terça-feira, 12 de julho de 2016

EXPEDIÇÃO MOREIRA CÉSAR A CANUDOS (1897)

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Brasil, França, EUA. Deus os abençoe

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Atenção: para o governo, o arraial conselheirista era chamado “Canudos”, mas para seus moradores o nome era “Belo Monte”.

__ O mal estava feito. Embora as colunas de Febrônio e de Pires Ferreira, não tenham sido derrotadas e ainda imposto baixas consideráveis aos adversários, a fama de invencibilidade e o aparente acerto das profecias, verdadeiras ou aumentadas, de Antonio Conselhiero sobre a república, atraíram multidões de indecisos e novatos a Canudos-Belo Monte, engrossando o exército conselheirista – é possível até que muitos daqueles que se decepcionaram com o tratamento dado a frei João Evangelista, em 1895, tenham retornado penitentes aos pés do Conselheiro. Caravanas, transportando combatentes, armas modernas, munição e mantimento, partindo das comunidades próximas, tomaram o rumo do arraial. O resultado das duas primeiras expedições foi o de fortalecer Canudos-Belo Monte.
__ Em clima de expectativa e ansioso por resultados, o Governo Federal, encabeçado, nessa ocasião, por um baiano, o Vice-presidente Manuel Vitorino (acima), resolve jogar todas as suas cartas para dar um fim breve, e relativamente barato, ao conflito, preparando uma força de considerável das três armas terrestres: infantaria, artilharia e cavalaria, ainda que de uma forma meio apressada e um tanto improvisada. Para comandar essa impressionante demonstração de força militar foi convidada uma figura legendária nos meios militares, um mestre na repressão de revoltas: o coronel de infantaria Antonio Moreira César.

Traumas e violências antigas

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__ Se Antonio Conselheiro carregava consigo o trauma da perda precoce da mãe e o da convivência com uma madrasta difícil, com Moreira César (acima) acontecia justo o contrário. Fora ele quem repudiara os genitores. Filho ilegítimo de um padre, Antonio Moreira César de Almeida, e de Francisca correia de Toledo, que morreu solteira, Moreira césar, deve ter sofrido muita discriminação social. O padre morreu quando ele tinha uns dez anos, e a mãe, possivelmente tratada como uma desajuizada, pela sociedade, não soube lidar com a situação nem encontrou no filho uma compensação para o seu “pecado”. Em seu documento de fé pública, Moreira César se dirá filho de pais ignorados, embora sua mãe estivesse viva, com 77 anos, até dois anos antes de sua morte.
__ Ele encontrou uma família substituta e um sentido para a sua vida no exército, onde foi aluno brilhante e destacado, um militar apaixonado, que envergava a farda em quase todas as ocasiões. Nunca relaxava nem se casou – como Elizabeth I ele se casará com uma institituição, mas Elizabeth, não deixou de ter amantes. Ele nem isso. Uma dedicação tão desmedida já trazia em si a manifestação de sentimentos contraditórios, talvez violentos, que só esperavam um pretexto para se manifestar. Aconteceu em outubro de 1883, quando o editor de um jornaleco escandaloso, chamado Apulcro e Castro, tocou seus sentimentos, ao fazer referências que César considerou desairosas ao exército, em seu jornal.
__ O escritor americano Frank McCann, em seu livro Soldados da pátria – história do exército brasileiro 1889-1937, narra assim o acontecimento: um grupo (Werneck Sodré diz que foram uns 20 oficiais), disfarçados à paisana, invadiu a sede do jornal e começou a destruí-la. Apulcro foge até o quartel-general da polícia e pede proteção, enquanto um grupo suspeito se reúne em frente ao prédio. Reconhecendo alguns deles, o chefe de polícia, assustado, pede ajuda ao comandante do 1º Regimento de Cavalaria, que envia um auxiliar direto, um capitão, para acalmar os ânimos e livrar o jornalista. Ao chegar, o capitão conversa com os estranhos na rua, e entra para pegar o jornalista e levá-lo em segurança. Entretanto, mal os dois entram numa carruagem, um dos tais, o jovem capitão Moreira César, avança e apunhala o jornalista pelas costas, dando início a um frenesi linchatório que contabilizará sete facadas e dois tiros na vítima. Apulcro de Castro morrerá no vestíbulo do quartel de polícia. O chefe de polícia foi demitido, afinal a responsabilidade e o poder de dar uma proteção eficaz ao jornalista era dele, mas nenhum dos onze oficiais citados no caso foi a julgamento – dizem até que Pedro II, várias vezes vítima das fofocas ferinas do jornalista, chegou a fazer a fazer uma visita de cortesia ao regimento após o assassinato – e Moreira César, o mais afoito, foi mandado a um breve “exílio” no Mato Grosso.

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Por Angelo Agostini - Revista D. Quixote [1], Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2458384

__ Com a eclosão da República, Moreira César seguiu a sua instituição e tornou-se republicano. Destacou-se, mais pela bravura e dedicação que pela inteligência e o brilhantismo de suas ações. Chamou a atenção pela sua atuação à repressão de movimentos sediciosos em Salvador (1891), em Niteroi (1892) e na repressão à Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893-1894) (acima, onde se vê a efígie do ídolo dos militares e civis nacionalistas: Floriano Peixoto). O ápice de sua carreira, entretanto, aconteceu quando foi designado governador provisório de Santa Catarina, responsável pela repressão ao movimento federalista local, já me franca decadência.

