quarta-feira, 31 de agosto de 2016

OS DILEMAS DE CADA UM OU CADA UM COM A FILOSOFIA QUE LHE CABE
      
Prof Eduardo

Obrigado aos amigos de Brasil, EUA, França, Ucrânia, China, Turquia, Grécia, Itália, Argélia. Deus os abençoe.

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terça-feira, 30 de agosto de 2016

O GOLPE DA MAIORIDADE (1840) E A FALSIFICAÇÃO DA HISTÓRIA DO BRASIL E A CORRUPÇÃO ALHEIA COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Brasil, EUA, França, Ucrânia, Grécia, Itália, Turquia, China. Deus os abençoe.  

__ Esses dias tive uma intuição sobre o crise nacional, e me vi remetido ao chamado Golpe da Maioridade, ocorrido em julho de 1840. Para mais informações, acorri aos livros de História do Brasil mais recentes e aos sites da Internet, quando tomei um susto: não houve golpe, mas apenas um “acordão” entre as duas principais correntes políticas das elites brasileiras, liberais progressistas e liberais regressistas, para a manutenção do poder de ambos, contra os interesses do povo! Como então se explica o resto: as eleições do cacete, os levantes de 1842? Por que razão os antigos destacavam tanto esse episódio, e se encontra generalizado o epiteto de "golpe“, quando se fala dele, se o que houve foi apenas um acordo ente as elites? Sempre aprendi que fora um evento cercado de tensão, que beneficiou inesperadamente um grupo que, em um átimo, passa de oposição minoritária a situação vencedora.
__ Eu, um professor de história, que razoável conhecedor de seus conteúdos básicos, me vi na condição de quem não sabe realmente o que aconteceu, e que esteve, durante anos, ensinando errado. Fui salvo pelo exemplar de um antigo manual: História do Brasil para o Ensino Médio, de Joaquim Silva, de 1967, em sua 9ª edição, que narra na página 239 que, ante a iniciativa da Regência em adiar para novembro de 1840 o debate, no Parlamento, sobre a projeto de lei da Maioridade de Pedro II, os deputados, alevantados, abandonaram o recinto e, em comissão, foram diretamente ao jovem Imperador, pedir sua anuência à iniciativa. Estava, confirmado, aquilo que eu havia aprendido: não houve apenas um “acordão” de bastidores, embora também não não tenha havido nenhuma resistência armada ou derramamento de sangue.
__ Afinal o que aconteceu em 1840, e como esse fato ajuda-nos a entender o que se passa atualmente no Brasil? A primeira coisa a fazer é tentar determinar da melhor forma possível a natureza dos acontecimentos políticos que lhe anteciparam, a partir, rigorosamente, do que é sabido e aceito de forma mais ou menos consensual.

A disparo da mola

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http://jubran.deviantart.com/

__ Pedro I (acima), a revelia de sua classe social, seus defeitos pessoais e seu papel central nos acontecimentos que levaram à independência política do Brasil, foi um soberano tirânico e autoritário, que teve o cuidado de garantir essa característica de seu temperamento no governo por meio de uma constituição, que ele chamava de “liberal” e “digna de mim”, e que acobertava todos os excessos já feitos ou ainda por fazer sob a salvaguarda do Poder Moderador. A atuação de D Pedro ao longo do Primeiro Reinado é comparável à de uma trava, contraindo fortemente um mola, a sociedade brasileira, com todas as suas contradições e injustiças sociais, mas que já acumulara energia e conhecimento suficiente para ir além do que o imperador e a sua constituição, a trava, eram capazes de suportar, sem sentirem-se ameaçados na sua autoridade.
__ Com a saída precipitada do imperador do Brasil, como que numa fuga, na noite de 9 de abril de 1831, a trava, de repente, foi tirada, e a mola ficou solta. No primeiro momento ainda se continha, prisioneira em dúvidas, prisioneira de memórias tão próximas de repressões brutais e pela força do hábito, e continuou contraída, enquanto a elite governante, igualmente confusa, tentava dar uma resposta a esse fato tão desejado quanto inesperado. Creio que para a maioria destes, D Pedro, famoso “cabeça-dura” desistiu mais cedo do que se esperava. E a mola permaneceu quieta, ainda contraída, exceto por alguns distúrbios localizados, manifestações dirigidas contra portugueses residentes.
__ No arranjo posterior das forças políticas, ocorrido no mês de abril, tempo em que o país esteve sob o controle da Regência Trina Provisória, venceu, como era de se esperar, o grupo que estava do lado oposto ao da trava ou do pêndulo da nossa história: o grupo liberal progressista, que resolveu enfiar uma alavanca entre as espiras da mola, para que essa saísse do seu estado de contraída, expandindo-se vigorosamente. E foi o que aconteceu, com consequência inesperadas e fatais para seus autores.

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__ A alavanca que destravou de vez a mola foi o chamado Ato Adicional de 1834, uma espécie de emenda à Constituição de 1824, que em linhas gerais reduzia o poder do imperador, esvaziando o chamado Poder Moderador, até a ascensão de Pedro II, que daí para frente, na visão deles, não passaria de um adereço berrante à constituição, transferindo uma grande quantidade de poder decisório para as províncias. Aconteceu então aquilo que está brilhantemente contido no aforismo popular que diz: “quem nunca come mel...” Considerando de outra maneira, a ideia de Brasil, de unidade ou interesse nacional, não era forte o bastante para contrapor-se à gana com que os grandes proprietários, e grupos a eles ligados, defendiam seus interesses pessoais e de grupo, chegando mesmo a ameaçar a estabilidade do grande sistema que tanto os beneficiava. O resultado foi a explosão de revoltas armadas por todo o Brasil, algumas completamente exóticas, com a Sabinada na Bahia, que pretendia tornar a província uma república independente do Brasil, até a maioridade de Pedro II. Uma mixórdia, que só fez se agravar na Regência do progressista Feijó.
__ De fato, com a decentralização progressista, o país explodiu em revoltas armadas com objetivo de extermínio, o único meio que as elites provinciais conheciam para fazer um novo rearranjo de forças, e entre 1831 e 1837, período em que os progressistas estiveram no poder, nada menos de 14 grandes revoltas, para não falar nos conflitos menores, tiveram início, das 19 catalogados durante as Regências. Embora, é forçoso dizê-lo, uma boa parte deles também acabou até setembro de 1837, quando o Padre Diogo Feijó, notório progressista, enfraquecido por defecções importantes no seu grupo, políticos desapontadas pela anarquia reinante ou motivos inconfessáveis, que preferiram o agrupamento oposto, o liberal regressista, renunciou ao cargo de regente.

