EXPEDIÇÃO
MOREIRA CÉSAR A CANUDOS (1897)
Prof Eduardo
Simões
Obrigado aos
amigos de Brasil, França, EUA. Deus os abençoe
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Atenção: para o
governo, o arraial conselheirista era chamado “Canudos”, mas para seus moradores o nome era “Belo Monte”.
__ O mal estava
feito. Embora as colunas de Febrônio e de Pires Ferreira, não tenham sido
derrotadas e ainda imposto baixas consideráveis aos adversários, a fama de
invencibilidade e o aparente acerto das profecias, verdadeiras ou aumentadas,
de Antonio Conselhiero sobre a república, atraíram multidões de indecisos e
novatos a Canudos-Belo Monte, engrossando o exército conselheirista – é
possível até que muitos daqueles que se decepcionaram com o tratamento dado a
frei João Evangelista, em 1895, tenham retornado penitentes aos pés do Conselheiro.
Caravanas, transportando combatentes, armas modernas, munição e mantimento,
partindo das comunidades próximas, tomaram o rumo do arraial. O resultado das
duas primeiras expedições foi o de fortalecer Canudos-Belo Monte.
__ Em clima de
expectativa e ansioso por resultados, o Governo Federal, encabeçado, nessa
ocasião, por um baiano, o Vice-presidente Manuel Vitorino (acima), resolve
jogar todas as suas cartas para dar um fim breve, e relativamente barato, ao
conflito, preparando uma força de considerável das três armas terrestres:
infantaria, artilharia e cavalaria, ainda que de uma forma meio apressada e um
tanto improvisada. Para comandar essa impressionante demonstração de força
militar foi convidada uma figura legendária nos meios militares, um mestre na
repressão de revoltas: o coronel de infantaria Antonio Moreira César.
Traumas e violências antigas
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__ Se Antonio
Conselheiro carregava consigo o trauma da perda precoce da mãe e o da
convivência com uma madrasta difícil, com Moreira César (acima) acontecia justo
o contrário. Fora ele quem repudiara os genitores. Filho ilegítimo de um padre,
Antonio Moreira César de Almeida, e de Francisca correia de Toledo, que morreu
solteira, Moreira césar, deve ter sofrido muita discriminação social. O padre
morreu quando ele tinha uns dez anos, e a mãe, possivelmente tratada como uma desajuizada,
pela sociedade, não soube lidar com a situação nem encontrou no filho uma
compensação para o seu “pecado”. Em seu documento de fé pública, Moreira César
se dirá filho de pais ignorados, embora sua mãe estivesse viva, com 77 anos, até
dois anos antes de sua morte.
__ Ele encontrou
uma família substituta e um sentido para a sua vida no exército, onde foi aluno
brilhante e destacado, um militar apaixonado, que envergava a farda em quase
todas as ocasiões. Nunca relaxava nem se casou – como Elizabeth I ele se casará
com uma institituição, mas Elizabeth, não deixou de ter amantes. Ele nem isso.
Uma dedicação tão desmedida já trazia em si a manifestação de sentimentos
contraditórios, talvez violentos, que só esperavam um pretexto para se
manifestar. Aconteceu em outubro de 1883, quando o editor de um jornaleco
escandaloso, chamado Apulcro e Castro, tocou seus sentimentos, ao fazer
referências que César considerou desairosas ao exército, em seu jornal.
__ O escritor
americano Frank McCann, em seu livro Soldados
da pátria – história do exército brasileiro 1889-1937, narra assim o
acontecimento: um grupo (Werneck Sodré diz que foram uns 20 oficiais),
disfarçados à paisana, invadiu a sede do jornal e começou a destruí-la. Apulcro
foge até o quartel-general da polícia e pede proteção, enquanto um grupo
suspeito se reúne em frente ao prédio. Reconhecendo alguns deles, o chefe de
polícia, assustado, pede ajuda ao comandante do 1º Regimento de Cavalaria, que
envia um auxiliar direto, um capitão, para acalmar os ânimos e livrar o
jornalista. Ao chegar, o capitão conversa com os estranhos na rua, e entra para
pegar o jornalista e levá-lo em segurança. Entretanto, mal os dois entram numa
carruagem, um dos tais, o jovem capitão Moreira César, avança e apunhala o jornalista
pelas costas, dando início a um frenesi linchatório que contabilizará sete
facadas e dois tiros na vítima. Apulcro de Castro morrerá no vestíbulo do
quartel de polícia. O chefe de polícia foi demitido, afinal a responsabilidade
e o poder de dar uma proteção eficaz ao jornalista era dele, mas nenhum dos
onze oficiais citados no caso foi a julgamento – dizem até que Pedro II, várias
vezes vítima das fofocas ferinas do jornalista, chegou a fazer a fazer uma
visita de cortesia ao regimento após o assassinato – e Moreira César, o mais
afoito, foi mandado a um breve “exílio” no Mato Grosso.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d0/Floriano_Peixoto_na_revista_D._Quixote_1895.jpg
Por Angelo
Agostini - Revista D. Quixote [1], Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2458384
__ Com a eclosão
da República, Moreira César seguiu a sua instituição e tornou-se republicano.
Destacou-se, mais pela bravura e dedicação que pela inteligência e o
brilhantismo de suas ações. Chamou a atenção pela sua atuação à repressão de
movimentos sediciosos em Salvador (1891), em Niteroi (1892) e na repressão à
Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893-1894) (acima, onde se vê a efígie do
ídolo dos militares e civis nacionalistas: Floriano Peixoto). O ápice de sua
carreira, entretanto, aconteceu quando foi designado governador provisório de
Santa Catarina, responsável pela repressão ao movimento federalista local, já
me franca decadência.
