quarta-feira, 13 de abril de 2016

A VIAGEM DO BEAGLE (1831-1836)

Prof Eduardo Simões

Obrigado aos amigos de Estados Unidos, Brasil e Suécia, que o blog vos seja útil e Deus os abençoe.

Caros amigos, não consigo mais postar os verbetes de história nas abas específicas, creio que acabou o espaço, portanto vou publicá-los entre as postagens, o que dificultará a vida daqueles que quiserem usar do blog como fonte de pesquisa. Lamento!

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http://www.admiralfitzroy.co.uk/

__ A viagem do Beagle foi um acontecimento político-militar, literário e científico, que marcou indelevelmente a história da ciência. Como um acontecimento político-militar, ele fazia parte de um ambicioso projeto da Marinha Real de cartografar ilhas e costas continentais remotas do Hemisfério Sul, com finalidade de melhorar as aprimorar rotas de navegação para navios mercantes e de guerra. Esse projeto, iniciado em 1825, foi inicialmente comandado pelo Capitão Phillip Parker King, do HMS Adventure, acompanhado pelo HMS Beagle, comandado pelo Capitão Pringle Stoke. Mas Stoke, deprimido pela inatividade e as terríveis condições climáticas no Estreito de Magalhães, cometeu suicídio em agosto de 1828, num lugar sugestivamente chamado Porto da Fome, e o navio foi conduzido por um oficial inferior à Montevidéu, para reparos. No ano seguinte o comando do navio foi entregue ao aristocrata de alto ranking: Robert FitzRoy (ilustração acima; leitor brasileiro, não escrevi errado o sobrenome), enquanto o Capitão Parker King, após conduzir o Adventure e o Beagle à Inglaterra, pediu reforma e abandonou o projeto. O almirantado resolveu continuar apenas com o Beagle do Capitão Robert FitzRoy.
__ Robert Fitzroy era um jovem oficial da marinha, com 26 anos, que conhecia bem os perigos da solidão em longas viagens como aquela (1), e por isso iniciou tratativas, junto a alguns amigos, para conseguir alguém com boa educação e conhecimento suficiente que pudesse ser um seu companheiro de conversação e até confidente. Esse companheiro também deveria ter uma excelente condição financeira, já que as despesas pessoais da viagem correriam todas por sua conta. Várias pessoas foram contactadas, mas recusaram, até que a notícia do interesse de FitzRoy chegou a John Stevens Henslow, professor universitário e mentor de Charles Darwin que, imediatamente, conectou o capitão ao seu discípulo.
__ O jovem Charles Darwin, então com 21 anos, tinha tudo o que Fitzroy precisava para ser um bom companheiro de viagem, inclusive o fato de ser “pooodre” de rico, mas por ainda não ter renda própria, teve que pedir um empréstimo ao melhor dos bancos: o papai, um médico famoso e um gênio das finanças, que, entretanto, fez jogo duro, uma vez que não via muito “futuro” nas “manias” de naturalista do filho – foi necessário a intervenção de um tio de Darwin, por parte de mãe, até dobrar o inflexível Robert Darwin. Mas o Capitão ainda hesitava, pois havia ainda uma dificuldade, na verdade duas, para serem vencidas:
a) Fitzroy era aristocrata, militante do partido tory, de cunho mais “conservador”, no sentido mais pejorativo do termo, ligado à nobreza agrária e aos velhos costumes, mentalmente cristalizada, enquanto os Darwin pertencia à facção wigh, formada pela pequena nobreza e pela burguesia empreendedora, mentalmente mais flexível. Charles mesmo era fruto da união dos Darwin, profissionais liberais e financistas, com os Wedgwood, da alta burguesia industrial, gente de cidade, com ideias bem originais sobre os costumes, políticos, sociais e econômicos que deveriam vigir na Inglaterra.
b) Fitzroy invocou-se também com o nariz, razoavelmente chato, de Darwin, que, na sua opinião, denotava certa fraqueza de caráter. Porém, após conviver uma semana com o pretendente, Fitzroy o aceita, e a viagem, após vários contratempos, começa, com a partida do navio do porto de Plymouth, sudoeste da Inglaterra, em 27 de dezembro de 1831.
__ No início da viagem Darwin leu o primeiro volume, de três, do livro do geólogo, e seu amigo, Charles Lyell, chamado Princípios de geologia, onde Lyell, influenciado por outro naturalista famoso, James Hutton, o fundador da geologia moderna, aprofunda os fundamentos da abordagem de fenômenos geológicos iniciada por seu mestre, e também conhecida como unitarianismo, que muito impressionaram ao jovem viajante (2).

