PROTESTO SENTADO
EM JACKSON, MISSISSIPI (1963).
Prof Eduardo Simões
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__ Joan
Trumpauer Mulholland era uma típica jovem branca, da classe média de Arlington,
na Virgínia, um estado americano com forte predominância de elementos racistas;
era o caso de sua mãe, que costumava ter na ponta da língua o velho adagio
sulista: “não importa o quão ruim as coisas estejam, desde que não sejam
pretas”, que Joan ouviu diversas vezes, sem nunca o assimilar. Aos dez anos ele
teve uma experiência ímpar, quando, junto com uma amiga, entrou por
curiosidade em um bairro negro de uma cidade da Georgia (estado fortemente
racista), e a visão daquela pobreza, em especial das pessoas se escondendo,
enquanto ela passava, a deixou chocada, sem entender. A mesma visão que fazia a
muitos murmurar: “esses negros são mesmo inferiores”, despertou nela, ao
contrário, o sentimento de revolta e a constatação de uma patente injustiça,
uma contradição flagrante com a palavra de Deus na Bíblia, que os brancos
racistas adoravam citar.
__ Em 1960, na
Universidade de Duke, na Carolina do Norte, ela começou a participar de reuniões
e movimentos com negros de protestos pelos direitos civis, sendo por isso presa
e fichada (foto acima), após tentarem lhe caracterizar como doente mental,
afinal ela era sulista e branca. Pressionada pela decana das alunas brancas de
Duke a parar seu ativismo, Joan preferiu deixar a universidade.
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__ Em 1961 ela
se incorpora ao movimento dos Passageiros da Liberdade, que tentava fazer
cumprir, em algumas cidades do sul, duas decisões da Suprema Corte, que haviam
proibido a segregação em transporte público, mas que ainda não eram cumpridas
em alguns estados. Nesse movimento ela tem contato com Stokely Carmichael, um
dos expoentes da luta pelos direitos civis dos anos 1960, e que se tornou uma
das principais figuras da ala mais “radical” do movimento negro, como os
Panteras Negras (foto), Hank Thomas, e outros, inclusive um certo Martin Luther King.
__ Sua condição
de mulher branca, de classe média, envolvida com homens negros na luta por
igualdade de direitos a fez particularmente detestada pelos racistas, em
especial os mascarados da Ku Klux Klan, e em mais de uma ocasião, e não por
muito, escapou de morte cruel e precoce, além de algumas temporadas no sistema
prisional. De quebra veio a ruptura definitiva com a família, em especial com a
mãe, algo que a cultura anglo-saxã parece encarar com mais “naturalidade” que a
nossa...
__ Mulholland
ganhará grande publicidade ao participar de um “sit-in” – literalmente “sentar
com” ou “sentar dentro”, mas que traduzimos como “protesto sentado”, quando as
pessoas se sentam num lugar inusitado, para chamar a atenção, resistindo,
pacificamente, a toda tentativa de retirá-las do lugar – promovido pelos
estudantes do Tougaloo College, no Condado de Madison, ao norte da cidade de
Jackson, Mississipi, uma instituição exclusiva para jovens negros, mas
frequentada por Joan, na lanchonete de uma afamada loja de departamentos dessa
cidade, a Woolworth, em 28 de maio de 1963. Tudo começou quando os estudantes
Anne Moody, Pearlena Lewis e Memphis Norman, resolveram se sentar no balcão dos
brancos, na lanchonete da loja. O Mississipi era um dos estados mais
violentamente racistas dos EUA.
__ A polícia não podia tomar a iniciativa de prendê-los, por causa da
lei da Suprema Corte, a não ser que o gerente da loja fizesse uma denúncia, mas
um ex-policial, Benny Oliver, puxando Normam do balcão, atirou-o ao chão e
começou a chutá-lo, sendo nesse momento preso, junto com Norman, por um policial
a paisana. Nesse momento um homem armado de faca aproxima-se de Anne Moody,
sendo percebido por Trumpauer, que acabava de chegar, e que gritou para todos
ouvirem: “cuidado Anne, ele tem uma faca!”, fazendo cessar o ataque.
Imediatamente ela foi sentar-se junto a Moody e Lewis. Pouco depois chegou um
professor do Tougaloo, o nativo-americano, John Salter, e senta-se ao lado de
Joan.
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__ Enfurecidos, os brancos começaram a xingar e a ameaçar os
manifestantes, em especial Joan, com gritos de “traidora”, “comunista!”, pode!,
“cadela branca”, “branca-negra”, e, avançando contra os manifestantes que
continuavam calmamente sentados, começaram a derramar sobre eles tudo que lhes
vinha à mão: mostarda, catchup, açúcar, refrigerante, etc. E eles continuaram
sentados. Mas não só isso; começaram a receber reforço de outros alunos do
Tougaloo, inclusive do capelão branco da escola, reverendo Edwin King, natural
de Vicksburg, no Mississipi. Ao todo 14 pessoas participaram desse protesto. Nessa
ocasião o fotógrafo do Jackson Daily News,
Fred Blackwell, entra na lanchonete e bate varias fotos, inclusive a foto acima,
que ficou como um dos registros mais icônicos da luta pelos direitos civis e
dos anos 1960, onde aparece John Salter, em primeiro plano, Joan Trumpauer,
olhando para esquerda e Anne Moody, olhando para aquela, enquanto os presentes
dão vazão à sua ira racial.
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http://www.hunterbear.org/
__ Incomodados
pela resistência dos jovens, os racistas resolveram partir para a agressão
física, para tirá-los do santuário branco do balcão da lanchonete. Mulholland
foi pega pela cintura, levantada do banco e jogada ao chão, ao mesmo tempo que
Anne Moody, sendo ambas levadas para fora da loja pelos cabelos, e lá começaram
a ser espancadas – a polícia, já avisada, interviu então, prendendo os
agressores mas liberando as duas – enquanto John Salter era queimado com
cigarro no pescoço, agredido no queixo com um objeto de metal, além de
experimentar água com pimenta jogada em seus olhos, agressão semelhante sofreu
o reverendo “Ed” King, enquanto o nível de violência da multidão crescia
perigosamente. Nesse momento, o diretor do Tougaloo College, entrou em contato
com a direção da rede Woolworth, e esta ordenou ao gerente em Jackson baixar as
portas, o que aconteceu às 14:00. Na foto um dos presentes avança,
ameaçadoramente contra Salter.
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http://www.crmvet.org/
__ Na foto acima
o reverendo “Ed” King, ainda trazendo as sequelas do evento, com Joan
Trumpauer, com pose de marrenta, trazendo uma camisa com os dizeres: “apenas um
biscoito da Georgia”. Um “biscoito” pequeno, mas indigesto. King
foi particularmente agredido, uma vez que os racistas americanos adoravam
pinçar trechos da Bíblia, retirados de seu contexto, para com eles justificar o
seu olhar distorcido e a suas crenças raciais doentias. E agora aparecia ali
aquele reverendo “de uma figa”, para negar costumes e “interpretações” tão tradicionais!
http://civilrightsmuseum.org/wp-content/uploads/2014/09/JoanTMulholland_465px.jpg
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