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__ Não há
notícia, nesse período, entre 17 de abril e 28 de setembro de 18 94, de qualquer medida
importante ou benéfica para a administração pública local, sequer uma
participação merecedora de elogios no campo de batalha, Moreira César fez-se
notar apenas pela forma brutal e doentia como tratou todos os que, com razão ou
sem, estavam envolvidos no movimento de oposição ao governo de Floriano
Peixoto. Foi uma sequência traumática de execuções sumárias, na prisão-fortaleza
de Anhatomirim, por meio de fuzilamentos e outras formas cruéis de execução,
cujo número, causa de condenação, e sequer os seus corpos, jamais foram
revelados ou encontrados – o fato de a fortaleza se achar numa ilha (acima)
favorecia aos desaparecimentos. O número de vítimas, conforme as fontes, oscila
entre umas poucas dezenas a mais de 150, entre as quais se encontram o Barão de
Batovi, herói da Guerra do Paraguai, mas revolucionário federalista, junto com
seu filho que, apesar de inocente, também foi fuzilado. Outro veterano de
antigas guerras, o militar e político Luis Gomes Caldeira de Andrada, pereceu
fuzilado por engano! Mais tarde a família receberá um pedido de desculpas do
governo! Há o caso do médico baiano Alfredo Paulo de Freitas, cuja esposa e uma
filhinha foram recebidos pelo capitão, que chegou a brincar com a criança,
enquanto garantia à esposa que o médico estava bem, embora embarcado para o Rio
de Janeiro: nunca mais foi encontrado. O destino dessa gente dependia apenas da
mente psicótica de Moreira César, que, apesar de tudo continuou galgando
posições e angariando simpatizantes na estrutura castrense, chegando à patente
de coronel. Nesse período ele escreve um manual de treinamento para a
infantaria e a cavalaria, usada pelo exército.
__ Ao escolher
um alguém tão intransigente, mas com pouca experiência de campo, para lidar com
Canudos-Belo Monte, o governo federal demonstrava uma proverbial incapacidade
de perceber a gravidade da situação, e até de colher dados objetivos sobre o
que realmente se passava na região conflagrada. Preferindo acolher chavões de
literatura e figuras de retórica, que apareciam, inclusive, nos relatórios
oficiais, e nesse ponto não estava sozinho (1).
Enfim Canudos
__ A viagem de
Moreira César, do Rio de Janeiro a Canudos, iniciada no dia 3 de fevereiro, foi
acidentada. Os jornais da época disseram que houve desavenças entre o coronel e
o capitão do navio durante a viagem, a ponto de aquele ordenar a prisão deste,
a pretexto de estar atrasando propositalmente a viagem. Seja como for parece
que a viagem pareceu a agravar uma fragilidade na saúde de Moreira César: crises
de epilepsia. É verdade que Julio César também padecia desse mal, mas era a
única semelhança tangível entre os dois césares.
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__ O desembarque
em Salvador (acima, mostrando a estrada em serviço dos primeiros bondes
elétricos, justamente em 1897) das unidades que vieram com o coronel, o 7º de
Infantaria, sob o comando do major Rafael Augusto Cunha Matos, uma bateria do
2º Regimento de Artilharia, comandado pelo capitão José Agostinho Salomão
Rocha, e um esquadrão do 9º de Cavalaria, do capitão Pedreira Franco, no dia 6
de fevereiro de 1897 não se deu sem incidentes. Os estivadores e marinheiros de
outras embarcações foram espancandos para impor-lhes trabalho e mais celeridade
no desembarque dos apetrechos da tropa (2).
__ A “toque de
caixa”, no dia 7 de fevereiro, as tropas já partiam para Queimadas, a 195 km de
Canudos, e de lá, no dia seguinte, o coronel manda um telegrama ao governador
do estado, cujo teor é de uma arrogância tremenda, digna de um adolescente em
fase crítica de autoafirmação: “eu só temo que o fanático Conselheiro não
esteja me esperando em Canudos”. Moreira César exacerbava ainda mais o “já
ganhou”, que pôs a perder Pires Ferreira e Febrônio do Brito.
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Por Angelo
Agostini - Don Quixote, nº 82 (1897), Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37816953
__ Ao núcleo
inicial da expedição, vindo do Rio de Janeiro com Moreira César, foram
adicionados o 16º da cidade de São João d’El Rei, com 318 praças e oficiais,
140 soldados do 33º, além do 9º de Infantaria, sob as ordens do coronel Pedro
Nunes Batista Ferreira Tamarindo (acima), e mais alguns praças da polícia
baiana. No dia 8 toda coluna estava organizada. Eram 1.281 combatentes, 6
canhões Krupp de campanha, 15 milhões de cartuchos, além de um corpo auxiliar
de cinco médicos e farmacêuticos, com as respectivas ambulâncias. De Queimadas,
transformada em 1ª Base de Operações, sob o comando do tenente Hermínio
Pereira, a brigada marchou para Monte Santo, 84 quilômetros à frente, deixando
para trás, a banda de música, praças doentes ou acidentados, além de 70
adolescentes, que foram incorporados ao 7º em Santa Catarina, mas que foram
considerados jovens demais e incapazes de suportar o peso do armamento e da
carga de campanha – Benício reproduz no seu livro um diálogo do major Cunha
Matos, que dá a entender que a incorporação desses meninos não foi feita de
forma regular.
Vistosas fardas de oficiais do exército, em 1894. Excelentes alvos para um bom atirador.
__ Entretanto,
toda a empáfia oficial do coronel, aparentemente não passava da manifestação de
um mecanismo freudiano de defesa, a negação, tanto que o número e a intensidade
dos ataques epilépticos e episódios de alheamento de Moreira César aumentaram
muito, com o início da campanha de Canudos, e como se sabe o estresse é um
fator que favorece muito a essas crises, as quais apontam numa direção: o
coronel travava uma luta intensa contra si mesmo, contra o seu medo natural,
mas não reconhecido, de fracassar, da mesma forma que os outros dois que o
antecederam. Quem relata o seguinte episódio é Cunha Matos, comandante do 7º,
segundo Benício (p 216 ss).
