DIÁLOGOS
COM SCHUMPETER – 1
(Baseado
na História da análise econômica de
Joseph A. Schumpeter - revisado em 07/05/18)
http://terracoeconomico.com.br/wp-content/uploads/2016/09/sch1.jpg
Nenhum princípio
ou teorema argumentativo, por mais complexo que seja, é superior a um ser
humano, por mais insignificante que este seja; e a consciência disso é o melhor
antídoto, na minha opinião, para aquele que tendem a lidar com hipóteses e
teorias humanas, seja de qual for a área, como se fossem “revelações divinas”
Eduardo
Simões
__
A História da análise econômica, do
economista austríaco Joseph Alois Schumpeter, é para os teimosos, para os persistentes,
que pacientemente retiram, camada por camada, a grossa, capa de erudição e conhecimento
de dados, especialmente nomes – algo que beira à obsessão e sobrecarrega o
texto, como se não quisesse se apropriar ou ligar inadequadamente a alguém, um mínimo
que fosse, um conceito ou abordagem que pertencesse a outrem, mesmo
considerando que, desde a invenção da escrita, creio eu, é praticamente
impossível ser absolutamente original no que quer que seja (Schumpeter
reconhece isso ao longo do livro) – com que ele envolve a história de uma
ciência tão apaixonante, embora a atividade de desvelamento do texto se revele
uma fonte de imenso prazer; a erudição de Schumpeter não cansa, embora possa
causar algum embaraço a um neófito, uma vez que a última, não sei se a única,
tradução disponível em língua portuguesa date de 1964, repleta de expressões
pouco corrente hoje em dia e erros de ortografia extravagantes, decorrentes de
uma revisão pouco cuidada. Para mim, entretanto, não há dúvida: História da
análise econômica faz jus ao elogio que alguns fazem a ele de ser o mais
erudito e profundo livro de história que já foi escrito.
“Há, como se pode ver neste livro, muita coisa que é
redundante, irrelevante, enigmática, fortemente tendencioso, paradoxal, ou de
outra forma inútil e mesmo prejudicial à compreensão. Quando tudo isso, porém,
é deixado de lado, ainda resta o suficiente para constituir, por uma ampla
margem, a mais construtiva, original, erudita e brilhante contribuição para a
história das fases analíticas de nossa disciplina que já foi feita” (Jacob Viner
(1892-1970), in Schumpeter; History of
economic analysis – with a new introduction of Mark Perlman; Routledge
Collection; 2006; UK; p viii tradução
livre).
__ Deve-se
considerar ainda, caro leitor, que o livro está inacabado em decorrência da
morte precoce de Schumpeter, em 8 de janeiro de 1950, nos Estados Unidos, sendo
finalizado apenas graças ao empenho de sua esposa, Margareth Boody Schumpeter,
ela também falecida antes de terminar a empreitada, finalmente concluída graças
ao esforço de vários colegas de trabalho de ambos (ela também era economista),
até a obra estar concluída, embora no seu interior abundem notas de partes
faltantes, deixadas para uma finalização posterior, que nunca ocorreu...
__ História da análise econômica é assim
uma das obras inacabadas mais profundas e marcantes da história do pensamento
humano. Que monumento de saber não seria se o seu autor tivesse vivido o
suficiente para deixá-la exatamente como a idealizou?
Apologia da história
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a8/Wien_04_Theresianum_a.jpg/1024px-Wien_04_Theresianum_a.jpg
Fachada imponente do Theresianum, em
Viena.
__ O interesse de
Schumpeter pela história foi tão precoce e intenso (1) quanto seu interesse pela matemática, que no ocaso de sua vida o
levará a ser fundador e presidente, nos Estados Unidos, da Sociedade de
Econometria – alguns falam de seu hábito de transitar pelos corredores
acadêmicos agarrado a grossos volumes de biografias diversas, um gênero tão
interessante e enriquecedor quanto desprezado em nosso país; logo não é de
admirar que no início de HAE ele faz uma crítica àqueles tratados, como os de
economia, muito frequentes em sua época, que ignoravam as nuances históricas de
sua área:
“A menos que o tratado apresente um mínimo de
aspectos históricos [saiba-se lá que “mínimo” é esse], nenhuma parcela de correção, de originalidade, rigor ou elegância
evitará uma certa carência de direção e sentido... Isso acontece porque os
problemas e os métodos que estão em uso em uma certa época incorporam os
resultados e preservam as características do trabalho que foi feito no passado
sob condições bem diferentes. A importância e a validade, tanto dos problemas
como dos métodos atuais não podem ser entendidos totalmente sem um conhecimento
dos problemas e métodos anteriores para os quais são uma (tentativa) de
resposta. A análise científica não é... um processo logicamente consistente que
se inicia com algumas noções básicas... adicionadas, linearmente, a um conjunto
preexistente. Não é também... a descoberta progressiva de uma realidade
objetiva [como queriam os positivistas, os empiristas, muito influentes nos
meios universitários anglo-saxões da época]... é, antes, uma incessante luta com criações de nosso próprio espírito e
o de nossos predecessores e progride – quando o faz – como que serpenteando [há,
portanto, recuos, e a economia está eivada deles!], não por um processo lógico, mas pelo impacto inesperado de novas
ideias, observações ou necessidades, e também segundo as propensões e
temperamentos de novos homens [novas sociedades, novas culturas ou, dito de
outro modo, novos paradigmas]. Qualquer
tratado que deseje mostrar o estado “presente da ciência”, realmente
apresentará métodos, problemas e resultados historicamente condicionados e que têm
sentido somente no processo histórico do qual resultam... o estado de qualquer
ciência num tempo qualquer implica sua história anterior e não será entendido
se não tornar explícita essa história” (Schumpeter; 1964; p 24-25).
