Tim Vickery:
Thatcherismo abriu as portas da barbárie, que não fecharam até hoje (ampliado em 15/05/18)
Tim
Vickery Colunista da BBC Brasil
9
março 2018
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Quatro
décadas atrás, Margaret Thatcher iniciava a campanha que não somente a
conduziria ao posto de primeira-ministra do Reino Unido, mas também lançaria um
modelo que acabou por conquistar o mundo. Os princípios do thatcherismo viraram
as certezas globais de ponta-cabeça. E, bem no centro do projeto, havia uma
mentira enorme.
Havia
uma frase que, lá em 1978, ela repetia e repetia: "Não podemos continuar
gastando mais do que estamos ganhando". Mas ela criou uma economia baseada
em quase todo mundo fazendo exatamente isso.
Quando
ela assumiu o poder, em 1979, o nível de dívida privada (de pessoas e empresas)
estava por volta de 60% do PIB britânico. Essa medida começou a ser calculada
em 1880. Durante um século, nunca ultrapassou 72%, e ficava na média em 57%.
A
partir da chegada de Thatcher, esse índice explodiu, e continuou explodindo
posteriormente, no governo de Tony Blair, que em vários sentidos foi o seu
herdeiro intelectual. Em 2010, beirou um alucinante 200%.
Esse
desenvolvimento representa o triunfo do capital financeiro. Foi uma revolução
dos bancos. Thatcher iniciou o processo de desregulamentação do setor. Os
bancos passaram a poder fazer tudo que quisessem. E o que fizeram, é claro, foi
semear dívida. O sonho do setor financeiro é transformar todos em escravos da
dívida. A dívida do cidadão é o patrimônio do banco. E o maior potencial para
isso estava no mercado imobiliário.
Thatcher
promoveu como nunca antes o sonho da casa própria. E enquanto os preços subiam
que nem balões, parecia - pelo menos no curto prazo - uma boa ideia. Mas o que
estava por trás do aumento incrível do preço dos imóveis?
A
resposta clássica seria que uma casa vale o que o comprador está disposto a
pagar. Mas, nesse caso, não vale. Porque ninguém estava comprando, era tudo
financiado. Nesse caso, a casa valia o que o banco estava disposto a emprestar
- um montante crescente, daí o aumento dos preços. Então, uma casa que
antigamente valia um salário médio de três anos de repente passou a valer um de
40 anos.
Mas
o aumento do mercado imobiliário consiste somente em parte da revolução de
Thatcher. Houve também o enfrentamento à mão de obra organizada.
Depois
da Segunda Guerra Mundial, governos no Ocidente promoveram políticas econômicas
de emprego pleno. Com sindicatos fortes, a mão de obra ganhava cada vez mais.
Depois de três décadas, isso obviamente passou a produzir inflação: uma vez que
os trabalhadores recebiam aumentos, a maneira mais fácil para as empresas
manterem o lucro era elevando os preços, causando um círculo vicioso.
Thatcher
e seus aliados chegaram à conclusão de que era impossível ter uma economia
moderna com sindicatos fortes. Leis e tecnologias novas foram usadas para
quebrar o poder dos sindicatos, e fábricas foram deslocadas para o terceiro
mundo, onde dava para pagar muito menos.
https://www.princeton.edu/~pkrugman/greenspan.jpg
[O
bebê de Margaret! Do outro lado do Atlântico, Alan Greenspan, presidente do
Federal Reserve abençoava iniciativas análogas na América, misturando Ayn Rand,
von Mises e a maior recessão desde 1929. Disse Paul Krugman, no início da grande crise de 2008: “Para um homem
que já foi incrivelmente difícil de decifrar, Alan Greenspan é agora tão claro
quanto um escritório vazio do Lehman Brothers”].
No
auge do boom, Alan Greenspan, durante muitos anos presidente do Banco Central
dos Estados Unidos (Fed), comentou sobre um paradoxo aparente: a produtividade
do empregado subia, mas os salários, não. Atribuiu isso ao "trabalhador
apavorado", a essa altura, preocupado demais em perder o emprego (e consequentemente
a casa) para reivindicar um aumento.
Greenspan
falou num tom de triunfo. Mas eis aí a bomba-relógio do projeto Thatcher,
Reagan e etc.: como manter o consumo numa época assim? Com a expansão do
crédito. Mas como conciliar isso com o aumento tão significativo do preço da
moradia? Uma bolha no preço dos imóveis de um lado, salários estagnados e menos
segurança de emprego do outro. Desequilíbrio total vira uma questão de tempo.
Chega
um momento em que as pessoas não conseguem mais pagar as suas dívidas. Surge o
perigo de um calote em massa. O sistema acaba balançando em cima de uma cabeça
de pino. Desmoronou em 2008, e parece que até agora ninguém achou uma saída.
Existe
um velho ditado no setor bancário: nunca empreste para quem precisa. Na
revolução de Thatcher, os bancos deixaram isso de lado. Quando se empresta para
quem precisa, o lucro é mais alto. Mas vem com riscos. E os bancos foram
semeando dívidas, até quebrarem sobre o peso dos empréstimos tóxicos. Aí entra
a velha história: enquanto deu certo, os lucros astronômicos foram distribuídos
entre agentes privados. Quando o sistema quebrou, foi a sociedade que pagou o
pato, sofrendo com o corte de gastos sociais, numa tentativa fútil de
equilibrar as contas.
As
consequências disso são terríveis no primeiro mundo - cada vez mais pessoas
dormindo nas ruas, por exemplo. No Brasil atual, é simplesmente apavorante. O
desequilíbrio entre o preço da moradia e a situação de emprego, a desigualdade
histórica, o culto do consumo, a violência urbana…
As
portas da barbárie estão abertas. Quatro décadas depois do crescimento do
thatcherismo, precisamos com urgência de um novo modelo.
O resultado nos EUA
https://lampway.files.wordpress.com/2012/03/homeless-mom-and-kids.jpg
Um
release do The Guardian online, de dezembro de 2017, diz: "um novo
estudo do governo [americano] descobriu que 554,742 pessoas foram
expulsas de casa, em uma única noite este ano... a crise não mostra
sinais de arrefecimento". O título da matéria é: "O número de sem-teto
na América cresce pela primeira vez desde a Grande Depressão"
https://businessmanagmentnews.files.wordpress.com/2017/11/o-homeless-children-facebook.jpg?w=1024
O site Insight News aponta que uns 4
milhões de jovens estão morando nas ruas dos Estados Unidos
http://salamtoronto.ca/wp-content/uploads/2013/01/2007_10_homeless.jpg
O incrível desperdício de capital.
https://i1.wp.com/consciouslifenews.com/wp-content/uploads/2013/10/US-80-percent-poor.jpg
Ninguém é poupado.
https://i.pinimg.com/originals/ed/68/63/ed686347e711011df4e0b9adb7c47922.jpg
Não há misericórdia.
O site da BBC em português traz no dia 8 de maio de 2018 o seguinte quadro:
- - 36% dos universitários pesquisados sofrem de "insegurança alimentar" [comem abaixo do adequado ou passam um ou outro dia sem comer ou sem todas as refeições); nos cursos técnicos, são 42%
- - 36% dos universitários tinham uma "moradia precária", enquanto o número sobe para 46% no caso de estudantes de cursos técnicos
- - 9% não tinham um lugar para morar em 2017: dormiam em albergues, em veículos ou em prédios abandonados; nos cursos técnicos, esse número era de 12%
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