O ajuste da trava

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/db/Pedro_de_Araujo_Lima_1835.jpg/220px-Pedro_de_Araujo_Lima_1835.jpg
Por Unknown (Dias, p.201) - Lustosa, Isabel and Théo Lobarinhas Piñeiro. Pátria e Comércio: Negociantes portuguses no Rio de Janeiro joanino. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=10775442

__ Quem assumiu então a Regência foi um dois ministros de Feijó, Araújo Lima (acima), fortemente ligado ao grupo regressista que, ao contrário dos progressistas, aspiravam uma maior centralização, reforçando os poderes do Imperador, concentrando as decisões no Rio de Janeiro. Esse grupo também teve uma postura mais firme na repressão aos movimentos armados nas províncias, conseguindo avanços na pacificação do país. Tudo corria sem maiores sobressaltos, embora o país estivesse politica e economicamente estagnado, até que, em 12 de maio de 1840, foi promulgada, por iniciativa dos regressistas, a chamada Lei Interpretativa do Ato Adicional de 1834, que revertia tudo o que até ali fora feito no sentido da descentralização política do Império. Era uma tentativa de fazer valer todo o texto da Constituição de 1824 e colocar uma nova trava na mola.
__ Os liberais progressistas, percebendo que não só haviam perdido o poder, como ainda iam ver o seu projeto de sociedade ir por águas abaixo, resolveram agir de imediato, e seis deles, progressistas de “carteirinha” (1), já no dia seguinte à promulgação da Lei Interpretativa, lançaram um projeto de lei que declarava maior o príncipe imperial, a partir da promulgação da lei, se esta viesse a ser aprovada. Ato contínuo, foi criado um movimento de rua, o chamado Clube da Maioridade, por Antonio Carlos de Andrada e Silva, outro progressista entusiasta, que conseguiu ser muito bem sucedido, mobilizando amplas porções de grupos urbanos no Rio de Janeiro e outras cidades.

http://imguol.com/c/noticias/2014/01/20/d-pedro-ii-com-12-anos-dom-pedro-pequeno-1390246890233_564x430.jpg
http://noticias.bol.uol.com.br/

__ A principal justificativa dos progressistas é que o país estava violento e desorganizado, por falta de uma autoridade legítima, e esta só poderia ser encontrada na pessoa do jovem monarca, que, na ocasião tinha apenas 14 anos (acima) – completaria 15 em dezembro. Mas eles colheriam duas vantagens extras bem palpáveis: apeariam os regressistas do poder e usariam de sua influência junto ao jovem monarca, aumentada por essa “feliz” iniciativa, para anular ou reduzir o efeito da Lei Interpretativa e fazer voltar o espírito original do Ato Adicional.
__ Em termos jurídicos essa iniciativa gerava uma aberração: afinal um artigo da constituição seria modificado por uma lei ordinária e não por uma emenda, que exigiria uma maioria que os progressistas não tinham, sem falar do escândalo que seria, caso fosse aprovada uma emenda, o correto a fazer, uma carta constitucional de um país moderno autorizar a ocupação do Poder Executivo, ainda mais um executivo com poderes tão amplos como o do monarca brasileiro, por um garoto de 14 anos! Ainda assim os progressistas lançaram-se açodadamente ao confronto, como que numa disputa de vida ou de morte, que foi ficando cada vez mais acesa a medida que crescia o apoio popular à mudança, e começava a se difundir pelas ruas uma quadrinha que espelha claramente o clima de loucura que tomara o país: “Queremos Pedro Segundo,/ Embora não tenha idade./ A nação dispensa a lei,/ E viva a Maioridade!” Pobres loucos! Se com a lei já eram esfolados vivos, imagine-se sem ela, reproduziam, folgazões e inconscientes, um mote gerado por aqueles que quase nunca seguiam as leis, embora as fabricassem prodigamente...
__ Os regressistas estavam encurralados. Primeiro porque foram eles que, tomando o discurso do caos e da desorganização do país, haviam também obrigado o regente progressista Feijó a se demitir antes do tempo, tendo, inclusive, cooptado vários elementos progressistas, inconformados com as rebeliões que explodiam a cada momento, para o seu lado, entre eles o influente Bernardo Pereira de Vasconcelos. Agora os progressistas tomavam esse mesmo discurso para apea-los do poder.
__ E o país continuava realmente tão desorganizado e violento quanto antes? Aparentemente não. Segundo uma lista de grandes rebeliões desse período, de 1837 em diante só havia quatro delas em andamento no Brasil, inclusive a interminável Farroupilha só abafada em 1845. Aparentemente o quadro melhorara muito, quando comparado a 1831-37, mas em um setor a situação estava mais caótica do que nunca: nas casas do Parlamento. Diz um autor:
As sessões legislativas se sucediam em contínuas prorrogações [pedidos de vista, obstrução, etc.], e a estas seguiam novas sessões anuais, e novas e mais repetidas prorrogações. E o que se viu sair desses longos e laboriosos períodos legislativos? Nem as leis anuais eram completamente votadas; o orçamento chegou a ficar de uma para outra sessão [anual]; o tempo era todo consumido em acusações e recriminações... quando se enunciava a inconveniência das leis, e que dela provinha o estado de desordem e todos os males do país, reconhecia-se esta verdade; mas os partidos recusavam-se à votação das reformas, para não fortificar o poder nas mãso dos contrários; as maiorias punham condições à existência do governo [o toma lá dá cá], e este, fraco e desarmado, ao invés de as compelir à votação das medidas indispensáveis era obrigado a tolerar a sua própria esterilidade...” (A declaração...; p 122)
__ A primeira coisa que nos vem à mente é o questionamento se existe um quadro mais perfeito da vida política atual do Brasil, do que este pintado a 176 anos atrás, o segundo é sobre o quanto dessa desordem, desse espetáculo deprimente, inacabável, não é proposital.
__ Pelo que podemos deduzir do parágrafo em itálico, feito por alguém ou um grupo interessado na antecipação da maioridade, o problema mesmo não estava no Brasil, o pior da crise já passara, mas no Parlamento. Eles, os maus políticos, a eterna maioria, é que se constituíam no problema mais grave do país, por seu interesse miúdo, imediato, por seu paroquialismo compulsivo; e nesse caso, a maioridade açodada de Pedro II, trazia outro remédios exemplar: proteger a classe política dela mesma!? Dito de outra maneira, provectos cidadãos da leite política do país, alguns já sexagenários, corrompidos o bastante para se recusar a cumprir o  dever de seu cargo, usavam de um adolescente para satisfazer os seus interesses imediatos, sem tocar no sistema ou em seus maiores beneficiários.
__ O golpe de morte na causa regressista de resistir à antecipação da maioridade veio da facilidade com que os progressistas conseguiram fazer colar a tese de que quem não era favorável à antecipação da maioridade era contra o imperador. Esse mantra é de uma hipocrisia inédita! Primeiro porque os progressistas sempre foram favoráveis ao esvaziamento do poder central, e dessa forma agiam frontalmente contra os interesses do imperador; em segundo os regressistas tinham no reforço da autoridade imperial e na recuperação por esta de todos os poderes tirados pelo Ato Adicional dos progressistas a sua principal bandeira, sendo, portanto, mais favoráveis, na prática, aos interesses do imperador. Na tribuna os ânimos se exaltam, e no dia 17 de julho, um deputado, Ferreira de Mello, após citar uma tal “crise melindrosa em que se acha o país”(p 66) – “país” é o nome que eles dão ao Parlamento ou Congresso Nacional, sempre que lhes interessa ou por desconhecer o país real – faz a defesa apaixonada da antecipação e termina com uma ameaça: “Estou persuadido que a maioridade do senhor Pedro II há de ser realizada per fas ou per nefas” (idem). “Na lei ou na marra”, dizia-se em tempos de João Goulart.
__ Numa sinuca de bico, vendo vários dos seus bandearem para o outro lado, como em 1837 acontecera aos progressistas, não restou ao regressistas senão empunharem também a bandeira da antecipação da maioridade, procurando ainda tirar um último proveito da situação. Liderados pelo ministro Bernardo de Vasconcelos, buscam atrasar a votação da antecipação da maioridade para o final de novembro, sob o pretexto de coroá-lo efetivamente no dia 2 de dezembro, quando o monarca completaria 15 anos! Quando essa manobra veio a lume, na Câmara dos Deputados, no dia 22 de julho, causou reações dramáticas e entornou o caldo. Eis como o autor, ou autores, de A declaração da maioridade, relata esses acontecimentos, começando pelas últimas intervenções ainda na Câmara dos Deputados:
Sr. Coelho Bastos (com força) – O governo conspira contra o monarca, os amigos do monarca coloquem-no no trono (explosão de apoiados)
Sr. Andrada Machado (com energia) – Quem é patriota e brasileiro siga comigo para o Senado. Abandonemos essa Câmara prostituída (estrondosos apoiados, vozes desencontradas, agitação extraordinária) [as galerias estavam lotadas pelo povo vociferante, arregimentado pelos progressistas]. 
Esta cena... termina-se na câmara pela saída dos deputados propugnadores da maioridade, que vão reunir-se no senado, para deliberarem em comum, em sessão permanente, o meio de conjurar a crise [que eles próprios haviam acabado de criar]. O povo em massa os acompanha e é engrossado no seu caminho por todos que encontra, e que, informados do sucessos ocorridos, querem tomar parte nos perigos da resistência. Chegados ao senado, os deputados resolvem, com os membros desta câmara, enviar uma deputação a sua majestade imperial... e pedir-lhe que tome as rédeas do governo... enquanto aguardam a sua volta, vários senadores procuram tranquilizar a multidão, composta de mais de três mil cidadãos, que rodeavam o edifício e davam sinais de vivo desassossego... A multidão aumenta em número cada vez mais; todos os alunos da escola militar vêm armados reunir-se ao povo, para defender o monarca.
Mas eis que a deputação de volta traz a notícia de que sua majestade imperial aceitara o governo e ordenara ao regente que revogasse o fatal decreto e convocasse de novo as câmaras para amanhã. O entusiasmo do público não tem então limites...” (p 94)
__ O autor, ou autores, dessa memória, maioristas convictos, fazem, no início do “capítulo” que narra os eventos do 22 de julho, uma sinopse com uma apreciação muito curiosa dos fatos que serão apresentados a seguir:
Os senhores Antonio Carlos, Martim Francisco, Alves Machado e Limpo de Abreu, levantam-se sucessivamente e protestam com veemência contra este ato [transferência da sessão de votação da maioridade para 20 de novembro do corrente] do tresloucado ministro [Bernardo de Vasconcelos], que para frustrar a primeira das esperanças do povo brasileiro [um imperador de 14 anos] e o único meio de salvação que lhe resta, traçava de levar a conflagração e a guerra civil a todos os cantos do império. Anunciam que o trono está em perigo, que um governo ilegítimo e usurpador dos direitos da princesa imperial [a irmã mais velha de Pedro II, Da. Januária, que deveria, pela Constituição, assumir, a Regência; ninguém está inocente nessa história] vendo fugir-lhe o poder das mãos, dispunha-se a sacrificar a nação e o trono no interesse de sua duração” (p 90).