__ Ele afirma
ainda na página 27 ele afirma que “em
Economia... os modernos problemas métodos e resultados não poderão ser
satisfatoriamente entendidos sem algum conhecimento de como os economistas
chegarão às conclusões que estabelecem”. Algo que aparentemente parece meio
“fora de moda” no senso comum geral, afeito apenas aos acontecimentos de curtíssimo
prazo, a resultados imediatos.
__ A história é,
portanto, para Schumpeter, um meio indispensável para apercebermo-nos do
significado e da direção possível, ou antes das direções possíveis, de um ramo da
ciência, se quisermos considerar o caráter aproximativo, portanto estatístico,
de todo conhecimento que se pretende científico, racional, como o é a economia,
além de explicar o nível de entendimento atual dos fenômenos que pretende
deslindar; tudo, aparentemente, bem de acordo com o figurino habitual,
“conservador”, daquilo que se convencionou chamar “história”, inaceitável, em
seus detalhes, nos dias de hoje, mas perfeitamente compatível com o tempo em
que foi escrito: anos 30 e 40 do século passado.
__ Mas que ninguém
se engane o novo e o polêmico estão presentes nessa obra daquele que foi
chamado de enfant terrible da
economia. Partindo da premissa que os acontecimentos históricos se desdobram
num continuum, em processos seculares, senão milenares, de maturação, cujas
mudanças mal se fazem sentir até estarem firmemente consolidadas no seio das
sociedades, e já a caminho para se tornarem outra coisa mais adiante, no tópico
seguinte, quando discute a possibilidade de a economia ser uma ciência,
Schumpeter faz a seguinte observação:
“Nossa definição original [da ciência ou
ramo de ciência, como um esforço de conhecimento sobre questões específicas]...
indica a razão porque é impossível,
geralmente, datar – ainda que por aproximação de décadas – as origens e até os
fundamentos de uma ciência, distinguindo-as do aparecimento de um método particular ou da instituição de uma escola... [Uma] ciência
se desenvolve por acréscimos insignificantes, enquanto adquire existência
própria, e ascende por meio de pequenos acréscimos, gradualmente diferenciados
entre si, sob a influência de condições ambientes e pessoais... a partir de seu
substrato de senso comum, e por vezes também de outras ciências... No que se
refere à Economia, só a ignorância ou o espírito tendencioso podem admitir como
pressuposto que A. Smith, F. Quesnay, Sir William Petty ou quaisquer outros
tenham fundado essa ciência, ou que o historiador deva começar seu estudo por
algum deles [dou-me aqui a liberdade de divergir um pouco do Mestre, entendendo que nesse livro ele é um acadêmico se dirigindo a especialistas, que certamente, não precisam tanto de referenciais fora da economia para entender o que se está discutindo, para não falar da especificidade dos debates nesse nível, mas, ao apresentarmos os resultados de pesquisas para leigos, creio que podemos sim fazer uma concessão a "pais" e "escolas", desde que não se perca de vista o caráter acumulativo, contínuo de todo processo de aquisição e descrição de conhecimentos, avanço tecnológico, etc. marcando mais uma vez a importância da História, como uma ferramenta fundamental, indispensável, em todas as áreas do conhecimento]... O conhecimento leigo que diz que as colheitas abundantes estão associadas a preços mais baixos de gêneros alimentícios [como diziam os
fisiocratas] ou que a divisão do trabalho
aumenta a eficiência do processo produtivo [como pontificava Adam Smith] são obviamente pré-científicas e é absurdo
visar tais afirmativas em velhos escritos como se constituíssem descobertas. O
instrumental da primeira teoria da oferta e da procura é científico; mas essa
realização científica é tão modesta – visto que ciência e senso comum estão
muito interligados neste caso – que qualquer afirmação sobre o ponto exato em
que se passa de um ao outro se torna necessariamente arbitrária [tão arbitrária
como dizer que a ciência econômica começou com este ou aquele autor, o que não
é de forma alguma ilegítimo fazer, mas não pode ser absolutizado ou tornado
oficial]” (idem; p 30).
