terça-feira, 30 de agosto de 2016

O GOLPE DA MAIORIDADE (1840) E A FALSIFICAÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL E A CORRUPÇÃO ALHEIA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Brasil, EUA, França, Ucrânia, Grécia, Itália, Turquia, China. Deus os abençoe.  

__ Esses dias tive uma intuição sobre o crise nacional, e me vi remetido ao chamado Golpe da Maioridade, ocorrido em julho de 1840. Para mais informações, acorri aos livros de História do Brasil mais recentes e aos sites da Internet, quando tomei um susto: não houve golpe, mas apenas um “acordão” entre as duas principais correntes políticas das elites brasileiras, liberais progressistas e liberais regressistas, para a manutenção do poder de ambos, contra os interesses do povo! Como então se explica o resto: as eleições do cacete, os levantes de 1842? Por que razão os antigos destacavam tanto esse episódio, e se encontra generalizado o epiteto de "golpe“, quando se fala dele, se o que houve foi apenas um acordo ente as elites? Sempre aprendi que fora um evento cercado de tensão, que beneficiou inesperadamente um grupo que, em um átimo, passa de oposição minoritária a situação vencedora.
__ Eu, um professor de história, que razoável conhecedor de seus conteúdos básicos, me vi na condição de quem não sabe realmente o que aconteceu, e que esteve, durante anos, ensinando errado. Fui salvo pelo exemplar de um antigo manual: História do Brasil para o Ensino Médio, de Joaquim Silva, de 1967, em sua 9ª edição, que narra na página 239 que, ante a iniciativa da Regência em adiar para novembro de 1840 o debate, no Parlamento, sobre a projeto de lei da Maioridade de Pedro II, os deputados, alevantados, abandonaram o recinto e, em comissão, foram diretamente ao jovem Imperador, pedir sua anuência à iniciativa. Estava, confirmado, aquilo que eu havia aprendido: não houve apenas um “acordão” de bastidores, embora também não não tenha havido nenhuma resistência armada ou derramamento de sangue.
__ Afinal o que aconteceu em 1840, e como esse fato ajuda-nos a entender o que se passa atualmente no Brasil? A primeira coisa a fazer é tentar determinar da melhor forma possível a natureza dos acontecimentos políticos que lhe anteciparam, a partir, rigorosamente, do que é sabido e aceito de forma mais ou menos consensual.

A disparo da mola

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http://jubran.deviantart.com/

__ Pedro I (acima), a revelia de sua classe social, seus defeitos pessoais e seu papel central nos acontecimentos que levaram à independência política do Brasil, foi um soberano tirânico e autoritário, que teve o cuidado de garantir essa característica de seu temperamento no governo por meio de uma constituição, que ele chamava de “liberal” e “digna de mim”, e que acobertava todos os excessos já feitos ou ainda por fazer sob a salvaguarda do Poder Moderador. A atuação de D Pedro ao longo do Primeiro Reinado é comparável à de uma trava, contraindo fortemente um mola, a sociedade brasileira, com todas as suas contradições e injustiças sociais, mas que já acumulara energia e conhecimento suficiente para ir além do que o imperador e a sua constituição, a trava, eram capazes de suportar, sem sentirem-se ameaçados na sua autoridade.
__ Com a saída precipitada do imperador do Brasil, como que numa fuga, na noite de 9 de abril de 1831, a trava, de repente, foi tirada, e a mola ficou solta. No primeiro momento ainda se continha, prisioneira em dúvidas, prisioneira de memórias tão próximas de repressões brutais e pela força do hábito, e continuou contraída, enquanto a elite governante, igualmente confusa, tentava dar uma resposta a esse fato tão desejado quanto inesperado. Creio que para a maioria destes, D Pedro, famoso “cabeça-dura” desistiu mais cedo do que se esperava. E a mola permaneceu quieta, ainda contraída, exceto por alguns distúrbios localizados, manifestações dirigidas contra portugueses residentes.
__ No arranjo posterior das forças políticas, ocorrido no mês de abril, tempo em que o país esteve sob o controle da Regência Trina Provisória, venceu, como era de se esperar, o grupo que estava do lado oposto ao da trava ou do pêndulo da nossa história: o grupo liberal progressista, que resolveu enfiar uma alavanca entre as espiras da mola, para que essa saísse do seu estado de contraída, expandindo-se vigorosamente. E foi o que aconteceu, com consequência inesperadas e fatais para seus autores.

