sábado, 8 de outubro de 2016

O CANTO DA SEREIA TECNOLÓGICA

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Brasil, EUA, França, Ucrânia, China, Índia, Argélia, Portugal, Marrocos. Deus os abeçoe

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 “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”: uma supervisora de ensino de São Paulo.

__ Uma sereia nos apareceu. Politicamente correta, bem vestida e cuidada, diante das câmaras de TV, falando como autoridade em educação, conhecedora profunda das necessidades e as aspirações daquelas que, em geral, os adultos brasileiros ignoram: as crianças. Essa sereia não ocultava sua origem, denunciada tanto pelos valores de sua campanha à prefeitura como na forma compulsiva como pronunciava o termo “tecnologia”, no seu significado mais comum de maquinário, de parafernália eletrônica, citado cinco vezes em menos de quatro minutos, sem falar de alguns derivativos (celulares, computadores, etc.).
__ Nascido e criado em lares onde o uso e a posse de modernas tecnologias de entretenimento, informação ou comunicação não foi problema, apesar de alguns momentos difíceis na adolescência e juventude, João Dória fala com se a realidade do povo pobre ou da pequena classe média, que vive no subúrbio da grande cidade, lhe fosse perfeitamente conhecida, senão íntima, assim como a educação mais adequada de crianças e jovens da escola pública generalista. Vejamos o que diz o novo prefeito da cidade de São Paulo sobre esse assunto.
__ “Os jovens, disse ele numa entrevista à TV exclusiva da empresa iG (provedora da internet), não querem mais lousa de pedra e giz... querem tecnologia, tablets, computadores, celulares, tecnologia, banda larga, wifi gratuito [quem não quer?]”.
__ Doria decerto conhece muito bem as crianças e jovens da classe média alta, com quem convive, e dentre elas pode se citar como exemplo, inclusive porque sabe que o uso intensivo dessa tecnologia é um dos melhores meios para mantê-los afastados de perguntas moralmente embaraçosas e do sentimento de culpa por não dar mais atenção aos seus filhos, claramente visível no discurso de alguns que pregam a chamada “Escola Sem Partido”, também defendida pelo novo prefeito – e melhor calar os professores, do que constranger ou obrigar os pais a tirarem um pouco do seu tempo para conversar com seus filhos sobre o que os incomoda.
__ Os mais pobres, que não têm acesso a tanta tecnologia (computadores, tablets, etc.), distraem as suas crianças com a tecnologia doméstica da televisão ou ignoram quando elas ficam o dia todo na rua, manuseando a primitiva, mas extremamente prazerosa tecnologia das bolinhas de gude, da bola de futebol (que tornou a muitos mais ricos do que Doria; e por isso mais competentes?), das pipas, encarando fios de alta tensão ou degolando motociclistas incautos, etc. Há ainda o acesso aos celulares piratas ou roubados, usados como central de jogos, vídeos eróticos ou pornográficos além de uma cipoada de músicas de todos os tipos, algumas pavorosas, com letras superagressivas, mas nenhum desses meninos pensa em usar esse equipamento em sala de aula, pois está muito associado ao seu entretenimento ou lazer proibido – quando as vezes eu autorizo o seu uso para pesquisa escolar em sala de aula, uma vez que o governo do PSDB proibiu, eles ficam numa admiração só. O celular, para os jovens, é mais um confidente, um amigo íntimo, num mundo em que o “outro” desapareceu, engolido pela tecnologia, há tempos.
__ Quando vou com meus alunos para a sala de informática – hoje só vou forçado por alguma circunstância – sei que o tempo de estudo aí será mínimo, pois eles entram num frenesi, numa necessidade compulsiva, de viajar pelo Facebook, pelos sites de jogos e vídeos do Youtube, para ver de uma outra maneira, talvez mais colorida e dinâmica, pessoas e músicas que eles só conhecem por meio da reduzida e às vezes precária tela do seu celular (cheia de trincas e rachaduras), do mp3, etc. É puro entretenimento, um entretenimento muito pessoal, e, quiçá, proibido, denunciado pelos gestos nervosos toda vez que me aproximo para ver o que estão fazendo. As vezes que tentei levá-los com mais firmeza para o estudo e a aquisição de informação socialmente relevante, o que consegui foi estressar nossa relação.