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__ Será que a pessoa, ou pessoas, que escreveu esse texto acreditava realmente no que estava escrevendo? Em comparação ao período inicial das Regências, o país, fora do Rio de Janeiro e da Câmara de Deputados, estava em processo de pacificação, ainda que por esgotamento, e não havia nenhum indício, mesmo o mais distante, de pretensão, fora do Rio de Janeiro e da Câmara, a tornar a maioridade de Pedro II um caso belis, principalmente do lado regressista. A história política dos primeiros anos do Segundo Reinado são a prova disso. Seja como for, a Inês era morta e não coube aos regressistas senão engolir a antecipação da maioridade, oficializada em 23 de julho de 1840 (acima), e entregar o governo aos progressistas. Finalmente o Brasil estava a salvo dos horrores e da guerra, pregados diuturnamente por estes. Assim pensavam os ingênuos de sempre...
__ Pensavam e se enganaram! Uma vez no poder os progressistas começaram a agir como se donos do poder fossem, e para construir uma forte maioria que anulasse a Lei Interpretativa e trouxesse de volta o Ato Adicional, enfraquecendo, na prática, aquele a quem, com tanta ênfase, diziam proteger os interesses, promoveram, em 13 de outubro de 1840, um dos processos eleitorais mais escandalosos da história do Brasil, passado à posteridade com o título de Eleições do Cacete (2). Sem falar de grandes fracassos na condução da guerra contra os farrapos e o agravamento de tensões com a Inglaterra, por causa do tráfico negreiro. Em março do ano seguinte os “salvadores” do Brasil voltaram para casa, deixando o Brasil pior do que encontraram, nas mãos dos regressistas, para fazer de novo o que já haviam feito em 37: dar estabilidade ao país.
__ A rapidez com que o menino imperador agira fez com que os progressistas se dessem conta de que haviam sido logrados por um adolescente de 14 anos, que eles haviam elevado ao poder máximo, mas que governava o país com as vistas voltadas para o programa dos regressistas, que o beneficiava, óbvio! Eles foram ingênuos em acreditar que poderiam controlar sozinhos o jovem e inexperiente soberano, mesmo depois de tantas evidências de que o seu programa não funcionava bem na realidade nacional. Mas quem faz jogadas políticas, como as que descrevemos acima, tem lá algum compromisso com a ralidade? Seja como for, torna-se agora transparente o caráter de golpe, e golpe político rasteiro,  o movimento dos progressistas de 1840.
__ Derrotados pela lei e pela moral, que condenavam as Eleições do Cacete, e pela sua desastrada gestão interna, os progressistas mostram a verdadeira face, e resolveram pegar em armas, em Minas Gerais e São Paulo, contra o governo, em 1842, deixando bem claro quem estava “traçando levar a conflagração e a guerra civil a todos os cantos do Brasil”. Eles criaram tensões artificias e possibilidades de guerra inexistente, para justificar o vale tudo e a completa amoralidade de suas iniciativas políticas; a suposta amoralidade de seus desafetos a justificava, como um ressalto do que é a grande marca da política brasileira: realçar o erro dos outros, mesmo os inexistentes ou apenas potenciais, para declarar justa ou necessária a sua própria amoralidade.
__ O que aconteceu no período chamado Segundo Reinado, sem aprofundar o mérito, é que com a aplicação dos conceitos da Constituição de 1824 e do programa regressista, foi colocada uma nova trava, com mais folga que a trava posta no Primeiro Reinado, mais consistente e estável, na mola nacional, que lhe permitiu, num clima de paz interna, acumular forças para para a sua próxima expansão ao finalizar o século XIX.

