segunda-feira, 25 de julho de 2016

PROFESSORES, CUIDADO COM “HISTORIAR” DE GIBERTO COTRIM

Prof Eduardo Simões

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Sou professor da rede pública estadual do Estado de São Paulo e recebi, para escolher o livro-texto de 2017, amostra de diversas editoras, e optei, após uma breve vista, pela coleção Historiar, do professor Gilberto Cotrim, da editora Saraiva, porém, após uma leitura mais atenta comecei a descobri tal quantidade e de erros dos mais variados tipos, que me deixaram profundamente decepcionado com o trabalho dos profissionais do MEC, que fazem a seleção dos textos a serem usados como apoio de aprendizagem por milhões de alunos de escolas públicas, que merecem o respeito de todos. Senão vejam os erros que encontrei após ler pouco mais de dez por cento das páginas da coleção:

Vol 6
p. 37: “a maioria dos povos utiliza o calendário cristão”: o nosso calendário não é cristão ele é “solar ou gregoriano”. O nosso método de datação histórica, tendo o nascimento de Cristo como referencial, é que é cristão.

p. 49: não faz nenhum sentido a comparação entre o criacionismo e o evolucionismo aí expostos, uma vez que se usa caráteres diferentes de uma e outra posição, sem falar que o conceito de seleção natural não tem o menor sentido. A melhor diferença seria
* O homem veio de Deus x O homem evoluiu de um animal irracional
* O homem nasceu com o aspecto e a capacidade mental já concluídos x Mudança gradual do aspecto e da capacidade mental do homem.
Trazer o conceito de “seleção natural” para o 6º ano é um despropósito, fazê-lo de uma forma errada ou confusa é um absurdo.

p. 51: cita África do Sul como “berço da humanidade”, mas os achados mais antigos, hoje, se concentram no lago Turkana e na Garganta de Olduvai, respectivamente no Quênia e na Tanzânia.

p.66: os caçadores do paleolítico vieram para a América andando sobre uma “ponte de gelo”. Absurdo! Nem ele nem os grandes herbívoros que vieram da Ásia para as Américas, sobreviveriam comendo exclusivamente urso e raposa polares. O que houve foi um acúmulo muito grande de água, na forma de gelo, no hemisfério norte, de tal sorte que o nível dos oceanos baixou muito e esses homens, e os animais, atravessaram o estreito de Bering pisando no fundo do mar, agora exposto, e com vegetação (essa glaciação durou milhares de anos), vendo grandes e longínquos paredões de gelo à sua esquerda.


Vol 7

p. 12: entre os germânicos “ladrões, assassinos e traidores eram punidos severamente”. Não é verdade! No vol 1 da coleção a História da vida privada e no volume Os bárbaros na Europa, da Biblioteca de Historia Universal LIFE, está dito claramente que o roubo e a traição eram punidos, pelos germânicos, com a morte, enquanto o assassinato acarretava apenas uma multa paga à família da vítima.

p. 17 “muçulmanos, hunos e vikings” atacaram a Europa no século VIII. Primeiro, quem atacou a Europa, motivado pela fé, foram os árabes e norte africanos, que por sinal também eram muçulmanos, mas toda a iniciativa e o comando das invasões pertenceu aos árabes. Segundo, os hunos NÃO invadiram a Europa nesse tempo: foram os MAGIARES, ascendentes dos húngaros!

p. 36: “escolhas religiosas e opções discordantes” são qualificadas como “heresias”. ERRADO, uma heresia é uma distorção de uma doutrina considerada ortodoxa, é a variação dentro de uma mesma religião. Do ponto de vista católico, o protestante é um herege, mas um judeu não.

P 37-38: as Cruzadas são descritas “expedições militares organizadas por autoridades da Igreja católica [católica com letra minúscula (!)] e por poderosos nobres da Europa Ocidental”.
Primeiro: não era a Igreja Católica quem convocava as cruzadas, mas Papas e bispos específicos, eventualmente com após um concílio ou um sínodo, como em Clermont, mas não obrigatoriamente.
Segundo: nem toda expedição militar convocada por Papas ou nobres eram cruzadas! Noutras palavras, confunde e não diz porque algumas expedições militares recebiam esse nome.
A seguir diz que as “Cruzadas mais importantes foram as que se dirigiram para o Oriente Médio” para “libertar os cristãos e os lugares considerados sagrados”... de quem? O texto não diz, tampouco explica o que quer são esses “lugares sagrados”.
Na página seguinte ele começa com as consequências das Cruzadas, que foram muito importantes, sem que tenha feito qualquer ligação clara com o que foi dito antes sobre as Cruzadas. No último parágrafo fala de territórios “reconquistados pelos muçulmanos... ressentimentos entre cristãos e muçulmanos”. De onde vieram esses muçulmanos? Como eles entram nessa história?”. É o samba do crioulo doido. E não é o único.

