HISTÓRIA
DA IGREJA BASEADA EM JEDIN – XVIII
Prof
Eduardo Simões
Obrigado aos amigos de Brasil, Ucrânia, França, EUA, Portugal, Espanha, China, Tailândia. Deus os abençoe
A propagação do
cristianismo
a) Palestina
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Após o fim da Primeira Revolta Judaica, de 66-73, muito judeus e cristãos
voltaram para a Palestina, e pode-se observar inclusive, um breve surto de
conversões entre os judeus, segundo o testemunho de Hegésipo, citado por
Eusebio de Cesareia; mas a oposição também era enorme: “se viam obrigados a debates intermináveis com os judeus-cristãos
heterodoxos, que continuavam a insistir na necessidade de cumprir os ditames da
Lei e reconheciam a Jesus de Nazaré apenas como um grande profeta, mas não como
Filho de Deus, na acepção cristã do termo. Havia também a propagação de ideias
gnósticas... com um forte centro na Samaria, inviabilizando a difusão do
cristianismo. Mas, sobretudo, enfrentavam os cristãos a oposição sistemática e
apaixonada do judaísmo ortodoxo, baseada no mais vívido ódio aos renegados que
haviam abandonado o sábado e seguiam pregando como messias aquele a quem os
judeus teriam pregado na cruz” (p 312)
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E mais: deram início a uma intensa atividade contramissionária, enviando homens
escolhidos a todos os principais centros de difusão judaica pelo império
romano, para preveni-los contra a nova seita, além de, no âmbito de Jerusalém e
Palestina, tomarem parte ativa, junto com o estado romano, que já os massacrara
tão ferozmente e arrasara o seu lugar mais sagrado, na perseguição a liderança
cristãs, como aconteceu com o bispo Simeão, denunciado como cristão e judeu
renegado, no tempo do governador Atico, sob o imperador Trajano, condenado e
crucificado em 107 (1). Em 132 essa
comunidade sofreu de novo um grande tranco, por ocasião da Terceira Revolta
Judaica (132-135), quando apareceu um homem, Simão bar-Kochba, dizendo que era
o verdadeiro messias, reconhecido nessa condição pelos mais eminentes mestres
do judaísmo, e, ato contínuo, passou a perseguir todos os que não reconhecessem
essa condição, em especial aquele que adoravam ao concorrente: Jesus de Nazaré
(2). A mensagem passada pelo judaísmo
ao cristianismo era clara: “estamos dispostos a lutar até a morte, de preferência
a sua, a nos converter”.
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Com os judeus definitivamente afastados do cristianismo, a igreja de Jerusalém
vai experimentar uma mudança na sua composição étnicossocial. Os conversos
vindos da gentilidade, que antes eram praticamente nulos, pelo menos na área de
Jerusalém, vão se tornar a maioria, chegando a fazer o seu primeiro bispo, o
grego Marcos, logo após a refundação da cidade de Jerusalém por Adriano, agora
com o nome de Aelia Capitolina. Isso, entretanto, não foi suficiente para
evitar o enfraquecimento, o esvaziamento, daquela que era ainda a mais
significativa e a mais amada sede da religião cristã, e a única que poderia
sacudir ou incomodar, por si só, a escolha de Pedro. Acontecimentos externos,
inesperados, e escolhas internas conscientes, entretanto, elevaram Roma à cabeça
do cristianismo.
b) Síria
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b3/100%2C000_Armenian_dram_-_2009_%28obverse%29.jpg
By Central
Bank of Armenia - http://www.bonistica.ru/, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7652995
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O cristianismo apresenta uma notável difusão, tendo como centro a cidade de
Antioquia no Orontes ou Antioquia da Síria (havia outras), frequentada pelo
apóstolo Paulo. Jedin cita ação missionária bem sucedida em cidades como
Damasco, Sidon e Tiro, embora o interior da Fenícia, no atual Líbano,
permanecesse predominantemente pagão. Há ainda uma notável e bem-sucedida ação
missionária do bispo de Antioquia, Inácio, do qual já falamos antes, e de
Teófilo, por volta de 180. Uma vasta zona de missão abriu-se no reino sírio
semi-independente de Osroene, cuja capital Edessa, também dava nome ao reino,
graças a atividade do judeu-cristão Mar Adday ou Tadeu de Edessa, por vezes
tido como um dos discípulos de Jesus, que após curar o rei local, Abgar V
(13-50) (3), obteve carta branca
para atuar no reino, seguido posteriormente por seus discípulos Aggai e Mari (4).
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Outros dados sobre a presença cristã nessa região são os relatos da ação dos
bispos Hitaspes e Aggay (outro?), que expulsaram a Bardesanes da Igreja, em
virtude de sua apologia às ideias gnósticas, nos anos 180. Uma inscrição (5) prova a existência de comunidades
cristãs entre Nisibin e o Eufrates. Em fins do século II ocorre um sínodo de
bispos na cidade de Edessa para discutir a data da Páscoa. Esses são sinais de
uma ação missionária forte e bem-sucedida nessa região. Jedin conclui:
“Uma inundação no ano 201 destruiu o templo
cristão de Edessa... Bardesanes cita como uma característica da igreja a
reunião aos domingos e jejuns em dias determinados. É típico da nascente igreja
da Síria não limitar a sua missão apenas às cidades, mas que se esforçou, desde
as mais remotas origens, pela evangelização da gente do campo” (pg 315)
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É uma comunidade cristã próspera e em ascensão.
c) Arábia
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Não há notícias da cristianização na Arábia do Sul, mas restam alguns relatos
da ação missionária de judeu-cristãos na Arábia do Norte, que corresponde a
atual Jordânia, levada a cabo após a sua fuga precipitada da Primeira Guerra
Judaico-Romana. O centro dessa ação foi a cidade de Pella (norte da atual
Jordânia). Fala-se também de conversões isoladas de famílias ao redor da cidade
de Bosra (no sul da atual Síria).