__ Que rapaz, com os hormônios à flor da pele, sem as amarras dos controles sociais, que não são postas nem pela família nem pela escola, emocionalmente indiferente, vai deixar de buscar um site cheia de mulheres nuas, ou algo parecido, para navegar em fórmulas matemáticas, regras gramaticais, personagens históricos, etc.? E as meninas, como livrá-las das salas de bate-papo? O efeito do erotismo adulto sobre os jovens ainda é pouco aquilatado entre nós, apesar da sua onipresença em nossas escolas – em algumas de minhas turmas, inclusive de 6º Ano, verbos como “dar”, “entrar”, “gozar”, seja em que contexto for, não podem ser pronunciados sem provocar um risinho tão desconcertante quanto irritante. Recentemente um 9º Ano reagiu dessa maneira ao ouvir o nome de Che Guevara, uma vez que o termo “vara”, no seu meio social, está associado ao órgão genital masculino.
__ A atenção e o apego “gratuito” de que nossos jovens votam pela tecnologia podem bem ser constatados, em nossas escolas, nas chamativas estruturas de segurança, tipo grades e portas de presídio, que cerram as salas que abrigam essas máquinas, e até elas próprias, como as TVs em salas de aula, para isolá-las de jovens sempre prontos a fazerem uso inadequado delas ou até tomarem-nas para si, “tanto anseiam por essa tecnologia”! Na minha escola-sede, os alunos encheram as caixas de som instalados nas salas de bolinhas de papel, introduzidas meticulosamente pelos furos nos invólucros; o aparelho de projeção foi roubado e nunca mais apareceu, soubemos que fora, posteriormente, trocado por droga – nesse contexto foi a troca de seis por meia dúzia. E assim em outras escolas públicas que eu conheço.
__ Os jovens e as crianças têm outras necessidades muito mais prementes, como segurança, abrigo, atenção-proteção, intimidade (socialização) etc., em casa e na escola, coisa que nem passa pela cabeça das autoridades educacionais peessedebistas, tal a indiferença delas para com esses “detalhes”, mas que aparecem na forma compulsiva com que os alunos destroem o material coletivo posto à sua disposição, principalmente quando são convidados a fazer uso deles. Eu mesmo faço uso intensivo do livro didático, que é escolhido entre os que apresentam o conteúdo mais simples e as melhores ilustrações, inclusive após pesquisa nas turmas, além de sempre premiar com nota ou pontos essas atividades. Pois bem, os livros de minha matéria estão entre os mais destruídos e desaparecidos da escola, apesar dos elogios positivos que predominam na minha aula, do grande número de médias aprovativas,  das manifestações de apreço que os alunos em público ou particular me devotam e das elevadas notas em história que eles obtém no SARESP. Atesto, pois, que a destruição de meus livros é impressionante, mas devo ressaltar que nesse mister, a destruição de patrimônio público, eles demonstram uma engenhosidade, uma paciência e uma obstinação que nem os melhores, por vezes, demonstram na aquisição de conhecimentos adaptativos socialmente valorados.
__ Por que se dá essa situação? Porque em casa eles não são treinados a lidar com esse tipo de material ou se lhe dão muito pouca importância. De que adianta essa cultura, livresca e culta, no seu meio? Eles não estão sendo educados na família nem na escola a cooperar, a se socializar, antes vivem em um mundo onde é cada um por si, onde quase não há leitura nem cuidado pelos bens coletivos, qualquer praça pública, em qualquer cidade de porte médio e grande nesse país, é uma prova do que eu falo. Estamos criando uma civilização hiperindividualista, ou melhor, retomando o hiperindividualismo da senzala e da casa grande. As crianças e jovens que vêm de casa com essa cultura antissocial, sejam de que classe forem, a perderão magicamente em contato com a tecnologia, segundo a tese eleitoralmente dominante, ou os aparatos eletrônicos terão o mesmo fim que os modestos suportes de escrita atuais? Com certeza haverá outra tentação que um livro já não dá hoje em dia: trocar por dinheiro ou por droga.