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Por Charles Lyell - Charles Lyell, 1832. Principles of Geology, Vol.1; frontispice, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7991418

A capa do primeiro livro, da primeira edição, do livro de Lyell, que Darwin leu, mostrando as três colunas do suposto Templo de Serápis, na cidade italiana de Puzzuoli – mais tarde se descobriu que as ruínas não eram de um templo, mas de um mercado, um macellum, um tipo de mercado coberto, semelhante aos nossos shopping-center, especializado, no caso, em produtos do mar. O que chama a atenção é a presença das colunas dentro da água, uma vez que o macellum, obviamente, não foi construído numa área alagada. A inundação do mercado aconteceu posteriormente, e foi muito mais profunda do que aparece na ilustração, uma vez que no primeiro terço das colunas aparecem pequenos furos, bem visíveis, feitos por espécimes marinhos. Essa imagem mostra, em uma estrutura de alvenaria, o fenômeno, por vezes imperceptível, do levantamento ou do rebaixamento do solo, por movimentos na crosta.

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Por Ferdinando Marfella - originally posted to Flickr as Macellum, tempio di Serapide, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4877333

Foto atualizada das colunas do macellum de Puzzuoli, mostrando as três colunas da capa de Lyell, onde se podem ver as perfurações no primeiro terço das colunas, chamadas de gastroquenolitas, feitas por moluscos bivalves marinhos. A estrutura circular no meio do pátio é o que sobrou de um tholos, um pequeno templo circular de origem grega. O chão do pátio, ao redor do tholos, vive molhado pela água que exsuda do solo. O mar, hoje, está a menos de uns cem metros do local, mas pode vir a cobri-lo outra vez.

__ Não podendo desembarcar na ilha de Tenerife, em virtude de uma quarentena imposta aos navios ingleses, eles foram dar na ilha Salvador, no arquipélago de Cabo Verde, onde Darwin pode observar camadas de conchas, num corte do solo, bem acima do nível atual do mar, o que corroboraria a tese de Lyell.
__ Em 29 de fevereiro de 1832, o navio chegou a Salvador, na Bahia, onde Darwin teve o primeiro contato com a floresta tropical, que o deixou extasiado. Mas daqui também e le saiu muito chocado com uma característica onipresente em nossa realidade social: a escravidão. Darwin cometeu a ingenuidade de falar sobre seus sentimentos a respeito com o capitão Fitzroy, que a justificou de forma peremptória. Houve uma dissenção entre os dois, e Darwin foi expulso da expedição.
__ Fitzroy era muito conservador, no sentido mais pejorativo, mas não era empedernido, e talvez tenha evoluído, pois, mais tarde, quando foi governador na Nova Zelândia, tomou medidas protetoras a favor dos aborígenes, contra a exploração dos colonos. Também era um homem emocionalmente instável, seus oficiais o chamavam de “café quente”, e foram estes que, intercedendo junto ao Capitão, conseguiram que o naturalista fosse aceito de volta. Outra coisa que chocou a Darwin em sua estada na Bahia foi o excesso de familiaridade nas brincadeiras dos brasileiros, durante o carnaval da época: o entrudo.
__ Em abril de 1832 o navio chega ao Rio de Janeiro, e explode mais um contratempo: o médico cirurgião da expedição, Robert McCormick, que também fazia as vezes de naturalista, como era comum nos navios da época, sentindo-se  preterido por Fitzroy, preferiu, com autorização do Almirantado, abandonar a expedição. Darwin esteve vasculhando as matas no entorno do Rio de Janeiro, Niteroi, Cabo Frio, Saquarema, Maricá, etc. Em 5 de julho de 1832 o navio parte em direção a Montevideu, após perder um de seus tripulantes: um garoto, ainda aspirante, que contraiu uma febre após uma ida ao rio Macacu.
__ Em 26 de julho o navio chegou a Montevidéu e, após algumas medições feitas na foz do rio da Prata, partiu para o sul. Em 22 de setembro Darwin e FitzRoy fazem um passeio numa majestosa baia chamada Blanca. Onde ele se depara pela primeira vez com ossos de animais gigantescos, já extintos, e os descreve com grande fidelidade. Como explicar a extinção desses animais?