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__ A alavanca que destravou de vez a mola foi o chamado Ato Adicional de 1834, uma espécie de emenda à Constituição de 1824, que em linhas gerais reduzia o poder do imperador, esvaziando o chamado Poder Moderador, até a ascensão de Pedro II, que daí para frente, na visão deles, não passaria de um adereço berrante à constituição, transferindo uma grande quantidade de poder decisório para as províncias. Aconteceu então aquilo que está brilhantemente contido no aforismo popular que diz: “quem nunca come mel...” Considerando de outra maneira, a ideia de Brasil, de unidade ou interesse nacional, não era forte o bastante para contrapor-se à gana com que os grandes proprietários, e grupos a eles ligados, defendiam seus interesses pessoais e de grupo, chegando mesmo a ameaçar a estabilidade do grande sistema que tanto os beneficiava. O resultado foi a explosão de revoltas armadas por todo o Brasil, algumas completamente exóticas, com a Sabinada na Bahia, que pretendia tornar a província uma república independente do Brasil, até a maioridade de Pedro II. Uma mixórdia, que só fez se agravar na Regência do progressista Feijó.
__ De fato, com a decentralização progressista, o país explodiu em revoltas armadas com objetivo de extermínio, o único meio que as elites provinciais conheciam para fazer um novo rearranjo de forças, e entre 1831 e 1837, período em que os progressistas estiveram no poder, nada menos de 14 grandes revoltas, para não falar nos conflitos menores, tiveram início, das 19 catalogados durante as Regências. Embora, é forçoso dizê-lo, uma boa parte deles também acabou até setembro de 1837, quando o Padre Diogo Feijó, notório progressista, enfraquecido por defecções importantes no seu grupo, políticos desapontadas pela anarquia reinante ou motivos inconfessáveis, que preferiram o agrupamento oposto, o liberal regressista, renunciou ao cargo de regente.

O ajuste da trava

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/db/Pedro_de_Araujo_Lima_1835.jpg/220px-Pedro_de_Araujo_Lima_1835.jpg
Por Unknown (Dias, p.201) - Lustosa, Isabel and Théo Lobarinhas Piñeiro. Pátria e Comércio: Negociantes portuguses no Rio de Janeiro joanino. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=10775442

__ Quem assumiu então a Regência foi um dois ministros de Feijó, Araújo Lima (acima), fortemente ligado ao grupo regressista que, ao contrário dos progressistas, aspiravam uma maior centralização, reforçando os poderes do Imperador, concentrando as decisões no Rio de Janeiro. Esse grupo também teve uma postura mais firme na repressão aos movimentos armados nas províncias, conseguindo avanços na pacificação do país. Tudo corria sem maiores sobressaltos, embora o país estivesse politica e economicamente estagnado, até que, em 12 de maio de 1840, foi promulgada, por iniciativa dos regressistas, a chamada Lei Interpretativa do Ato Adicional de 1834, que revertia tudo o que até ali fora feito no sentido da descentralização política do Império. Era uma tentativa de fazer valer todo o texto da Constituição de 1824 e colocar uma nova trava na mola.
__ Os liberais progressistas, percebendo que não só haviam perdido o poder, como ainda iam ver o seu projeto de sociedade ir por águas abaixo, resolveram agir de imediato, e seis deles, progressistas de “carteirinha” (1), já no dia seguinte à promulgação da Lei Interpretativa, lançaram um projeto de lei que declarava maior o príncipe imperial, a partir da promulgação da lei, se esta viesse a ser aprovada. Ato contínuo, foi criado um movimento de rua, o chamado Clube da Maioridade, por Antonio Carlos de Andrada e Silva, outro progressista entusiasta, que conseguiu ser muito bem sucedido, mobilizando amplas porções de grupos urbanos no Rio de Janeiro e outras cidades.

