sábado, 30 de julho de 2016

KALEVALA (1849) ONDE COMEÇA A FINLÂNDIA

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos da Rússia, Brasil, EUA, França. Deus os abençoe.

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__ Como um povo especifico, uma nação, com costumes e língua próprios, os finlandeses existem a milhares de anos. Porém, vivendo em comunidades autônomas, espalhadas pela Península da Escandinávia, não lograram constituir um estado, sendo obrigados a sujeitar-se ao domínio de outros povos; suecos e russos. Como um país independente a Finlândia só começará a sua história a partir de 1918, quando se separará da Rússia, após uma traumática guerra civil.

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__ Entretanto, antes de sua independência política, os finlandeses se inventaram enquanto povo, se unificaram culturalmente, a partir de um mito, que explicitou de uma forma concreta, o que é ser um finlandês. Essa invenção é fruto do trabalho de um homem em especial: o médico, botânico, filólogo e poeta Elias Lönnrot (1802-1884), assim como Homero foi o inventor da Grécia e do pensamento ocidental. Muito pobre, como pobre era a existência da maioria do povo finlandês na época – a região em que os fineses (finlandês étnico) moravam, e ainda moram, não era propícia à grande agricultura nem dispunha de jazidas de metais precisos abundantes. A sua única riqueza era a gente morando lá, e aparentemente foi isso que Lönnrot (acima), um homem profundamente humanitário e preocupado com a sorte desse povo, percebeu e pôs-se a promover, coletando pacientemente canções e narrativas diversas da cultura popular nas mais, remotas comunidades finesas onde conseguiu chegar.
__ Do material coletado, Lönnrot fez uma compilação, e, a partir de invariantes que ele percebeu e adendos que ele mesmo fabricou, adicionando alguns versos para fazer ligação entre os personagens e os eventos, até criar uma história de aventuras lendário-mitológicas oriundas do imaginário finês, na forma de um épico, como a Ilíada de Homero, chamada Kalevala. Ele lançou a primeira edição, em 1835, melhorou-a e ampliou e lançou outra, em 1849, que contém o texto definitivo que se lê até hoje, com 22.795 versos.
__ O sentido da palavra Kalevala é discutido. Quer dizer literalmente “casa de Kaleva”, onde Kaleva é um antigo governante mitológico, pai de vários heróis, como os semideuses gregos, cujas proezas os povos da Escandinávia cantam desde as mais remotas épocas. Noutra interpretação Kalevala é a representação do mundo pagão em contraposição ao cristianismo, que gradualmente se impõe, e de uma certa forma desloca a essência natural dos finlandeses em prol de outra trazida por povos estrangeiros, suecos e russos, que aderiram ao cristianismo antes e o impõem aos fineses. Aproximando-se de seu passado pagão, os finlandeses recuperam e reconhecem a sua origem mais remota, pagando sua dívida de existência para com os antepassados, ao mesmo tempo que afirmam mais fortemente, com razões até de caráter cronológico, o seu direito ao status de nação independente, e dizem ao mundo: “é assim que nós somos”.

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__ O personagem mais importante do kalevala é Vänämöinen, filho da deusa Ilmatar, a deusa dos ares – o seu nome quer dizer “filha do ar” – uma das divindades primordiais da mitologia finesa (acima). Diz a lenda que, cansada de sua solidão, Ilmatar se deixa acariciar pelas águas do mar sendo então fecundada pelo vento do leste, engravidando de Vänämöinen, que permanece no seu seio por 700 anos, colocando no chinelo a proverbial lentidão baiana. Para ajudá-la nessa gestação tão difícil e enfadonha, uma pata faz um ninho em seus joelhos e aí põe seis ovos de ouro e um de ferro, que, em um movimento brusco da deusa, caem no mar e se quebram e de suas partes se formam a terra, o sol, a lua, as nuvens, etc. Trinta anos depois da conclusão desse trabalho, nasce-lhe, afinal, o filho.