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By Conrad Martens (1801 - 21 August 1878) - English Wikipedia (13:42, 15 October 2005. User:Dave souza 1235x821 (73563 bytes) (HMS Beagle in the seaways of Tierra del Fuego, painting by Conrad Martens, from The Illustrated Origin of Species by Charles Darwin, abridged and illustrated by Richard Leakey ), Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1082238
  
__ Em 18 de dezembro chegam à Terra do Fogo, onde tem contato com os, agora extintos, habitantes humanos naturais da região: os povos fueguinos. Ao ver aqueles homens tão primitivos, nus ou seminus, cobrindo-se quando muito com peles de animais precariamente curtidas, sem falar da peculiaridades de seus costumes e modos sociais, Darwin teve um profundo choque, e as suas observações sobre essa gente não são muito lisonjeiras:

“Os fueguinos encontravam-se no mais miserável estado de barbárie, como eu nunca tinha imaginado ver em um ser humano” (http://www.ibamendes.com/2010/04/darwin-e-os-fueguinos.html).
“... a diferença existente entre o homem selvagem e o homem civilizado; é muito maior do que a que se observa ente um animal silvestre e outro domesticado” (idem).
A linguagem destes fueguinos... apenas merece ser considerado algo articulado. O capitão Cook (?) [acho que o autor quis dizer “FitRoy”], a tem comparado ao pigarro, como quando alguém faz cócegas, porém posso garantir nunca ter ouvido um europeu limpar a garganta com sons tão roucos, tão guturais e tão estalados” (idem).
Jamais esquecerei o espanto que tive, quando pela primeira vez vi uma reunião de fueguinos numa praia... Esses homens estavam completamente nus e tinham o corpo pintado... longos cabelos emaranhados, as bocas espumavam de excitação e tinham uma expressão selvagem, apavorada e cheia de suspeita. Malmente tinham alguma arte e vivam... daquilo que pudessem capturar, e eram impiedosos com quem não fosse da sua tribo... Quanto a mim quisera antes ter descendido daquela pequena macaquinha que desafiou seu terrível inimigo para salvar a vida do próprio guarda [episódio que eu não conheço]... ao invés de descender de um selvagem que sente prazer em torturar os inimigos, e encara as mulheres como escravas, que não conhece o pudor e que é atormentado por enormes superstições” (idem).

__ As opiniões de Darwin, em especial no que se refere à linguagem dos fueguinos, seriam, mais tarde, desmentidas pelo missionário inglês Thomas Bridges. Nessa expedição, porém, havia uma missão especial e ser desempenhada junto aos índios.

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http://www.semanariofueguino.com.ar/

__ No ano anterior o Capitão Fitzroy, em passagem pela Terra do Fogo, teve um de seus botes roubado pelos índios, e, como represália, resolveu tomar – sequestrados ou comprados? – quatro jovens fueguinos, um dos quais morreria mais tarde de varíola, e leva-los à Inglaterra, para educa-los e trazê-los de volta, a fim de que eles, se tornassem agentes da civilização entre o seu povo. Chegara a hora de devolvê-los à sua gente. Em 23 de janeiro de 1833, os três índios, chamados em inglês, York Minster (27 anos), Jeremy ou Jemmy Button (15 anos) e Fuegia Basket (10 anos), foram devolvidos para a sua gente, dando início à epopeia de seu infeliz retorno.
__ Logo depois o navio parte para as Malvinas, que tinham acabado de se tornar britânicas, com o nome de Falklands. Aí Darwin, com o consentimento de FitzRoy contratou o jovem grumete, de apenas 16 anos, Syms Covington, para ser seu ajudante. Covington mostrou-se um ajudante muito aplicado e competente, tendo feito muitas anotações que complementam e enriquecem as de Darwin.
__ Em 8 de agosto de 1833 os navios aportaram na foz do rio Negro, na Argentina, onde Darwin desembarcou, com Covington, e quatro dias depois teve uma entrevista pessoal com o caudilho Juan Manuel Rosas, que estava nessa região promovendo uma expedição punitiva aos índios patagões sublevados. Rosas dá-lhe uma autorização para se enfronhar no interior da Argentina, inclusive cruzar as regiões dos Pampas, onde ele tem um contato mais próximo com o consagrado tipo local: o gaúcho, no meio dos quais viveu por um tempo, observando muitos de seus hábitos curiosos, com a caça com boleadeiras, além da fauna e as características do relevo local. Revisitou baia Blanca, mas quando tentou ir para Buenos Aires, encontrou-a cercada pelas forças de aliadas a Rosas, nas intermináveis guerras civis que se seguiram à independência do país, sendo o brigado a tomar um barco de refugiados e seguir para Montevidéu, para se encontrar com o Beagle, que havia retornado do sul, conferindo suas medições cartográficas.