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__ Não há notícia, nesse período, entre 17 de abril e 28 de setembro de 1894, de qualquer medida importante ou benéfica para a administração pública local, sequer uma participação merecedora de elogios no campo de batalha, Moreira César fez-se notar apenas pela forma brutal e doentia como tratou todos os que, com razão ou sem, estavam envolvidos no movimento de oposição ao governo de Floriano Peixoto. Foi uma sequência traumática de execuções sumárias, na prisão-fortaleza de Anhatomirim, por meio de fuzilamentos e outras formas cruéis de execução, cujo número, causa de condenação, e sequer os seus corpos, jamais foram revelados ou encontrados – o fato de a fortaleza se achar numa ilha (acima) favorecia aos desaparecimentos. O número de vítimas, conforme as fontes, oscila entre umas poucas dezenas a mais de 150, entre as quais se encontram o Barão de Batovi, herói da Guerra do Paraguai, mas revolucionário federalista, junto com seu filho que, apesar de inocente, também foi fuzilado. Outro veterano de antigas guerras, o militar e político Luis Gomes Caldeira de Andrada, pereceu fuzilado por engano! Mais tarde a família receberá um pedido de desculpas do governo! Há o caso do médico baiano Alfredo Paulo de Freitas, cuja esposa e uma filhinha foram recebidos pelo capitão, que chegou a brincar com a criança, enquanto garantia à esposa que o médico estava bem, embora embarcado para o Rio de Janeiro: nunca mais foi encontrado. O destino dessa gente dependia apenas da mente psicótica de Moreira César, que, apesar de tudo continuou galgando posições e angariando simpatizantes na estrutura castrense, chegando à patente de coronel. Nesse período ele escreve um manual de treinamento para a infantaria e a cavalaria, usada pelo exército.
__ Ao escolher um alguém tão intransigente, mas com pouca experiência de campo, para lidar com Canudos-Belo Monte, o governo federal demonstrava uma proverbial incapacidade de perceber a gravidade da situação, e até de colher dados objetivos sobre o que realmente se passava na região conflagrada. Preferindo acolher chavões de literatura e figuras de retórica, que apareciam, inclusive, nos relatórios oficiais, e nesse ponto não estava sozinho (1).

Enfim Canudos

__ A viagem de Moreira César, do Rio de Janeiro a Canudos, iniciada no dia 3 de fevereiro, foi acidentada. Os jornais da época disseram que houve desavenças entre o coronel e o capitão do navio durante a viagem, a ponto de aquele ordenar a prisão deste, a pretexto de estar atrasando propositalmente a viagem. Seja como for parece que a viagem pareceu a agravar uma fragilidade na saúde de Moreira César: crises de epilepsia. É verdade que Julio César também padecia desse mal, mas era a única semelhança tangível entre os dois césares.

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__ O desembarque em Salvador (acima, mostrando a estrada em serviço dos primeiros bondes elétricos, justamente em 1897) das unidades que vieram com o coronel, o 7º de Infantaria, sob o comando do major Rafael Augusto Cunha Matos, uma bateria do 2º Regimento de Artilharia, comandado pelo capitão José Agostinho Salomão Rocha, e um esquadrão do 9º de Cavalaria, do capitão Pedreira Franco, no dia 6 de fevereiro de 1897 não se deu sem incidentes. Os estivadores e marinheiros de outras embarcações foram espancandos para impor-lhes trabalho e mais celeridade no desembarque dos apetrechos da tropa (2).
__ A “toque de caixa”, no dia 7 de fevereiro, as tropas já partiam para Queimadas, a 195 km de Canudos, e de lá, no dia seguinte, o coronel manda um telegrama ao governador do estado, cujo teor é de uma arrogância tremenda, digna de um adolescente em fase crítica de autoafirmação: “eu só temo que o fanático Conselheiro não esteja me esperando em Canudos”. Moreira César exacerbava ainda mais o “já ganhou”, que pôs a perder Pires Ferreira e Febrônio do Brito.

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Por Angelo Agostini - Don Quixote, nº 82 (1897), Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37816953

__ Ao núcleo inicial da expedição, vindo do Rio de Janeiro com Moreira César, foram adicionados o 16º da cidade de São João d’El Rei, com 318 praças e oficiais, 140 soldados do 33º, além do 9º de Infantaria, sob as ordens do coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo (acima), e mais alguns praças da polícia baiana. No dia 8 toda coluna estava organizada. Eram 1.281 combatentes, 6 canhões Krupp de campanha, 15 milhões de cartuchos, além de um corpo auxiliar de cinco médicos e farmacêuticos, com as respectivas ambulâncias. De Queimadas, transformada em 1ª Base de Operações, sob o comando do tenente Hermínio Pereira, a brigada marchou para Monte Santo, 84 quilômetros à frente, deixando para trás, a banda de música, praças doentes ou acidentados, além de 70 adolescentes, que foram incorporados ao 7º em Santa Catarina, mas que foram considerados jovens demais e incapazes de suportar o peso do armamento e da carga de campanha – Benício reproduz no seu livro um diálogo do major Cunha Matos, que dá a entender que a incorporação desses meninos não foi feita de forma regular.


Vistosas fardas de oficiais do exército, em 1894. Excelentes alvos para um bom atirador.