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__ Vänämöinen nasceu já velho, mas cheio de atributos. A sua voz é poderosa e seu canto tem poderes mágicos – encanta até os animais (acima) – sem falar que é dotado de uma sabedoria invulgar (também pudera, passara 730 anos pensando na vida, no útero da mãe), e leva uma vida sossegada enquanto cresce o seu renome de poeta e sábio por toda a terra,  embora lhe faltasse uma coisa pela qual os jovens adolescentes com menos de 730 anos vivem a subir às paredes: uma garota. Apareceu-lhe então uma oportunidade de uma maneira inesperada.
__ Da Lapônia desceu um jovem feiticeiro, cheio de marra, como quase sempre o são os jovem, chamado Joukahainen, disposto a medir forças com o famoso e tarimbado cantor mágico de Kalevala. Não deu para o caldo, e foi, por obra da palavra mágica de Vänämöinen, lançado a um pântano onde começou a afundar. Desesperado começou a oferecer tudo que trouxera, para o rival o livrar daquela situação, em vão, até que fez aquilo que alguns os irmãos fazem quando estão em apuros... jogam a irmã no fogo, e prometeu ao rival a mão de sua irmã, Aino. Vänämöinen não pensou duas vezes e aceitou a oferta.

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__ Joukahainen e sua mãe encheram a irmã de alegria ao revelar-lhe que a havia dado em casamento, e ela, tão doce, sonhadora e carregada graça natural da juventude, começou a sonhar, com o futuro marido, um poeta famoso, em sua casa cheia de crianças, e assim ficou até ser surpreendida pelo chamado de Vänämöinen, às suas costas (acima). Então ela se dá conta que o seu futuro como mãe de vários filhos seria substituído pelo de enfermeira de um velho várias vezes centenário. Não houve “química” entre eles.

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__ Desesperada ela passa dois dias chorando em casa e no terceiro corre até uma pedras à beira mar, onde põe-se a chorar sua desdita, e em meio a confusão de pensamentos e sonhos frustrados, Aino toma uma atitude extrema: se arroja ao mar, esperando tornar-se um espírito das águas.

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__ Triste, Vänämöinen vai pescar, e lhe ocorre de pegar um peixe estranho que, ele, abismado resolve examiná-lo por dentro, ao invés de contemplá-lo em sua estranha beleza, mas o peixe escapa-lhe de entre os dedos e cai na água, onde aparece na figura da bela Aino, a dizer-lhe que veio para ser sua companheira, e não ser feita em pedaços, e que ele nunca mais a verá, desaparecendo em seguida. O velho ficou maluco, jogou rede, procurou o ralo por onde escoar o mar; em vão. Aprenda, velho sábio: desgraça pouca é bobagem, quando tem alguém querendo chutar não adianta o cachorro fingir-se de morto.
__ A sabedoria é uma coisa boa, o sábio é muito amado e gabado na conversa das pessoas, mas a sabedoria é também uma virtude solitária, que leva à solidão, pois o vulgo tem uma relação ambígua com ela. Admiram-na e a temem igualmente. A primeira virtude do sábio é se preparar para a solidão. A sabedoria do homem, enquanto racionalidade pura, esvai-se diante da graça da mulher, enquanto intuição pura ou um outro tipo de sabedoria, ligada a outros interesses, capaz de subverter a sabedoria dos homens, desde Adão e Eva. Isso Vänämöinen não foi capaz de perceber, e ainda agravou-o ao buscar uma companheira muito mais jovem. “Para cavalo velho o remédio é capim novo”, diz o aforismo sertanejo, mas esse capim, no velho pangaré finlandês, causou uma tremenda indigestão e de quebra uma depressão, da qual ele se curou pelas palavras de sua mãe, a deusa Ilmatar, lembrando-lhe que em Pohjola havia muita garota bonita.