__ No dia 18 de
fevereiro, no trajeto de Queimadas a Monte Santo, na localidade de
Quirinquinquá, Cunha Matos é acordado a 1:00 da madrugada por dois mensageiros,
que lhe diziam estar o coronel estirado à beira da estrada, umas duas léguas
atrás, sofrendo um ataque grave de epilepsia: “cremos que não resistirá”,
disseram. Foi-lhe enviada ajuda médica, mas só ás 8:00 da manhã ele chegou,
muito abatido, embora montado, à vanguarda da tropa. Entrando numa casa,
deitado numa rede, ele convocou para uma reunião a Cunha Matos, os cinco
médicos da tropa e um farmacêutico, e, depois de mandar fechar todas as portas
e janelas, pediu um diagnóstico do que ocorrera, após fazer uma breve descrição
dos sintomas. O chefe dos médicos, Dr Ferreira Nina, diagnosticou uma crise de epilepsia,
mas cometeu a imprudência de relacioná-la com o estresse a que o coronel estava
sofrendo, e que já era uma verdade médica na época. Isso provocou um corte abrupto
e rude do diagnóstico por parte do paciente: “o doutor fique sabendo que eu não
tenho nervos, e tanto assim que eu jamais senti sensação de dor nem de prazer.
Não tenho medo de morrer, nem hei de morrer sem ir a Canudos” (3). O médico lhe retrucou, com cautela,
que não havia homem sem “nervos”, após o qual os outros se manifestaram, dando
o mesmo diagnóstico. Moreira César aproveita para alertar os médicos que,
sempre que ele passasse mal, queria cunha Matos ao seu lado, ignorando a
patente do coronel Tamarindo. Após isso os médicos se retiraram, ficando Cunha
Matos a conversar com Moreira César, quando um menino, filho do dono da casa,
entrou e cochichou no ouvido de Cunha Matos que os médicos queriam falar-lhe. A
reunião aconteceu no alpendre da casa, com a presença dos médicos. O doutor Ferreira
Nina diz-lhe: “major, nós percebemos que o coronel o considera muito e atende,
por isso nós lhe pedimos para convidá-lo a não prosseguir no comando das
forças, visto o seu grave estado de saúde. Os ataques vão se repetir cada vez
mais amiúde...” Cunha Matos retrucou dizendo que o faria, mas só se os médicos
lhe dessem um laudo por escrito, com essa recomendação, devidamente assinado.
Os médicos se recusaram, então Cunha Matos voltou a Moreira César e disse-lhe
que os médicos achavam, como ele, que o coronel estava “vendendo saúde” (4).
__ Após esse
incidente, Moreira César, após ordenar ao batalhão de engenharia fazer um breve
estudo do terreno, leva seus soldados, fortemente municiados, mais uma bateria
de artilharia, com 4 canhões, por uma estrada de 25 léguas (uns 150 km),
passando por Cumbe, Serra Branca e Rosário; uma região árida e desértica, onde
a falta d’água logo se faz sentir. Entre Monte Santo e Cumbe, o coronel tem
dois ataques consecutivos e sérios de epilepsia, que atrasam acentuadamente a
marcha. Em Serra Branca a falta d’água obriga os engenheiros a busca escavar um
poço para tentar encontrar o líquido. Em vão. Trouxeram uma bomba artesiana,
mas não trouxeram um bate-estaca. O descuido, a irresponsabilidade e o
improviso dirigem a expedição. Faz-se uma marcha forçada, à noite, em busca de
água, encontrada no dia seguinte.
__ Queimadas,
como vimos, era a 1ª Base de Operações, Monte Santo se tornou a 2ª, embora uma
mera formalidade, “pois que o seu comandante, o coronel Souza Menezes, do 16º
de Infantaria, havia deixado o seu batalhão na capital da Bahia... por ordem do
coronel Moreira César, e só dispunha em Monte Santo de setenta praças... das
quais apenas 20 estavam aptas para o serviço, por serem as demais doentes e
atropeladas”, (Benício; p 220). O coronel resolveu evitar a estrada do Cambaio,
já percorrida por Febrônio de Brito, escolhendo um caminho mais longo.
__ Um homem doente comandava as tropas, senão veja-se mais esse relato de
Benício: “na véspera do dia fixado [para a saída de Monte Santo], o coronel...
ignora-se porque motivo, mandou formar a coluna em ordem de marcha [como numa
parada, e não em ordem de batalha, se posicionam de maneira diferente, como a
esperar um ataque, num aparente desprezo por um inimigo] e assim também os
comboios... mandou marchar e acampar a meia légua de distância... permitindo
depois aos oficiais que voltassem a Monte Santo para providenciar o transporte
de bagagens ou que as deixassem aí guardadas: alvitre que a maioria adotou,
levando apenas a roupa indispensável” (p 222). Se os conselheiristas tivessem
uma visão mais ampla, segundo Benício, podiam ter atacado e tomado facilmente a
“Base de Operações” de Monte Santo, enquanto o coronel atacava Canudos,
apossando-se de farta munição e suprimento, inclusive uma metralhadora, pegando
a coluna em debandada pela frente. O desastre se tornaria uma grande hecatombe.
__ Depois de uma
longa e penosa marcha, chegaram, no dia 2 de março, a Rancho do Vigário,
distante apenas 21 km de Canudos. No dia seguinte, às 5:00, a brigada levantou
acampamento, com o propósito de acampar em Angicos, 9 km à frente, e aí
descansar, para, no dia seguinte, arremeter
contra o arraial. Às 7:00 da manhã, a coluna é fustigada por jagunços
ocultos na paisagem. Um soldado morre, um alferes fica muito ferido, e o
coronel Moreira César, mais quatro soldados, ficam levemente feridos. Cunha
Matos arremete com o 7º e os atacantes fogem. O fato de estes mirarem o coronel
e um alferes mostra que a tática de guerra dos jagunços não é aleatória, mas
obedece a critérios, lógicos de quem conhece a hierarquia e a dinâmica de uma
organização militar. Uma das características das campanhas finais sobre
Canudos-Belo Monte é o grande número de perda entre os oficiais.
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__ Cunha Matos,
na volta, é elogiado por Moreira César, mas comete a imprudência de alertá-lo:
“não se engane coronel, os jagunços fugiram, mas por tática; estão nos chamando
para o arraial” (p 223). Segundo este, o coronel “magoou-se” com aquela
observação, limitando-se a responder “ora, ora!”. Fosse por isso, fosse porque
o ferimento espicaçara o seu ego imaturo, ele, pouco depois, reuniu os oficiais e
disse-lhes: “Meus camaradas, como todos sabem,estou visivelmente enfermo. Há
muitos dias que quase não me alimento; mas Canudos está muito perto e vamos
tomá-lo” (p 324). Contaminados pelo momento, todos começaram a gritar “viva a
república!”.