d) Egito
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Nada se sabe sobre o início do cristianismo no Egito, exceto o caráter lendário
da história de que Pedro esteve lá pregando. Foram encontrados papiros, datando
do início do século II, com enxertos do Evangelho de João, mas aí a propaganda
gnóstica prevaleceu sobre o cristianismo ortodoxo, de sorte que só no final do
século II este se torna conhecido. O centro desse cristianismo é a cidade de
Alexandria, onde ficou conhecido o nome do primeiro grande mestre dessa
religião: Panteno (6), que preparará
o caminho para sagração de um bispo de primeira grandeza, no ano 190, na pessoa
de Demetrio (7).
e) Ásia Menor e Europa
Balcânica
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Mais eficaz foi a difusão do cristianismo na região costeira ocidental da
Turquia, também conhecida como Ásia Menor, onde desde os primeiros tempos se
organizam sedes eclesiásticas importantes nas principais cidades; o que é
atestado nos capítulos 2 e 3 de Apocalipse. Inácio de Antioquia mantém
correspondência regular com as igrejas de Magnésia e Trales. Plínio o Jovem, em
sua correspondência a Trajano, já citada, fala da intensa penetração do
cristianismo na zona rural. A correspondência de Dionísio de Corinto, citada
por Eusébio de Cesareia, nomeia várias igrejas como Nicomédia, Amastria, e as
“igrejas do Ponto”, às margens do Mar Negro, organizads e fortes o bastante para,
nos anos 180, se organizar uma eficaz resistência ao movimento montanista. Em
Creta ouve-se falar de igrejas em Gortina e Cnossos. Fala-se do bom crescimento
das fundações do apóstolo Paulo na Cilícia e em Chipre. As comunidades da
Grécia e Macedônia experimentam um vigoroso aumento, enquanto Corinto, com seu
bispo Dionísio à testa, se torna um grande centro do cristianismo – e pensar
nas dificuldades aí encontradas por Paulo no início de sua pregação, que ficaram
registradas nas duas cartas aos corintos! Em Atenas, nesse período, se destaca
o grande apologista Arístides.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/65/Caracalla_et_Geta.jpg/1024px-Caracalla_et_Geta.jpg
Di
Lawrence Alma-Tadema (1836-1912) - Belygorod.ru, Pubblico dominio,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1422972
f) Roma e o Ocidente
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No Ocidente é a igreja de Roma que experimenta o mais rápido e qualitativo
crescimento, embora se deva reconhecer que, até início do século II, a maioria
de seus adeptos ainda não é romana; mas diz Jedin:
“O prestígio e a autoridade da comunidade se
veem claramente na forte atração que exerce sobre os cristãos de outras partes,
em especial do Oriente; Inácio de Antioquia lhe tributa os mais calorosos
encômios, Marcião, Abercio, Hegésipo e Irineu, Valentim e Teodoto, Justino,
Taciano e Policarpo... viajam à capital do Ocidente pelos mais variados
motivos: uns para lograr que sejam conhecidas suas doutrinas especiais; outros
para conhecer nela a doutrina cristã não falseada” (p 317).
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Ou seja, o prestígio e o volume das atividades que transcendem o seu próprio
território apontam para uma comunidade muito dinâmica, mas que tem um calcanhar
de aquiles: como a maioria de seus membros não é de romanos, com muitos
estrangeiros (a lista dos primeiros papas é repleta de nomes gregos), isso
dificulta a sua propagação para o interior, para não falar da resistência do Estado.
Os dados atuais apontam para uma escassa propagação da fé na Península
Italiana, antes da segunda metade do século II.
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A Sicilia só começou a ser evangelizada no século III.
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No Norte da África a cristianização avançou em passos céleres, e já em 180, na
cidade de Scilio, na atual Tunísia, ocorre um martírio envolvendo 12 cristãos
que, ao que tudo indica, já tinham acesso à versão latina das cartas de Paulo –
esses mártires, entre os quais se conta Santa Generosa, foram decapitados.
Cartago, próxima a Scilio, era o principal centro cristão dessa região, e a
intensidade da perseguição romana ali descrita nesses tempos mostra o vigor
dessa igreja. Em 220, um bispo, Agripino de Cartago, convoca um sínodo onde
compareceram 70 bispos. Essa região é a mais próspera da Igreja junto com a
Síria e a Ásia Menor.
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Na região do vale do rio Ródano, França, ao longo de todo o seu curso, tem-se a
presença precoce de cristãos, ajudado pela proximidade de Marselha, porto
antigo e importante, com a presença de muita mercadoria, marinheiros e
viajantes oriundos da Ásia Menor e Egito, um lugar propício a interações
culturais e religiosas. Nas cidades de Lion e Vienne, veem-se vigorosas
comunidades muito antigas, como se depreende do grande número de cristãos envolvidos
no episódio dos mártires de Lion, em 177.
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Há relatos da presença antiga de cristãos na Germânia, seguindo o curso do rio
Mosela, que estava integrado à rede comercial gerada pelo Ródano. Há indícios
de cristãos vivendo em Colônia, Moguncia e Treveris, em território alemão.
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Uma característica comum une quase todas essas comunidades: ninguém sabe o nome
do primeiro missionário, daquele que divulgou pela primeira vez a mensagem do
cristianismo nesses lugares, e, no entanto, ele prosperou aí, brotando como que
de repente! Cumpria-se assim a parábola de Jesus que atribui ao cristianismo
uma força misteriosa e invisível que o fazia expandir de uma forma acelerada,
como o grão de mostarda, a menor das sementes e a maior das hortaliças, até
contra todas as expectativas. Era um trabalho missionário, espontâneo e
voluntário de homens e mulheres, que íam até o sacrifício da própria vida, sem
nenhum ganho imediato aparente, muito pelo contrário. Eram atos de puro amor à
causa, sem qualquer embasamento teórico prévio ou o apoio de uma organização.
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Isso não podia continuar assim, e o aparecimento de heresias e de
particularismos regionais, contaminações do entorno pagão, exigiam que se
fizesse algo a respeito, sob pena de as sementes, arrastadas pelos ventos mais
inesperados, acabassem por não se realizar em todo o seu potencial.