__ Entretanto, toda a empáfia oficial do coronel, aparentemente não passava da manifestação de um mecanismo freudiano de defesa, a negação, tanto que o número e a intensidade dos ataques epilépticos e episódios de alheamento de Moreira César aumentaram muito, com o início da campanha de Canudos, e como se sabe o estresse é um fator que favorece muito a essas crises, as quais apontam numa direção: o coronel travava uma luta intensa contra si mesmo, contra o seu medo natural, mas não reconhecido, de fracassar, da mesma forma que os outros dois que o antecederam. Quem relata o seguinte episódio é Cunha Matos, comandante do 7º, segundo Benício (p 216 ss).
__ No dia 18 de fevereiro, no trajeto de Queimadas a Monte Santo, na localidade de Quirinquinquá, Cunha Matos é acordado a 1:00 da madrugada por dois mensageiros, que lhe diziam estar o coronel estirado à beira da estrada, umas duas léguas atrás, sofrendo um ataque grave de epilepsia: “cremos que não resistirá”, disseram. Foi-lhe enviada ajuda médica, mas só ás 8:00 da manhã ele chegou, muito abatido, embora montado, à vanguarda da tropa. Entrando numa casa, deitado numa rede, ele convocou para uma reunião a Cunha Matos, os cinco médicos da tropa e um farmacêutico, e, depois de mandar fechar todas as portas e janelas, pediu um diagnóstico do que ocorrera, após fazer uma breve descrição dos sintomas. O chefe dos médicos, Dr Ferreira Nina, diagnosticou uma crise de epilepsia, mas cometeu a imprudência de relacioná-la com o estresse a que o coronel estava sofrendo, e que já era uma verdade médica na época. Isso provocou um corte abrupto e rude do diagnóstico por parte do paciente: “o doutor fique sabendo que eu não tenho nervos, e tanto assim que eu jamais senti sensação de dor nem de prazer. Não tenho medo de morrer, nem hei de morrer sem ir a Canudos” (3). O médico lhe retrucou, com cautela, que não havia homem sem “nervos”, após o qual os outros se manifestaram, dando o mesmo diagnóstico. Moreira César aproveita para alertar os médicos que, sempre que ele passasse mal, queria cunha Matos ao seu lado, ignorando a patente do coronel Tamarindo. Após isso os médicos se retiraram, ficando Cunha Matos a conversar com Moreira César, quando um menino, filho do dono da casa, entrou e cochichou no ouvido de Cunha Matos que os médicos queriam falar-lhe. A reunião aconteceu no alpendre da casa, com a presença dos médicos. O doutor Ferreira Nina diz-lhe: “major, nós percebemos que o coronel o considera muito e atende, por isso nós lhe pedimos para convidá-lo a não prosseguir no comando das forças, visto o seu grave estado de saúde. Os ataques vão se repetir cada vez mais amiúde...” Cunha Matos retrucou dizendo que o faria, mas só se os médicos lhe dessem um laudo por escrito, com essa recomendação, devidamente assinado. Os médicos se recusaram, então Cunha Matos voltou a Moreira César e disse-lhe que os médicos achavam, como ele, que o coronel estava “vendendo saúde” (4).



__ Após esse incidente, Moreira César, após ordenar ao batalhão de engenharia fazer um breve estudo do terreno, leva seus soldados, fortemente municiados, mais uma bateria de artilharia, com 4 canhões, por uma estrada de 25 léguas (uns 150 km), passando por Cumbe, Serra Branca e Rosário; uma região árida e desértica, onde a falta d’água logo se faz sentir. Entre Monte Santo e Cumbe, o coronel tem dois ataques consecutivos e sérios de epilepsia, que atrasam acentuadamente a marcha. Em Serra Branca a falta d’água obriga os engenheiros a busca escavar um poço para tentar encontrar o líquido. Em vão. Trouxeram uma bomba artesiana, mas não trouxeram um bate-estaca. O descuido, a irresponsabilidade e o improviso dirigem a expedição. Faz-se uma marcha forçada, à noite, em busca de água, encontrada no dia seguinte.
__ Queimadas, como vimos, era a 1ª Base de Operações, Monte Santo se tornou a 2ª, embora uma mera formalidade, “pois que o seu comandante, o coronel Souza Menezes, do 16º de Infantaria, havia deixado o seu batalhão na capital da Bahia... por ordem do coronel Moreira César, e só dispunha em Monte Santo de setenta praças... das quais apenas 20 estavam aptas para o serviço, por serem as demais doentes e atropeladas”, (Benício; p 220). O coronel resolveu evitar a estrada do Cambaio, já percorrida por Febrônio de Brito, escolhendo um caminho mais longo.



__ Um homem doente comandava as tropas, senão veja-se mais esse relato de Benício: “na véspera do dia fixado [para a saída de Monte Santo], o coronel... ignora-se porque motivo, mandou formar a coluna em ordem de marcha [como numa parada, e não em ordem de batalha, se posicionam de maneira diferente, como a esperar um ataque, num aparente desprezo por um inimigo] e assim também os comboios... mandou marchar e acampar a meia légua de distância... permitindo depois aos oficiais que voltassem a Monte Santo para providenciar o transporte de bagagens ou que as deixassem aí guardadas: alvitre que a maioria adotou, levando apenas a roupa indispensável” (p 222). Se os conselheiristas tivessem uma visão mais ampla, segundo Benício, podiam ter atacado e tomado facilmente a “Base de Operações” de Monte Santo, enquanto o coronel atacava Canudos, apossando-se de farta munição e suprimento, inclusive uma metralhadora, pegando a coluna em debandada pela frente. O desastre se tornaria uma grande hecatombe.
__ Depois de uma longa e penosa marcha, chegaram, no dia 2 de março, a Rancho do Vigário, distante apenas 21 km de Canudos. No dia seguinte, às 5:00, a brigada levantou acampamento, com o propósito de acampar em Angicos, 9 km à frente, e aí descansar, para, no dia seguinte, arremeter  contra o arraial. Às 7:00 da manhã, a coluna é fustigada por jagunços ocultos na paisagem. Um soldado morre, um alferes fica muito ferido, e o coronel Moreira César, mais quatro soldados, ficam levemente feridos. Cunha Matos arremete com o 7º e os atacantes fogem. O fato de estes mirarem o coronel e um alferes mostra que a tática de guerra dos jagunços não é aleatória, mas obedece a critérios, lógicos de quem conhece a hierarquia e a dinâmica de uma organização militar. Uma das características das campanhas finais sobre Canudos-Belo Monte é o grande número de perda entre os oficiais.