__ O jovem de hoje, e de sempre, busca em casa, mas principalmente na escola três coisas: sentido ou significado: uma compreensão sobre o que acontece com ele e com o mundo, com a ajuda de profissionais que já viveram o que ele está vivendo e acompanham as transformações mundiais e locais a mais tempo (isso, historicamente, diz respeito à cognição); modelos: padrões aceitáveis de comportamento minimamente reconhecidos como adaptativos pelo meio social onde o jovem adolescente vive, e que o ajudará em sua inserção social, na aquisição de conhecimento, assim como na montagem de uma bem-sucedida escala de valores no âmbito pessoal (esse é o campo da socialização); valores: ou seja escalas de prioridades individuais e sociais que lhes permitam fazer escolhas e manter-se firme nelas, apesar das oposições e seduções em contrário, onde ele exercitará a sua vontade e marcará a sua personalidade em relação ao meio social e natural circundante, fator primordial de sobrevivência e saúde psicológica (é o campo da afetividade). E esses três fatores, ou antes necessidades básicas, estão integradas e precisam ser desenvolvidas concomitantes, sob pena de gerar um aleijão humano, como aquele doutor em zootecnia que cometeu um crime horrendo por suspeitar da fidelidade da esposa. Mas como disse a supervisora: “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”.
__ O pensamento de Doria sobre a educação é exatamente o mesmo do século XIX, de curta visão e paternalista, que considerava a escola o local onde as crianças iriam buscar as informações que elas, de maneira alguma, encontravam na sociedade, devido a escassez e o alto custo da informação, antes de ela ficar ao alcance de todos na internet e em outros meios de comunicação de massas. Quem não tem uma TV em casa e quem não tem um celular com possibilidade de acesso à internet? Doria pretende que a sociedade permanecerá estagnada e a tecnologia informática mais “sofisticada” será eternamente inacessível ao jovem pobre, o que não é verdade já hoje, e que o simples fato de a parafernália estar na escola gerará um potencial de motivação capaz de tirar o nosso sistema do “ponto morto” em que se encontra. Ou seja pelo projeto do prefeito a escola existe para dar aos jovens alguns lampejos de algo que a maioria deles, em pouco tempo, terá sobrando dentro de sua casa, mas não o necessário, o essencial, vistos no parágrafo acima.


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     á ainda o recurso a celulares made in há         
__ “[os alunos] querem também que os professores tenham oportunidade para a sua requalificação contínua, para que eles possam estar atualizados, poder oferecer aos seus alunos o que de melhor o ensino pode lhes proporcionar, principalmente no campo da tecnologia”.
__ Os alunos, de fato, clamam muito pela ida à sala de informática, mas pelos motivos apresentados acima, fora isso eu acredito que ou eu ou o senhor Doria mora em Marte, pois eu há muito tempo, para minha grande frustração, não sou requisitado por um aluno para desenvolver mais algum tema de minha disciplina, seja por que meio for. Uma lousa, um giz e uma grande ideia, uma consistente concepção psicoeducativa, ainda que seja puramente intuitiva, com o suporte de uma direção esclarecida e flexível, e não toda engessada como é hoje, podem fazer muito mais por jovens e crianças que toda a tecnologia do mundo. Aliás, entregar um saber tecnológico avançado a um ser humano não, ou só parcialmente, socializado, é o mesmo que entregar uma arma a uma criança ou a um incapaz. Alguém se ferirá gravemente...
__ Os professores, por sua vez, não devem de pronto e previamente recusar a tecnologia, pois esta pode ser uma auxiliar positiva, desde que venha como acréscimo, como suporte, a uma doutrina psicopedagógica científica, fundamentada, prudente (estamos lidando com seres humanos e não cobaias de laboratório, aliás até essas estão recebendo atenção e cuidados hoje em dia, já as crianças...), reconhecida por especialistas e aplicadores, e não como o objetivo primordial da educação e/ou caminho privilegiado para esta, com querem os tolos, os behavioristas e os caixeiros viajantes das empresas de informática.