http://imguol.com/c/noticias/2014/01/20/d-pedro-ii-com-12-anos-dom-pedro-pequeno-1390246890233_564x430.jpg
http://noticias.bol.uol.com.br/

__ A principal justificativa dos progressistas é que o país estava violento e desorganizado, por falta de uma autoridade legítima, e esta só poderia ser encontrada na pessoa do jovem monarca, que, na ocasião tinha apenas 14 anos (acima) – completaria 15 em dezembro. Mas eles colheriam duas vantagens extras bem palpáveis: apeariam os regressistas do poder e usariam de sua influência junto ao jovem monarca, aumentada por essa “feliz” iniciativa, para anular ou reduzir o efeito da Lei Interpretativa e fazer voltar o espírito original do Ato Adicional.
__ Em termos jurídicos essa iniciativa gerava uma aberração: afinal um artigo da constituição seria modificado por uma lei ordinária e não por uma emenda, que exigiria uma maioria que os progressistas não tinham, sem falar do escândalo que seria, caso fosse aprovada uma emenda, o correto a fazer, uma carta constitucional de um país moderno autorizar a ocupação do Poder Executivo, ainda mais um executivo com poderes tão amplos como o do monarca brasileiro, por um garoto de 14 anos! Ainda assim os progressistas lançaram-se açodadamente ao confronto, como que numa disputa de vida ou de morte, que foi ficando cada vez mais acesa a medida que crescia o apoio popular à mudança, e começava a se difundir pelas ruas uma quadrinha que espelha claramente o clima de loucura que tomara o país: “Queremos Pedro Segundo,/ Embora não tenha idade./ A nação dispensa a lei,/ E viva a Maioridade!” Pobres loucos! Se com a lei já eram esfolados vivos, imagine-se sem ela, reproduziam, folgazões e inconscientes, um mote gerado por aqueles que quase nunca seguiam as leis, embora as fabricassem prodigamente...
__ Os regressistas estavam encurralados. Primeiro porque foram eles que, tomando o discurso do caos e da desorganização do país, haviam também obrigado o regente progressista Feijó a se demitir antes do tempo, tendo, inclusive, cooptado vários elementos progressistas, inconformados com as rebeliões que explodiam a cada momento, para o seu lado, entre eles o influente Bernardo Pereira de Vasconcelos. Agora os progressistas tomavam esse mesmo discurso para apea-los do poder.
__ E o país continuava realmente tão desorganizado e violento quanto antes? Aparentemente não. Segundo uma lista de grandes rebeliões desse período, de 1837 em diante só havia quatro delas em andamento no Brasil, inclusive a interminável Farroupilha só abafada em 1845. Aparentemente o quadro melhorara muito, quando comparado a 1831-37, mas em um setor a situação estava mais caótica do que nunca: nas casas do Parlamento. Diz um autor:
As sessões legislativas se sucediam em contínuas prorrogações [pedidos de vista, obstrução, etc.], e a estas seguiam novas sessões anuais, e novas e mais repetidas prorrogações. E o que se viu sair desses longos e laboriosos períodos legislativos? Nem as leis anuais eram completamente votadas; o orçamento chegou a ficar de uma para outra sessão [anual]; o tempo era todo consumido em acusações e recriminações... quando se enunciava a inconveniência das leis, e que dela provinha o estado de desordem e todos os males do país, reconhecia-se esta verdade; mas os partidos recusavam-se à votação das reformas, para não fortificar o poder nas mãso dos contrários; as maiorias punham condições à existência do governo [o toma lá dá cá], e este, fraco e desarmado, ao invés de as compelir à votação das medidas indispensáveis era obrigado a tolerar a sua própria esterilidade...” (A declaração...; p 122)
__ A primeira coisa que nos vem à mente é o questionamento se existe um quadro mais perfeito da vida política atual do Brasil, do que este pintado a 176 anos atrás, o segundo é sobre o quanto dessa desordem, desse espetáculo deprimente, inacabável, não é proposital.
__ Pelo que podemos deduzir do parágrafo em itálico, feito por alguém ou um grupo interessado na antecipação da maioridade, o problema mesmo não estava no Brasil, o pior da crise já passara, mas no Parlamento. Eles, os maus políticos, a eterna maioria, é que se constituíam no problema mais grave do país, por seu interesse miúdo, imediato, por seu paroquialismo compulsivo; e nesse caso, a maioridade açodada de Pedro II, trazia outro remédios exemplar: proteger a classe política dela mesma!? Dito de outra maneira, provectos cidadãos da leite política do país, alguns já sexagenários, corrompidos o bastante para se recusar a cumprir o  dever de seu cargo, usavam de um adolescente para satisfazer os seus interesses imediatos, sem tocar no sistema ou em seus maiores beneficiários.
