quinta-feira, 26 de maio de 2016

PROTESTO SENTADO EM JACKSON, MISSISSIPI (1963).

Prof Eduardo Simões

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__ Joan Trumpauer Mulholland era uma típica jovem branca, da classe média de Arlington, na Virgínia, um estado americano com forte predominância de elementos racistas; era o caso de sua mãe, que costumava ter na ponta da língua o velho adagio sulista: “não importa o quão ruim as coisas estejam, desde que não sejam pretas”, que Joan ouviu diversas vezes, sem nunca o assimilar. Aos dez anos ele teve uma experiência ímpar, quando, junto com uma amiga, entrou por curiosidade em um bairro negro de uma cidade da Georgia (estado fortemente racista), e a visão daquela pobreza, em especial das pessoas se escondendo, enquanto ela passava, a deixou chocada, sem entender. A mesma visão que fazia a muitos murmurar: “esses negros são mesmo inferiores”, despertou nela, ao contrário, o sentimento de revolta e a constatação de uma patente injustiça, uma contradição flagrante com a palavra de Deus na Bíblia, que os brancos racistas adoravam citar.
__ Em 1960, na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, ela começou a participar de reuniões e movimentos com negros de protestos pelos direitos civis, sendo por isso presa e fichada (foto acima), após tentarem lhe caracterizar como doente mental, afinal ela era sulista e branca. Pressionada pela decana das alunas brancas de Duke a parar seu ativismo, Joan preferiu deixar a universidade.

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__ Em 1961 ela se incorpora ao movimento dos Passageiros da Liberdade, que tentava fazer cumprir, em algumas cidades do sul, duas decisões da Suprema Corte, que haviam proibido a segregação em transporte público, mas que ainda não eram cumpridas em alguns estados. Nesse movimento ela tem contato com Stokely Carmichael, um dos expoentes da luta pelos direitos civis dos anos 1960, e que se tornou uma das principais figuras da ala mais “radical” do movimento negro, como os Panteras Negras (foto), Hank Thomas, e outros, inclusive um certo Martin Luther King.
__ Sua condição de mulher branca, de classe média, envolvida com homens negros na luta por igualdade de direitos a fez particularmente detestada pelos racistas, em especial os mascarados da Ku Klux Klan, e em mais de uma ocasião, e não por muito, escapou de morte cruel e precoce, além de algumas temporadas no sistema prisional. De quebra veio a ruptura definitiva com a família, em especial com a mãe, algo que a cultura anglo-saxã parece encarar com mais “naturalidade” que a nossa...
__ Mulholland ganhará grande publicidade ao participar de um “sit-in” – literalmente “sentar com” ou “sentar dentro”, mas que traduzimos como “protesto sentado”, quando as pessoas se sentam num lugar inusitado, para chamar a atenção, resistindo, pacificamente, a toda tentativa de retirá-las do lugar – promovido pelos estudantes do Tougaloo College, no Condado de Madison, ao norte da cidade de Jackson, Mississipi, uma instituição exclusiva para jovens negros, mas frequentada por Joan, na lanchonete de uma afamada loja de departamentos dessa cidade, a Woolworth, em 28 de maio de 1963. Tudo começou quando os estudantes Anne Moody, Pearlena Lewis e Memphis Norman, resolveram se sentar no balcão dos brancos, na lanchonete da loja. O Mississipi era um dos estados mais violentamente racistas dos EUA.
__ A polícia não podia tomar a iniciativa de prendê-los, por causa da lei da Suprema Corte, a não ser que o gerente da loja fizesse uma denúncia, mas um ex-policial, Benny Oliver, puxando Normam do balcão, atirou-o ao chão e começou a chutá-lo, sendo nesse momento preso, junto com Norman, por um policial a paisana. Nesse momento um homem armado de faca aproxima-se de Anne Moody, sendo percebido por Trumpauer, que acabava de chegar, e que gritou para todos ouvirem: “cuidado Anne, ele tem uma faca!”, fazendo cessar o ataque. Imediatamente ela foi sentar-se junto a Moody e Lewis. Pouco depois chegou um professor do Tougaloo, o nativo-americano, John Salter, e senta-se ao lado de Joan.

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__ Enfurecidos, os brancos começaram a xingar e a ameaçar os manifestantes, em especial Joan, com gritos de “traidora”, “comunista!”, pode!, “cadela branca”, “branca-negra”, e, avançando contra os manifestantes que continuavam calmamente sentados, começaram a derramar sobre eles tudo que lhes vinha à mão: mostarda, catchup, açúcar, refrigerante, etc. E eles continuaram sentados. Mas não só isso; começaram a receber reforço de outros alunos do Tougaloo, inclusive do capelão branco da escola, reverendo Edwin King, natural de Vicksburg, no Mississipi. Ao todo 14 pessoas participaram desse protesto. Nessa ocasião o fotógrafo do Jackson Daily News, Fred Blackwell, entra na lanchonete e bate varias fotos, inclusive a foto acima, que ficou como um dos registros mais icônicos da luta pelos direitos civis e dos anos 1960, onde aparece John Salter, em primeiro plano, Joan Trumpauer, olhando para esquerda e Anne Moody, olhando para aquela, enquanto os presentes dão vazão à sua ira racial.


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__ Incomodados pela resistência dos jovens, os racistas resolveram partir para a agressão física, para tirá-los do santuário branco do balcão da lanchonete. Mulholland foi pega pela cintura, levantada do banco e jogada ao chão, ao mesmo tempo que Anne Moody, sendo ambas levadas para fora da loja pelos cabelos, e lá começaram a ser espancadas – a polícia, já avisada, interviu então, prendendo os agressores mas liberando as duas – enquanto John Salter era queimado com cigarro no pescoço, agredido no queixo com um objeto de metal, além de experimentar água com pimenta jogada em seus olhos, agressão semelhante sofreu o reverendo “Ed” King, enquanto o nível de violência da multidão crescia perigosamente. Nesse momento, o diretor do Tougaloo College, entrou em contato com a direção da rede Woolworth, e esta ordenou ao gerente em Jackson baixar as portas, o que aconteceu às 14:00. Na foto um dos presentes avança, ameaçadoramente contra Salter.

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__ Na foto acima o reverendo “Ed” King, ainda trazendo as sequelas do evento, com Joan Trumpauer, com pose de marrenta, trazendo uma camisa com os dizeres: “apenas um biscoito da Georgia”. Um “biscoito” pequeno, mas indigesto. King foi particularmente agredido, uma vez que os racistas americanos adoravam pinçar trechos da Bíblia, retirados de seu contexto, para com eles justificar o seu olhar distorcido e a suas crenças raciais doentias. E agora aparecia ali aquele reverendo “de uma figa”, para negar costumes e “interpretações” tão tradicionais!

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__ Joan Trumpauer Mulholland hoje. Ela mantém uma fundação para ensinar aos jovens de comunidades carentes a lutar por seus direitos civis e a serem ativistas em sua própria comunidade. É o que os nossos burocratas chamam de “protagonismo juvenil”, que lá, ao contrário daqui, nasce da luta dos pequenos por direitos e do exemplo de lutadores, caso contrário não merece crédito, e não de uma iniciativa acadêmico-burocrática, ansiosa por imitar o que se faz em outros lugares, em outras realidades. 

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