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__ Cunha Matos, na volta, é elogiado por Moreira César, mas comete a imprudência de alertá-lo: “não se engane coronel, os jagunços fugiram, mas por tática; estão nos chamando para o arraial” (p 223). Segundo este, o coronel “magoou-se” com aquela observação, limitando-se a responder “ora, ora!”. Fosse por isso, fosse porque o ferimento espicaçara o seu ego imaturo, ele, pouco depois, reuniu os oficiais e disse-lhes: “Meus camaradas, como todos sabem,estou visivelmente enfermo. Há muitos dias que quase não me alimento; mas Canudos está muito perto e vamos tomá-lo” (p 324). Contaminados pelo momento, todos começaram a gritar “viva a república!”.
__ Mas Moreira César hesita. Ao chegarem em Angicos, 11:00, ele pergunta ao tenente Domigos Leite, dos engenheiros, da possibilidade de irem almoçar em Canudos, o tenente disse-lhe não achar conveniente, e chamou-lhe a tenção para a distância ainda a percorrer, 12 km, e o cançaso da tropa. Mas nesse mesmo momento ele toma a decisão de atacar imediatamente Canudos, para evitar que os participantes da escaramuça anterior cheguem antes dos soldados e avisem aos conselheiristas, como se estes já não estivessem bem avisados ou preparado inconscientemente a escaramuça acima. Quanta ingenuidade! Ele não escutou Cunha Matos.
__ Os médicos pedem tempo para ao menos montarem uma estrutura de atendimento de campanha, mas ele diz que os médicos a terão nos casebres de Canudos mesmo. Os feridos são trazidos para a frente de batalha. O coronel então ordena “acelerado”, e os soldados, esgotados pela longa marcha, vão jogando partes de seu equipamento no chão, para reduzir o peso, e que ia sendo recolhido pela cavalaria, que vinha atrás, junto com os soldados esgotados ou machucados, que se deixaram cair pelo caminho. Era o caos, antes de começar a batalha!