p. 43: Ao descrever a “crise do feudalismo”, o primeiro parágrafo fala que “nos séculos XIV e XV as sociedades europeias foram atingidas pela fome e pela peste negra” seguem-se outras calamidades, mas no parágrafo terceiro e último desse tema ele afirma, estapafurdiamente, que “a partir do século XI, a produção econômica cresceu e se diversificou”, seguem outros eventos maravilhosos. Está completamente sem sentido! Rasgue-se cessa página e se jogue fora!

p. 98: “venda de indulgências, isto é, “o perdão dos pecados””. Esse é um erro grosseiro e recorrente nos livros didáticos, e nesse não foi diferente, embora o autor tenha cometido a ousadia de ironizar a sua falsa compreensão do fenômeno, colocando “perdão dos pecados” entre parênteses, realçando a sua ignorância quanto a este assunto.
Eis uma definição correta e acessível, disponível na Wikipedia em português, com base no texto da Catholic Encyclopedia: “é o perdão fora dos sacramentos, total ou parcial, e "da pena temporal devida, para a justiça de Deus, pelos pecados que foram perdoados, ou seja, do mal causado como consequência do pecado já perdoado, a remissão é concedida pela Igreja Católica no exercício do poder das chaves, por meio da aplicação dos superabundantes méritos de Cristo e dos santos, por algum motivo justo e razoável." Embora "no sacramento da Penitência a culpa do pecado é removida, e com ele o castigo eterno devido ao pecado mortais, ainda permanece a pena temporal exigida pela Justiça Divina, e essa exigência deve ser cumprida na vida presente ou no depois da morte, isto é, no Purgatório. Uma indulgência oferece ao pecador penitente meios para cumprir esta dívida durante sua vida na terra, reparando o mal que teria sido cometido pelo pecado”.
Exemplo: um assassino pode pedir e obter perdão em uma confissão sincera com um padre, mas o que ele poderá fazer para acabar com os efeitos pecaminosos de seu ato, pois a família do morto perdeu, com este, uma parte ou a totalidade de sua renda financeira, e um referencial psicoafetivo que o assassino jamais poderá suprir ou compensar, ficando eternamente em dívida? É para sanar isso, e dar também uma chance a esse assassino de se reconciliar com Deus de uma forma completa, que existem as indulgências, até hoje.

p. 102: ele afirma que “em 1529 nobres alemães luteranos protestaram contra as medidas da Igreja que impediam cada Estado de escolher a própria religião”. Quem determinou essa proibição, em nome da unidade do Sacro Império, não foi a Igreja, que seria um absurdo, nem o Papa da época: mas o imperador Carlos V.

p. 103; ele afirma que “o luteranismo não aceitava... a adoração de imagens”. Ora, os católicos nunca prestaram adoração a imagens, antes professaram, e professam, o “culto das imagens” como uma expressão visível, uma memória daquilo que creem, e o autor sabe disso, tanto que, no penúltimo parágrafo, falando do calvinismo, ele cita a proibição pelos calvinistas, sobre “o culto às imagens de santos”.

P. 104 o autor cita Max Weber e o seu livro icônico A ética protestante e o espírito do capitalismo. Como é que alguém ousa indicar textos tão complexos e técnicos, como os de Max Weber, para garotos de onze-doze anos?

p. 105: sobre as “fontes da fé [do catolicismo] - a doutrina religiosa tem como fonte a Bíblia”. Curioso, o primeiro “fonte” está no plural, mas ele só cita uma fonte: “a Bíblia”; ou seja: as fontes de fé do catolicismo é a Bíblia.... (sem comentário). As fontes de fé do catolicismo são: a Bíblia, a tradição dos Santos Padres (os primeiros fundadores e defensores da Igreja, que teriam estabelecido interpretação correta de algumas passagens da Bíblia) e o Magistério da Igreja (presente nos documentos papais mais solenes e nas determinações dos concílios).