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By Akseli Gallen-Kallela - Scanned from a book: Eija Kämäräinen, Akseli Gallen-Kallela – Katsoin outoja unia, p. 81. WSOY, 2005. ISBN 951-0-19217-1., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3704863
__ Refeito por essas palavras, Vänämöinen, montado em um alce ou caribu, se dirije a Pohjola – que geograficamente corresponde ao norte, à Lapônia, ao Círculo Polar Ártico, alegoricamente associado às trevas, ao frio e ao mal, mas estava valendo tudo para encontrar um “cobertor de orelhas” novinha em folha. No caminho porém, ele foi visto por Jukahainen, que morava lá perto, e este, tomado pelo ódio que votava ao rival, que o derrotara tão fragorosamente e provocara a morte da irmã, armou-se com uma besta e, apesar dos rogos da mãe, foi emboscar Vänämöinen (acima). Ele bem que mirou, mas acertou a montaria de outro, que ficou á deriva no borrascoso mar de Pohjola.
__ Vänämöinen é salvo por uma águia, que o leva à terra seca de Pohjola, onde é acolhido pela terrível rainha feiticeira do lugar: Louhi, que tem a rara habilidade de mudar de forma como e quando quiser. Ao saber do motivo da vinda dele, Louhi diz-lhe que lhe cederá uma de suas belas filhas, desde que ele fabrique um instrumento mágico chamado sampo. Vänämöinen diz que não sabe construir, mas conhece um ferreiro, Ilmarinen, que pode fazer, e recebe então um trenó com montaria, para ir atré Kalevala buscar o ferreiro. com a promessa de que se este for bem sucedido terá a mão da mais bela das filhas de Louhi.

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__ Ilmarinen, entretanto, era realista, um homem prático, e se recusa a ir tão longe só por causa de uma mulher. Mas Vänämöinen, preso por juramento a Louhi, inventa mentiras maravilhosas sobre Pohjola e, afinal, convence Ilmarinen a ir com ele para o norte, onde forja o sampo. Porém, na hora de voltar a Kalevala com sua noiva prometida, esta se recusa a deixar o escuro reino de sua mãe, e Ilmarinen volta de mãos abanando. Olhando para Vänämöinen com cara de fera.

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__ Nesse momento começa o ciclo de Lemminkäinen, o Don Juan do ártico, que levava uma vida de inveterado namorador, sobrando para ele o que tanto faltava a Vänämöinen, mesmo porque um jovem louco, mas saudável, é, bem mais atraente, aos brotos, que um sábio alquebrado. C’est la guerre! Até que um dia ele se sente profundamente enamorado por uma jovem bela e festeira, Kyllikki, por cuja atenção ele se submete a situações muito humilhantes, até que a rapta de uma festa e, após se comprometerem mutuamente, ele de não ir mais à guerra, ela a não mais dançar nas festas públicas, deram inicio a um casamento “burguês”.
__ No início tudo era bom, o amor é lindo, até que veio o enfado natural da rotina, e um dia, por causa do atraso da chegada do esposo, ela sai para um baile na aldeia. Os dois  descumpriram a palavra dada e Lemminkäinen, furioso, decide partir para mais uma guerra contra a gente e os monstros de Pohjola, que já estavam a atacar Kalevala, como quem busca novas aventuras juvenis.

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__ Sua intervenção na guerra garante uma fácil vitória, e ele se enche de tal empáfia que, até poupa um soldado de Pohjola, que lhe pareceu um mísero pastor, e vai tentar a sorte com uma das filhas Louhi, que, espertamente, propõe-lhe uma missão letal: matar o cisne negro de Tuonela, para ter a mão de uma de suas filhas. Lemminkäinen vai até o refúgio do cisne negro e é morto por uma serpente do mar, invocada justamente pelo pastor que ele desprezara na batalha, e é posteriormente esquartejado. Alertada sobre a desgraça de seu filho, a mãe de Limminkäinen, sai a sua procura de seus pedaços, junta-os e com a ajuda de uma abelha os traz a vida. Tem uma séria conversa com ele sobre a necessidade de ele começar a agir como um adulto, como um chefe de família, e o leva para casa.
__ Novamente Vänämöinen e Ilmarinen tomam rumo a Pohjola, na intenção desposar alguma das belas filhas de Louhi – o fogo de Vänämöinen é interminável, é como “vei macho” do sertão – e ela sugere à filha que escolha o velho e poderoso sábio, mas a moça prefere o ferreiro, não tão poderoso, mas bem mais jovem, bonitinho e forte. Louhi, não se dá por vencida e propõe tarefas bem difícieis para Ilmarinen, que delas se desincumbe com a ajuda da noiva (sem a sogra saber). Por fim Ilmarienen se casa e só resta ao rival voltar sozinho para casa e alertar aos outros velhos que não disputem com homens mais moços, o coração de uma jovem. Sábio conselho!