__ “É preciso também ter escolas maiores... o ideal é termos a educação plena, a educação que ofereça o tempo integral, para que as crianças possam passar o dia na escola. Com isso terem melhores aulas, educação física... a prática do lazer, a prática da cultura... cinco refeições por dia...”
__ Claro, para termos mais economia de escala (redução de custos) em prejuízo do acompanhamento especializado, um pouco mais personalizado, que, no caso paulista, está beirando o mais grotesco “faz de conta”. Eu vejo nesse clamor arcaico por grandes escolas, tipo grandes fábricas, um sintoma da despersonificação provocada pela sociedade de massas, empurrada para dentro do sistema educacional, enquanto as novas gerações e novos modelos sociais apontam para uma maior personalização dos processos, de mais contato face a face, bem mais eficientes para conduzir a marcha da formação e preparo das futuras gerações, assim como para evitar a desagregação de personalidades ainda imaturas. O senhor prefeito avança na contramão do que se conhece sobre o assunto, por meio das pesquisas e abordagens psicológicas mais modernas, e se embrenha no que há de mais atrasado e antiadaptativo do surrado behaviorismo americano, do início do século XX, e, é bom constatar, ele não está nada sozinho. A sociedade precisa se mobilizar.
__ Se esse projeto tivesse nascido de um movimento paulatino e bem-sucedido nessa direção, colhendo informações inquestionáveis, colhidas em escolas de meio perído de sucesso, que corroborassem as conclusões estapafúrdias e deslumbradas, de nosso jovem prefeito, tudo bem, mas o movimento da escola de tempo integral surge das ruínas propositais da escola de meio período, abandonadas à sua sorte justamente para delas não sair qualquer desmentido ao projeto do bolso do senhor governador, copiado literalmente do sistema americano, inclusive com a sua justificativa pouco psicopedagógica, mas bem econômico-empresarial.
__ A escola na gestão do PSDB não nasce de um projeto liberal, embora aponte para a iniciativa privada, mas de um projeto estritamente capitalista, que é o liberalismo sem o ser humano, como Marx viu no século XIX, e se torna uma extensão, um apêndice, da empresa, mas a empresa do século XIX-XX, treinando a criança desde a mais tenra idade a ficar sob o controle de um chefe, de um especialista, para garantir a melhor produtividade possível, ignorado as sua necessidades socais e afetivas. Como disse uma supervisora: “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”. Nesse momento as condições de trabalho, as salas aula, de crianças e professores se aproxima das fábricas do século XVIII. Nesse ambiente, a disciplina e/ou engajamento no trabalho só pode ser feito por assédio moral contínuo, e sem uma válvula de escape adequada, antes só se pensa em aumentar a pressão, pode ocorrer, a qualquer momento e por qualquer razão, uma manifestação violenta, abrupta, inesperada, da qual a escola em Realengo, no Rio de Janeiro, foi o exemplo mais extremo, mas que nós todos já vemos pulular aos montes, embora em um grau menor, nos vídeos da internet, e mesmo nas discussões em sala de aula, onde os desafetos, meninos ou meninas, ignoram da maneira mais esculachada a pessoa do professor, como se estivessem na zona mais “barra pesada” da cidade. Será que não estão?
__ Não se criou uma escola modelo de meio expediente. Não se preparou diretamente, na linha de produção, na sala de aula, um professor capaz de detectar o que é significativo ou não na sua matéria, e que métodos de trabalho são mais adequados para essa ou aquela faixa etária, e até de acordo com o meio social dominante. Não se acumulou know how no trato com as comunidades infanto-juvenis nem na mediação e administração de conflitos – veja-se o critério absurdo com que se escolhe professor mediador, um tipo de psicólogo improvisado, nas escolas de São Paulo. Ganha o professor que estiver sem aulas,...