A história como uma camisa de força
__ Aiatolá era um jovem, como eu, estudante universitário, no início dos anos oitenta. Ele era adstrito ao curso de sociologia, e eu no de história, da Universidade Federal do Ceará, cursos vizinhos no campus da Gentilândia. Eu admirava a sua fé ingênua na causa que defendia, estritamente marxista, e a disposição que ele mostrava por lutar pelas causas socialmente mais elevadas. Quem, não sendo Bolsonaro, não as admira?
__ Entretanto, certa vez, quando falávamos sobre as nuances da conjuntura e do sistema capitalista, por alguma razão fiz uma menção elogiosa ao ex-presidente americano John Kennedy, ao que Aiatolá me corrigiu com uma frase que eu nunca esqueci: “Kennedy e Hitler são absolutamente iguais!” e aí ele me explicou: “ambos lutavam pelos interesses da classe burguesa”. Simples, muito simples, qualquer um, mesmo o mais completo ignorante e analfabeto, pode agora fazer história de nível “superior”, e um estava ali fazendo, bem na minha frente, pois, afinal, agora tudo se resume à luta de classes – a luta de classes é o motor da história – tudo o mais segue absolutamente irrelevante, e nada acrescenta à compreensão do processo, exceto o nosso entendimento da incapacidade de nossa esquerda de levar adiante um processo exitoso de tomada e conservação do poder: eles simplificam tanto a realidade que ela fica irreconhecível.
__ Foi justamente essa esquerda, de cunho marxista, dogmática e estreita, que, assomando nas universidades, transformou as faculdades da área das ciências humanas em igrejas de fanáticos, a repetir ad eternum seus princípios interpretativos e axiomas, genéricos o bastante para não explicar nada, apesar de falar muito, tornando a história, nas escolas, a segunda disciplina mais detestada pelos estudantes, conforme pesquisa de um grande jornal, dando uma nova roupagem ao processo histórico, claramente perceptível durante o golpe da maioridade, de simplificação falsificadora, inviabilizando-a como um instrumento de compreensão da nacionalidade e norte para mudanças profícuas na evolução social. Uma história assim não só é inútil como perigosa para quem a maneja.
__ Essa roupagem simplificadora e fantasiosa aparece de forma escancarada na estranha descrição, que um grupo de autores, a saber: Francisco Alencar, Lucia Carpi e Marcus Venício Ribeiro, do aclamado livro História da sociedade brasileira, o primeiro grande sucesso da historiografia marxista em nossas escolas secundárias, lançado em 1979, dão ao Golpe da Maioridade, no capítulo correspondente, p 125 e 126, na edição de 1985. Nesse grande sucesso da esquerda, a história desatina completamente; pois nele foram os regressistas quem aplicaram o Golpe da Maioridade!!
Então para as principais figuras do Partido Regressista – Vasconcelos [Bernardo], Rodrigues Torres, Paulino Soares, Eusébio de Queiroz, José da Costa Carvalho, e outros – o importante era restaurar a figura do imperador, fazendo com que assumisse antecipadamente o trono.
Se a maioridade interessava aos regressistas, também a viam com bons olhos os progressistas” (p 125 e 126)
__ Noutras palavras, segundo esses autores nacionalmente tão consagrados, contrário ao que dizem as fontes da época, foram os regressistas que puxaram o movimento da maioridade antecipada, aplicando um golpe contra si mesmos, uma vez que estavam no poder, e, como é sabido pelas fontes da época, após a maioridade os progressistas subiram ao poder desalojando os regressistas!! Bernardo Pereira de Vasconcelos e Joaquim José rodrigues Torres, eram ministros do governo Araújo Lima, tirado do poder em 1840, e o primeiro foi um autor da manobra que tentou atrasar ao máximo a Maioridade!; com apenas 28 anos, e um mero deputado provincial pernambucano, Eusébio de Queiroz ainda estava longe de ser o político influente que foi no partido Conservador do Império... Daí a se propagar a ideia de que tudo não passou de um acordão, de iniciativa inclusive dos regressista, foi um pulo, um caso clássico da máxima goebeliana: “repita muitas vezes uma mentira, até que se torne uma verdade”, como hoje vemos reproduzida nos sites da Internet.
__ Essa aberrante distorção da história foi o resultado dessa historiografia de esquerda, supostamente “marxista”, implantada em nossas universidades a partir dos anos 1970. Não que a renovação da historiografia nacional não se fizesse necessária, para superar o paradigma da historiografia factual de antes, que transforma em homens ilustres, sábios e probos, todos aqueles que um dia usufruíram do poder político no país, ficando inexplicável de como uma sociedade ou um país dotado de tantos super-homens em postos chaves, tem um desenvolvimento tão difícil e experimenta tantos momentos de estagnação, como a nossa. É um mistério do universo natural! O problema é que se tentou superar uma aberração com outra.
__ A historiografia de esquerda teve seu grande pontapé, junto ao grande público, no primeiro grande sucesso de falsificação da história nacional: Um genocídio americano: a Guerra do Paraguai, de Julio Chiavenatto, cujo sucesso se explica por dois motivos: o brutal desconhecimento de fatos básicos da história por parte da maioria dos brasileiros, a história nunca justificou-se, no Brasil, fora de sua instrumentalização política, variando apenas a cor da bandeira que o utiliza, assim como o desejo, naquela época válido, de fazer qualquer coisa para contrapor-se ao regime militar, que empurrava uma narrativa asséptica e tradicional de nossa história, inclusive promovendo um livro cujo conteúdo estava distante da nossa possibilidade de averiguação, falo daqueles que, longe das bibliotecas nas universidades e dos arquivos públicos precários, se interessavam sinceramente pela história do Brasil.
__ Superado o Regime Militar, continuamos, e até aprofundamos, agora a serviço da ascensão de grupos de nossa esquerda, a simplificação dos grandes movimentos históricos que facilitava, num estagio mais adiantado, a pura e simples falsificação ou interpretação forçada de fartos históricos consagrados, à revelia de qualquer fonte documental dos fatos ou época a serem falsificados ou distorcidos. Assim surge uma teoria absolutamente estapafúrdia, amplamente difundida em livros didáticos, que a escravização de africanos no Brasil se deveu à imposição de uma burguesia portuguesa, que impôs, de olho nos seus lucros, um escravo 5 vezes mais caros aos grandes plantadores e donos de engenho do Brasil!! No caso de Canudos, contrariando documentos oficiais e jornais da época, que apontam para um clara cisão no grupo dominante a respeito do que fazer com os conselheiristas, quando há inclusive uma forte suspeita de aliança tácita de grupos da elite com os amotinados de Antonio Conselheiro, os livros didáticos filiados a essa corrente, de esquerda, defendem abertamente uma coligação compacta de todas as forças repressivas e sociais (políticos, proprietários e militares) se alevantando contra o arraial, uma vez que isso se encaixa melhor ao axioma ou camisa de força central “classe contra classe”, perdendo-se nuances valiosas e muito esclarecedoras do que aconteceu, tanto nas causas, como nas consequência, sem falar em propostas políticas que evitassem, no futuro a ocorrência do fenômeno, e não tivéssemos, em pleno século XXI um campo conflagrado, levantes indígenas, como já existia há quinhentos anos atrás.

http://blog.jornalpequeno.com.br/ricardosantos/files/2015/03/charge-sao-barbudo.jpg
http://www.maispajeu.com.br/