Vol. 8

p. 32: falando da Prússia de Frederico II o autor diz: “a Prússia é hoje parte do território da Alemanha”. Não é! Quase todo território da antiga Prússia, do tempo de Frederico, foi dividida entre a Polônia, principalmente, a Tchecoslováquia, a Bielorrússia, ficando a Alemanha com os nacos mais ocidentais, do auge alcançado pela Prússia, cem anos após Frederico II.

p. 40: “o motor a vapor criado por James Watt”. Watt não criou o motor a vapor; ele antes aperfeiçoou a bomba a vapor de Thomas Newcomen, dando-lhe uma eficiência que possibilitou a explosão produtiva da Revolução Industrial.

p. 45: no segundo parágrafo ele descreve as duras condições de trabalho das mulheres na fábricas, e no meio daquele alerta: “Mas, naquela época, havia um agravante. Ao Reivindicar seus direitos, as mulheres nem sempre podiam contar com o apoio da maioria dos homens”, e assim encerra o parágrafo sem ter dado, antes ou mesmo depois, qualquer informação que permita ao leitor deduzir o porquê dessa falta de apoio.
Não sei, ademais, em que pesquisa ele se baseia para fazer essa afirmação, nem se os “homens” a que ele se refere são os operários, os burgueses, os camponeses, etc. A História é sempre uma história social e não natural, aqui não se fala em gênero, exceto para denunciar ou praticar um preconceito, anteriormente delineado, o que não foi o caso.

p. 54: “os colonos ingleses [da América do século XVII] conquistaram autonomia política”. Não conquistaram os reis ingleses, ou Cromwell, simplesmente se livravam de seus súditos incômodos mandando-os para América, e lá os esqueciam. Os primeiros colonos americanos tiveram ampla autonomia na América. Era um dado prévio.

p. 60 “os líderes da independência não se preocuparam com os mais de 500 mil africanos e seus descendentes... escravos”. Não é verdade. Várias colônias, na época da luta pela independência, avançaram na abolição da escravatura: Vermont, em 1777; Pennsylvania, em 1780; Massachussetts, em 1783. O texto abaixo, da Wikipedia em inglês, desmente a afirmação de Cotrim, embora reconheça que tenha havido segregação, algo mais complicado para extinguir. Nossas favelas que o digam:

“During and after the American Revolutionary War, between 1777 and 1804, anti-slavery laws or constitutions were passed in every state north of the Ohio River and the Mason–Dixon line. By 1810, 75 percent of all African Americans in the North were free. By 1840, virtually all African Americans in the North were free. In Massachusetts, slavery was successfully challenged in court in 1783 in a freedom suit by Quock Walker; he said that slavery was in contradiction to the state's new constitution of 1780 providing for equality of men. Freed slaves were subject to racial segregation and discrimination in the North, and it took decades for some states to extend the franchise to them.”
“Most northern states passed legislation for gradual abolition, first freeing children born to slave mothers (and requiring them to serve lengthy indentures to their mother's masters, often into their 20s as young adults). As a result of this gradualist approach, New York did not free its last slaves until 1827, Rhode Island had seven slaves still listed in the 1840 census, Pennsylvania's last slaves were freed in 1847, Connecticut did not completely abolish slavery until 1848, and slavery was not completely lifted in New Hampshire and New Jersey until the nationwide emancipation in 1865”.
Muito cedo foram tomadas medidas para coibir o tráfico de escravos.
While under the Constitution, Congress could not prohibit the import slave trade until 1808, the third Congress regulated it in the Slave Trade Act of 1794, which prohibited shipbuilding and outfitting for the trade. Subsequent acts in 1800 and 1803 sought to discourage the trade by limiting investment in import trading and prohibiting importation into states that had abolished slavery, which most in the North had by that time. The final Act Prohibiting Importation of Slaves was adopted in 1807, effective in 1808. However, illegal importation of African slaves (smuggling) was common”.

Concluindo: a questão da escravidão foi muito discutida pelos fundadores da república americana, embora o número daqueles que eram favoráveis ao seu fim fosse menor, (veja http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000100008). Sabe-se também que George Washington deixou formalmente expresso o seu temor sobre os danos, em especial a divisão, que a escravidão provocaria na jovem nação, além de iniciativas pessoais no sentido de conseguir meios de se desfazer de seus escravos, mesmo sendo originário e morador de um dos estados mais escravagistas dos EUA. No seu testamento ordenou que a sua viúva educasse (o que era proibido pelas leis da Virginia) e libertasse todos os seus escravos.

p. 73: sobre a Constituição Francesa de 1791, “o Estado foi separado da Igreja”. Não é verdade, a Constituição de 91, na verdade, criava uma igreja católica francesa oficial, autônoma, mas não separada de Roma, igreja essa composta por padres e bispos juramentados, e mantida até 18 de setembro de 1794, já sob a constituição jacobina republicana, quando se deu a separação, por razões de economia. A separação foi confirmada pela Convenção, em 21 de fevereiro de 1795, quando se institui a liberdade de culto.