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http://xstor.deviantart.com/

Reconstituição de um Scelidotherium, uma espécie de preguiça terrestre extinta há uns 11 mil anos. Esse animal tinha 2,5 m de comprimento e 1,1 m de altura, pesando de 600 a 800 kg

__ Darwin desceu novamente, a cavalo, na direção do rio Negro, onde, em 25 de novembro, viu os enormes ossos de uma preguiça extinta, além de outros animais, que ele supôs ser um mastodonte e um gliptodonte, e diversos outros. Ele retornou a Montevidéu e de lá o Beagle navegou para o sul da Argentina, chegando em 23 de dezembro a Puerto Deseado, onde ele caçou um guanaco, cuja carne serviria para a refeição de Natal da tripulação.
__ Em 9 de janeiro de 1834 o navio chegou a Puerto Julian, ao sul de Puerto Deseado, e em 26 de janeiro eles entram pelo Estreito de Magalhães, no extremo sul do continente. Em 5 de março eles chegaram à ilha onde haviam deixados os três fueguinos meses antes, e encontraram suas moradias, construídas à moda europeia, abandonadas. Jemmy Button reapareceu, mas estava nu, vestindo apenas um gorro de peles, já casado e dizendo querer voltar ao estilo de vida de seu povo. Aquilo foi um choque para Darwin, afinal parecia a evolução às avessas, pois no início da viagem, Jemmy mostrara uma capacidade de adaptação tão notável ao modo de vida inglês, que o entusiasmara. Por que o abandonara tão rápido, e parecia estar realmente feliz com a mudança? Em 16 de março voltaram para as Falklands, em meio a um conflito entre gaúchos e índios, que haviam acabado de massacrar uma missão cristã.
__ Ao terminar a expedição à Patagônia argentina Darwin escreveu um pequeno ensaio chamado Elevação da Patagônia, onde “ainda hesitante, ele desafiou a abordagem de Lyell, baseado nas medições oficias da expedição do Beagle e nas que ele próprio fez, ao propor que as planícies [da Patagônia] havia se erguido no seu conjunto, em etapas sucessivas, em vez de erguimentos contínuos, em menor escala [como seria na tese de Lyell], ao mesmo tempo em que descartava a ideia de um dilúvio catastrófico... supondo um único movimento repentino” (Wikipedia em inglês – Second Voyage of HMS Beagle). Ele estava certo nas duas conclusões.
__ A seguir o Beagle, acompanhado por uma pequena chalupa chamada Adventure, comprado por FitzRoy, atravessa o Estreito de Magalhães, e chega à ilha de Chiloé, na costa chilena, no Oceano Pacífico, em 28 de junho de 1834. Chegam ao porto de Valparaíso, em 23 de julho, e ele, após comprar uns cavalos, partiu para uma expedição exploratória numa montanha ali perto. Esteve também visitando uma mina de exploração de cobre, de onde voltou com sintomas de doença de chagas.