__ Hoje vemos esse mesmo movimento vinculado à defesa do governo Dilma Rousseff, em que pese os fatos maciços e estarrecedores que a ligam inexoravelmente à destruição do parque industrial brasileiro, ao desequilíbrio macroeconômico, que ameaçava transformar o Brasil numa outra Venezuela, se nada fosse feito, no abrigo ou proximidade escandalosa com todo tipo de gente envolvida em crimes graves contra o erário público, para não falar em tentativas de obstrução da justiça, usando das prerrogativas do cargo. Os petistas já prometeram que vão fazer e divulgar a sua versão da história, turbinada por meio de um jargão simples, fácil de ser repetido, típico de marqueteiros e não de ideólogos fieis ao seu passado, que é a tese de “golpe”, fácil, rápida, e que não requer muito discernimento, mas também fidelidade aos fatos.
__ Trata-se de as atuais elites políticas explicarem e convencerem ao povo da robustez de seu argumentos e de suas provas, a povo carente de vários recursos de entendimento e compreensão de episódios tão graves, quanto abrangentes e complexos, carência essa devida a omissões históricas oriundas dessas elites agora vitoriosas, e mostrar que história para valer se faz com documentos, pesquisas, largo tempo de reflexão e assimilação de fatos e relações, e não apenas pela repetição compulsiva de palavras de ordem. A verdadeira história desse impedimento está apenas começando.
__ Lembro que, na juventude, quando deparávamos com alguém, em especial um jovem, e quantos não haviam naquela época, criticando o Rock, a Jovem Guarda, os cabelos compridos, as roupas coloridas etc., nós cantarolávamos para nós um versinho assim: “estou cem anos atrasado”. Considerando que o Golpe da Maioridade ocorreu a 176 anos, e que vemos hoje, nessa questão do impedimento de Dilma Rousseff, as mesmas nuances de golpe contra lei, da parte dos petistas, como os progressistas do passado, podemos concluir que os versos acima, colocado na bocas deles, já se constitui um gesto extremamente revolucionário.

Notas
(1) Antonio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, José Martiniano de Alencar (pai do escritor), José Bento Leite Ferreira de Melo, Antônio Pedro da Costa Ferreira, Manuel Inácio de Melo e Sousa
(2) Grupos de valentões, identificados por um laço amarelo ao pescoço e por isso conhecidos como papos amarelos, assaltavam as mesas eleitorais. Assassinatos e espancamentos ocorreram em todo o país. A fraude foi outra característica dessas eleições: eram aceitos como eleitores meninos, escravos, pessoas inexistentes e permitia-se troca de identidade na hora de votar. A apuração também foi fraudada: o conteúdo das urnas foi substituído, a contagem dos votos alterada e as atas falsificadas. (http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/ministerio.html). Isso tudo feito com a conivência da polícia quando não dirigido por ela.

Bibliografia
A declaração da maioridade de sua magestade imperial D. Pedro II – desde o momento em que essa idéa foi aventada no corpo legislativo até o acto de sua realisaçaõ; Typographia da Associação do Despertador; Rio de Janeiro; 1840. 


sábado, 27 de agosto de 2016

A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL DEVE VENCER NO OCIDENTE

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Brasil, EUA, França, Ucrânia, Canadá, China, Paquistão, Índia, Malásia, Turquia, Portugal. Deus os abençoe

http://www.linkdenoticias.com.br/wp-content/uploads/2016/08/Sisco-%C3%A9-a-terceira-cidade-do-pa%C3%ADs-a-vetar-o-uso-do-burkini.jpg
http://www.linkdenoticias.com.br/

A essência do Ocidente

__ A decisão tomada em agosto deste ano, por algumas prefeituras de cidades costeiras na França, no momento suspensa, a traumatizada Nice entre elas, é um atentado grosseiro a um dos mais caros princípios da civilização ocidental, ressaltado principalmente pela revolução francesa: a liberdade.
__ A possibilidade de o Estado, por razões de segurança, vir a controlar a vestimenta de praia de seus nacionais é simplesmente um pesadelo. A ação de policiais nas praias constrangendo mulheres a retirar suas roupas, para parecem mais civilizadas, mais ocidentais, ou menos muçulmanas, é um ato de barbárie inominável, e só se justifica por um pânico anormal, perverso, ou por um senso de oportunismo próprio dos mais abjetos políticos do mundo.
__ Alguns poderão dizer que o burkini seria uma forma dos islamitas tentarem enfraquecer, pela propaganda de seus costumes, os hábitos e a cultura da civilização ocidental. Mas, como se dizia na minha terra, o Ceará: “o risco que corre o pau corre o machado”, pois a mulher islâmica também ficará sujeita à propaganda oposta, e ainda: quem está abrindo mais mão de seus costumes tradicionais? Os ocidentais, convivendo com mulheres vestidas dos pés à cabeça nas praias ou as muçulmanas que vãos às praias para interagir com homens e mulheres seminus? Não seria o burkini antes uma tentativa, muito forte, da comunidade muçulmana em estabelecer um contato com o ocidente, naquilo que é um dos temas mais melindrosos para ambas as culturas; a condição da mulher?
__ Como rejeitar então uma tentativa de diálogo tão radical e dramática quanto essa? Ainda mais porque entre nós é comum, algumas das mulheres mais prestigiadas pela cultura ocidental, as freiras cristãs, tomarem banho completamente vestidas (o habitini) sem serem molestadas. Não se justifica a violência contra essas mulheres muçulmanas e os muçulmanos pacíficos em geral, e esperemos que a alta corte da França desfaça esse erro trágico.   

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http://www.bbc.com/

O dístico diz: "liberdade, igualdade e desnudamento". Um policial arranca a roupa de Marianne, a mulher o símbolo da França.

http://ichef-1.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/8F06/production/_90941663_5ffba22b-29d9-4ad3-87c1-d1bf6edcb1a2.jpg
Idem

O francês, de boina, se escandaliza com a burca, enquanto o clérigo islâmico com as pernas a mostra. As islâmicas na Europa usam, no dia a dia, saias mais curtas que as asiáticas e africanas.

http://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/DD26/production/_90941665_14927a4d-1c04-4103-b6aa-655e319670ce.jpg

O primeiro policial diz: “nós procuramos por sinais religiosos ostentatórios”. O outro completa: “a senhora viu um burkini ou alguma muçulmana coberta por aí?”. Escrito embaixo: “hipocrisia na praia”.

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O policial diz: “tire o seu burkini em Nice. Nós fazemos isso para lhe proteger contra a opressão”.

http://ichef-1.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/B616/production/_90941664_214caa06-b746-4f83-9ee5-8644dc0ba10f.jpg

Na França, os policiais, homens, constrangem a mulher para retirar o véu, no Oriente os militantes islâmicos, homens, constrangem a mulher para por um véu.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