__ Quer dizer então que esse cargo fundamental de professor que media conflitos, que refaz o delicado equilíbrio relacional entre alunos e professores, tem como critério de escolha o fato de o professor estar sem aulas, o que normalmente ocorre com os professores com menor tempo na rede, os mais inexperientes, embora também, de forma excepcional, possa ocorrer com professores antigos? É isso mesmo, uma função estratégica dentro da escola está sendo usada como cabide de emprego, às custas das crianças e dos professores. É por isso que eu digo e repito: a escola de meio período está sendo sabotada de dentro para fora, para abrir espaço, sem contestação, para a completa novidade da escola de tempo integral e que, para esse governo e sua equipe, O EMOCIONAL NÃO INTERESSA.
__ O problema relacional foi, por conseguinte, empurrado para debaixo do tapete. Que fazer com os casos tão comuns e escandalosos de bullying nas escolas? Recentemente em Goiás, quatro adolescentes entre 13 e 16, torturaram outra de 13 anos por causa de namorado. Uma delas disse “ “No nosso pensamento, nós ia bater nela e ela ia morrer e nós ia enterrar ela [sic]. Só que aí não deu certo” (copiado de http://veja.abril.com.br/brasil/video-adolescentes-torturam-menina-de-13-anos-em-goias/). Já imaginaram se elas tivessem de conviver num espaço o dia todo, todo os dias? Certamente que o assassinato ocorreria lá dentro mesmo, na frente das outras crianças. Na escola de um expediente, quando um menino ou menina é vítima de agressões na escola, ao acabar o expediente ele retorna à sua família e aos amigos da rua, recompondo-se, revigorando-se, mas quando a escola é de tempo integral, os amigos de rua e a saudável socialização desse ambiente são os primeiros a desaparecer (já pensaram nisso?), e o seu martírio não para nunca, a não ser que professores atentos, sensíveis e experientes intervenham e restabeleçam o equilíbrio, o que não é fácil, pois os jovens simulam e não gostam que adultos se metam em seus assuntos. A única alternativa, nesse caso, nos é apresentada, a mancheias, pelos garotos americanos que vivem essa realidade. Chacinas inúmeras e espetaculares, dentro das escolas, onde de uma só vez desaparecem o problema, a(s) vítima(s), o(s) agressor(es) e quem estiver por perto. Vamos abrir, sem qualquer preparo ou modelo anterior, a caixa de Pandora da educação...

__ “São Paulo tem 103 mil crianças fora das creches... se essas crianças não tiverem o amparo, o ensino, a educação, a nutrição e a ação preventiva da saúde nessa faixa etária já serão perdedores. Quando forem para a escola já serão perdedoras, já não terão mais chance de se tornarem executivos, de se tornarem profissionais, de se tornarem empreendedores”.
__ Ora, a idade de acolhimento de crianças em creches oscila entre 0 e 3 anos, e, segundo o nobre prefeito, se as crianças não entrarem nesse período na creche já se tornarão de per si “perdedoras!” Esse é um dos maiores disparates que eu já ouvi, mas para além de sua bizarria existe uma concepção educacional no mínimo preocupante: Primeiro, mostra uma visão estritamente quantitativista de fenômeno ensino-aprendizagem; formar seres humanos não difere muito, ou nada, de fabricar latas de conservas, mas quem quer que lide com seres humanos no seu dia a dia, por razões não exclusivamente econômicas, sabe perfeitamente a diferença entre uma relação qualitativamente prazerosas ou não, independente do volume da conta bancária daquele com quem se convive. Segundo, vem carregada por uma das expressões mais comuns e preconceituosas dos americanos do norte, que em sua colossal ignorância e cegueira votaram duas vezes em George Bush e promovem um homem como Donald Trump – de que adianta obrigar uma criança, durantes décadas, a uma escola de tempo integral, desde a mais tenra idade, para vê-la, já adulta, encantar-se por um alguém como Donald Trump, ninguém merece... Por fim ela não esconde uma estratégia já em curso nas escolas do governo estadual, de fazer propagar os mecanismo de controle sobre a ação de professores, e a necessidade de contínua de planejamentos, replanejamentos, além de relatórios