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__ Ao chegar a Umburanas, o coronel perguntou ao guia da expedição qual era a direção e a distância para Canudos. Informado de ambas, a distância seria de 3 km, ele ordena que a artilharia passe penosamente à frente, e dispare dois obuses, a guisa de “cartão de apresentação”, e instigada a seguir em frente, para escolher a melhor posição de tiro, se descolando perigosamente do resto da coluna. Quando chegaram no cume de um morro chamado Favela, a bateria foi, com era inevitável, atacada por levas de jagunços, obrigando a infantaria que vinha atrás, já bem cansada, a apertar ainda mais o passo para evitar a perda dos canhões logo no início do combate. Longe de uma arremetida organizada da infantaria, o que se viu foi uma correria louca e confusa dos soldados, com mais de metro de língua para fora, mas suficiente para salvar os canhões e sua guarnição que já travavam rijo combate com uns 80 conselheiristas, tendo já desperdiçado a valiosa munição – cada canhão dispunha de 70 disparos.
__ Os canhões, afinal, se posicionaram numa elevação de terreno, conhecido como Fazenda Velha de Canudos, a 600 m do arraial, enquanto a infantaria, ao toque dos clarins, desceu os morros e avançou na direção do Vaza-Barris, para atravessá-lo e invadir Canudos-Belo Monte, como diz Benício, sem ter havido qualquer reconhecimento prévio das defesas do inimigo, e sem deixar uma única unidade de reserva ou proteção para a artilharia. “Descia a infantaria desordenadamente por terreno pedregoso, caindo os soldados aqui e acolá, uns encima dos outros. Aquém do rio as cornetas tocaram “carga”, e a infantaria então precipitou-se sobre o rio, sempre debaixo de vivíssimo e certeiro fogo... As forças atravessavam o rio em completa confusão, promiscuidade de oficiais e praças de todos os corpos” (p 227).
__ Isso aconteceu às 14:00, e o ataque foi tão desordenado e abrangente, que abarcou ao mesmo tempo o centro das defesas dos inimigos, o espaço entre as duas capelas, as trincheiras mais poderosas, e os dois flancos, que, por muito próximos, devem ter dado azo a que os soldados se ferissem ou morressem com o “fogo amigo”. Poucos mais afoitos, ou bravos, entraram no arraial, preferindo a maioria se abrigar nas barrancas do rio, enquanto aqueles eram massacrados, um a um, dentro da cidade. O descomando da tropa induzia os soldados a fazer, cada um, o que bem entendiam. Os que chegaram a entrar na cidade, paravam para saquear as casas que invadiam, atrás, inclusive, de comida e água, sendo abatidos ali mesmo. Não havia força de reserva, e nada se podia fazer pelos atacantes exceto ver até quando aguentariam.
__ Às 16:00 chega, afinal a cavalaria, depois de fazer transporte e aprovisionamento das cargas abandonadas. Moreira César resolve levá-la pessoalmente, sem necessidade, ao local onde ele queria que ela agisse, expondo-se propositalmente ao fogo. Foi atingido, já próximo à bateria de canhões, que trovejava sem cessar sobre Canudos, sendo levado às pressas para uma casa em ruínas. Estava mortalmente ferido, mas não sem antes ordenar uma das ações mais bizarras da história da guerra: uma carga de cavalaria contra Canudos (5). Isso aconteceu entre 16:30 e 17:00. Nesse momento acontece outro absurdo. Ninguém, nem um único oficial do estado-maior da coluna, se preocupa em avisar ao coronel Tamarindo,o segundo em comando, o que se passava, e que fora, até ali, solenemente por Moreira César, e sequer havia sido informado do plano de batalha (6), se bem que naquela hora isso muito pouco importasse, pois já reinava a mais absoluta confusão entre os soldados e as unidades da brigada. Ao ser informado, afinal, tentou ainda dar alguma organização ao tumulto, mas não conseguiu, seja pelo estado adiantado de anarquia em que a tropa se encontrava, fosse pelo seu temperamento muito afável e sossegado.
__ Já anoitecia, quando soldados e oficiais, cansados e com fome, já que há mais 13 horas não se alimentavam, e exauridos pelas marchas forçadas sob um sol abrasador, começaram a recuar, na verdade debandar de suas posições, junto às barrancas do Vaza-Barris, para se aglomerarem ao redor dos canhões, na maior confusão possível, incluído aí o pouco que sobrou da cavalaria. Atolados de feridos sedentos, pela perda de líquidos, que clamavam desesperados por água, que deviam ser atendidos em meio à falta total de luz... e água! As tentativas de organizar as unidades da brigada foram inúteis, e fez-se um precário quadrado defensivo ao redor dos canhões, com todos com o coração na mão. Creio que essa noite ninguém dormiu, mesmo depois do dia exaustivo que tiveram... Os jagunços pararam de atirar e foram para as suas orações.
__ Só havia uma coisa lógica a fazer: bater em reitrada, o que foi decidido “alta noite” (p 231). Moreira César, ao saber, entrou em frenesi de negação: “disse ele “que era um ato de covardia; que devia-se dar novo assalto ao arraial, que exigia que esse seu protesto fosse registrado e que, se sobrevivesse a esse desastre, pediria sua demissão do serviço do exército” (idem). Na verdade ele sabia que ficaria desmoralizado e seria motivo de chacota de seus inimigos (quem não os tem?) dentro do exército. Seja como for o coronel não precisou passar nem por uma coisa nem pela outra, pois às 4:30 do dia seguinte, do dia 4 de março, ele morreu. Em meio, quiçá, a um sentimento extremo de vergonha ou de uma sensação imperdoável de... fracasso. A sua luta pessoal acabara, mas a dos sobreviventes se agravaria ainda mais.
__ Cunha Matos afirma que Tamarindo pedira aos oficiais sugestões de como fazer a retirada e que aquele aconselhara a fazê-la aos poucos, em silêncio, sem chamar a atenção prematura dos jagunços nem excitar os soldados com o toque de retirada, ficando ele à frente do 7º, segurando os conselheiristas, enquanto o resto da coluna se organizava à frente, após o que se tocaria a retirada. Mas Tamarindo, que não passava de um burocrata, e não tinha experiência de combate, ou em pânico, receando perder o 7º e um auxiliar do porte de Cunha Matos, não concordou e ordenou que se tocasse a retirada, antes das unidades estarem organizadas. Nesse instante, grupos com soldados misturados das diversas unidades, sem qualquer ordem, começaram a tomar o caminho por onde vieram. Cada um no seu passo. Eram entre 6:00 e 7:00 da manhã. Os jagunços aproveitaram-se da aurora para tirotear contra a tropa, que em vão tentava responder, pois lhe faltava instrução de tiro, treinamento de manobras, transporte de qualidade e... comando.
__ Os oficiais, às pressas, organizaram o transporte dos feridos em redes, padiolas, e até cedendo seus cavalos. Numa padiola, levada por soldados e oficiais ia o corpo do coronel Moreira César. A artilharia tentava, por meio de disparos intermitentes, proteger a retirada das tropas, mas sem o apoio da infantaria, que, à frente, apertava cada vez mais o passo, foi ficando para trás, até parar. Tamarindo, tenta chamar a vanguarda em apoio à artilharia, e manda tocar meia volta, mas os soldados não só não obedecem com aceleram a fuga, antes que fossem obrigados a voltar pra valer. Tamarindo é visto a correr, sozinho, a cavalo, tentando organizar a vanguarda para vir em apoio à artilharia, em vão. Nem as ordens bradadas por oficiais armados nem a ameaça de atirar nos desertores conseguia pará-los, antes aumentava a desordem e a velocidade da fuga. Um tiro certeiro derruba o coronel do cavalo, e ele morre alí nas Umburanas, e como já acontecera com seu superior, seu cadáver aí foi abandonado.