A consolidação da
Igreja
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No início do século III a igreja cristã encontra-se pulverizada, com várias
sedes importantes mantendo, de uma forma precária, a unidade doutrinal e administrativa
do grande sinal de esperança que era a mensagem do Cristo. Essas sedes
funcionavam como imãs que atraíam, sustentavam e esclareciam os seguidores do
cristianismo das redondezas, enquanto ampliavam, pela atividade misisonária, o
alcance da sua mensagem. As principais sedes e focos do cristianismo eram Antioquia, na síria, Alexandria, no Egito, Éfeso, na Ásia Menor, Cesareia, no Ponto, Cartago, no norte da África, e Roma.
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Em abril de 193, após mais um ciclo de guerras civis, sobe ao trono o norteafricano
Lucio Septimio Severo, que tivera uma longa convivência com cristãos tanto no
norte da África como nas guerras que travou no Oriente, contra usurpadores e
partos. Ele vinha em sucessão a Cômodo, o filho de marco Aurelio, que um homem
violento e depravado, mas que deixou a Igreja em paz, e até promoveu notórios
cristãos no funcionalismo público, salvo algumas perseguições isoladas, como a
de Scilio. Severo, ao iniciar o seu reinado, também salvaguardou os direitos
dos cristãos e promoveu alguns que lhe eram próximos. Famílias importantes, que
haviam se convertido, eram protegidas da ira do populacho. No séquito da esposa
do imperador, Julia Domma, vieram várias princesas sírias, simpatizantes de
cultos orientais, inclusive do cristianismo.
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Entretanto isso também apresentou problemas para o cristianismo uma vez que
Severo experimentou como poucos, devido a sua formação militar, a enorme
diversidade cultural dentro do império e a grande possiblidade de ela vir a ser
um elemento de desagregação desse mesmo império. Para reduzir essa possibilidade,
Severo viu na divinização da pessoa do imperador o melhor remédio, e nesse
sentido ampliou a ritualística divinizante ligada desse cargo: “a família
imperial é considerada sagrada, e o imperador deve ser tratado como Dominus
(Senhor) ou Dominus Noster (Nosso Senhor). O imperador não é mais apresentado
como uma representação divina viva [uma imagem da divindade], e passa a se
confundir com os próprios deuses em si; por exemplo, na África foram
encontradas efígies de Severo em trajes de Júpiter Capitolino [ou seja, ele é o
deus mesmo]” (Wikipedia em francês – Septime
Sévère)
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Para concluir esse processo, Severo resolveu atingir de uma forma inexorável,
mas politicamentre menos estressante, as duas principais religiões que se
opunham declaradamente a esse projeto. No ano de 202 ele emitiu um edito que
proibia, sob graves penas, a conversão de quem quer que fosse ao cristianismo
ou ao judaísmo, derrogando a política da Trajano a respeito, uma vez que submetia
a igreja à estrita vigilância policial. Diz Jedin:
“Agora não era apenas o indivíduo cristão que
estava em perigo, ameaçado por uma denúncia, pois a seta fora lançada contra a
própria Igreja, enquanto organização, uma vez que toda atividade de aquisição
de novos membros fora duramente atingida. O trabalho missionário estava impossibilitado. O cristianismo estava
encurralado, condenado a definhar lentamente até a morte, dentro do império”
(p 326-327).
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É inacreditável que Severo tenha se deixado levar por tal decreto, na prática,
completamente inexequível, inclusive nos dias de hoje, em que pese todos os
avanços tecnológicos não área da informática e vigilância de cidadãos! Ele
também sobrecarregava os funcionários encarregados de uma missão tão espinhosa
quanto infrutífera, aumentando os conflitos entre a administração imperial e a
população, uma das causas do esfriamento do fervor patriótico, típico dos
romanos nesse período –Roma começava a mergulhar na grande crise do século III,
da qual não sairá senão muito modificada. Severo pretendeu opor uma barreira a
uma avalanche em curso, dispendendo recursos materiais e psicológicos naquele
momento indispensáveis para sanar os males do império que, a despeito de
historiadores como Edward Gibbons, não provinham das religiões monoteístas. O
grande problema do final do Império Romano era por um freio nas forças de
segurança, externas e internas, que haviam adquirido muita autonomia perante a
lei e os cidadãos, e achavam-se fora de controle, conspurcando pela força a lei
e o direito, esfriando o patriotismo natural dos cidadãos. Severo apenas
arranjou um novo pretexto para usar dessas forças, dando mais poder aos órgãos
de repressão, agravando a crise.
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A mudança na atitude de Severo pode ser atribuída também ao fato de ele ter
percebido a grande força que a Igreja se tornara dentro do império, agravada
por demonstrações de alguns mais radicais, como a dos montanistas, que eram bem
ativos nesse período, e que rechaçavam qualquer diálogo com o império, assim
como ressistiam de maneira absoluta ao serviço militar. Nesse item, por sinal,
se observava uma tendência geral, que preocupava muito aos
imperadores-soldados.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/Ch%C3%A2sse_de_sainte_Perp%C3%A9tue_%28%C3%A9glise_Notre-Dame_de_Vierzon%29.jpg/800px-Ch%C3%A2sse_de_sainte_Perp%C3%A9tue_%28%C3%A9glise_Notre-Dame_de_Vierzon%29.jpg
Di
Gaetan Poix - Opera propria, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4633899
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As consequências do edito de Severro não se fizeram esperar: em 202 a escola
cristã de Alexandria, uma das mais renomadas do império na ocasião, perde
vários de seus professores, na tentativa de fugirem da perseguição e vários
cristãos, entre ele o pai de Orígenes, e seis discípulos deste, padeceram o
martírio (8). No início de 203 foram
detidos, em Cartago, vários cristãos, que posteriormente sofreram um doloroso e
afamado martírio: a jovem matrona Vibia Perpetua, e seus servos Revocato,
Saturnino, Secundo e Felícitas, além do diácono Sáturo (9). Nesse ano sucederam-se ainda outros martírios em Cartago, onde
três padeceram na fogueira, e uma mulher cristã foi decapitada. O governador
Claudio Herminiano, da Capadocia, foi um perseguidor tenaz do cristianismo,
como uma forma de descontar a frustração de ter a sua esposa convertida por
eles, etc.