O JULGAMENTO DO MACACO (1925) O FRACASSO DA “ESCOLA SEM PARTIDO” AMERICANA

Prof Eduardo Simões

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__ Tudo começou quando um fazendeiro do Tennessee, John Washington Butler, um deputado da Câmara dos Representantes do estado, apresentou um projeto de lei, em janeiro de 1925, que proibia terminantemente a aplicação do conceito de evolução, da teoria de Darwin, ao homem, nas escolas financiadas pelo estado – Butler dirá, posteriormente, que nunca lera nada a respeito da evolução e da teoria evolutiva de Darwin, e que a motivação para a apresentação de seu projeto de lei fora que tinha lido nos jornais, que meninos e meninas, após terem contato com essa teoria nas escolas, estavam dizendo aos pais que a Bíblia era um livro cheio de bobagens. Ele não se lembrou de mencionar o entorno social dessas crianças, que nessa época estava saturado da teoria darwiniana, e de sua contraparte necessária: o movimento da eugenia, que se alastrava como fogo por todos os EUA, aceito entusiasticamente pelos religiosos fundamentalistas (1).
__ O texto da lei, o Butler Act, dizia o seguinte: “Que seja ilegal, a todo e qualquer professor, de todas as universidades, escolas de magistério, e todas as escolas que são financiadas, ao todo ou em parte, por verbas públicas destinadas às escolas do Estado, ensinar qualquer teoria que negue a Criação divina do homem, como a ensinada na Bíblia, para ensinar, ao invés disso, que o homem descende de uma ordem inferior de animais”. Essa lei, aprovada na Câmara Baixa, por 71 x 5, e na Câmara Alta, por 24 x 6, foi sancionada no dia 21 de março de 1925 pelo governador Austin Peay, que na ocasião disse que o faria como um protesto contra o declínio do ensino de religião nas escolas, mas que não esperava que a lei fosse ser aplicada pra valer. Como se diz no Brasil: “não iria ‘pegar’”
__ Essa lei tinha algumas peculiaridades: não proibia o utilização do conceito de evolução no estudo dos outros animais, nem as teorias científicas relativas á duração das Eras Geológicas, quanto a origem da Terra, e definia ao seu descumprimento como um delito, e não um crime, prevendo multa que variaria de 100 a 500 dólares – US $100 em 1925 equivalem a US $1.350, em 2015.
__ Até aquele momento o livro básico para o estudo de biologia nas escolas, e até nos cursos de formação de professores, era a Biologia Cívica: apresentada por meio de problemas, de George William Hunter, publicado pela primeira vez em 1914, que defendia claramente o pensamento evolutivo de Darwin, mas também defendia a eugenia, a proposta mais científica e radical de racismo que existia.   

A grande ‘armação’

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By - http://siarchives.si.edu/research/scopes.html, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4941966

__ Não muito longe dali a cidadezinha de Dayton (acima), no Tennessee (não confundir com a célebre Daytona Beach, das corridas, na Flórida) após uma fulgurante arrancada no final do século XIX, graças a atividade mineradora, experimentava no anos 1920, um acentuado processo de declínio, com o fechamento das empresas e, inclusive, uma forte retração da população – o censo de 1920 apontara para 1.701 moradores, 37% menos que em 1890. A cidade parecia estar à beira da extinção.
__ Preocupados, alguns dos principais representantes da elite local. convocados por George Rappleyea, o representante local de uma grande mineradora, a Cumberland Fero e Carvão, compareceram, no dia 5 de abril de 1925, na Robinson’s Drug Store, uma mercearia e ponto de encontro local. Nessa reunião, além de Rappleyea, estavam o diretor da escola local, Walther White, o advogado Sue Hicks, o proprietário do local, o senhor Robinson, além de outros menos cotados. Discutindo a situação da cidade eles chegaram a conclusão que se talvez lançassem um desafio à nova lei poderiam atrair a atenção de muita gente para Dayton, ajudando-a a sair do marasmo. Essa é a primeira surpresa desse estranho episódio: ele foi artificialmente fabricado, com o intuito claro de testar a lei e atrair publicidade para Dayton. De um jeito ou de outro eles ganhariam, pois se não houvesse condenação o lei ficaria oficialmente desmoralizada, mas se houvesse condenação, o lei, então era para valer, e Dayton, num caso ou noutro, seria a pioneira. O valor da multa não era problema.

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__ Faltava agora encontrar um professor que se dispusesse a incorrer no delito previsto em lei. Foi então que o grupo entrou em contato com John Thomas Scopes (acima), um jovem professor de ciências e matemática, além de treinador do time de futebol americano, com apenas 24 anos, que foi convencido pelo grupo a assumir que teria, um dia, ensinado o capítulo do Biologia cívica que se referia à evolução humana, numa turma de Ensino Médio, embora de fato Scopes jamais tenha admitido que realmente ministrou esse conteúdo. Ele sempre disse que não se lembrava. Scopes foi imediatamente encarcerado, mas numa prisão muito relaxada – Scopes nem era da cidade, pois nascera numa fazendinha perto de Paducah, no Kentucky. Foi também combinada a data do delito: 24 de abril.
__ No dia 7 de maio Scopes foi preso, e no dia 25 indiciado pelo juiz do caso, e a data de julgamento marcada.

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By Bain News Service - Bain News Service photo via http://hdl.loc.gov/loc.pnp/ggbain.19353, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3826168

__ Quando a notícia de sua prisão saiu dos limites de Dayton, o país se contorceu violentamente e se dividiu, apaixonadamente, entre defensores da lei e defensores de Scopes. Ao lado da lei e do Estado do Tennessee, apresentou-se um dos políticos mais populares da história dos Estados Unidos, um típico representante do protestantismo fundamentalista nacional: William Jennings Bryan (acima), que em três oportunidades concorrera à presidência do país pelo Partido Democrata (1896, 1900, 1908). Quando soube da aprovação do Butler Act, Bryan fez questão de parabenizar a legislatura do Tennessee: “os pais cristãos do estado [do Tennessee] têm uma dívida de gratidão para com os senhores, por salvar os seus filhos da influência venenosa de uma hipótese não comprovada”. Agora Bryan, que vivia um certo ostracismo, se oferecia para dar suporte à acusação, no julgamento de Scopes, e com ele vieram várias igrejas e organizações bíblicas fundamentalistas. No dia 13 de maio ele se ofereceu à equipe de acusação. Era muito mais do que os “conspiradores” imaginavam.

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__ Mas o outro lado, os defensores do ensino laico, também se mobilizou, com destaque para o envolvimento da ACLU (União para as Liberdades Civis Americanas), uma organização que nasceu da iniciativa de grandes, advogados, intelectuais e ativistas americanos, em geral das grandes cidades da costa leste, em 1920, para substituir a CLB (Birô Nacional das Liberdades Civis), fundado em 1917, e que andava necessitada de algo impactante, para criar uma marca e se projetar para a opinião pública nacional. Foi da ACLU que partiu a iniciativa de contratar Clarence Seward Darrow, um dos advogados mais famosos e respeitados dos Estados Unidos, conhecido por sua atuação em defesa de trabalhadores perseguidos, em especial grevistas e sindicalistas, negros perseguidos por brancos, e por sua luta contra a pena de morte. Um paladino dos direitos dos mais pobres. E... ferrenho agnóstico.
__ Darrow estava muito confiante: ele chegou a Dayton na véspera do julgamento, à noite!

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__ O time da acusação contava, além de Bryan, com Thomas Stewart, o chefe da promotoria e um notório anti-evolucionista, que afirmava ser a teoria evolutiva “prejudicial à nossa moral” e um ataque “á cidadela de nossa religião cristã” – foi ele quem orientou a acusação no sentido de manter os debates, durante o julgamento, no âmbito estrito de saber se houve ou não descumprimento de lei estadual, inviabilizando os argumentos mais fortes da defesa – os irmãos Herbert e Sue Hicks, Wallace Haggard, pai e filho Ben e Gordon MacKenzie e Willian Jennings Bryan Junior, em equipe bem familiar, para impressionar o homem “comum”, em geral dos estratos mais humildes da sociedade. Nesse grupo pode também ser contado o juiz John Tate Raulston (acima, com esposa e filhas), um fundamentalista cristão, que tudo fez para embaraçar a defesa e conseguir a condenação de Scopes, em que pese as escassas evidências, seguindo o roteiro dirigido por Stewart – dizem que ao final, nos anos 1940, ele mudou de opinião e passou a defender a liberdade do ensino evolucionário nas escolas, desde que não fragilizasse os conceitos morais básicos. Percebeu, tarde, que se assombrara a toa.
__ Já a defesa era composta por uma equipe de advogados de renome, chefiados por Darrow, na qual contava alguns muito reputados nos meios jurídicos nas grandes cidades: Dudley Field Mallone (que se tornaria consultor e ator da 20th Century Fox), a ele coube dizer uma das frases mais felizes do julgamento, dirigida a Bryan: “eu nunca aprendi nada com alguém que concordava comigo”; o excêntrico, e por vezes atrapalhado, mas brilhante, John Neal; Arthur Garfield Hays, cofundador da ACLU e defensor de Georgi Dimitrov, num julgamento na Alemanha, em 1933, quando ele foi acusado do incêndio do Reichstag (o parlamento alemão) etc. Um grupo feito para impressionar o homem culto, da classe média urbana.

