sábado, 21 de maio de 2016

QUEM NOS DERA OUTRA VEZ... CAUBY PEIXOTO

Prof Eduardo Simões

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__ Somos, desgraçadamente, um povo sem memória, que pouco cultiva a sua história, e não consegue ver nela senão uma tediosa crônica de fatos, sem sentido para a vida. Há alguns anos, numa turma do 2º ano do Ensino Médio, fiz a pergunta de quem já ouvira falar da grande trindade da Música Popular Brasileira (MPB), Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil... Silêncio, só um aluno disse que já ouvira falar de Caetano Veloso. Ofereci pontos positivos para quem fosse capaz de cantarolar pelo menos um trecho de suas músicas... Silêncio absoluto.
__ Escrevo estas linhas sobre o impacto do desaparecimento de um dos maiores artistas da época de ouro do rádio: Cauby Peixoto, que comprovou, na exiguidade e na faixa etária dominante de seu séquito fúnebre, a ausência dessa memória. É profundamente doloroso para quem nasceu e cresceu embalado pela voz inconfundível e pelos hits melancólicos, mas bem construídos dessa época, vê-lo ir-se tão pouco acompanhado em seu último momento, ele que agradou a tantos, embora, neste caso, mais do que em qualquer outro, a qualidade se impõe a sobejas à quantidade.
__ Cauby pertence a uma época de alta qualidade e, principalmente, tremenda diversidade na música brasileira: samba, romântico, bossa nova, o começo da jovem guarda, sertanejo de qualidade em suas diversas manifestações, como o baião, o xaxado, a quadrilha, o picaresco, etc., de uma qualidade que ultrapassa o tempo e vai para a sepultura de seus autores e interpretes ou zunindo no ouvido de seus velhos fãs, inimaginável para quem se vive, agora, sepultado, literalmente sepultado, de músicas descartáveis de qualidade duvidosa, oriundas do falso sertanejo e do funk.
__ Cauby, e os grandes cantores do rádio tinham duas marcas inconfundíveis, hoje relegadas, uma voz potente, com uma afinação impecável, e um carisma, uma personalidade tamanha, que eles conseguiam projetá-la na sua interpretação, tornando-a inconfundível, mesmo quando escutada em um rádio cheio de ruídos de interferência. Entre os vozeirões, que eu ainda ouvi cantar, ressaltaria, correndo o risco de ser injusto, além de Cauby, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Aguinaldo Rayol, e, mais recentemente, Emílio Santiago, embora esses últimos já não conseguissem projetar tanto carisma como os anteriores. Mesmo aqueles que não tinham voz tão potente, como um Ivon Cury ou uma Clementina de Jesus, davam tal personalidade e timbre na voz que também se tornavam inconfundíveis para os seus fãs e os outros. Não vou falar das grandes divas da voz dessa época e posteriores por receio de esse artigo virar num tratado.
__ Não portavam um falso carisma, feito sob encomenda por um marqueteiro, não, eles eram autênticos, embora acalentassem alguma malandragem, como, no caso de Cauby, vestir camisas e ternos muito frágeis, para se rasgarem ao menor puxavante das fãs, exacerbando a sua popularidade. A sua inteligência superior, assim como autenticidade e a qualidade de seu carisma e de seu caráter, transpareciam nas entrevistas, onde ao contar detalhes de sua vida pessoal ou de sua carreira davam inesgotáveis lições de vida, que, mesmo aos de outra geração, Cauby era mais de vinte anos mais velho do que eu, prendia-nos, com os olhos grelados, diante da TV, torcendo para não sermos interrompidos. Esse “cara” sabia muito!
__ A mudança nesse patamar de qualidade, eu experimentei quando, escutando uma entrevista do famoso empresário circense Orlando Orfei, outro da geração de Cauby, vi o seu riquíssimo ser cortado abruptamente, para apresentar o do astro do momento: Ed Mota. Mota respondia com monossílabos, gaguejava, arrastava a voz como que procurando as palavras, parecia um analfabeto, um homem inculto, ou alguém que estava com a mente turvada por alguma química, e, é claro que do pouco que ele falava não se tirava nada... desliguei, ao mesmo tempo, a TV e o meu desejo de espatifá-la.
__ Por falar em Ed Mota, um grande diferencial entre Cauby, sua geração e os “novos” é que aqueles respeitavam e amavam os seus fãs, e faziam de tudo para cultivar a sua proximidade, inclusive cantando, à exaustão, o sucesso mais querido por aqueles. Isso é ser grato, reconhecer que o fã é realmente indispensável ao seu sucesso profissional, ao invés de esnobá-los nas redes sociais como fez Mota, num ataque de egolatria. Cauby se gabava de, ser “obrigado” a cantar várias vezes “Conceição”, em um mesmo show, junto com o povo, era o seu sucesso, a sua marca indelével, que o levaria ao túmulo, como de fato aconteceu. Mota desprezou o seu “Manuel”, e mostrou para os seus fãs que não passa de um “mané”, ansioso por agradar quem não lhe deu um centavo para fazê-lo chegar ao sucesso: os gringos, para quem Mota faz shows especiais.
__ Cauby tinha um “cacoete”. Tratava a todos por “professor”, ressaltando a sua humildade e a sua inteligência. Era um homem que buscava aprender com os outros e por isso tinha sempre tanto a ensinar a todos. Os espertos aprenderam. Ele também nos lembrava da época de ouro da educação e do povo brasileiro, quando nós tínhamos orgulho, embora às vezes um tanto ingênuo, de sermos o que éramos, indispensável para sermos o que precisaríamos ser, e que já não temos mais, mas que precisamos recuperar.
__ Mas, diria alguém, que importância pode ter para nós e o nosso país, a existência de um cantor tão idoso, com 85 anos, que fazia, quando muito, shows intimistas, a plateias pequenas e seletas, em lugares “pouco” frequentados, inviáveis em um Rock in Rio, um Lolapalooza, ou grandes eventos, mesmo porque a sua voz, seu principal patrimônio, já não é a mesma da juventude? Além do exemplo de amor ao trabalho e à sua profissão, os grandes do passado que ainda vivem e atuam, são a prova do potencial, da capacidade, hoje um tanto desacreditadas pelo discurso da esquerda ressentida, fracassada, manipuladora, e não educadora, das emoções populares, de nossa sociedade em se superar e criar realidades sublimes. Uma nação que cria e sustenta um artista do calibre de um Cauby Peixoto, é capaz de enfrentar e superar qualquer problema. Sim, para além do nosso complexo de inferioridade atual, do nosso complexo de vira-latas, nós somos um povo capaz de grandes realizações. Cauby era a prova viva disso.

__ Ele fez bem a sua parte, deu o melhor de si. Descanse em paz!

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