A paz enganosa
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Com a morte de Severo, em 211, subiu ao trono o seu filho Caracala, um bruto
selvagem, que mandou assassinar seu irmão mais novo e possível concorrente ao
trono, Geta, por quem morreram Perpetua e seus companheiros, crime aquele executado
por um grupo de militares fieis a Caracala, que o massacraram nos braços de sua
mãe (a mãe de Geta, Julia Domma) (10),
em seguida mandou executar uns 20 mil supostos inimigos políticos. Tão
atarefado estava em massacrar inimigos políticos, reais e inaginários, que Caracala
tratou os cristãos como um mal menor, e por isso foi muito tolerante, e até
benevolente, para com eles – alguns chegaram até a ocupar lugar de destaque na
administração pública – talvez até como uma afronta à memória do pai, a quem
não apreciava. Para momentos como esse, e como quando Cômodo era imperador, bem
vale a palavra do Apóstolo: “tudo [até o mal] converge para o bem daqueles que
amam a Deus” (Rm 8,28).
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Entretanto, não deixou de haver perseguição, como a movida entre os anos de 211
e 212 por Escápula, o procônsul da África, em sua sede, Cartago, embora com
certeza não se possa atribuir sua iniciativa a um decreto ou consentimento de
Caracala – nessa época as ações dos funcionários do império estavam ocorrendo
de forma mais ou menos errática, em função do enfraquecimento do poder central
e do gigantismo territorial do império. O grande escritor cristão da África,
Tertuliano, contemporâneo aos fatos, denuncia Escápula e faz uma apaixonada
descrição de suas terríveis perseguições, embora só seja capaz de nomear um
mártir: Mavilo de Hadrumeto, atual Susa, na Tunísia, que foi jogado às feras, num
tipo de condenação chamada de “damnatio ad bestias” (11).
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Caracala foi assassinado em um golpe palaciano, qunado estava no meio de uma
operação de guerra na Ásia, e o trono foi usurpado por Marco Opelio Macrino, em
217. Entretanto, no ano seguinte, a sua função foi contestada por outro
pretendente ao trono, Heliogábalo. O exército de Macrino foi derrotado, e ele
preso e executado. Sobe ao trono o dito Heliogábalo, um excêntrico depravado,
além de muito jovem, tinha 15 anos quando começou a reinar, e só pensava em
festas, orgias e estimular o culto do deus sol. Deixou os cristãos em paz, mas
fez tanta extravagância que os romanos não só lhe deram uma morte cruel e
vergonhosa, em 222, como votaram contra ela uma damnatio memoriae, apagando a
sua imagem e nome de todos os monumentos públicos.
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Nesse mesmo ano, 222, outro adolescente sobe ao poder: Alexandre Severo, com
apenas 13 anos de idade! Mas Alexandre, pelo menos fora muito bem preparado
pela mãe, Julia Domma e pela avó, Julia Mesa, para o cargo e, sob a tutela
destas, fez um bom governo interno e foi muito tolerante com os cristãos –
dizem que a sua mãe seria uma simpatizante da nova religião. Entretanto
Alexandre cometeu um erro grave: não percebeu a grave autonomia dos militares perante
a lei, e não soube agir conforme. Em 235, ele, que já havia feito uma campanha
mais ou menos bem sucedida contra os persas, dirigiu-se à fornteira da
Germania, oferecendo presentes às tribos germânicas, para evitar mais um
conflito. Ora, os soldados que estavam com ele atravessado no pescoço, porque
lhes recusara aumento, não se conformaram com isso, e o massacraram em sua
tenda de campanha, junto com a sua mãe.
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Após assassinarem a Alexandre, os soldados nomeiam seu general, Maximino
Tracio, imperador, no que são acompanhados pela Guarda Pretoriana, que deveria
originalmente proteger o imperador assassinado, presente à ocasião, enquanto em
Roma o Senado preparava a resistência, visto que Maximino era de origem
camponesa, meio romano meio trácio, e muitos senadores ainda o viam como um
“bárbaro”. Maximino reinou por três anos (235-238) até ser traído por seus
soldados e massacrado junto com seu filho, enquanto descansavam em suas tendas.
As cabeças foram remetidas a Roma e seus corpos entregues a cachorros. A Maximino e seu filho sucederam Máximo Pupieno e Décimo Balbino, que duraram
menos de um ano, sendo assassinados pela guarda pretoriana. Seu sucessor foi
Gordiano III, morreu poucos anos depois, em circunstâncias misteriosas,
permitindo a ascensão de outro aspirante ambicioso: Filipe o Árabe, em 244.
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Filipe o Árabe, era natural de Shahba, na atual Síria, pertencente a uma
família patrícia local. Seu reinado foi marcado por duas coisas: sua luta
constante para debelar rebeliões militares e por sua suposta simpatia pelo
cristianismo, marcante a ponto de alguns autores, como Eusébio de Cesareia, o
qualificarem como o primeiro governante cristão de Roma, embora isso seja muito
contestado, pois nenhuma das fontes da época fala sobre isso (Eusébio escreveu
uns 50 anos após os acontecimentos). Seja com for nesse período os cristãos
experimentaram uma grande tolerância por parte do estado, até que Décio, um
governante de província nomeado por Filipe, se revolta contra seu imperador,
derrota-o no campo de batalha, em 249, e o manda matar, junto com o seu filho
de 11 anos.