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http://www.thefamouspeople.com/

__ Outro elemento desse julgamento, fortemente alinhado com a defesa foi a imprensa, principalmente o famoso, nos EUA, professor, jornalista e crítico literário, Henry Louis Mencken, editor do jornal Baltimore Sun, um jornal de Maryland, de grande circulação nacional. Muito polêmico, um nietzschiano convicto, Mencken assumiu a causa de Scopes com paixão, tanto por convicção própria, como por ter percebido o alto valor propagandístico daquele julgamento para o seu jornal, sem nenhum demérito. Foi ele quem cunhou os termos “Julgamento do Macaco” e “o infiel Scopes”, para atrair os leitores, além de ter providenciado a transmissão do julgamento pelo rádio, pela primeira vez na história do país. A abundância de recursos promove a criatividade, e esta mais recursos ainda...
__ Uma frase de Hencken nos permite conhecer bem o seu tipo: “para cada problema complexo sempre há uma resposta simples, clara e... errada”.

O julgamento

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By Unknown - Brown Brothers, Sterling, PA, Fair use, https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=1779097

__ Foi tal o alvoroço provocado pela perspectiva do julgamento que, quando ele começou, Scopes já era o personagem secundário; as atenções se voltaram para o embate dos dois gigantes do direito que se defrontariam perante o júri, com posições pessoais perfeitamente antagônicas a respeito do assunto em questão: Clarence Darrow, e o mítico Jennings Bryan – ambos aparecem na foto acima, respectivamente à esquerda e à direita, na sala do júri, ambos sem paletó, por autorização expressa do juiz, uma vez que naquele ano os EUA experimentaram um dos verões mais quentes da sua história, e a sala do tribunal, a courthouse, estava lotada.

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__ A primeira sessão foi no dia 10 de julho de 1925, com a abordagem de Darrow que, após abandonar a tese da ACLU, que focava no cerceamento de liberdade acadêmica, tentou dirigir os debates no sentido de que não havia uma contradição inconciliável entre evolução e criacionismo bíblico. Nesse intento ele buscou e conseguiu o apoio e a presença, financiada pelo Baltimore Sun, de oito renomados especialistas no assunto: entre os quais Fay-Cooper e Jacob Goodale Lipman, vistos acima, entre outros. O juiz, entretanto, não acolheu a tese, dizendo que o que estava em julgamento era o descumprimento de uma lei estadual, e não permitiu aos estudiosos depor, embora tenha admitido a introdução de suas teses, na forma de artigos escritos, para apreciação do júri. Darrow, frustrado, dirigiu uma observação sarcástica ao juiz, como já fizera em outras ocasiões, mas, confrontado, pediu desculpas no dia seguinte, para não incorrer em desrespeito ao tribunal.
__ O presidente do júri, segundo dizem, não estava convencido do mérito da lei ou de sua conveniência, mas acabou agindo, sob orientação do juiz Tate Raulston, assim como todo o júri, no sentido de focar apenas no descumprimento de uma lei já aprovada e condenar Scopes. Darrow, mais adiante dirá que o juiz agiu assim pensando escancaradamente nas próximas eleições, já que ele era de tradicional família republicana, e estava para fazer uma incursão na política.


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http://divinity.wfu.edu/

__ A seguir Darrow passou a atacar a literalidade das interpretações bíblicas e a própria fama de Bryan de, além de grande orador, ser um “expert” na Bíblia. O ponto alto do julgamento, porém, estava nas mãos de um orador e um frasista espetacular: o advogado de defesa, Dudley Malone. “No seu discurso [acontecido em 16 de julho] Malone agita temores inquisitoriais do passado [muito forte no inconsciente do homem médio americano, que vê no seu país a “pátria da liberdade”], afirmando que a Bíblia deveria ser observada para a salvaguarda da religião e da moralidade e não em contraste com à ciência. Que o duelo de morte de Bryan [contra a evolução] não deveria ser amparada por uma decisão judiciária unilateral, que afastava do banco das testemunhas os mais importantes argumentos da defesa, e por fim disse que não haveria duelo porque “com a verdade não se duela”. O tribunal foi à loucura, quando Malone terminou o seu discurso” (traduzido da Wikipedia em inglês: Scopes Trial). Bryan ficou surpreso, afinal já era “macaco velho”, considerado uma espécie de “príncipe dos oradores americanos”, e estava ali sendo “passado pra trás” por jovens advogados cheios energia, mas inexperientes, defendendo ideias “exóticas”, que lhe causavam tanta apreensão – na foto acima Malone está de pé, de paletó, com os braços cruzados, atrás de Darrow. Scopes aparece sentado, de camisa branca, ao lado de um senhor, também sentado, de óculos.
__ No pé em que estavam as coisas a defesa decidiu agir de uma forma extrema: forçar a condenação de Scopes, para poder apelar à mais alta corte do Tennessee, e nesse sentido alguns alunos de Scopes, três, foram induzidos, até pelo próprio Scopes, e depor contra ele, pois os alunos de fato não se lembravam de o professor ter-lhes, um dia, ensinado evolução. Um deles, indecisamente, confirmou a versão.

