande parte, mas cada vez menos, de sequências estereotipadas e
automáticas de conduta [muita linha de produção ainda é assim, hoje] que só podem ser aprendidas no próprio
trabalho”. Essa mais pura verdade relativiza, e muito, o poder de panaceia
que alguns querem dar às escolas técnicas e ao ensino profissionalizante, que
nos parece, mais uma vez, uma solução meia-boca paternalista, feita para atender
as crianças mais pobres, mantendo-as “no seu lugar”, uma vez que não têm
recursos para financiar um curso superior e os governos têm se mostrado muito
sovinas e pouco criativos nessa questão. Falta interesse.
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Isso chega quase a parecer arcaico, mas no parágrafo seguinte ele complementa: “O que caracteriza ainda hoje o conceito de
profissão não é a manualidade, mas a estereotipia e a automatização, apesar de,
cada vez mais, aparecerem tarefas que exige flexibilidade operatória e alto
grau de criatividade”. Isso dito no início dos anos 70 é muito
revolucionário! Mas antes que saiam por aí dizendo que a escola deve preparar o
trabalhador do futuro, que deverá ter um rol de habilidades e competências dignas
de um superhomem, pela quantidade e o grau com que se exige, é preciso dar um “pare”,
e argumentar a esses “fazedores” de política educacional, que nem todo mundo
vai, ou quer, ser executivo de grandes multinacionais. A linha de produção
moderna, por sinal, está tão complexa e diversificada que há lugares para
todos, e a pior coisa que uma escola pode almejar é “fabricar” profissionais,
como se fabrica uma mercadoria qualquer numa linha de produção, todos iguaizinhos,
milimetricamente esquadrinhados e cinzelados, inclusive em suas predisposições
internas, a pretexto de criar o profissional de um futuro idealizado, que
ninguém sabe exatamente qual será.... (continua)
http://viticodevagamundo.blogspot.com.br
Quadro
Uma escola rural em 1848 do suíço Albert
Samuel Anker (1831-1910).
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Escola de crianças bretãs, de Jules Trayer (1824-1909)
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