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A situação política em Roma estava ficando muito instável, fruto do esgotamento
ideológico do império, cuja unidade estava fundada numa mitologia tolerante,
mas que começava a parecer absurda infantil para muitas mentes pensantes,
inclusive nos mais altos escalões do Estado, e em costumes e tradições nascido
em uma cidade e em uma época que não existiam mais. A pequena aldeia do Lácio,
valhacouto de bandidos e prostitutas, se tornara a sede de um império
universal, tendo que lidar com religiões e tradições muito mais antigas,
complexas e consistentes que a sua, sem falar no peso relativo cada vez maior,
na economia, desempenhado pelas províncias do Oriente, turbinadas pelo
prodigioso comércio proveniente da Rota da Seda. Agravava esse cenário o fato de
o exército, cada vez menos romano e mais profissional, portanto sem uma relação
afetiva com a cidade-capital, viu hipertrofiado o seu poder de ingerência na sociedade, isso tudo, agravado por uma violenta crise político-econômica que se
arrastou ao longo do século III.
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Da parte dos imperadores, a resposta mais comum a esses desafios foi
simplesmente tentar resgatar na marra a antiga religião e seus costumes
historicamente ultrapassados, submeter-se à gula dos exércitos e tirar proveito
das riquezas do Oriente em benefício próprio. A única novidade foi querer-se
colocar como o centro da nova religião de estado, justo no momento em que a
sequência estonteante de assassinatos e desgraças caindo sobre os ocupantes e
pretendentes ao trono mostrava a todos que ali estavam bem menos que deuses e,
às vezes, até bem menos que homens de bem. Nesse ambiente de decadência
material e espiritual na instável sede do império tudo podia acontecer, e tudo
o que se ganhava pela manhã poderia estar perdido à noite. Os cristãos não
podiam cochilar, nem deitar em berço esplêndido, e talvez o tenham feito, até
que Décio, o sucessor de Filipe o Árabe os veio despertar da forma mais brutal.
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Décio era mais um velho general, 48 anos, com uma grande ambição de poder, e
disposto a tudo para chegar nele. Era também um romano da velha escola com um acalentado
projeto pessoal: resgatar a grandeza e a antiga paz interna do império romano,
sem se dar conta que a sua própria ascensão, acontecida à revelia e contra a
lei, se encontrava em forte contradição com os costumes e a estabilidade
tradicionais que ele se propunha resgatar. Dizem que ele estava fortemente
impressionado o esvaziamento dos templos pagãos e a forte presença de adeptos nas
igrejas e cultos cristãos, por isso pôs mãos a obra para recuperar o prestígio
do paganismo decadente, mandando erguer novos templos e embelezar os antigos,
tentou ainda resgatar as antigas magistraturas romanas, principalmente o antigo
censor, uma magistratura poderosíssima, responsável pela moralidade pública e
orientação para os bons costumes públicos, ignorando clamorosamente que as
condições atuais já não permitiam o seu funcionamento – o censor deveria mexer
e expor publicamente gente muito poderosa, numa cidade onde a corrupção e a
força das armas se impunham cada vez mais à lei! O próprio imperador era um exemplo!
E, para completar essa improvável volta ao passado, deu início a uma das mais minuciosas
perseguições contra os cristãos da história de Roma.
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Em dezembro de 249, alguns líderes cristãos são presos e em 20 de janeiro de
250, foi morto, provavelmente na prisão, devido aos maus tratos, o bispo de
Roma, Fabiano. Nesse mesmo ano saiu um edito do imperador, o texto original se
perdeu, dizendo mais ou menos o seguinte: todos os cidadãos do império, em dias
variáveis, segundo cada região, deveria prestar um sacrifício geral aos deuses,
suplicando-lhes pelo bem do império. Para certificar-se de que o edito estava
sendo cumprido, foram designadas comissões de fiscalização. O seu trabalho consistiria
em fornecer e fiscalizar a posse de uma espécie de documento de participação no
sacrifício, o “libelus”, dado a todos os que dele participassem – mais ou menos
como acontece, no nosso Brasil, durante as eleições. Quem não tivesse com esse
documento em dia seria acusado de crime gravíssimo e era preso, estando sujeito
à tortura e morte terríveis. Foi um grande susto! E Jedin nos conta:
“É inegável o êxito inicial das medidas... As
comovidas cartas dos bispos Dionísio de Alexandria e Cipriano de Cartago não
deixam dúvidas de que, sobretudo no Egito e na África do Norte, o número
daqueles que de uma forma ou de outra preferiram seguir a ordem do edito foi
superior, de muito, ao daqueles que preferiram resistir a abedecê-las... dos
cristãos de Alexandria, um se apresentavam tremendo diante da comissão de
sacrifício e executavam pontualmente o ritual obrigatório; outros negavam um
dia terem sido cristãos, enquanto outros fugiram para longe. Uns sacrificaram
só após terem sido detidos e outros após uma temporada no cárcere, ante a
presença de um juiz, outros após sofrerem torturas. Já outros, principalmente
na África, escaparam comprando as autoridades com um suborno... em Roma,
cristãos procuravam por meio de terceiros [falsas testemunhas] atestar sua participação no sacrifício e
conseguir o documento selado pelas autoridades” (p 334).
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Foi um escândalo, do qual não escaparam sequer vários bispos, e de tão grave e
variado fez que surgisse uma classificação mostrando a grande modalidade de
traições e traidores à pureza do evangelho de Cristo (Deus nos dê força para
agirmos melhor!). No grau mais baixo estavam os libellatici, aqueles que haviam conseguido documentos falsos e não
sacrificaram aos deuses; a seguir os turificati,
aqueles que haviam apenas queimado incenso aos deuses; acima estavam os sacrificati, que haviam feito o
sacrifício completo aos deuses; e no grau máximo os traditores (traidores), padres e bispos que haviam entregado as
Sagradas Escrituras às autoridades – alguns desses bispos, segundo Cipriano de
Cartago, quiseram, após cessarem as perseguições, retornar ao seu cargo, como
se nada tivesse acontecido!