__ O golpe de morte na causa regressista de resistir à antecipação da maioridade veio da facilidade com que os progressistas conseguiram fazer colar a tese de que quem não era favorável à antecipação da maioridade era contra o imperador. Esse mantra é de uma hipocrisia inédita! Primeiro porque os progressistas sempre foram favoráveis ao esvaziamento do poder central, e dessa forma agiam frontalmente contra os interesses do imperador; em segundo os regressistas tinham no reforço da autoridade imperial e na recuperação por esta de todos os poderes tirados pelo Ato Adicional dos progressistas a sua principal bandeira, sendo, portanto, mais favoráveis, na prática, aos interesses do imperador. Na tribuna os ânimos se exaltam, e no dia 17 de julho, um deputado, Ferreira de Mello, após citar uma tal “crise melindrosa em que se acha o país”(p 66) – “país” é o nome que eles dão ao Parlamento ou Congresso Nacional, sempre que lhes interessa ou por desconhecer o país real – faz a defesa apaixonada da antecipação e termina com uma ameaça: “Estou persuadido que a maioridade do senhor Pedro II há de ser realizada per fas ou per nefas” (idem). “Na lei ou na marra”, dizia-se em tempos de João Goulart.
__ Numa sinuca de bico, vendo vários dos seus bandearem para o outro lado, como em 1837 acontecera aos progressistas, não restou ao regressistas senão empunharem também a bandeira da antecipação da maioridade, procurando ainda tirar um último proveito da situação. Liderados pelo ministro Bernardo de Vasconcelos, buscam atrasar a votação da antecipação da maioridade para o final de novembro, sob o pretexto de coroá-lo efetivamente no dia 2 de dezembro, quando o monarca completaria 15 anos! Quando essa manobra veio a lume, na Câmara dos Deputados, no dia 22 de julho, causou reações dramáticas e entornou o caldo. Eis como o autor, ou autores, de A declaração da maioridade, relata esses acontecimentos, começando pelas últimas intervenções ainda na Câmara dos Deputados:
Sr. Coelho Bastos (com força) – O governo conspira contra o monarca, os amigos do monarca coloquem-no no trono (explosão de apoiados)
Sr. Andrada Machado (com energia) – Quem é patriota e brasileiro siga comigo para o Senado. Abandonemos essa Câmara prostituída (estrondosos apoiados, vozes desencontradas, agitação extraordinária) [as galerias estavam lotadas pelo povo vociferante, arregimentado pelos progressistas]. 
Esta cena... termina-se na câmara pela saída dos deputados propugnadores da maioridade, que vão reunir-se no senado, para deliberarem em comum, em sessão permanente, o meio de conjurar a crise [que eles próprios haviam acabado de criar]. O povo em massa os acompanha e é engrossado no seu caminho por todos que encontra, e que, informados do sucessos ocorridos, querem tomar parte nos perigos da resistência. Chegados ao senado, os deputados resolvem, com os membros desta câmara, enviar uma deputação a sua majestade imperial... e pedir-lhe que tome as rédeas do governo... enquanto aguardam a sua volta, vários senadores procuram tranquilizar a multidão, composta de mais de três mil cidadãos, que rodeavam o edifício e davam sinais de vivo desassossego... A multidão aumenta em número cada vez mais; todos os alunos da escola militar vêm armados reunir-se ao povo, para defender o monarca.
Mas eis que a deputação de volta traz a notícia de que sua majestade imperial aceitara o governo e ordenara ao regente que revogasse o fatal decreto e convocasse de novo as câmaras para amanhã. O entusiasmo do público não tem então limites...” (p 94)
__ O autor, ou autores, dessa memória, maioristas convictos, fazem, no início do “capítulo” que narra os eventos do 22 de julho, uma sinopse com uma apreciação muito curiosa dos fatos que serão apresentados a seguir:
Os senhores Antonio Carlos, Martim Francisco, Alves Machado e Limpo de Abreu, levantam-se sucessivamente e protestam com veemência contra este ato [transferência da sessão de votação da maioridade para 20 de novembro do corrente] do tresloucado ministro [Bernardo de Vasconcelos], que para frustrar a primeira das esperanças do povo brasileiro [um imperador de 14 anos] e o único meio de salvação que lhe resta, traçava de levar a conflagração e a guerra civil a todos os cantos do império. Anunciam que o trono está em perigo, que um governo ilegítimo e usurpador dos direitos da princesa imperial [a irmã mais velha de Pedro II, Da. Januária, que deveria, pela Constituição, assumir, a Regência; ninguém está inocente nessa história] vendo fugir-lhe o poder das mãos, dispunha-se a sacrificar a nação e o trono no interesse de sua duração” (p 90).