minuciosos sobre os mais prosaicos aspectos da ação magisterial, sob ameaça de fiscalização e denuncia crescentes, inclusive de funcionários do TCU, que supõem uma tentativa insana, tresloucada, e absolutamente behaviorista, de transformar a ciência pedagógica numa ciência exata, e poder-se programar infalivelmente a educação das crianças desde pequenas, seguindo a crença expressa por John Watson, desde 1930: “Deem-me uma dúzia de crianças saudáveis e bem formadas [fisicamente perfeitas] e meu mundo específico para criá-las [a escola de tempo integral, por exemplo], e eu me comprometo a escolher uma delas ao acaso e treiná-la para que chegue a ser qualquer tipo de especialista que eu queira – médico, advogado, artista, comerciante, e até um mendigo ou ladrão, independente de seus talentos, capacidades, tendências, habilidades, vocação, ou a raça de seus ancestrais [no caso Doria ela deverá se tornar uma ‘empreendedora’, e a escola num centro de formação exclusiva de ‘empresários’]”. O simples fato de Watson propor esse experimento já o desqualifica como ser humano, ainda mais para se tornar a fonte de inspiração à superação de nossa educação estagnada, a não ser que realmente seja verdade aquilo que a supervisora disse: “O EMOCIONAL NÃO NOS INTERESSA”. Metrópolis está perdendo...

__ “Prestigiando os profissionais da educação essa gente valorosa, mas que precisa receber a sua requalificação nos programas de treinamento, de atualização permanentemente
__ Note-se que Doria chama os professores de “valorosos”, mas não de “competentes”, afinal os competentes são ele, seus amigos empresários e as autoridades educacionais que escrevem toneladas de teorias abençoadas pelos mais “prestigiosos”, uma questão de ponto de vista, centro de pesquisa do mundo, sem nunca terem frequentado uma sala de aula ou terem-na abandonado há tanto tempo, que nem notaram o quanto dos seus antigos interesses e aprendizagem estão contaminados pelos interesses e aprendizagens mais recentes, e novos valores assumidos em locais estranhos à sua primitiva vocação. Tem muita gente na universidades e em prestigiosos centros de pesquisas dizendo muita coisa absurda; por exemplo, é voz dominante em importantes centros de pesquisas do Brasil, a opinião de que o partido do senhor Dória é cúmplice em um golpe, coisa que ele e seu partido certamente não concordam, sem falar que outros há, e de grande valor, que negam que esse seja o melhor caminho a se seguir para promover a qualidade da educação nas escolas públicas, sem falar que o melhor motivador para a melhoria da qualidade da educação privada, fora do âmbito das escolas grandes e tradicionais, na grande maioria de escolas que atendem à classe média e baixa, é a concorrência da boa escola pública. Uma escola pública de qualidade é o maior motor e incentivo para a criação de boas escolas privadas ao alcance de boa parte da população, pois entregues a si mesmas, vivendo de bolsas pagas pelo Estado para alunos pobres, sem a concorrência de escolas públicas, elas fatalmente articularão conluios, trustes e carteis, sem falar dos intermináveis problemas policiais com os recursos dispendidos em bolsas públicas etc. que dizer do preconceito contra aquele aluno pobre e negro? Para que embarcar nessa canoa, quando tantas experiências ao redor do mundo, e mesmo o conselho do insuspeito Adam Smith e dos liberais, mostram a superioridade da educação pública sobre a privada? Todo poder de fazer política educacional para o povo, e todas as verbas públicas, para as escolas públicas!
__ Resta-nos esperar que em algum momento da caminhada, ou numa próxima curva desta, os governantes do PSDB e as autoridades a eles ligadas compreendam o grave passo que vão dar, que cessem o seu açodamento, e se acheguem à sociedade civil e a órgãos de representação, para estabelecer uma discussão absolutamente transparente sobre o que fazer com nossas crianças e como prepará-las melhor para o presente, para nós vermos se o futuro fica menos nebuloso.

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É disso que nossas crianças precisam?

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