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Muito grande e significativa foi também a presença de alguns espíritos de escol
que foram fieis e pacientes e puderam tanto salvar a sua honra como a da
Igreja, assim como experimentar em si aquela coragem sublime, fruto do Espírito
Santo, que fora prometida por Cristo, em sua passagem neste mundo, enfrentando
sentenças de morte que primavam pela meticulosa crueldade (12) – em Cartago e em outras cidades do império, a situação ficou
pior ainda, pois algumas pessoas tentaram ver na eclosão de uma nova e mortal epidemia,
provavelmente sarampo, a chamada Praga de Cipriano, iniciada em 250, que
grassou por quase 20 anos, e que no seu auge matava até 5.000 pessoas por dia
em Roma, um castigo provocado pela atividade dos cristãos...
__
Entretanto, a perseguição de Décio era extemporânea, excessiva e muito desgastante,
tanto psicologicamente para o homem comum como para os cofres públicos, que
tinham de bancar um esquema de fiscalização formidável – Jedin fala de um tal
Celerino que, em virtude de sua dignidade e coragem na defesa da fé fora
perdoado por Décio em pessoa, ao mesmo tempo que narra um episódio análogo,
ocorrido em Alexandria, quando cinco soldados cristãos, que incentivavam desabusadamente
um cristão vacilante a permanecer firme na fé, não foram molestados pelo
tribunal. É claro que a conduta deles no momento foi importante, mas as
autoridades também viram, pela reação de repulsa àquela brutalidade dos
circunstantes, que era melhor atenuar um pouco o rigor da lei, sem falar que
problemas externos, invasões de bárbaros fronteira, requeriam uma atenção maior
do imperador.
__
Em 1 de julho de 251 as tropas de Decio encontraram-se com as da confederação
goda, um conjunto de povos germânicos que viva no coração da Rússia e que se
deslocava para oeste, nos pântanos de Abrito, na Bulgária atual, onde sofreu
uma derrota esmagadora, não sem ante presenciar a morte de seu filho, Herenio
Etrusco, atravessado por uma flecha logo no início da batalha. Decio seguiu-o
logo depois, sendo o primeiro imperador romano a morrer numa batalha contra
povos tribais “bárbaros”. O historiador bizantino João Zonaras relata, segundo
antiga tradição, que “ele e seu filho, com um grande número de romanos, caíram
no pântano e morreram; e seus corpos não puderam ser identificados, pois
estavam todos cobertos de lama e musgos” (Wikipedia em espanhol – Batalla de
Abrito). Lactâncio, um autor cristão dos séculos III e IV, expressando os
sentimentos dos cristãos da época, regoziga-se: “Foi repentinamente rodeado
pelos bárbaros, que o mataram, junto com grande parte de seu exército: não pode
ser honrado com ritos de sepultamento, antes, despojado e desnudo, jazeu para
ser devorado pelas feras e as aves. Um final adequado para um inimigo de Deus”
(idem)
__
Assim, em 251, da mesma forma repentina e espetaculosa como teve início a
perseguição de Decio cessou, como se tudo não tivesse passado de um breve, mas
traumático, pesadelo. Segundo Cipriano de Cartago, citado por Jedin, logo após
as perseguições de Décio enormes filas de fieis “infiéis” acudiram às igrejas
pedindo o seu reingresso, colocando à Igreja outro problema candente: o que
fazer com os lapsos (caídos), ou seja, aqueles que, sob ameaça, cederam e ofertaram
sacrifícios aos deuses. Deviam ser perdoados e aceitos ou ser definitivamente
expulsos da Igreja?
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Notas
(1)
Durante a Primeira Revolta Judaica, Simeão, que já era bispo de Jerusalém,
refugiou-se, com a sua igreja, na cidade de Pela, fora da zona de conflito, e
retornou a Jerusalém após o fim da guerra. Há dúvida se ele seria um dos
Simeões citado no Segundo Testamento.
(2)
“Com efeito, na guerra com dos judeus, agora terminada, bar Kochba, o cabeça da
rebelião, mandava submeter a terríveis torturas somente os cristãos, caso eles
não negassem ou não blasfemassem Jesus Cristo” (São Justino Mártir; Apologia,
31; texto completo em http://www.monergismo.com/textos/apologetica/Justino_de_Roma_IApologia.pdf)
“Adriano,
ano 17: Kochba, o chefe da seita judaica, matava os cristãos por meio de todo
tipo de perseguição, se eles não o ajudassem a combater os romanos” (Crônicas
de Eusebio de Cesareia – tradução do inglês de http://www.livius.org/ja-jn/jewish_wars/bk03.html)
(3)
Edessa, que dá nome à capital e ao reino de Abgar V, estava etnicamente e
politicamente ligada aos armênios, e estes politicamente aos romanos. Conta uma
“lenda” que Abgar V foi o primeiro rei a se tornar cristão, primazia de que os
armênios muito se orgulham, e que teria escrito uma carta a Jesus, tendo,
inclusive, recebido uma resposta; existem versões muito antigas e insistentes
dessa carta, cujo conteúdo seria o seguinte, segundo Eusébio de Cesareia:
“Abgar
Oukama a Jesus o Bom Médico, que apareceu no território de jerusalém,
saudações:
Ouvi
de vós e de vosso poder curativo; que vós não usais ervas medicinais ou raízes,
senão por vossa palavra abris os olhos dos cegos, fazeis que paralíticos
caminhem... como por vossa palavra curais espíritos enfermos e aqueles
atormentados por demônios lunáticos, e como chamais de novo os mortos para a
vida... me dei conta que ou descestes do céu ou sois Filho de Deus, para que
aconteçam essas coisas. Fiquei sabendo também que os judeus murmuram contra vós
e os seus, perseguindo-os, buscando crucificá-los e destrui-los [aqui o autor
se trai, afinal Jesus, supostamente ainda estaria vivo e existiam outras
maneiras bem mais simples de matar Jesus, além da crucificação]. Possuo
unicamente uma pequena cidade, mas é bela e grande o bastante para que vivamos
nela, em paz”
(4)
Segundo o escritor Bar Hebbraeus (1226-1286), um bispo e pesquisador de ponta
da Igreja Ortodoxa Síria, provavelmente coligindo tradições muito antigas,
“Após Adday, o pregador do evangelho na Síria, seu discípulo Aggai, que tecia
panos chineses para o rei Abgar, após a morte do mestre fugiu para o Oriente
distante. Ele começou a pregar através da Pérsia, da Assíria, Armênia, Média,
Babilônia, chegando ao Khuzistão (Irã), pregando entre os geles e até à
fronteira da Índia. Quando ele retornou a Edessa, temeu que a verdadeira
religião caísse em declínio, devido o aumento das superstições, estimuladas
pelo filho e sucessor de Abgar. Quando ele retornou a Edessa, o filho de Abgar
[Ma’nu V] ordenou-o que lhe tecesse roupas de pano chinês, como já fizera para
o seu pai. Aggai replicou-lhe: “Enquanto o meu mestre apascentava o rebanho de
Cristo, eu trabalhava para o seu pai, mas agora que a tarefa de apascentar o
rebanho passou para mim [tanto Adday como Aggai seriam bispos], eu já não posso
fazer outra coisa”. O rei ficou furioso com essas palavras e mandou matar a
Aggai, fazendo-lhe quebrar todos os ossos da perna” (traduzido da Wikipedia em
inglês)
Originalmente
chamado Palut, Mari foi um convertido de Addai, mas filho espiritual de seu
sucessor, Aggai, que o designou para pregar na área da antiga Mesopotâmia. Ele
esteve em Nínive, Nisibin [atual Nusaybin, leste da atual Turquia]. Teria sido
um dos grandes apóstolos da Síria e da Pérsia.