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__ Enquanto Darwin convalescia, FitzRoy entrou em conflito com o Almirantado, por causa da compra, feita por aquele, do Adventure, e ameaçou entregar o comando da expedição, sendo detido a custo pelos oficiais. A susceptibilidade de FitzRoy era preocupante. Em 11 de novembro o Beagle parte para o arquipélago de Chonos, quando a tripulação assiste à erupção do vulcão Osorno, em janeiro de 1835. Esquadrinhando a área Darwin encontrou novos fósseis de animais pré-históricos, mas não encontrou nenhuma evidência geológica do dilúvio.
__ Em 8 de fevereiro de 1835, o Beagle chegou a Valdivia, onde, 12 dias depois, Darwin sentiu um forte terremoto que deixou o porto bastante danificado. Daí o navio partiu Concepción, 320 km a norte, e encontraram a cidade devastada. Observando uma camada de mexilhões, comparada com o nível do mar, o Capitão constatou que o terreno da cidade se elevara uns 2,7 metros, com esse terremoto, o que foi confirmado mais tarde por medições mais apuradas. Estava, para Darwin, confirmada a teoria de Lyel quanto aos movimentos da crosta terrestre, em especial o levantamento dos continentes.
__ Mais uma vez foram a Valparaíso, em março. Novamente fez proveitosas cavalgadas pelo interior do país, e anotações valiosas para a sua teoria sobre a formação da Terra. Mais tarde o Beagle embicou para Lima, no Peru, onde ele pensou em desembarcar, mas uma guerra civil em curso (Guerra Civil Peruana de 1835-36 ou Guerra entre Slaverry e Santa Cruz), com sangrentos combates de rua, fê-lo mudar de ideia.

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__ em 15 de setembro o Beagle chegou a Puerto Barquerizo Moreno, no arquipélago das Galápagos, no Equador. Nesse arquipélago ele permanecerá até 20 de outubro fazendo observações preciosas da geologia, e principalmente da fauna local, que, por suas características únicas, o ajudaram, posteriormente, a embasar as conclusões mais impactantes de sua teoria evolutiva. Depois ele partiu, com a expedição, para a Polinésia Francesa, alcançando-a no dia 9 de novembro. Em 15 de novembro eles chegaram ao Thaiti, onde a recepção amistosa dos nativos deixou-o muito bem impressionado, e desfez, nele, um preconceito vigente entre intelectuais europeus da época, de que o cristianismo corrompia irremediavelmente os costumes desses povos.
__ Essa boa impressão, entretanto, se desfez quando ele chegou à Nova Zelândia, em 19 de dezembro, onde, apesar da assistência dos missionários, desta vez anglicanos, os tatuados maoris viviam em casa que Darwin definiu como “de uma sujeira e imundice ofensiva”. Não lhe causou impressão diferente os colonos brancos do lugar, na maioria fugitivos e apenados de presídios de Nova Gales do Sul, Austrália, de sorte que ele ficou satisfeito em ir embora dali.