__ Mas Moreira
César hesita. Ao chegarem em Angicos, 11:00, ele pergunta ao tenente Domigos
Leite, dos engenheiros, da possibilidade de irem almoçar em Canudos, o tenente
disse-lhe não achar conveniente, e chamou-lhe a tenção para a distância ainda a
percorrer, 12 km, e o cançaso da tropa. Mas nesse mesmo momento ele toma a
decisão de atacar imediatamente Canudos, para evitar que os participantes da
escaramuça anterior cheguem antes dos soldados e avisem aos conselheiristas,
como se estes já não estivessem bem avisados ou preparado inconscientemente a
escaramuça acima. Quanta ingenuidade! Ele não escutou Cunha Matos.
__ Os médicos
pedem tempo para ao menos montarem uma estrutura de atendimento de campanha,
mas ele diz que os médicos a terão nos casebres de Canudos mesmo. Os feridos
são trazidos para a frente de batalha. O coronel então ordena “acelerado”, e os
soldados, esgotados pela longa marcha, vão jogando partes de seu equipamento no
chão, para reduzir o peso, e que ia sendo recolhido pela cavalaria, que vinha
atrás, junto com os soldados esgotados ou machucados, que se deixaram cair pelo
caminho. Era o caos, antes de começar a batalha!
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__ Ao chegar a
Umburanas, o coronel perguntou ao guia da expedição qual era a direção e a
distância para Canudos. Informado de ambas, a distância seria de 3 km, ele
ordena que a artilharia passe penosamente à frente, e dispare dois obuses, a
guisa de “cartão de apresentação”, e instigada a seguir em frente, para
escolher a melhor posição de tiro, se descolando perigosamente do resto da
coluna. Quando chegaram no cume de um morro chamado Favela, a bateria foi, com
era inevitável, atacada por levas de jagunços, obrigando a infantaria que vinha
atrás, já bem cansada, a apertar ainda mais o passo para evitar a perda dos
canhões logo no início do combate. Longe de uma arremetida organizada da
infantaria, o que se viu foi uma correria louca e confusa dos soldados, com
mais de metro de língua para fora, mas suficiente para salvar os canhões e sua
guarnição que já travavam rijo combate com uns 80 conselheiristas, tendo já
desperdiçado a valiosa munição – cada canhão dispunha de 70 disparos.
__ Os canhões,
afinal, se posicionaram numa elevação de terreno, conhecido como Fazenda Velha
de Canudos, a 600 m do arraial, enquanto a infantaria, ao toque dos clarins,
desceu os morros e avançou na direção do Vaza-Barris, para atravessá-lo e
invadir Canudos-Belo Monte, como diz Benício, sem ter havido qualquer reconhecimento
prévio das defesas do inimigo, e sem deixar uma única unidade de reserva ou
proteção para a artilharia. “Descia a infantaria desordenadamente por terreno
pedregoso, caindo os soldados aqui e acolá, uns encima dos outros. Aquém do rio
as cornetas tocaram “carga”, e a infantaria então precipitou-se sobre o rio,
sempre debaixo de vivíssimo e certeiro fogo... As forças atravessavam o rio em
completa confusão, promiscuidade de oficiais e praças de todos os corpos” (p
227).
__ Isso
aconteceu às 14:00, e o ataque foi tão desordenado e abrangente, que abarcou ao
mesmo tempo o centro das defesas dos inimigos, o espaço entre as duas capelas,
as trincheiras mais poderosas, e os dois flancos, que, por muito próximos,
devem ter dado azo a que os soldados se ferissem ou morressem com o “fogo
amigo”. Poucos mais afoitos, ou bravos, entraram no arraial, preferindo a
maioria se abrigar nas barrancas do rio, enquanto aqueles eram massacrados, um
a um, dentro da cidade. O descomando da tropa induzia os soldados a fazer, cada
um, o que bem entendiam. Os que chegaram a entrar na cidade, paravam para
saquear as casas que invadiam, atrás, inclusive, de comida e água, sendo
abatidos ali mesmo. Não havia força de reserva, e nada se podia fazer pelos
atacantes exceto ver até quando aguentariam.
__ Às 16:00
chega, afinal a cavalaria, depois de fazer transporte e aprovisionamento das
cargas abandonadas. Moreira César resolve levá-la pessoalmente, sem
necessidade, ao local onde ele queria que ela agisse, expondo-se propositalmente
ao fogo. Foi atingido, já próximo à bateria de canhões, que trovejava sem
cessar sobre Canudos, sendo levado às pressas para uma casa em ruínas. Estava
mortalmente ferido, mas não sem antes ordenar uma das ações mais bizarras da
história da guerra: uma carga de cavalaria contra Canudos (5). Isso aconteceu entre 16:30 e 17:00. Nesse momento acontece
outro absurdo. Ninguém, nem um único oficial do estado-maior da coluna, se
preocupa em avisar ao coronel Tamarindo,o segundo em comando, o que se passava,
e que fora, até ali, solenemente por Moreira César, e sequer havia sido
informado do plano de batalha (6),
se bem que naquela hora isso muito pouco importasse, pois já reinava a mais absoluta
confusão entre os soldados e as unidades da brigada. Ao ser informado, afinal,
tentou ainda dar alguma organização ao tumulto, mas não conseguiu, seja pelo
estado adiantado de anarquia em que a tropa se encontrava, fosse pelo seu
temperamento muito afável e sossegado.