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__ Nesse meio tempo a artilharia é envolvida, dezenas de jagunços ser atiram sobre o que sobrou da guarnição dos canhões: o capitão José Agostinho Salomão da Rocha, e mais meia dúzia de soldados, massacrando-os a golpe de facão, enxada, tiros, etc (lado direito da gravura acima, onde a padiola com o cadáver de Moreira César aparece envolta por um toldo, no chão, de pé, atirando junto à padiola, o lendário cabo Roque, que, na verdade fugiu e abandonou o corpo). Os que transportavam o corpo do comandante, largam a padiola no chão e põem-se a correr (lado esquerdo da gravura acima). É o pânico. Feridos são despojados, à força, dos cavalos que montavam para fornecer um transporte mais rápido aos covardes são. Na debandada os soldados se desfaziam de tudo, até do fardamento, muitos chegaram seminus a Monte Santo. E, suprema vergonha, segundo Benício, o número dos jagunços que perseguiam a tropa chegava, quando muito, a duzentos!! (p 233).
__ Em Monte Santo, o coronel Souza Menezes, à frente de uma guarnição de 20 soldados, ao receber as primeiras notícias reuniu seus oficiais  resolveu, sem perda de tempo, debandar do local, levando consigo uma metralhadora, inoperante, por falta de uma guarnição treinada, além de setenta contos de réis, uma fortuna, que deveria ser gasta em despesas da campanha, chegando apressado em Queimadas. Ainda assim em Monte Santo ficara muito mantimento e munição, que os jagunços não tomaram. Depois de aí se refazerem, os soldados continuaram sua fuga para Queimadas.
__ O montante das baixas da 3ª Expedição a Canudos: mortos – 3 oficiais e 56 praças; feridos – 10 oficiais e 120 praças; extraviados – 2 oficiais 18 praças. Portanto ainda sobravam em torno de uns mil praças e oficiais, fisicamente aptos, para enfrentar as duas ou três centenas de jagunços que os acossavam! Entre as perdas devem ser computadas a totalidade da artilharia, a quase totalidade de modernos fuzis e carabinas levados pelos soldados, assim como sua farta munição pessoal, tudo cuidadosamente arrolado e tomado pelos conselheiristas, além da perda dos cadáveres dos dois principais comandantes da tropa.