p. 75: “a guilhotina foi desenvolvida pelo médico e deputado Joseph-Ignace Guillotin”. Errado. A guilhotina, ou um engenho análogo chamado Hallifax Gibbet, já existia e era usada nas ilhas Britânicas desde 1280; outro, chamado Maiden (donzela), entrou em uso no século XVI, na Escócia. O que Guillotin, um médico humanitário e um homem preocupado em reduzir o sofrimento dos condenados nas execuções invitáveis fez, como deputado, foi propor esse engenho como a forma menos dolorosa de execução. Só isso. Dizem, seus biógrafos, que ele sofreu muito, até o fim de sua longa vida, ao ver o seu nome associado a esse instrumento.

p. 77: “Marat sofria de uma doença de pele que o obrigava a trabalhar durante o banho”. Desde quando trabalhar no banho cura dermatite? Marat sofria de uma dermatite, cujos sintomas se agravavam no verão, obrigando-o a ficar imerso, para suportar os efeitos (provavelmente coceiras intensas). Ele trabalhava, portanto, numa banheira, imerso em água. Só isso.

p. 119: “a proclamação da independência do Brasil aconteceu na cidade de São Paulo”. Desde quando o riacho Ipiranga, em 1822, começou a fazer parte da cidade de São Paulo?

p. 120: o autor confunde “guarda de honra” com a Guarda Imperial, os dragões da Independência. D Pedro I tinha uma guarda de honra formada por 35 fazendeiros, vestidos a paisana. O que não existiu no Grito do Ipiranga foi a Guarda Imperial com seu vistoso uniforme branco e capacete dourado.

p. 131: “em 1863 a escravidão foi abolida nos Estados Unidos”. Não foi. O que aconteceu foi a Proclamação de Emancipação, um ato unilateral, por razões militares tomado por Lincoln, contra o sul, que determinava a emancipação dos escravos nos territórios ocupados pelos exércitos da União. A abolição definitiva só aconteceu em 18 de dezembro de 1865, com a ratificação final da 13ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos.

Vol 9

p. 116: sobre a revolta do Contestado o autor diz “os moradores foram perseguidos pela polícia, pelos coronéis-fazendeiros e pelos empresários estrangeiros, com o apoio do governo federal”, e que “os últimos núcleos foram destruídos por 7 mil homens armados”. Esses homens armados, em sua grande maioria, eram tropas do exército e das polícias dos estados (Paraná e Santa Catarina), que têm de andar armados mesmo! Onde não erra é confuso.

p. 116: a definição de Cangaço é muito superficial e confusa. Eram “grupos” que se formavam no semiárido, e que “cangaceiros chefiados por Lampião viveram verdadeiras aventuras”, então os cangaceiros seriam como que grupos atrás de aventuras? É impressionante como um tema tão marcante e com um significado social tão profundo para o Nordeste e o Brasil, tenha sido tratado de forma tão banal, quase ridícula.

p. 120: sobre a Revolta da Chibata o autor diz: “em 9 de dezembro os marujos iniciaram outra rebelião”. Não é correto! A revolta do dia 9 foi iniciada pelo Batalhão Naval, os atuais fuzileiros navais, que são a infantaria da marinha, eles não são marujos nem tinham nada a ver com a revolta da Chibata de João Cândido. Inclusive João Cândido manobrou o Minas Gerais, e com ele bombardeou, o quanto pode, o Batalhão Naval, secundando as forças do governo. Mesmo assim a Marinha, ainda ressentida pelos acontecimentos da revolta, denunciou a João Cândido e o perseguiu enquanto viveu.

p. 122: “a Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes”. A coluna pode até ser chamada de “Prestes”, mas Prestes nunca foi o comandante da coluna. O comandante da Coluna Prestes foi o Major Miguel Costa, da polícia de São Paulo, enquanto Prestes, capitão do exército, era chefe do Estado-Maior da coluna.

O que eu desejo com isso?
Primeiro, que se chame a atenção do funcionário ou funcionários do PNLD-MEC que aprovaram uma coleção tão precária para uso por nossas crianças, a fim de que tenham mais concentração na hora de ler e avaliar textos de livros didáticos, principalmente para o Ensino Fundamental público.
Que se suspenda o quanto antes a distribuição desse livro em território nacional, até que o autor faça os reparos adequados.
O MEC não pode associar-se a falhas como esta.

Em relação aos professores eu só espero que eles possam, um dia, trabalhar em paz, fazendo um trabalho digno da dureza de sua formação e regime de trabalho, e da natureza de sua atividade, nas suas salas de aula, sabendo que os outros profissionais, necessariamente incluídos no projeto de formar novas gerações, cumpra cada um o seu dever profissional com competência e interesse, e nós não precisemos ficar, nas férias correndo atrás do prejuízo por erros que não cometemos.

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Eis o resultado: dá para surpreender?

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