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__ Há uma bela festa de casamento, mas a noiva, lembrando-se que deverá abandonar a casa materna e ir para uma terra estranha, deixa-se começa a chorar, sendo então consolada e aconselhada bela e experiente Osmotar. Eis os conselhos de Osmotar, para a noiva e as mulheres de Kalevala (acima):
* Assumir as tarefas domésticas.
* Ser sempre educada e côrtes, com os sogros, mesmo quando a recíproca não for verdadeira.
* Cuidar da criação da família, administrar os empregados e manter o marido satisfeito (ela engravida e ele fica obeso).
* Separar a lenha da sauna e cumprimentar estranhos na rua de forma adequada.
* Não falar mal de ninguém (fofoca!) quando estiver em casa alheia.


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__ Alguns marmanjos também aconselham a Ilmarinen, e aos homens de Kalevala (acima):
* Deve-se permitir-lhe certas liberdades (as mulheres, em geral, brincam de uma forma diferente dos homens; há mais proximidade e toques) e não entristecer a noiva.
* a esposa não deve ser tratada como servo ou empregada, e deve-se dar-lhe total liberdade dentro de casa.
* Nunca deve falar-lhe ou tratar-lhe com desprezo.
* O homem não deve jamais bater na sua mulher, como se ela fosse uma escrava, nem permitir que seus parentes o façam, a não ser que ela seja uma desobediente contumaz, e nunca na frente dos outros, para não humilha-la (a lei “Maria da Penha” ainda não era conhecido na Finlândia).
__ O casal, enfim, chega a Kalevala e a família do noivo faz outra festa de casamento, desta vez com a presença britânica do bardo Vänämöinen, que cantou alegres canções aos noivos e convivas.
__ Lemminkäinen fica furioso por não ter sido convidado para o casório e resolve ir a Pohjola, para tirar satisfações com Louhi. A luta é dura, e Lemminkäinen é obrigado a fugir. Nesse meio tempo as tropas de Pohjola arrasam a sua aldeia e só a sua mãe se salva. Lemminkäinen, a encontra, refugiada em um bosque, e mais uma vez lhe promete ficar em casa, não mais se meter em confusão. Após isso, a narrativa se foca no anti-herói de Kalevala. O barra pesada Kullervo.
__ Kullervo é filho da única sobrevivente do povo de seu avô, exterminado pelo povo do seu irmão Untamo, tio-avô de Kullervo, que toma o menino para si. Pensando que sua família fora exterminada, Kullervo alimenta compulsivamente desejos de vingança, tornando-se assassino desde tenra idade. Posto para tomar conta de uma criança, ele a mata. Untamo, vendo que não pode mata-lo por causa de seus poderes mágicos, o vende como escravo para o ferreiro Ilmarinen, onde trabalha como pastor (a escravização de crianças foi um fato comum na Finlândia até o século XX).

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__ A mulher de Ilmarinen, entretanto, é tocada pela postura provocativa e rebelde de Kullervo, ela também é da estirpe da gente difícil de Pohjola, e resolve dobrá-lo pela dor da humilhação. Certo dia manda Kullervo pastorear o gado da família e põe, no meio de seu lanche, uma pedra. Ora, ao cortar seu lanche Kullervo quebra a sua faca na pedra e percebe o embuste. Ele se enfurece mais ainda porque aquela faca era a única lembrança que ele tinha de sua finada família e resolve se vingar, induzindo, por meio de magia, o rebanho sob seus cuidados a entrar na floresta, onde é devorado por ursos e lobos, que ele hipnotiza, e faz segui-lo até a casa de sua dona. Esta, quando olha para aquela manada de feras, só vê vacas e ovelhas e tenta ordenha-las, sendo mortalmente atacada. Ela clama por socorro a Kullervo, mas ele ri da situação, e foge para a flroesta.
__ Na floresta, em desespero, ele clama aos deuses e uma divindade, a Donzela da Floresta (acima), lhe revela que, na verdade, sua família imediata na fora morta, sua mãe, Untamala, se submetera na última hora ao cunhado e fora poupada junto com outros filhos. Cheio de esperanças Kullervo parte ao seu encontro, o que de fato acontece, após três dias de caminhada, já na fronteira de Pohjola. Porém, fica sabendo que uma de suas irmãs saíra para colher frutos na floresta e desaparecera.
__ A busca se revela infrutífera mas a presença de Kullervo é um desastre. Seu espírito, contaminado por anos de profundo ressentimento, não é persistente em empreitadas para o bem e ele torna-se um desadaptado, até que o pai lhe envia à aldeia para pagar um imposto, na volta ele se encanta por uma jovem muito pobre, e a estupra. Enquanto ela traça um relato de sua desdita, ele descobre que aquela era a sua irmã que perdera-se na mata (na história, muitas jovens camponesas finlandesas pobres foram abusadas por seus senhores suecos, russos ou finlandeses ricos, seus irmãos de nação). Traumatizada ela se mata. Kullervo também quer se matar, mas a mãe recomenda-lhe que parte em exílio, mas ele aproveita para se vingar dos males sofridos pelo povo de sua aldeia no passado e vai à desforra com Untamo.