Há
dúvidas se o Mari acima seria o mesmo Mar Mari das Atas de Mari, que relatam as
aventuras e a doutrina de um Mari, que seria um dos setenta discípulos de
Jesus, e que teria, a mando de um dos apóstolos, ido em viagem missionária até
o centro do Império Parto. Partindo de Edessa ele segue a Nisibin, Arzanéne
(Turquia Oriental), chegando até Beit Garmai, na região de Kirkuk (norte do
Iraque), descendo até Selêucia-Ctesifonte (centro do Iraque), ao reino de
Caracene, na desembocadura dos rios Tigre e Eufrates no Golfo Pérsico, e em
Susiana, na província do Khurzistão. Ele teria sido o pioneiro da pregação do
cristianismo entre os partos, e em sua capital, Selêucia-Ctesifonte, chegou a
pregar inclusive aos membros da corte real. Manteve calorosos debates com os
adeptos do mazdeísmo. Em Carcene disputou com os adeptos de um tal Dusthi, citado
em outras fontes, representante de um movimento batista, que poderia ter algo
com os mandeus.
(5)
A chamada inscrição de Abércio, bispo de Hierápolis (morto em 167), considerado
santo pelas igrejas Ortodoxa e Católica Romana, foi encontrada em 1882, pelo
religioso e pesquisador inglês William Ramsay, em Kelendres, próximo à antiga
Hierápolis, e datada posteriormente de no final do século II e início do III.
Essa inscrição diz o seguinte: “Cidadão de uma cidade ilustre, construí esse
túmulo durante a vida, onde o meu corpo, um dia, possa descansar. Sou discípulo
de um Santo Pastor, que apascenta as suas ovelhas, por entre montes e
planícies. Ele tem olhos enormes que tudo enxergam, ensinou-me as escrituras da
verdade e da vida. Enviou-me até Roma, para vislumbrar seu esplendor e
majestade e ver a Rainha [provavelmente a Igreja] com vestes e sandálias de
ouro. Lá conheci um povo marcado com um sinal resplandecente [lembrando a visão
da mulher no livro do Apocalipse]. Também fui à planície da Síria e vi cidades,
como Nisibin, para além do Eufrates, e por toda parte achei irmãos. Eu tinha
Paulo... [parte ilegível] a fé me levou adiante e por toda parte pude saborear um
farto alimento de peixe grande [antigo símbolo da fé cristã e, principalmente,
da eucaristia], de pura fonte, apanhado por uma Santa Virgem [a Igreja], que o
entregava a seus amigos. Ela possui um vinho maravilhoso e o serve misturado ao
pão. Eu, Abercio, ditei esse texto e o fiz gravar na minha presença, aos
setenta e dois anos. O irmão que o ler ore por Abercio...”. Esse testemunho é
importante pelo seguinte: refere-se claramente a passagens dos Evangelhos que
conhecemos, principalmente João, frequentador daquela região, como quando se
refere a Cristo como Bom Pastor e o apascentamento das ovelhas; a importância
da Igreja de Roma; o sinal resplandecente pode ser o do batismo; a presença de
cristãos na Mesopotâmia; a antiguidade do sacrifício da eucaristia, com a
comunhão em duas espécies; a oração pelos mortos que supõe necessariamente, a
crença no purgatório.
(6)
Possivelmente originário da ilha da Sicilia, Panteno era professor de
filosofia, há dúvida se ele era pitagórico ou estoico, que se converteu ao cristianismo,
movido seja pela conduta dos que conheceu seja por uma fácil absorção de sua
doutrina, que o convenceu da superioridade da nova religião. Foi mestre insigne
da escola catequista de Alexandria, e, posteriormente teria partido em missão
às terra extremas ao sul (ou Arábia do Sul, ou Etiópia ou Índia), onde teria
encontrado os originais em hebreu-aramaico do Evangelho de Mateus. Morreu por
volta de 216.
(7)
Demetrio foi o 12º patriarca de Alexandria, e o primeiro de quem se conhece
alguma coisa. Foi um homem inteligente e operoso e agiu no sentido em que
fossem determinadas datas fixas para a celebração de eventos importantes do
cristianismo, em especial os dias próprios para jejum, e a determinação exata
da comemoração da Páscoa, cujos cálculos foram aprovados no Concílio de Niceia,
em 325, e vigoram até hoje entre algumas igrejas ortodoxas. Demetrio, que
morreu em 223, também esteve envolvido em um episódio doloroso e muito
impactante na história da Igreja: a condenação do pensador e apologista cristão
Orígenes, egípcio de Alexandria.