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__ Será que a pessoa, ou pessoas, que escreveu esse texto acreditava realmente no que estava escrevendo? Em comparação ao período inicial das Regências, o país, fora do Rio de Janeiro e da Câmara de Deputados, estava em processo de pacificação, ainda que por esgotamento, e não havia nenhum indício, mesmo o mais distante, de pretensão, fora do Rio de Janeiro e da Câmara, a tornar a maioridade de Pedro II um caso belis, principalmente do lado regressista. A história política dos primeiros anos do Segundo Reinado são a prova disso. Seja como for, a Inês era morta e não coube aos regressistas senão engolir a antecipação da maioridade, oficializada em 23 de julho de 1840 (acima), e entregar o governo aos progressistas. Finalmente o Brasil estava a salvo dos horrores e da guerra, pregados diuturnamente por estes. Assim pensavam os ingênuos de sempre...
__ Pensavam e se enganaram! Uma vez no poder os progressistas começaram a agir como se donos do poder fossem, e para construir uma forte maioria que anulasse a Lei Interpretativa e trouxesse de volta o Ato Adicional, enfraquecendo, na prática, aquele a quem, com tanta ênfase, diziam proteger os interesses, promoveram, em 13 de outubro de 1840, um dos processos eleitorais mais escandalosos da história do Brasil, passado à posteridade com o título de Eleições do Cacete (2). Sem falar de grandes fracassos na condução da guerra contra os farrapos e o agravamento de tensões com a Inglaterra, por causa do tráfico negreiro. Em março do ano seguinte os “salvadores” do Brasil voltaram para casa, deixando o Brasil pior do que encontraram, nas mãos dos regressistas, para fazer de novo o que já haviam feito em 37: dar estabilidade ao país.
__ A rapidez com que o menino imperador agira fez com que os progressistas se dessem conta de que haviam sido logrados por um adolescente de 14 anos, que eles haviam elevado ao poder máximo, mas que governava o país com as vistas voltadas para o programa dos regressistas, que o beneficiava, óbvio! Eles foram ingênuos em acreditar que poderiam controlar sozinhos o jovem e inexperiente soberano, mesmo depois de tantas evidências de que o seu programa não funcionava bem na realidade nacional. Mas quem faz jogadas políticas, como as que descrevemos acima, tem lá algum compromisso com a ralidade? Seja como for, torna-se agora transparente o caráter de golpe, e golpe político rasteiro,  o movimento dos progressistas de 1840.
__ Derrotados pela lei e pela moral, que condenavam as Eleições do Cacete, e pela sua desastrada gestão interna, os progressistas mostram a verdadeira face, e resolveram pegar em armas, em Minas Gerais e São Paulo, contra o governo, em 1842, deixando bem claro quem estava “traçando levar a conflagração e a guerra civil a todos os cantos do Brasil”. Eles criaram tensões artificias e possibilidades de guerra inexistente, para justificar o vale tudo e a completa amoralidade de suas iniciativas políticas; a suposta amoralidade de seus desafetos a justificava, como um ressalto do que é a grande marca da política brasileira: realçar o erro dos outros, mesmo os inexistentes ou apenas potenciais, para declarar justa ou necessária a sua própria amoralidade.
__ O que aconteceu no período chamado Segundo Reinado, sem aprofundar o mérito, é que com a aplicação dos conceitos da Constituição de 1824 e do programa regressista, foi colocada uma nova trava, com mais folga que a trava posta no Primeiro Reinado, mais consistente e estável, na mola nacional, que lhe permitiu, num clima de paz interna, acumular forças para para a sua próxima expansão ao finalizar o século XIX.