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__ Em 12 de janeiro de 1836 eles chegaram à Austrália que, à primeira vista, lembrou-lhes a Patagônia, embora Darwin tenha ficado muito impressionado com a agitação urbana de Sidney. No seu primeiro contato com os aborígines locais, ele os descreveu como “agradáveis, alegres, bem diferente da crença dominante de seres totalmente degradados”, e lamentou o acelerado decréscimo populacional que sofriam. Conheceu a estranha fauna local. Chamou-lhe a atenção o ornitorrinco, com o seu bico macio. A maioria dos europeus de então eram descrentes do relato dos nativos de que eles punham ovos.
__ Em fevereiro o navio chegou a Hobart, capital da Tasmânia, onde Darwin ficou muito bem impressionado com a elegância e costumes da elite colonial, mas constatou que: “todos os aborígenes haviam sido trasladados a uma ilha do Estreito de Bass, de modo que a Terra de Van Diemen [antigo nome da Tasmânia] desfruta da grande vantagem de estar livre de uma população nativa. Mas essa medida cruel parece ter sido inevitável, como o único meio de deter uma terrível sucessão de roubos e assassinatos cometidos pelos negros, o que, cedo ou tarde, redundaria em sua completa extinção [o que acabou acontecendo]. Temo não haver dúvidas, que esse conjunto de males, e suas consequências, se originou da infame conduta de alguns de nossos compatriotas. Trinta anos é um período muito curto para se desterrar, até o último, todos os aborígenes de uma ilha quase do tamanho da Irlanda...” (traduzido da Wikipedia em espanhol – Guerra Negra) (2).
__ Sobre os aborígenes que viu, ele deixou a seguinte impressão: “a boa disposição dos negros aborígenes... Embora verdadeiros selvagens, é impossível não sentir uma simpatia por esses homens de índole tão pacífica e boa” (Wikipedia em inglês – Second Voyage of HMS Beagle). Seus compatriotas não pensavam assim, e os exterminaram, da forma mais brutal possível. Mais tarde ele assistiu a uma festa com performance de danças feitas por homens de duas tribos, na companhia de mulheres e crianças, que descreveu como uma ““cena muito rude e bárbara”, como se um espírito ébrio se apossasse deles, “movendo-os em hedionda harmonia” e “perfeitamente à vontade”” (traduzido Wikipedia em inglês). Era a dança de um povo deprimido pela sua sorte, talvez pedindo o extermínio daqueles que os assistiam. Ao partir de Hobart um contratempo: o Beagle encalhou, e perderam algum tempo.
__ Em 1º de abril ele chegaram à ilha Keeling, atual Cocos, para fazer um estudo mais detalhado, conforme as instruções do Almirantado, onde examinaram minuciosamente a estrutura dessas ilhas feitas de atóis de coral. Em 29 de abril chegaram às ilhas Maurício, onde ele se admirou da qualidade de vida daquela colônia francesa.
__ O Beagle cruza o Cabo da Boa Esperança, em 31 de abril de 1836, aporta na cidade do Cabo. Lá Darwin recebe uma carta de sua irmã, Caroline, datada de 29 de dezembro!, informando-lhe que a sua fama se espalhava pelo país. A situação é a seguinte: à medida que a viagem transcorre e Darwin vai desembarcando nos lugares, ele junta e embala caprichosamente milhares de espécimes e amostras, que, na primeira oportunidade, despacha para a Inglaterra aos cuidados do professor Henslow, que, certamente, não cessa de tecer elogios ao pupilo nos meios acadêmicos, além de publicar as suas observações parciais, mas já bem acuradas, que Darwin fizera dos lugares que passou e de suas descobertas – alguns desses relatos já haviam sido lidos, em novembro de 1835, pelo renomado geólogo Adam Sedgwick, seu amigo, embora opositor, mais tarde, de sua teoria evolutiva, na Sociedade Geológica de Londres. Uma brochura, com um apanhado de seus relatos, foi publicada e, dizem, seu pai, que o apoiara  a contragosto, sentou-se em uma cadeira e dela só se levantou após ler a última palavra do livreto.
__ Entre os dias 8 e 15 de junho, enquanto o navio esteve ancorado no porto da Cidade do Cabo, ele e FitzRoy visitaram um dos mais conhecidos e populares estudiosos de seu tempo, o polímata, John Herschel que fez estudos profundos em diversas áreas como astronomia, filosofia da ciência e fotografia, entre outras – ele disputa com o franco-brasileiro Hercule Florence a paternidade da palavra “fotografia”. Herschel era amigo de Lyell e, assim como Darwin, admirador de sua teoria geológica. Aliás, Darwin exultou muito com aquele encontro e, na introdução de seu Origem das espécies, dirá que boa parte de seu direcionamento de pesquisa e de suas conclusões seria influenciada por Herschel.
__ Em 8 de julho eles chegam à ilhota vulcânica de Santa Helena, onde Darwin fica alojado próximo ao túmulo de Napoleão Bonaparte. Andando pelos arredores ele observa a curiosa estrutura geológica da ilha e constata um desastre ecológico: toda a vegetação original da ilha, uma densa floresta tropical, desaparecera, devorada por animais trazidas pelos europeus.