__ Já anoitecia,
quando soldados e oficiais, cansados e com fome, já que há mais 13 horas não se
alimentavam, e exauridos pelas marchas forçadas sob um sol abrasador, começaram
a recuar, na verdade debandar de suas posições, junto às barrancas do
Vaza-Barris, para se aglomerarem ao redor dos canhões, na maior confusão
possível, incluído aí o pouco que sobrou da cavalaria. Atolados de feridos sedentos,
pela perda de líquidos, que clamavam desesperados por água, que deviam ser
atendidos em meio à falta total de luz... e água! As tentativas de organizar as
unidades da brigada foram inúteis, e fez-se um precário quadrado defensivo ao
redor dos canhões, com todos com o coração na mão. Creio que essa noite ninguém
dormiu, mesmo depois do dia exaustivo que tiveram... Os jagunços pararam de
atirar e foram para as suas orações.
__ Só havia uma
coisa lógica a fazer: bater em reitrada, o que foi decidido “alta noite” (p 231).
Moreira César, ao saber, entrou em frenesi de negação: “disse ele “que era um
ato de covardia; que devia-se dar novo assalto ao arraial, que exigia que esse
seu protesto fosse registrado e que, se sobrevivesse a esse desastre, pediria
sua demissão do serviço do exército” (idem). Na verdade ele sabia que ficaria
desmoralizado e seria motivo de chacota de seus inimigos (quem não os tem?)
dentro do exército. Seja como for o coronel não precisou passar nem por uma
coisa nem pela outra, pois às 4:30 do dia seguinte, do dia 4 de março, ele morreu.
Em meio, quiçá, a um sentimento extremo de vergonha ou de uma sensação
imperdoável de... fracasso. A sua luta pessoal acabara, mas a dos sobreviventes
se agravaria ainda mais.
__ Cunha Matos
afirma que Tamarindo pedira aos oficiais sugestões de como fazer a retirada e
que aquele aconselhara a fazê-la aos poucos, em silêncio, sem chamar a atenção
prematura dos jagunços nem excitar os soldados com o toque de retirada, ficando
ele à frente do 7º, segurando os conselheiristas, enquanto o resto da coluna se
organizava à frente, após o que se tocaria a retirada. Mas Tamarindo, que não
passava de um burocrata, e não tinha experiência de combate, ou em pânico,
receando perder o 7º e um auxiliar do porte de Cunha Matos, não concordou e
ordenou que se tocasse a retirada, antes das unidades estarem organizadas.
Nesse instante, grupos com soldados misturados das diversas unidades, sem
qualquer ordem, começaram a tomar o caminho por onde vieram. Cada um no seu
passo. Eram entre 6:00 e 7:00 da manhã. Os jagunços aproveitaram-se da aurora
para tirotear contra a tropa, que em vão tentava responder, pois lhe faltava
instrução de tiro, treinamento de manobras, transporte de qualidade e...
comando.
__ Os oficiais,
às pressas, organizaram o transporte dos feridos em redes, padiolas, e até
cedendo seus cavalos. Numa padiola, levada por soldados e oficiais ia o corpo
do coronel Moreira César. A artilharia tentava, por meio de disparos
intermitentes, proteger a retirada das tropas, mas sem o apoio da infantaria,
que, à frente, apertava cada vez mais o passo, foi ficando para trás, até
parar. Tamarindo, tenta chamar a vanguarda em apoio à artilharia, e manda tocar
meia volta, mas os soldados não só não obedecem com aceleram a fuga, antes que
fossem obrigados a voltar pra valer. Tamarindo é visto a correr, sozinho, a
cavalo, tentando organizar a vanguarda para vir em apoio à artilharia, em vão.
Nem as ordens bradadas por oficiais armados nem a ameaça de atirar nos
desertores conseguia pará-los, antes aumentava a desordem e a velocidade da
fuga. Um tiro certeiro derruba o coronel do cavalo, e ele morre alí nas Umburanas,
e como já acontecera com seu superior, seu cadáver aí foi abandonado.
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__ Nesse meio
tempo a artilharia é envolvida, dezenas de jagunços ser atiram sobre o que
sobrou da guarnição dos canhões: o capitão José Agostinho Salomão da Rocha, e
mais meia dúzia de soldados, massacrando-os a golpe de facão, enxada, tiros,
etc (lado direito da gravura acima, onde a padiola com o cadáver de Moreira
César aparece envolta por um toldo, no chão, de pé, atirando junto à padiola, o
lendário cabo Roque, que, na verdade fugiu e abandonou o corpo). Os que
transportavam o corpo do comandante, largam a padiola no chão e põem-se a
correr (lado esquerdo da gravura acima). É o pânico. Feridos são despojados, à
força, dos cavalos que montavam para fornecer um transporte mais rápido aos
covardes são. Na debandada os soldados se desfaziam de tudo, até do fardamento,
muitos chegaram seminus a Monte Santo. E, suprema vergonha, segundo Benício, o
número dos jagunços que perseguiam a tropa chegava, quando muito, a duzentos!!
(p 233).
__ Em Monte
Santo, o coronel Souza Menezes, à frente de uma guarnição de 20 soldados, ao
receber as primeiras notícias reuniu seus oficiais resolveu, sem perda de tempo, debandar do
local, levando consigo uma metralhadora, inoperante, por falta de uma guarnição
treinada, além de setenta contos de réis, uma fortuna, que deveria ser gasta em
despesas da campanha, chegando apressado em Queimadas. Ainda assim em Monte
Santo ficara muito mantimento e munição, que os jagunços não tomaram. Depois de
aí se refazerem, os soldados continuaram sua fuga para Queimadas.
__ O montante
das baixas da 3ª Expedição a Canudos: mortos – 3 oficiais e 56 praças; feridos
– 10 oficiais e 120 praças; extraviados – 2 oficiais 18 praças. Portanto ainda
sobravam em torno de uns mil praças e oficiais, fisicamente aptos, para
enfrentar as duas ou três centenas de jagunços que os acossavam! Entre as
perdas devem ser computadas a totalidade da artilharia, a quase totalidade de
modernos fuzis e carabinas levados pelos soldados, assim como sua farta munição
pessoal, tudo cuidadosamente arrolado e tomado pelos conselheiristas, além da
perda dos cadáveres dos dois principais comandantes da tropa.