Epílogo: mais obscuridade, mais sangue e mais fanatismo

__ Mudanças em Canudos: a destruição da 3ª Expedição evidenciou algumas alterações na rotina do arraial. Segundo Manuel Benício, que fez o seu livro baseado no trestemunho oral de sobreviventes, após a expedição de Febrônio de Brito, o Conselheiro foi ficando cada vez mais arredio, alheado, isolado em eternas em orações, afstado da administração direta da comunidade, entregue mais aos seus auxiliares próximos, principalmente João Abade, que tinha fama de ser, além de muito valente e hábil estrategista, muito autoritário e temido, além e sensível à beleza das mulheres, por cuja posse não hesitou em cometer abusos. Esse processo se agravou após a derrocada de Moreira César.
__ A autoridade de João Abade talvez explique o caráter cruel e bárbaro, sob uma ótica estritamente cristã, do tratamento dado aos corpos dos soldados e oficiais abandonados pela estrada, embora, pela principal característica desse tratamento: a decapitação e a exposição das cabeças na estrada que ia para Canudos, se possa ver uma reminiscência do antigo costume tupi de pendurar, à entrada das tabas os crânios de inimigos recém-devorados, como aviso. A presença indígena era muito forte no semiárido. É também a partir dessas mudanças que se deve entender o fim dado a dois prisioneiros que, segundo Benício, foram feitos pelos conselheiristas: o médico Fortunato Raimundo de Oliveira e um soldado desconhecido, entegues, pelo Conselheiro, aos cuidados do terrível Pajeú, para serem entregues, incólumes, em alguma cidade próxima, mas que foram assassinados e despojados no caminho. Na tomada do cume do Cocorobó, no início da 4ª expedição, foi encontrada, dentro de um mocó abandonado, uma carteira de médico cirurgião vazia, com as iniciais Dr. F. R. O. O cadáver do doutor Raimundo nunca foi encontrado.
__ Ocultação no Exército: é claro que o desastre deu azo a um minucioso inquérito, levado a cabo por duas comissões diferentes: a primeira formada pelo genral Olimpio da Silveira, tenente-coronel Luiz Barbedo e o capitão Alencastro, e a segunda pelos coronéis Abreu Lima, Soares Wolf e Ricardo Fernandes. Benício é categórico: “nestes dois processos foi ouvido todo mundo, mas fez-se silêncio sobre os resultados” (p 241). Silêncio, ao que parece, mantido até hoje, 2016, de tal sorte que quem quer saber de Canudos deverá recorrer às fontes civis ou militares, parciais e precárias, por não poder ter acesso às mais volumosas e abrangentes: os registros oficiais, ocultos pelas forças armadas, da mesma forma como se dá com os documentos a Guerra do Paraguai. Cunha Matos, sequer foi ouvido pelas comissões; “pediu, entretanto, duas vezes, conselho de guerra e... deram-lhe de novo o comando e a organização do 7º Batalhão”(idem).
__ A razão para isso, pode-se deduzir, de aquela ter sido a mais desonrosa derrota já sofrida pelo exército brasileiro desde a sua formação, e, podemos dizer, até os dias de hoje (6), porém, para os camondantes militares, mais importante que aprender a lição foi evitar o escândalo, pondo quanto antes uma pedra sobre o acontecido. Manuel Benício, que era um ex-militar e correspondente de um jornal, por ousar criticar publica e tecnicamente as medidas de alguns comandantes militares, é imediatamente como que expurgado do seio da família militar e afastado do teatro de operações. Era proibido discordar, mesmo do que estava flagrantemente errado,
__ Histeria nas cidades: a notícia da derrocada tão extravagante de uma expedição tão poderosa causou uma comoção incomum pelas capitais do país, aonde ainda havia veículos de comunicação, jornais e revistas, lidos por algumas dúzias de gatos pingados, capazes de fazer muito barulho, como os gatos geralmente fazem quando estão muito motivados! Sem poder ter uma noção exata da catástrofe, pois, como vimos, o exército ocultou o que pode para evitar críticas ao comando, os meios de comunicação começaram a alastrar pelo país toda sorte de boato alarmista, além de medidas de resolução do conflito que, para sermos muito generosos, só poderíamos qualificar como extremamente ridículas. Reproduzamos Euclides da Cunha.
“Como o da capital federal, o povo das demais cidades entendeu também deliberar na altura da situação gravíssima, apoiando todos os atos de energia cívica que praticasse o governo pela desafronta do Exército e (esta conjunção valia por cem páginas eloqüentes) da pátria. Decretou-se o luto nacional. Exararam-se votos de pesar nas atas das sessões municipais mais remotas. Sufragaram-se os mortos em todas as igrejas. E, dando à tristeza geral a nota supletiva da sanção religiosa, os arcebispados expediram aos sacerdotes dos dois cleros ordem para dizerem nas missas a oração Pro pace. Congregaram-se em toda a linha cidadãos ativos, aquartelando. Ressurgiram batalhões, o "Tiradentes", o "Benjamim Constant", o "Acadêmico" e o "Frei Caneca", feitos de veteranos já endurados ao fogo da revolta anterior, da Armada; enquanto agremiando patriotas de todos os matizes formavam-se outros, o "Deodoro", o "Silva Jardim", o "Moreira César"... Não bastava”
“No quartel-general do Exército abriram-se inscrições para o preenchimento dos claros de diversos corpos. O presidente da República declarou, em caso extremo, chamar às armas os próprios deputados do Congresso federal, e, num ímpeto de lirismo patriótico, o vice-presidente [que era médico e escritor] escreveu ao Clube Militar propondo-se valentemente cingir o sabre vingador. Fervilhavam planos geniais, idéias raras, incomparáveis. Engenheiros ilustres apresentavam o traçado de um milagre de engenharia — uma estrada de ferro de Vila Nova a Monte Santo, saltando por cima de Itiúba, e feita em trinta dias... [o desvario dessas medidas aparece ainda mais clamoroso, quando sabemos que o país, por obra do encilhamento, estava literalmente falido, prestes a ter que suspender seu comércio exterior, por falta de crédito]” (Os sertões copiado do Wikisource)
__ A boataria, proposital ou inconsciente, chegava aos mais absurdos delírios:
Diziam-no informes surpreendedores: aquilo não era um arraial de bandidos truculentos apenas. Lá existiam homens de raro valor — entre os quais se nomeavam conhecidos oficiais do Exército e da Armada, foragidos desde a revolta de setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.”
“Garantia-se: um dos chefes do reduto era um engenheiro italiano habilíssimo, adestrado talvez nos polígonos bravios da Abissínia. Expunham-se detalhes extraordinários: havia no arraial tanta gente que tendo desertado cerca de setecentos só lhes deram pela falta muitos dias depois. E sucessivas, impiedosas, novas notícias acumulavam-se sobre o fardo extenuador de apreensões, premindo as almas comovidas. Assim, estavam já expugnadas pelos jagunços Monte Santo, Cumbe, Maçacará e, talvez, Jeremoabo. As hordas invasoras, depois de saquearem aquelas vilas, marchavam convergentes para o sul, reorganizando-se no Tucano, de onde, acrescidas de novos contingentes, demandavam o litoral, avançando sobre a capital da Bahia...”
“Em Juazeiro, no Ceará, um heresiarca sinistro, o padre Cícero, conglobava multidões de novos cismáticos em prol do Conselheiro. Em Pernambuco, um maníaco, José Guedes, surpreendia as autoridades, que o interrogavam, com a altaneria estóica de um profeta. Em Minas, um quadrilheiro desempenado, João Brandão, destroçava escoltas e embrenhava-se no alto sertão do São Francisco, tangendo cargueiros ajoujados de espingardas” (idem).
__ Por trás desse plano articulado e abrangente de enfrentamento em larga escala da república estavam os monarquistas, quiçá articulados com grupos estrangeiros e à própria família imperial, que amargava exílio na Europa. Grupos radicais de republicanos, em especial os florianistas e aqueles ligados ao jornal ultrarrepublicano O Jacobino, começaram a empastelar jornais simpatizantes, ou suspeitos de simpatizar com a monarquia. Ente os empasteladores muitos oficiais do exército, e até agentes de polícia, disfarçados, ante a indiferença ou impotênciadas autoridades responsáveis pela segurança pública. Pessoas começam a ser feridas nesses tumultos, principalmente na capital federal, onde, por exemplo, jornais repercutiam as notícias mais absurdas, como aconteceu com o jornal a República, que acusou um conhecido monarquista e concorrente comercial, Gentil de Castro, de estar remetendo armas para Canudos. Resultado: os três jornais de Gentil de Castro foram empastelados.
__ No dia 9 de março Gentil de Castro desceu de Petrópolis, ao Rio de Janeiro, para verificar os danos. À tarde, quando estava na estação ferroviária São Francisco Xavier, esperando o trem que o levaria para casa, viu-se, repentinamente cercado por um grupo hostil de militares (Benício-Azevedo; p 24). Há bate boca, hostilidade mútua, e um dos militares, sacando uma arma, abate o coronel Gentil de Castro, desarmado, ali mesmo. Seu corpo fica lá, impune, estirado no chão da estação ferroviária, avisando aos brasileiros o que podem esperar de um regime dominado por militares. Esse grupo tentou ainda linchar o Visconde de Ouro Preto e seu filho, que se encontravam no trem, e que escaparam por pouco, se escondendo nas casas de um cortiço próximo.
__ As paixões e a agressividade criam asas, e até jornais favoráveis ao presidente Prudente de Morais, visto por florianistas e jacobinos como fraco e inimigo de Floriano, são empastelados, e se Prudente não tomasse imediatamente medidas duras e firmes contra os ocnselheiristas, corria o risco de ele mesmo acabar sendo linchado como Gentil de Castro.
__ Fecho esse artigo com a descrição pormenorizada, chocante, mas genial em sua forma, que Euclides da Cunha dá ao destino dos cadáveres dos militares abatidos entre 3-4 de março. Fato impressionante e cruel, e que definirá o caráter da destruição final de Canudos-Belo Monte e a sede de vingança irrefreável da 4ª Expedição.
Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas...
A catinga, mirrada e nua, apareceu repentinamente desabrochando numa florescência extravagantemente colorida no vermelho forte das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos talins e estribos oscilantes...