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__ Seus familiares lhe imploram que não vá à guerra, recuse-se à vingança, mas ele não os ouve, nem aos mensageiros enviados pela família, para lhe anunciar a morte, um por um, de seus parentes ainda vivos, certamente por desgosto. Chegando ao povoado de Untamo, ele, usando de uma espada mágica dada pelo deus Ukko, destrói tudo e mata a todos, e volta para a sua família, mas ao chegar encontra a casa vazia; só restara o cachorrinho de sua mãe. Ele cai em si, e toma consciência do enorme erro que cometera, talvez por toda a sua vida, e se retira para a floresta, onde, enlouquecido, põe-se a falar com a sua espada, perguntando-lhe se ela beberia do seu sangue, e ela lhe responde “estou sempre pronta para beber sangue”. Ele se atira sobre a espada.

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__ Logo adiante o Kalevala diz: “Ao saber do que acontecera com Kullervo, Vänämöinen proferiu essas palavras de antiga sabedoria: “Oh vós, das muitas nações que ainda não nasceram! Nunca alimentem com o mal os vossos filhos. Nunca os deem a estranhos. Nunca os confiem aos cuidados de um tolo. Se a criança não é bem nutrida, afagada e estimulada, embora cresça no tempo de sua maturidade, e tenha um corpo forte e bem torneado, ela não adquirirá princípios morais, não se alimentará do pão da honra e nunca beberá no cálice da sabedoria”. Falou bem!

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__ Ilmarinen, como vimos, ficou no prejuízo. Tivera tanto trabalho para conseguir a sua esposinha, e perdeu-a para as feras. Resolveu então, como Pigmalião, fundir uma mulher de ouro e prata casar com ela (os japoneses ainda não tinham inventado suas bonecas de silicone). De noite, enquanto a superfície da estátua ainda estava quentinha, foi bom, mas de manhã ele estranhou a frieza de corpo dela e o seu silêncio obstinado. Recorreu a Vänämöinen, que depois de chama-lo de “mané” pra baixo, mandou-o ir atrás de uma mulher de verdade. Tem cada guabiru nesse mundo! Ele vai de novo a Pohjola atrás de noiva.
__ E as mulheres de Kalevala? Deveriam até ser mais abundantes! Mas não é bem assim. Durante séculos mercadores de escravos compravam ou sequestravam muitas mulheres finlandesas, principalmente meninas, para venderem aos ricos harens de turcos e árabes, e a outros povos vizinhos, a peso de ouro. Ilmarinen vai a Pohjola, e ante a recusa de Louhi em ceder-lhe uma filha ele sequestra uma delas contra sua vontade, mas quando ele para para descansar, ela foge com outro homem, e ele retorna sozinho para casa – depois ele foi dar um mergulho num lago congelado... Oh, desgraça!