(8)
Esses foram os chamados mártires de Alexandria, a saber: Plutarco, Sereno,
Heraclíde catecúmeno, Erone neófita, outro Sereno, Eraíde catecúmena, Potamiena
e sua mãe Marcela. Uns morreram decapitados ou em jogo de anfiteatro, as duas
últimas, após muita tortura, foram queimada vivas.
(9)
Segunda as fontes hagiográficas da época, Perpetua, uma jovem patrícia, moradora
em Cartago, foi denunciada como cristã e presa com seus servos, numa dura
prisão onde sofreram toda sorte de tortura psicológica, inclusive de seu próprio
pai, que era pagão, e insistia constantemente, em suas visitas, para que a
filha renegasse o cristianismo – visitavam-na também, alguns membros da igreja
local, graças ao suborno do carcereiro, para dar-lhe forças e trocar recados
com o resto de sua família. No dia do julgamento o pai ainda insiste, em vão, para
desconvertê-la, pedindo-a que não manche o nome da família. O grupo é então condenado
à execução no circo, no dia 7 de março, em comemoração ao nascimento de um dos
filhos de Setimio Severo, Publio Setimio Geta. Nesse meio tempo nasce o filho
de Felícita, que até o momento seria o penhor de que ela não seria executada
com os outros, pois a lei romana proibia a execução de uma mulher grávida, e a
criança é dada a uma mãe adotiva cristã. Secundo morre de maus-tratos na
cadeia, e no dia aprazado, na arena, foram açoitados, e contra os homens se
lançou um urso, um javali e um leopardo, enquanto as mulheres são expostas a um
touro selvagem. E assim entregaram a vida.
(10)
Manobrando o Senado, Caracala fez com que os senadores aprovassem uma “damnatio
memoriae” (condenação da memória) contra Geta, que o autorizava a apagar a
efígie ou qualquer sinal da existência de Geta dentro dos limites do império,
com a proibição, inclusive, da pronúncia do seu nome, mesmo entre familiares.
Seria como se a pessoa atingida por esse decreto nunca tivesse existido.
(11)
A “damnatio ad bestias” era uma pena capital, prevista no ordenamento jurídico
de em Roma, que consistia em entregar o condenado a ser devorado por algum
animal carniceiro faminto, em um ambiente público, em gertal um anfiteatro,
como uma “abertura” para jogos de gladiadores – uma forma de estimular o
apetite dos espectadores por sangue e movê-los a ficar menos propensos a pedir
piedade para os vencidos. Os animais mais usados eram o leão e o tigre, por
sinal os mais “piedosos”, uma vez que matam o mais rápido possível as suas
vítimas, para depois devorá-las, ao invés dos canídeos e similares, como, por
exemplo, lobos, cachorros selvagens e hienas, que começam a devorar suas vítimas
ainda vivas; a esses animais eram entregues os autores dos crimes mais detestáveis,
embora possa-se dizer que, nesses momentos, a sociedade que abominava tais
crimes e os criminosos por ela punidos se equivaliam...
Essa
pena era aplicada a escravos criminosos – uma lei de 61 (Lex Petronia) proibia
aos senhores atirar seus escravos às feras sem uma sentença judicial – a
desertores do exército, a traidores, feiticeiros e seus clientes,
falsificadores, a criminosos políticos e seus mandantes (principalmente o
assassínio de imperadores), os parricidas (estes eram por vezes costurados em
um saco de couro, junto com um animal que podia ser um galo, um cão, um macaco,
cobras ou insetos peçonhentos, para, posteriormente ser atirado a um rio, no
qual, invariavelmente já chegava morto, após muito sofrimento; era a “pena
cullei” ou a “punição do saco”), os fomentadores de rebeliões, os
sequestradores de crianças (a partir de Constantino), e por fim os cristãos. Estes
eram acusados de lesa majestade (traição ao imperador), por se negar a adorá-lo,
por desobediência aos deuses do Estado, por serem adeptos de uma magia ilícita
e má e por professar uma religião não
autorizada...
(12)
Em Esmirna, em 12 de março de 250, foram martirizados Pionio e outros confrades
como Sabina, Asclepíades, Macedônia e Lino, denunciados por judeus e pagãos,
após Pionio ter pedido a estes cessassem suas zombarias sobre os cristãos que
naquele momento apostatavam da fé e sacrificavam aos deuses, entre eles o bispo
da cidade! Após várias sessões de torturas, como ele se mantivesse firme na fé,
foi cravado com cravos em um poste, sobre uma fogueira, e aí morreu cremado.
Julião
de Anazarbo, na Cilícia, foi amarrado num saco com cobras e escorpiões e jogado
ao mar.
Cipriano
de Cartago fala de dois mártires em sua cidade, embora deixe entender que houve
mais. Luciano de Antioquia cita os nomes de dezesseis mártires em sua cidade,
que se deixaram morrer de fome no cárcere.
“A respeito do Egito, o bispo Dionísio indica
a forma como morreram catorze mártires: 10 queimados na fogueira e 4 a golpe de
espada [em Alexandria]. Mas além disso ouviu falar de numerosos mártires em
aldeias e outras cidades, sem falar de muito que fugiram para regiões
desérticas e acabaram morrendo de fome e frio”. (p 335)
É
notável ainda o suplício do bispo Alexandre de Jerusalém, já preso pela fé sob
Alexandre Severo, já centenário, e que morreu na prisão vítima de maus tratos.
O famoso apologista e teólogo cristão, Orígenes, já ancião, foi também
submetido a muitas torturas, mas delas escapou vivo...
Bibliografia – Fontes
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vida privada – Do Império Romano ao ano mil; trad Hildegard Feist; 2ª
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2001
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Diacov, V. e Covalev, S.; História da
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Mercaba.org (um site completíssimo sobre tudo
que diz respeito à fé católica, em espanhol)
Mora, Jose Ferrater; Diccionario de Filosofia; Sudamericana; Buenos Aires (online)
Reale, Giovanni – Antiseri, Dario;
História da Filosofia – Patrística e
Escolástica; trad. Ivo Torniolo; 4ª edição; Paulus; vol 2; São Paulo; 2009.
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