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Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo (acima).
Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.
Ali permaneceu longo tempo...
Quando, três meses mais tarde, novos expedicionários seguiam para Canudos, depararam ainda o mesmo cenário: renques de caveiras branqueando as orlas do caminho, rodeadas de velhos trapos, esgarçados nos ramos dos arbustos e, de uma banda — mudo protagonista de um drama formidável — o espectro do velho comandante...” Não haveria, em absoluto, qualquer contemporização ou piedade para Canudos.

Notas
(1) Febrônio de Brito, em seu relatório sobre o combate da lagoa do Cipó ou Tabuleirinho diz que “as [tropas] avançadas de toda a coluna foram envolvidas por número superior a 4 mil canibais [sic!]. Nunca vimos, eu e os meus bravos camaradas, tanta ferocidade. Vinham morrer como panteras” (Benício; p 205)!!! Se foram mesmo 4 mil, com a fúria que vinham, como explicar que a coluna tenha tido, relativamente, tão poucas baixas? O inchaço desmesurado dos números e o exagero retórico na descrição dos fatos serão característicos dessa campanha.
(2) O major Cunha Matos, em carta ao Jornal do Comércio, negou esses dois incidentes, mas convenhamos: Cunha Matos era parte interessada.
(3) Pesando bem essas palavras, só podemos chegar a uma conclusão: este homem é um completo desequilibrado, um obcecado, que desconhece completamente a natureza humana, a si próprio e os outros, noutras palavras, uma pessoa absurdamente inepta para a tarefa que se lhe foi proposta. Ao dizer e acreditar que desconhecia o medo, Moreira César perdia a oportunidade de buscar lenitivo para o seu estresse, como o fez, sabiamente, o César romano, que, fora do campo de batalha, se cercava de luxo, festas e mulheres, com as quais apaziguava seus nervos e se preparava para a próxima empreitada. Que fazer se o nosso César preferia acreditar que não tinha “nervo”, que não possuía afetividade? Podemos conceber que Moreira César não tinha, de fato, medo de morrer, mas e o medo natural de fracassar? Os seus excessos apontam fortemente nesta direção. A propósito; segundo Benício, os ataques de epilepsia de Moreira César começaram em Santa Catarina. Ele não saiu completamente imune do banho de sangue que lá causou.
(4) Vê-se, claramente, que os médicos, com medo do temperamento e das atitudes inesperadas, quase sempre violentas, do coronel, jogavam Cunha Matos numa armadilha, entregando a ele, que era leigo, a responsabilidade de, por sua conta, apresentar a melhor forma de tratamento para o coronel, enfrentando, sozinho, a ira deste. Cunha Matos, entretanto, mentiu exageradamente ao dizer que tanto ele quanto os médicos achavam que o coronel “vendia saúde”, tornando-se tão cúmplice do desastre da coluna quanto os covardes esculápios.
(5) Desde que a cavalaria começou a existir, que ninguém nunca ordenou uma carga de cavalaria contra uma cidade com casas dipostas em ruas minimamente organizadas, uma vez que nesse meio o cavaleiro se torna um alvo espetacular, sem possibilidade de ripostar adequadamente aos seus inimigos, dispostos em diversos níveis, inclusive nos telhados, aonde o cavalo não vai, sem falar da dificuldade de agrupar, uma vez que o traçado das ruas favorece à dispersão do ataque.  
(6) A guisa de comparação tome-se, por exemplo, o célebre episódio da Retirada da Laguna, de 1867, quando uma força quase idêntica à de Moreira César, eram uns 1.600 homens, sem cavalaria, sem mantimentos e munição adequados, tendo que cobrir uma distância muito maior, a enfrentar forças de um exército que era reputado como o melhor da América do Sul, provido este de cavalaria, enfrentando uma epidemia de varíola devastadora no seu interior, e ainda assim retornou em ordem, com toda a sua artilharia salva. Seus comandantes, que também eram coronéis, morreram de doença e foram sepultados com honra, e hoje se sabe aonde jazem,

Bibliografia
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Benício, ManuelAzevedo, Silvia M; “O rei dos jagunços de Manuel Benício: ente a ficção e a história; EDUSP; 2003; (books google – online)
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Galvão, Walnice N.; Viver e morrer em Belo Monte; Revista de História da Biblioteca Nacional; 1/12/2014; online
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