Epílogo: mais obscuridade, mais sangue e mais
fanatismo
__ Mudanças em
Canudos: a destruição da 3ª Expedição evidenciou algumas alterações na rotina
do arraial. Segundo Manuel Benício, que fez o seu livro baseado no trestemunho
oral de sobreviventes, após a expedição de Febrônio de Brito, o Conselheiro foi
ficando cada vez mais arredio, alheado, isolado em eternas em orações, afstado
da administração direta da comunidade, entregue mais aos seus auxiliares
próximos, principalmente João Abade, que tinha fama de ser, além de muito
valente e hábil estrategista, muito autoritário e temido, além e sensível à
beleza das mulheres, por cuja posse não hesitou em cometer abusos. Esse
processo se agravou após a derrocada de Moreira César.
__ A autoridade
de João Abade talvez explique o caráter cruel e bárbaro, sob uma ótica
estritamente cristã, do tratamento dado aos corpos dos soldados e oficiais
abandonados pela estrada, embora, pela principal característica desse
tratamento: a decapitação e a exposição das cabeças na estrada que ia para
Canudos, se possa ver uma reminiscência do antigo costume tupi de pendurar, à
entrada das tabas os crânios de inimigos recém-devorados, como aviso. A
presença indígena era muito forte no semiárido. É também a partir dessas
mudanças que se deve entender o fim dado a dois prisioneiros que, segundo
Benício, foram feitos pelos conselheiristas: o médico Fortunato Raimundo de
Oliveira e um soldado desconhecido, entegues, pelo Conselheiro, aos cuidados do
terrível Pajeú, para serem entregues, incólumes, em alguma cidade próxima, mas
que foram assassinados e despojados no caminho. Na tomada do cume do Cocorobó,
no início da 4ª expedição, foi encontrada, dentro de um mocó abandonado, uma
carteira de médico cirurgião vazia, com as iniciais Dr. F. R. O. O cadáver do
doutor Raimundo nunca foi encontrado.
__ Ocultação no
Exército: é claro que o desastre deu azo a um minucioso inquérito, levado a
cabo por duas comissões diferentes: a primeira formada pelo genral Olimpio da
Silveira, tenente-coronel Luiz Barbedo e o capitão Alencastro, e a segunda
pelos coronéis Abreu Lima, Soares Wolf e Ricardo Fernandes. Benício é
categórico: “nestes dois processos foi ouvido todo mundo, mas fez-se silêncio
sobre os resultados” (p 241). Silêncio, ao que parece, mantido até hoje, 2016,
de tal sorte que quem quer saber de Canudos deverá recorrer às fontes civis ou
militares, parciais e precárias, por não poder ter acesso às mais volumosas e
abrangentes: os registros oficiais, ocultos pelas forças armadas, da mesma
forma como se dá com os documentos a Guerra do Paraguai. Cunha Matos, sequer
foi ouvido pelas comissões; “pediu, entretanto, duas vezes, conselho de guerra
e... deram-lhe de novo o comando e a organização do 7º Batalhão”(idem).
__ A razão para
isso, pode-se deduzir, de aquela ter sido a mais desonrosa derrota já sofrida
pelo exército brasileiro desde a sua formação, e, podemos dizer, até os dias de
hoje (6), porém, para os camondantes
militares, mais importante que aprender a lição foi evitar o escândalo, pondo
quanto antes uma pedra sobre o acontecido. Manuel Benício, que era um ex-militar
e correspondente de um jornal, por ousar criticar publica e tecnicamente as
medidas de alguns comandantes militares, é imediatamente como que expurgado do
seio da família militar e afastado do teatro de operações. Era proibido
discordar, mesmo do que estava flagrantemente errado,
__ Histeria nas
cidades: a notícia da derrocada tão extravagante de uma expedição tão poderosa
causou uma comoção incomum pelas capitais do país, aonde ainda havia veículos
de comunicação, jornais e revistas, lidos por algumas dúzias de gatos pingados,
capazes de fazer muito barulho, como os gatos geralmente fazem quando estão muito
motivados! Sem poder ter uma noção exata da catástrofe, pois, como vimos, o
exército ocultou o que pode para evitar críticas ao comando, os meios de
comunicação começaram a alastrar pelo país toda sorte de boato alarmista, além
de medidas de resolução do conflito que, para sermos muito generosos, só
poderíamos qualificar como extremamente ridículas. Reproduzamos Euclides da
Cunha.
“Como o da
capital federal, o povo das demais cidades entendeu também deliberar na altura
da situação gravíssima, apoiando todos os atos de energia cívica que praticasse
o governo pela desafronta do Exército e (esta conjunção valia por cem páginas
eloqüentes) da pátria. Decretou-se o luto nacional. Exararam-se votos de pesar
nas atas das sessões municipais mais remotas. Sufragaram-se os mortos em todas
as igrejas. E, dando à tristeza geral a nota supletiva da sanção religiosa, os
arcebispados expediram aos sacerdotes dos dois cleros ordem para dizerem nas
missas a oração Pro pace.
Congregaram-se em toda a linha cidadãos ativos, aquartelando. Ressurgiram
batalhões, o "Tiradentes", o "Benjamim Constant", o
"Acadêmico" e o "Frei Caneca", feitos de veteranos já
endurados ao fogo da revolta anterior, da Armada; enquanto agremiando patriotas
de todos os matizes formavam-se outros, o "Deodoro", o "Silva
Jardim", o "Moreira César"... Não bastava”
“No
quartel-general do Exército abriram-se inscrições para o preenchimento dos
claros de diversos corpos. O presidente da República declarou, em caso extremo,
chamar às armas os próprios deputados do Congresso federal, e, num ímpeto de
lirismo patriótico, o vice-presidente [que era médico e escritor] escreveu ao
Clube Militar propondo-se valentemente cingir o sabre vingador. Fervilhavam
planos geniais, idéias raras, incomparáveis. Engenheiros ilustres apresentavam
o traçado de um milagre de engenharia — uma estrada de ferro de Vila Nova a
Monte Santo, saltando por cima de Itiúba, e feita em trinta dias... [o desvario
dessas medidas aparece ainda mais clamoroso, quando sabemos que o país, por
obra do encilhamento, estava literalmente falido, prestes a ter que suspender
seu comércio exterior, por falta de crédito]” (Os sertões copiado do
Wikisource)
__ A boataria,
proposital ou inconsciente, chegava aos mais absurdos delírios:
“Diziam-no informes surpreendedores: aquilo não era um arraial
de bandidos truculentos apenas. Lá existiam homens de raro valor — entre os
quais se nomeavam conhecidos oficiais do Exército e da Armada, foragidos desde
a revolta de setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.”