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http://arpentnourricier.org/

__ Em 19 de julho chegam a Ilha de Ascensão, onde Darwin recebe mais notícias animadoras da Inglaterra, e já se imagina voltando para casa, mas FitzRoy, desejando conferir algumas medições, leva o Beagle de volta para a Salvador, onde ele tem o prazer de rever, pela última vez, a floresta tropical, passando ainda por Pernambuco, onde ele constata uma elevação do litoral, e daí para a Inglaterra, onde chegam, em 2 de outubro de 1836, no porto de Fallmouth, na Cornualha.
__ Assim que desembarcou, Darwin foi diretamente para a casa paterna, chegando a Mount House (as mansões das famílias mais importantes da Inglaterra tinham nomes próprios), em Shrewsbury, onde chegou altas horas da noite, do dia 4 de outubro, indo direto para a cama. Os abraços e cumprimentos formais se deram no café da manhã do dia seguinte. Ele passou ainda uns dez dias matando a saudade e curtindo a família, antes de ir a Cambridge e visitar seus mestre e benfeitor, Henslow. Tocado pelo sucesso do filho o velho Robert Darwin resolve premiá-lo com uma renda que lhe permitirá, daqui por diante, viver só para os seus estudos e pesquisas. Eles, os capitalistas ingleses, pelo menos, sabem usar bem o dinheiro que acumulam... Acima de tudo, agora, Darwin sabia qual era a sua vocação e a sua missão nesse mundo, e a desempenhou com louvores.
__ O resto é essa revolução científica que vem até os dias de hoje, e que só Deus sabe o quanto ainda vai frutificar, para o bem dos homens.

(nesse artigo eu segui o roteiro do verbete The Second Voyage of the HMS Beagle, na Wikipedia em inglês, francês e espanhol)

Notas
(1) Fitzroy tinha muito boas razões para “temer” as duras condições daquela viagem tanto por conta do suicídio do capitão anterior, como por haver em sua família um caso análogo, de um tio seu, o Visconde de Castlereagh, que, impopular e deprimido, isolou-se em uma grande propriedade, e se suicidou em agosto de 1822. FitzRoy terá o mesmo fim de seu tio, produzido pelo mesmo instrumento de morte: uma lâmina de barbear.
(2) O unitarianismo de Lyell advoga que os mesmos eventos geológicos hoje em curso, que alteram, moldam, a superfície da Terra, são os mesmos desde a formação do planeta. Essa crença é sintetizada no adágio: “o presente é a chave do passado”. Outras coisas ainda estão ligadas a essa escola:
a) O longo intervalo de tempo necessário a esses fenômenos apontam para uma idade incrivelmente antiga para a terra – na época de Lyell acreditava-se que a Terra possuía uns 6 mil anos.
b) O unitarianismo colocava em cheque a doutrina dominante do catastrofismo, extinção em massa de espécies e transformações abruptas da surperfície, que era usado, por exemplo, para justificar as teorias criacionistas: Deus criou o mundo moderno (com suas espécies vivas), após uma grande catástrofe que liquidou o mundo dos dinossauros, que começavam a ser descobertos.
c) Os fenômenos geológicos do passado podem ser explicados pelas mesmas causas que operam transformações análogas no presente; é o atualismo.
d) Esses fenômenos são uniformes, não abruptos; é o uniformismo.
e) Fenômenos de destruição e de criação compensam-se mutuamente; é o equilíbrio dinâmico. Esse equilíbrio se observa na ação compensatória de dois procesos básicos de morfogênese geológica: os fenômenos aquosos (erosão e sedimentação) e os fenômenos ígneos (vulcânicos e sísmicos).
Embora Lyell se opusesse às extinções em massa, ele advogava a extinção localizada de algumas espécies, que sucumbiam às mudanças morfogenéticas ou climáticas, devido á seleção natural, denunciando a influência posterior de Darwin, seu amigo, que ele, Lyell, sempre negou peremptoriamente, da mesma foma que Darwin sempre negou a influência de Lamarck no seu trabalho, embora essa influência esteja lá.

(2) Darwin se refere aqui a um dos mais sangrentos, imorais e brutais acontecimentos da história: a guerra bem sucedida de extermínio aos povos da Tasmânia, levada a cabo com uma crueldade incomum, raras vezes vistas em povos que atingiram o grau de civilização, ainda mais os ingleses que, naquela, gostavam de ensinar lições de moral ao mundo – veja-se a campanha contra o comércio de escravos, principalmente os do Brasil – feita pelos bandidos psicopatas que eles “exportaram” para a Austrália e Tasmânia. Os últimos sobreviventes foram isolados na ilha Flinders, e lá abandonados até a completa extinção. Darwin, a esse respeito estava muito mal informado. 

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