A história como uma camisa de força
__ Aiatolá era um jovem, como eu, estudante universitário, no início dos anos oitenta. Ele era adstrito ao curso de sociologia, e eu no de história, da Universidade Federal do Ceará, cursos vizinhos no campus da Gentilândia. Eu admirava a sua fé ingênua na causa que defendia, estritamente marxista, e a disposição que ele mostrava por lutar pelas causas socialmente mais elevadas. Quem, não sendo Bolsonaro, não as admira?
__ Entretanto, certa vez, quando falávamos sobre as nuances da conjuntura e do sistema capitalista, por alguma razão fiz uma menção elogiosa ao ex-presidente americano John Kennedy, ao que Aiatolá me corrigiu com uma frase que eu nunca esqueci: “Kennedy e Hitler são absolutamente iguais!” e aí ele me explicou: “ambos lutavam pelos interesses da classe burguesa”. Simples, muito simples, qualquer um, mesmo o mais completo ignorante e analfabeto, pode agora fazer história de nível “superior”, e um estava ali fazendo, bem na minha frente, pois, afinal, agora tudo se resume à luta de classes – a luta de classes é o motor da história – tudo o mais segue absolutamente irrelevante, e nada acrescenta à compreensão do processo, exceto o nosso entendimento da incapacidade de nossa esquerda de levar adiante um processo exitoso de tomada e conservação do poder: eles simplificam tanto a realidade que ela fica irreconhecível.
__ Foi justamente essa esquerda, de cunho marxista, dogmática e estreita, que, assomando nas universidades, transformou as faculdades da área das ciências humanas em igrejas de fanáticos, a repetir ad eternum seus princípios interpretativos e axiomas, genéricos o bastante para não explicar nada, apesar de falar muito, tornando a história, nas escolas, a segunda disciplina mais detestada pelos estudantes, conforme pesquisa de um grande jornal, dando uma nova roupagem ao processo histórico, claramente perceptível durante o golpe da maioridade, de simplificação falsificadora, inviabilizando-a como um instrumento de compreensão da nacionalidade e norte para mudanças profícuas na evolução social. Uma história assim não só é inútil como perigosa para quem a maneja.
__ Essa roupagem simplificadora e fantasiosa aparece de forma escancarada na estranha descrição, que um grupo de autores, a saber: Francisco Alencar, Lucia Carpi e Marcus Venício Ribeiro, do aclamado livro História da sociedade brasileira, o primeiro grande sucesso da historiografia marxista em nossas escolas secundárias, lançado em 1979, dão ao Golpe da Maioridade, no capítulo correspondente, p 125 e 126, na edição de 1985. Nesse grande sucesso da esquerda, a história desatina completamente; pois nele foram os regressistas quem aplicaram o Golpe da Maioridade!!
Então para as principais figuras do Partido Regressista – Vasconcelos [Bernardo], Rodrigues Torres, Paulino Soares, Eusébio de Queiroz, José da Costa Carvalho, e outros – o importante era restaurar a figura do imperador, fazendo com que assumisse antecipadamente o trono.
Se a maioridade interessava aos regressistas, também a viam com bons olhos os progressistas” (p 125 e 126)
__ Noutras palavras, segundo esses autores nacionalmente tão consagrados, contrário ao que dizem as fontes da época, foram os regressistas que puxaram o movimento da maioridade antecipada, aplicando um golpe contra si mesmos, uma vez que estavam no poder, e, como é sabido pelas fontes da época, após a maioridade os progressistas subiram ao poder desalojando os regressistas!! Bernardo Pereira de Vasconcelos e Joaquim José rodrigues Torres, eram ministros do governo Araújo Lima, tirado do poder em 1840, e o primeiro foi um autor da manobra que tentou atrasar ao máximo a Maioridade!; com apenas 28 anos, e um mero deputado provincial pernambucano, Eusébio de Queiroz ainda estava longe de ser o político influente que foi no partido Conservador do Império... Daí a se propagar a ideia de que tudo não passou de um acordão, de iniciativa inclusive dos regressista, foi um pulo, um caso clássico da máxima goebeliana: “repita muitas vezes uma mentira, até que se torne uma verdade”, como hoje vemos reproduzida nos sites da Internet.