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http://religionnews.com/

__ No dia 20 de julho aconteceu a grande surpresa do tribunal. Logo no início da sessão, em virtude do grande calor que fazia, o juiz Raulstron ordenou que a salão do júri fosse deslocado para fora do prédio, ficando ao ar livre, quando se pode ver, pela multidão, uma vista da enormidade do impacto desse julgamento. Mas tinha mais! Num momento de grande audácia, Darrow simplesmente convoca a principal figura da acusação, Jennings Bryan para depor!!! Estupefação geral! Darrow, já que não pudera, em sua tese, encaminhar um diálogo construtivo entre ciência e religião, para relativizar a Butler Act, tomara para si a tarefa de desmoralizar o literalismo bíblico, e com ele a Butler Act, por meio do seu mais abalizado defensor. Não fora um passo tresloucado nem um ato de desespero, na noite anterior Darrow recebeu assessoria e treinamento de Charles Francis Potter, teólogo liberal e ministro da Igreja Unitarista, e do renomado professor de geologia Kirtley Fletcher Mather, mas também um cristão batista devoto, e membro de uma família cuja herança religiosa remontava aos puritanos da colonização inglesa na América. Questionado sobre os motivos daquela inquirição Darrow repondeu: “para prevenir que fanáticos e ignorantes não continuem a decidir sobre a educação nos estados Unidos” – na foto acima vemos Darrow inquirindo Bryan.
__ Darrow começou questionando o absurdo da literalidade bíblica, pelo episódio clássico de Adão e Eva. Se Eva fora a única mulher criada por Deus na ocasião, onde teria Caim, após o assassínio de Abel, encontrado uma mulher para esposar e ter e ter filhos? Bryan respondeu com ironia: “vou deixar que os agnósticos busquem por ela!” Como considerar a questão da tentação, se esta foi feita, literalmente, por uma serpente, um animal, que fala e tem um finíssima compreensão da psicologia humana? Darrow invectiva mal humorado às respostas ora evasivas ora simplórias de Bryan: “o senhor ofende cada homem letrado desse país, com a sua religiosidade tola”. Como o clima entre as partes estivesse esquentando muito acima do calor da estação, o juiz bateu o martelo e suspendeu a sessão. Mais tarde pediu que o júri desconsiderasse tudo o que fora dito entre os dois, e ainda fez uma série de restrições ao trabalho da defesa. A parcialidade do juiz começava a clamar nas páginas dos periódicos americanos, e é possível até que tenha sido uma das causas da interrupção precoce de sua carreira política. Essa parcialidade, por sinal, fica completamente exposta quando Darrow, ao completar a sua participação no tribunal do júri, após comentar, com elegância, a atitude predatória do juiz contra a defesa, disse nada mais lhe restava fazer, senão pedir que seu cliente fosse condenado, para que ele pudesse apelar para uma corte de nível superior e mais isenta.
__ No dia 21 de julho o júri, após uma reunião de nove minutos, lê o veredito: culpado. O juiz, após rejeitar um pedido de prisão para Scopes, decreta-lhe uma multa de 100 dólares. Scopes faz uma declaração final: “Meritíssimo, eu creio que fui condenado por desobedecer uma lei injusta. Continuarei no futuro, como fiz no passado, a me opor a essa lei de todas as maneiras possíveis. Qualquer outra atitude seria uma violação do meu ideal de liberdade acadêmica, garantida pela Constituição, que é a de ensinar a verdade, independente de crenças pessoais ou religiosas”.
__ Na noite daquele dia os vencedores fazem um grande baile para comemorar o resultado do júri e a derrota da ciência frente a religião... Ou à uma concepção fundamentalista de religião.

Rescaldo
__ A defesa apelou para a Suprema Corte do Tennessee e viu todos os seus argumentos em favor da inconstitucionalidade do Butler Act indeferidos, embora a condenação contra Scopes tenha sido anulada por motivos técnicos, além de ter revisto o valor máximo da multa para a 50 dólares.
__ John Butler, quando questionado sobre o que acontecia em Dayton deu uma demonstração pública de o quanto era “mané”, dizendo: “eu não queria causar todo esse alvoroço, eu só queria impedir que se ensinasse a evolução nas escolas do estado”. Só isso?
__ Scopes continuou sua vida como professor e geólogo, sem nunca mais dar motivos para aparecer na mídia, até a sua morte, em outubro de 1970.
__ Darrow manteve sua como um dos advogados mais respeitados e polêmicos nos EUA até a sua morte, em 1938.
__ O juiz Raulston tentou fazer carreira política, logo após o julgamento, mas só colheu derrotas e encerrou precocemente essa iniciativa. Parece que muitas pessoas do Tennessee, inclusive que adotavam os princípios gerais de Raulston referente a evolução, não perdoaram a sua atitude durante o julgamento. A etiqueta de “parcial”, afixada por Darrow a ele, parece que fez o seu efeito, e foi considerada verossímil. Raulstrom terminará seus dias mais liberal neste assunto, mas o estrago já estava feito, pois na mente de muitos americanos a ida de Bryan para Dayton representava a luta do elefante contra o ratinho, Scopes, e mesmo seu cão de guarda, Darrows. Ora, ainda assim Raulston se alia àquele para esmagar a esses! Foi uma vitória que “pegou mal!”
__ O grupo antievolucionista venceu, mas sua vitória foi inócua, pois a lei não proibia que o professor dirigisse críticas, inclusive críticas muito ácidas, à narrativa criacionista da Bíblia, desde que não ensinasse Darwin. Não impedia que, fora da escola, os professores orientassem grupos autônomos e jovens interessados em ciências, muito comuns nesse país, onde se estudaria apenas a teoria evolutiva, e mesmo o ensino da evolução nas escolas privadas, que no conceito de muitos, principalmente dos melhores professores, passaram a ser vistas como preferíveis às públicas. Teve ainda o ponto negativo de impedir, pela violência legal, um diálogo construtivo entre ciências e religião no estado.
__ Bryan destacou-se nos debates, nem sempre de forma positivia, e o custo disso foi enorme, uma vez que que foi pintado de forma grotesca em charges, artigos e editoriais de inúmeros jornais pelo país como intolerante e obscurantista, e sua boa imagem do passado sofreu forte retração nos centros urbanos mais desenvolvidos e populosos, virou um tipo bizarro. Foi uma pá de cal numa carreira e numa personalidade já em declínio. Após Scopes, Bryan foi convidado para inúmeras palestras pelas comunidades interioranas do país, para quem ainda era um ídolo, dando-lhe uma falsa ideia de um novo apogeu, mas no dia 26 de julho, de volta Dayton, ele foi recepcionado com um laudo banquete, no qual comeu até se fartar, morrendo logo em seguida. Ao que tudo indica de indigestão...
__ Em 1967 o Butler Act fez nova vítima na pessoa do professor Jack L. Scott, em Jacksonboro, que foi demitido por ensinar a evolução a uma turma. Scott entrou com uma ação na justiça, baseado na Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão, e conseguiu reverter a sua demissão. E não parou por aí, e entrou na Corte Distrital Federal de Nashville para conseguir uma imunidade permanente, para si, contra os efeitos dessa lei. Era muito aborrecimento, absolutamente desnecessário, para qualquer cristão! Três dias após a entrada da petição de Scott as duas casas legislativas do Tennessee dão início à discussão para a rejeição do Butler Act, o que foi conseguido, e no dia 17 de maio o governador assinou a nova lei.
__ E fez-se luz!

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Notas
(1) A eugenia foi um movimento científico de purificação racial nascido na Inglaterra do final do século XIX, fruto das pesquisas de um primo de Darwin, Francis Galton, e fundamentado numa torrente de números, gráficos estatísticos, observações, como poucas vezes aconteceu a uma teoria na história das ciências, e inclusive, um dos filhos de Darwin, Leonard, foi presidente da sociedade eugênica da Inglaterra. A ciência da eugenia abriu as portas, na época, para a “certeza” de que algumas raças eram realmente inferiores a outras, e o fim de todos os limites entre o homem e os animais irracionais, especialmente entre os de raça inferior. Essa teoria empolgou os Estados Unidos, e graças a ela muito pastor fundamentalista passou a justificar, do púlpito de sua igreja, o linchamento bárbaro, desumano, de negros e hispânicos, pelos seus fieis congregados. Dito de outra maneira: para esses pastores era inconcebível, imoral e sacrílego estabelecer qualquer relação entre os homens, enquanto espécie, e os macacos, mas não era inconcebível, imoral e sacrílego os seus fieis se comportarem como um – os bandos de chimpanzés massacram, imediatamente, qualquer macho que for pego dentro de seu território. Para esses pastores, parece, o maior problema com Darwin é que este não criou uma hipótese especial para a evolução do homem branco...

Fonte
Wikipedia em ingles - Scopes Trial e verbetes derivados
http://www.antievolution.org/topics/law/scopes/
http://skepticism.org/timelines/tag/people/john-tate-raulston/order:year/criteria:4/tmpl_suffix:_table/ 

http://allday.com/post/4782-90-years-ago-the-scopes-monkey-trial-pitted-evolution-against-fundamentalism/#