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__ Mas surgiu-lhe uma oportunidade de se vingar da antiga-quase-futura sogra, quando foi convidado por Vänämöinen, para ir a Pohjola, a fim de pegar o sampo emprestado, para ajudar a soerguer Kalevala, uma vez que o sampo estava deixando Pohjola muito rico. Para isso, eles resolveram juntar todas as forças possíveis, convidando Lemminkäinen a ir com eles e foram os três para o extremo norte, que nem os argonautas da mitologia grega – o sampo era uma espécie de moinho que as pessoas, ao girarem a sua manivela, viam sair por três canaletas grãos, sal e ouro.
__ Entretanto Louhi, a dona do sampo, faz jogo duro e se recusa e emprestá-lo. Vänämöinen diz-lhe então que vai leva-lo na marra. Louhi convoca, aos gritos os seus soldados, mas o bardo, pegando da sua lira, põe-se a tocar colocando a todos os inimigos em um sono profundo. Logo depois ele tomam o barco em que vieram e começaram o seu retorno. Mas como nada é fácil nessas sagas, Lemminkäinen pede para Vänämöinen cantar algo, mas este se recusa, e aquele resolve arriscar o seus dotes de cantor de banheiro. Sua voz de taquara assusta um grou que passava, e este, aos berros, imaginando Deus sabe la o quê, voou para Pohjola, acordando todo mundo. Quando Louhi descobre que o sampo foi roubado lança feitiços e feras do mar contra os heróis, quase os matando, até que vai ela própria, com a sua armada atrás dos ladrões.

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__ Vänämöinen, cria uma onda gigante e afunda a esquadra da bruxa, mas ela, transformando-se numa águia gigantesca, abate-se sobre o navio dele, transportando no dorso alguns de seus soldados (acima). Há uma luta feroz no barco e Louhi é derrotada, mas o sampo queda-se quebrado. A bruxa se afasta chorando, enquanto profetiza desgraças para Kalevala. Vänämöinen junta os pedaços do sampo, e se ele não é mais capaz de produzir metais precisoso, pelo menos é capaz de fornecer grãos em abundância e Kaleva conhece um ciclo de prosperidade. Louhi ainda tenta, com magia, acabar com essa alegria, mas é vencida pelos heróis.

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__ Após isso uma jovem muito virtuosa, chamada Marjatta (acima), sonhando com um casamento, vai à floresta e ouve uma pequena fruta chorando, por ninguém querer comê-la. Marjatta a come e fica grávida. Incompreendida é repudiada pela família, mas é acudida por sua serva Piltti. Sem abrigo, ela é obrigada a dar a luz em um estábulo frio, onde há um cavalo. O menino, apesar de bem cuidado, desaparece certa vez no pântano, mas é recuperado. Ele cresce, mas quando chega o momento do batismo do menino, entretanto, Virankannos, um personagem poderoso e enigmático, se recusa a batizá-lo, por não saber se o menino é digno do batismo. Nesse momento Vänämöinen aparece e declara que o menino, em virtude de seu nascimento incomum, representa um perigo para a camunidade e que deve ser morto. Nesse momento a criança com uma notável sabedoria e conhecimento, põe-se a recriminar os erros de Vänämöinen, sua participação na morte de Aino, seu belicismo irresponsável. O velho bardo fica sem palavras e o menino não só batizado como é clarado, por Virankannos o governante da da Karelia, lar ancestral dos fineses.



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__ Vänämöinen, despeitado e com raiva, reconhece que a sua era chegara ao fim, que ele e as suas leis não mais dominariam nas terras de Kalevala, deslocado pela mensagem daquele menino que nascera de uma mãe virgem. E que Kalevala, abandonando os antigos deuses, abraçara com firmeza o cristianismo. Ele toma o seu barco e parte para um lugar ignorado, não sem antes cantar seus últimos versos, como um presente ao seu povo.
“O sol nasce e se põe em Suomi [outro nome da Finlãndia],
Nascerá e se porá por gerações.
Quando o norte aprender os meus ensinamentos,
Ele se recordará dos meus ditos de sabedoria,
Faminto pela verdadeira religião.
Quando Suomi precisar novamente de mim.
Aguarde-me às primeiras horas da manhã.
Para que eu traga de volta o sampo,
Traga de novo a lira e os cantos festivos.
Traga a luz dourada da lua.
Traga a luz do sol pratedo.
Paz e abundância às terras do norte”.

(traduzido da Wikipedia em inglês – Kalevala (synopse))

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