“Garantia-se:
um dos chefes do reduto era um engenheiro italiano habilíssimo, adestrado
talvez nos polígonos bravios da Abissínia. Expunham-se detalhes
extraordinários: havia no arraial tanta gente que tendo desertado cerca de
setecentos só lhes deram pela falta muitos dias depois. E sucessivas,
impiedosas, novas notícias acumulavam-se sobre o fardo extenuador de
apreensões, premindo as almas comovidas. Assim, estavam já expugnadas pelos
jagunços Monte Santo, Cumbe, Maçacará e, talvez, Jeremoabo. As hordas
invasoras, depois de saquearem aquelas vilas, marchavam convergentes para o
sul, reorganizando-se no Tucano, de onde, acrescidas de novos contingentes,
demandavam o litoral, avançando sobre a capital da Bahia...”
“Em
Juazeiro, no Ceará, um heresiarca sinistro, o padre Cícero, conglobava
multidões de novos cismáticos em prol do Conselheiro. Em Pernambuco, um maníaco,
José Guedes, surpreendia as autoridades, que o interrogavam, com a altaneria
estóica de um profeta. Em Minas, um quadrilheiro desempenado, João Brandão,
destroçava escoltas e embrenhava-se no alto sertão do São Francisco, tangendo
cargueiros ajoujados de espingardas” (idem).
__ Por trás
desse plano articulado e abrangente de enfrentamento em larga escala da
república estavam os monarquistas, quiçá articulados com grupos estrangeiros e
à própria família imperial, que amargava exílio na Europa. Grupos radicais de
republicanos, em especial os florianistas e aqueles ligados ao jornal
ultrarrepublicano O Jacobino, começaram a empastelar jornais simpatizantes, ou
suspeitos de simpatizar com a monarquia. Ente os empasteladores muitos oficiais
do exército, e até agentes de polícia, disfarçados, ante a indiferença ou impotênciadas
autoridades responsáveis pela segurança pública. Pessoas começam a ser feridas
nesses tumultos, principalmente na capital federal, onde, por exemplo, jornais
repercutiam as notícias mais absurdas, como aconteceu com o jornal a República,
que acusou um conhecido monarquista e concorrente comercial, Gentil de Castro,
de estar remetendo armas para Canudos. Resultado: os três jornais de Gentil de
Castro foram empastelados.
__
No dia 9 de março Gentil de Castro desceu de Petrópolis, ao Rio de Janeiro,
para verificar os danos. À tarde, quando estava na estação ferroviária São
Francisco Xavier, esperando o trem que o levaria para casa, viu-se,
repentinamente cercado por um grupo hostil de militares
(Benício-Azevedo; p 24). Há bate boca, hostilidade mútua, e um dos militares, sacando
uma arma, abate o coronel Gentil de Castro, desarmado, ali mesmo. Seu corpo
fica lá, impune, estirado no chão da estação ferroviária, avisando aos
brasileiros o que podem esperar de um regime dominado por militares. Esse grupo
tentou ainda linchar o Visconde de Ouro Preto e seu filho, que se encontravam
no trem, e que escaparam por pouco, se escondendo nas casas de um cortiço
próximo.
__ As paixões e a
agressividade criam asas, e até jornais favoráveis ao presidente Prudente de
Morais, visto por florianistas e jacobinos como fraco e inimigo de Floriano,
são empastelados, e se Prudente não tomasse imediatamente medidas duras e
firmes contra os ocnselheiristas, corria o risco de ele mesmo acabar sendo
linchado como Gentil de Castro.
__ Fecho esse artigo com a
descrição pormenorizada, chocante, mas genial em sua forma, que Euclides da
Cunha dá ao destino dos cadáveres dos militares abatidos entre 3-4 de março. Fato
impressionante e cruel, e que definirá o caráter da destruição final de
Canudos-Belo Monte e a sede de vingança irrefreável da 4ª Expedição.
“Concluídas as pesquisas nos
arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os
cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os
corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente
espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos
marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs
multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas,
cantis e mochilas...
A catinga, mirrada e nua, apareceu repentinamente
desabrochando numa florescência extravagantemente colorida no vermelho forte
das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos
talins e estribos oscilantes...
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4BX_60tzjj6yev5Mugr0miaahnkMSW-j-O5K4cT_UfxEKpovWwS43DYVesI5M94NYdQhcz26qGSQu6eYJ0w5yOcDKfy2rtT6JwqdndIkrYmhLxGIw0vUQXBLbZu7v7g5q3HA7vHsv99s/s400/corta+cabecas.jpg
http://ozamirlima.blogspot.com.br/
Um pormenor doloroso completou esta encenação
cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o
corpo do coronel Tamarindo (acima).
Era assombroso... Como um manequim terrivelmente
lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do
vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão
demoníaca.
Ali permaneceu longo tempo...
Quando, três meses mais tarde, novos
expedicionários seguiam para Canudos, depararam ainda o mesmo cenário: renques
de caveiras branqueando as orlas do caminho, rodeadas de velhos trapos,
esgarçados nos ramos dos arbustos e, de uma banda — mudo protagonista de um drama
formidável — o espectro do velho comandante...” Não haveria, em absoluto,
qualquer contemporização ou piedade para Canudos.
Notas
(1) Febrônio de
Brito, em seu relatório sobre o combate da lagoa do Cipó ou Tabuleirinho diz
que “as [tropas] avançadas de toda a coluna foram envolvidas por número
superior a 4 mil canibais [sic!]. Nunca vimos, eu e os meus bravos camaradas,
tanta ferocidade. Vinham morrer como panteras” (Benício; p 205)!!! Se foram
mesmo 4 mil, com a fúria que vinham, como explicar que a coluna tenha tido,
relativamente, tão poucas baixas? O inchaço desmesurado dos números e o exagero
retórico na descrição dos fatos serão característicos dessa campanha.