__ Essa aberrante distorção da história foi o resultado dessa historiografia de esquerda, supostamente “marxista”, implantada em nossas universidades a partir dos anos 1970. Não que a renovação da historiografia nacional não se fizesse necessária, para superar o paradigma da historiografia factual de antes, que transforma em homens ilustres, sábios e probos, todos aqueles que um dia usufruíram do poder político no país, ficando inexplicável de como uma sociedade ou um país dotado de tantos super-homens em postos chaves, tem um desenvolvimento tão difícil e experimenta tantos momentos de estagnação, como a nossa. É um mistério do universo natural! O problema é que se tentou superar uma aberração com outra.
__ A historiografia de esquerda teve seu grande pontapé, junto ao grande público, no primeiro grande sucesso de falsificação da história nacional: Um genocídio americano: a Guerra do Paraguai, de Julio Chiavenatto, cujo sucesso se explica por dois motivos: o brutal desconhecimento de fatos básicos da história por parte da maioria dos brasileiros, a história nunca justificou-se, no Brasil, fora de sua instrumentalização política, variando apenas a cor da bandeira que o utiliza, assim como o desejo, naquela época válido, de fazer qualquer coisa para contrapor-se ao regime militar, que empurrava uma narrativa asséptica e tradicional de nossa história, inclusive promovendo um livro cujo conteúdo estava distante da nossa possibilidade de averiguação, falo daqueles que, longe das bibliotecas nas universidades e dos arquivos públicos precários, se interessavam sinceramente pela história do Brasil.
__ Superado o Regime Militar, continuamos, e até aprofundamos, agora a serviço da ascensão de grupos de nossa esquerda, a simplificação dos grandes movimentos históricos que facilitava, num estagio mais adiantado, a pura e simples falsificação ou interpretação forçada de fartos históricos consagrados, à revelia de qualquer fonte documental dos fatos ou época a serem falsificados ou distorcidos. Assim surge uma teoria absolutamente estapafúrdia, amplamente difundida em livros didáticos, que a escravização de africanos no Brasil se deveu à imposição de uma burguesia portuguesa, que impôs, de olho nos seus lucros, um escravo 5 vezes mais caros aos grandes plantadores e donos de engenho do Brasil!! No caso de Canudos, contrariando documentos oficiais e jornais da época, que apontam para um clara cisão no grupo dominante a respeito do que fazer com os conselheiristas, quando há inclusive uma forte suspeita de aliança tácita de grupos da elite com os amotinados de Antonio Conselheiro, os livros didáticos filiados a essa corrente, de esquerda, defendem abertamente uma coligação compacta de todas as forças repressivas e sociais (políticos, proprietários e militares) se alevantando contra o arraial, uma vez que isso se encaixa melhor ao axioma ou camisa de força central “classe contra classe”, perdendo-se nuances valiosas e muito esclarecedoras do que aconteceu, tanto nas causas, como nas consequência, sem falar em propostas políticas que evitassem, no futuro a ocorrência do fenômeno, e não tivéssemos, em pleno século XXI um campo conflagrado, levantes indígenas, como já existia há quinhentos anos atrás.