__ No parágrafo
acima vê-se o quanto Schumpeter chacoalha a crença comum vigente entre liberais,
e até marxistas, no Brasil, que de uma maneira geral prestam culto ao “fato” de
Adam Smith ser o “fundador” da ciência econômica moderna, em especial da
corrente liberal-capitalista, mas outras surpresas nos esperam ao longo do
texto dessa obra magnífica, mas gostaria de fechar essa seção com um testemunho
pessoal dele sobre o seu apreço à história:
“Se iniciasse novamente os meus estudos de
economia e me dissessem que deveria escolher apenas um dos três ramos
mencionados [ramos de estudos especialização na economia da época; os
outros dois eram a “estatística” e a “teoria econômica”], minha preferência teria recaído sobre a História da Economia, por três
razões... Ninguém poderá entender o complexo econômico (2)
de qualquer época, a presente inclusive, se não possuir uma visão adequada
[seja lá o que isso quer dizer] dos fatos
históricos e senso histórico bastante [talvez uma espécie de consciência
das mudanças ou do ritmo evolutivo das sociedades]... O relato histórico [na economia] não pode ser puramente econômico, mas, antes, refletirá também os fatos
institucionais não econômicos: pois fornece o melhor método para entender como
os fatos econômicos e os não econômicos estão relacionados... a maioria dos erros fundamentais frequentemente
cometidos em análise econômica são devidos a deficiência de conhecimento
histórico, mais do que qualquer outra coisa” (idem p. 34).
Notas
1 – Aluno brilhante, Schumpeter teve o privilégio de fazer
sua educação escolar básica na mais prestigiosa e conceituada escola do antigo
Império Austro-Húngaro, o Theresianum, de Viena, onde ingressou graças ao
prestígio genealógico de seu padrasto – ele ficou órfão de pai aos 4 anos.
Hoyos (2001), citando Gottfried Haberler (1900-1995) tem uma visão complementar
desse período: “A passagem pelo Theresianum forjou em Schumpeter sua “agradável
e às vezes excessiva cortesia e modos da aristocracia do velho mundo”. Também
determinou muitos traços de sua personalidade, presentes em momentos
posteriores de sua vida, nos quais se nota certa ambiguidade, camuflada por um
sentimento de não querer incomodar, de não contrariar de chofre a quem quer que
fosse, num equilíbrio bem balanceado de oportunismo e hipocrisia”. Schumpeter
era, enfim, um aristocrata da velha escola.
2 – Schumpeter usa o termo “complexo econômico”,
adaptando à sua área de conhecimento o conceito de “área cultural”, também
traduzida por “traço”, “padrão” ou “complexo cultural”, definido, segundo um
blog na internet (http://contraculturacm.blogspot.com.br/), como um “conjunto de traços ou grupo de traços
associados, formando um todo funcional; ou ainda um grupo de características
culturais interligadas, encontrado em uma área cultural. O complexo cultural é
constituído, portanto, de um sistema interligado, interdependente e harmônico,
organizado em torno de um foco de interesse central. Cada cultura engloba um
número grande e variável de complexos inter-relacionados. Dessa maneira, o
complexo cultural engloba todas as atividades relacionadas com o traço
cultural. Exemplo: O carnaval brasileiro, que reúne um grupo de traços ou
elementos relacionados entre si, ou seja, carros alegóricos, música, dança,
instrumentos musicais, desfile, organização etc. A cultura do café, que abrange
técnicas agrícolas, instrumentos, meios de transporte, máquinas. O complexo do
fumo, entre sociedades tribais, envolvendo cultivo, produto, e os mais variados
usos sociais e cerimoniais; o complexo do casamento, da tecelagem caseira etc.”
Traduzindo em termos mais próximos diríamos, com as devidas ressalvas, que se
assemelha ao tradicional conceito marxista de “modo de produção” ou ao conceito
mais moderno de “sistema”. Um todo, definido tanto por um objetivo específico como
por uma lei de formação (organização interna), enfim, um “momento” ou “período
histórico” de uma sociedade visto pelo ângulo da economia.
Obs: no próximo deixarei a bibliografia consultada)
Obs: no próximo deixarei a bibliografia consultada)
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