(2) O major
Cunha Matos, em carta ao Jornal do Comércio, negou esses dois incidentes, mas
convenhamos: Cunha Matos era parte interessada.
(3) Pesando bem
essas palavras, só podemos chegar a uma conclusão: este homem é um completo
desequilibrado, um obcecado, que desconhece completamente a natureza humana, a
si próprio e os outros, noutras palavras, uma pessoa absurdamente inepta para a
tarefa que se lhe foi proposta. Ao dizer e acreditar que desconhecia o medo,
Moreira César perdia a oportunidade de buscar lenitivo para o seu estresse,
como o fez, sabiamente, o César romano, que, fora do campo de batalha, se
cercava de luxo, festas e mulheres, com as quais apaziguava seus nervos e se
preparava para a próxima empreitada. Que fazer se o nosso César preferia
acreditar que não tinha “nervo”, que não possuía afetividade? Podemos conceber
que Moreira César não tinha, de fato, medo de morrer, mas e o medo natural de
fracassar? Os seus excessos apontam fortemente nesta direção. A propósito;
segundo Benício, os ataques de epilepsia de Moreira César começaram em Santa
Catarina. Ele não saiu completamente imune do banho de sangue que lá causou.
(4) Vê-se,
claramente, que os médicos, com medo do temperamento e das atitudes
inesperadas, quase sempre violentas, do coronel, jogavam Cunha Matos numa
armadilha, entregando a ele, que era leigo, a responsabilidade de, por sua
conta, apresentar a melhor forma de tratamento para o coronel, enfrentando,
sozinho, a ira deste. Cunha Matos, entretanto, mentiu exageradamente ao dizer
que tanto ele quanto os médicos achavam que o coronel “vendia saúde”, tornando-se
tão cúmplice do desastre da coluna quanto os covardes esculápios.
(5) Desde que a
cavalaria começou a existir, que ninguém nunca ordenou uma carga de cavalaria
contra uma cidade com casas dipostas em ruas minimamente organizadas, uma vez
que nesse meio o cavaleiro se torna um alvo espetacular, sem possibilidade de
ripostar adequadamente aos seus inimigos, dispostos em diversos níveis,
inclusive nos telhados, aonde o cavalo não vai, sem falar da dificuldade de
agrupar, uma vez que o traçado das ruas favorece à dispersão do ataque.
(6) A guisa de
comparação tome-se, por exemplo, o célebre episódio da Retirada da Laguna, de
1867, quando uma força quase idêntica à de Moreira César, eram uns 1.600
homens, sem cavalaria, sem mantimentos e munição adequados, tendo que cobrir
uma distância muito maior, a enfrentar forças de um exército que era reputado
como o melhor da América do Sul, provido este de cavalaria, enfrentando uma
epidemia de varíola devastadora no seu interior, e ainda assim retornou em
ordem, com toda a sua artilharia salva. Seus comandantes, que também eram
coronéis, morreram de doença e foram sepultados com honra, e hoje se sabe aonde
jazem,
Bibliografia
Benício, Manuel; O rei dos jagunços – Chronica historica e de
costumes sertanejos sobre os acontecimentos de Canudos; Jornal do
Commercio; 1899; Rio de Janeiro. PDF
Benício, Manuel – Azevedo, Silvia M; “O rei dos jagunços
de Manuel Benício: ente a ficção e a história; EDUSP; 2003; (books google –
online)
Calasans, José; Antonio conselheiro e os escravos; PDF
(1)
_____ ; A
vida de Antonio Vicente Mendes Maciel (1830-1897); PDF (2)
_____ ; No
tempo de Antonio Conselheiro: figuras e fatos da campanha de Canudos –
coletânea de textos do autor; PDF (3)
_______ ;
Relatório de Frei João Evangelista; PDF (4)
Câmara, Fernando; Conselheiro e o Centenário de Canudos –
palestra pronunciada na Federação das Associações Comunitárias de Quixeramobim,
no dia 22 de outubro de 1993, durante a 1ª semana comunitária em homenagem à
instalação de Canudos; 1993; PDF
_____ ; Carta
Mensal do Colegio Brasileiro de Genealogia, Genealogia de Antonio Conselheiro,
ano VIII, Nº 46, out-dez de 1997; PDF
Cunha, Cândida P. da – Blaj, Ilana; A urbanização em Canudos ocmo
decorrência da necessidade de defesa; Anais do VII Simpósio Nacional dos
Professores Universitários de História – A cidade e a história; vol I; Revista
de História; São Paulo; 1974; PDF
Cunha, Euclides da; Os sertões; Wikisource
(online)
diarioperdidocanudos.blogspot.com.br; O diário perdido do coronel
antonio Moreira César (online)
Dobroruka, Vicente; Antonio Conselheiro o profeta do
sertão; PDF
Facó, Rui; Cangaceiros e fanáticos – gênese e lutas;
PDF
Galvão, Walnice N.; Viver e morrer em Belo Monte; Revista de
História da Biblioteca Nacional; 1/12/2014; online
História Viva; A tragédia de Desterro (http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_tragedia_de_desterro.html).
Moita, Sandro T.; Todos perdemos; Revista de História da
Biblioteca Nacional; 1/12/2004; (online).
Nobre, Edianne S. – Alexandre, Jucieldo F.; Missão abreviada: práticas e lugares do bem
morrer na literatura espiritual portuguesa da segunda metade do século XIX;
Revista Brasileira de História das Religiões, ANPHU; Ano IV; Nº 10; maio 2011.
PDF
Novais Filho, Joaquim A.; Antonio Conselheiro na mira da imprensa baiana (1876-1897);
UESB-Fapesb/Bahia; PDF
Vianna, Luiz; Mensagem do Dr. Governador da Bahia ao
Senhor Presidente da República sobre os antecedentes e consequências das
expedições contra Antonio Conselheiro e seus sequazes; Typographia do
Correio de Noticias; 1897; PDF
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