http://blog.jornalpequeno.com.br/ricardosantos/files/2015/03/charge-sao-barbudo.jpg
http://www.maispajeu.com.br/

__ Hoje vemos esse mesmo movimento vinculado à defesa do governo Dilma Rousseff, em que pese os fatos maciços e estarrecedores que a ligam inexoravelmente à destruição do parque industrial brasileiro, ao desequilíbrio macroeconômico, que ameaçava transformar o Brasil numa outra Venezuela, se nada fosse feito, no abrigo ou proximidade escandalosa com todo tipo de gente envolvida em crimes graves contra o erário público, para não falar em tentativas de obstrução da justiça, usando das prerrogativas do cargo. Os petistas já prometeram que vão fazer e divulgar a sua versão da história, turbinada por meio de um jargão simples, fácil de ser repetido, típico de marqueteiros e não de ideólogos fieis ao seu passado, que é a tese de “golpe”, fácil, rápida, e que não requer muito discernimento, mas também fidelidade aos fatos.
__ Trata-se de as atuais elites políticas explicarem e convencerem ao povo da robustez de seu argumentos e de suas provas, a povo carente de vários recursos de entendimento e compreensão de episódios tão graves, quanto abrangentes e complexos, carência essa devida a omissões históricas oriundas dessas elites agora vitoriosas, e mostrar que história para valer se faz com documentos, pesquisas, largo tempo de reflexão e assimilação de fatos e relações, e não apenas pela repetição compulsiva de palavras de ordem. A verdadeira história desse impedimento está apenas começando.
__ Lembro que, na juventude, quando deparávamos com alguém, em especial um jovem, e quantos não haviam naquela época, criticando o Rock, a Jovem Guarda, os cabelos compridos, as roupas coloridas etc., nós cantarolávamos para nós um versinho assim: “estou cem anos atrasado”. Considerando que o Golpe da Maioridade ocorreu a 176 anos, e que vemos hoje, nessa questão do impedimento de Dilma Rousseff, as mesmas nuances de golpe contra lei, da parte dos petistas, como os progressistas do passado, podemos concluir que os versos acima, colocado na bocas deles, já se constitui um gesto extremamente revolucionário.

Notas
(1) Antonio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, José Martiniano de Alencar (pai do escritor), José Bento Leite Ferreira de Melo, Antônio Pedro da Costa Ferreira, Manuel Inácio de Melo e Sousa
(2) Grupos de valentões, identificados por um laço amarelo ao pescoço e por isso conhecidos como papos amarelos, assaltavam as mesas eleitorais. Assassinatos e espancamentos ocorreram em todo o país. A fraude foi outra característica dessas eleições: eram aceitos como eleitores meninos, escravos, pessoas inexistentes e permitia-se troca de identidade na hora de votar. A apuração também foi fraudada: o conteúdo das urnas foi substituído, a contagem dos votos alterada e as atas falsificadas. (http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/ministerio.html). Isso tudo feito com a conivência da polícia quando não dirigido por ela.

Bibliografia
A declaração da maioridade de sua magestade imperial D. Pedro II – desde o momento em que essa idéa foi aventada no corpo legislativo até o acto de sua realisaçaõ; Typographia da Associação do Despertador; Rio de Janeiro; 1840. 


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