PROPOSTA
DE MUDANÇA CURRICULAR
EM
HISTÓRIA
PROFESSOR EDUARDO SIMÕES - PEB II
EE. ANTONIO DA CRUZ PAYÃO
EE. NILO SANTOS VIEIRA
Email: eduardospqr@gmail.com
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CONSIDERANDOS
Considerando
o caráter estratégico, fundamental, aos interesses da nação do sucesso da
escola de Ensino Fundamental.
Considerando
a importância, para a formação do indivíduo, do sucesso do Ensino Fundamental.
Considerando
os benefícios advindos à sociedade do sucesso do Ensino Fundamental.
Considerando
as características estruturais e evolutivas da psicologia da aprendizagem de
crianças e adolescentes nessa faixa de idade.
Considerando
a natureza do conhecimento histórico; crítico, discursivo, lógico, realista, mais
uma boa dose de subjetividade.
Considerando
os resultados práticos do atual currículo; absolutamente inadequados à
conquista dos objetivos e metas acima discorridos.
Considerando
o esvaziamento do interesse pela história, em especial da história do Brasil – a
esse respeito, a maioria de meus alunos só consegue reter dois nomes: o de
Pedro Álvares Cabral, e o de Getúlio Vargas. “Cabral” por ser um nome estranho,
e o primeiro que eles conhecem nas turmas iniciais; já Getúlio Vargas é o nome
da avenida, em minha cidade, onde os jovens se encontram para assistir ao desfile
de carnaval, ir às baladas, comemorar os títulos do seu time preferido, etc.
Considerando
a enorme quantidade, e a qualidade de obras de história, proveniente de países
onde as pesquisas históricas e os recursos disponíveis para tal são abundantes,
e que tornam essa história, que nós chamamos de “Geral” cada vez mais atraente
para alunos e professores, em detrimento da nossa história, com pouca pesquisa,
poucos textos, poucos recursos, etc.
Considerando
que uma abordagem estritamente cronológica dos conteúdos, como se faz hoje,
embora faça algum sentido para um professor universitário ou um especialista na
matéria, não faz muito sentido para a criança em formação, que sempre retém
mais facilmente aquilo que lhe for mais próximo, que tenha a ver com seus
esquemas de assimilação (no sentido piagetiano do termo), desinteressando-se
pelo distante.
Considerando
que a criança tem nas séries iniciais uma visão muito superficial e pessoal da
história – em geral são temas isolados da história do Brasil, onde os
personagens, não raro, aparecem com cara de criança, algo perfeitamente
compatível com o predomínio da assimilação nessa fase – sem uma noção de
evolução crítica, que é própria do aprendizado da história.
Considerando
que as noções muito ralas de história aprendidas nas séries iniciais não podem
ser consideradas como uma formação básica em história do Brasil.
Considerando
as parcas oportunidades que as classes populares, sem excluir muitos jovens e
classe média e até elevada, têm de contato com a história nacional antes de
entrar na escola.
Considerando
o caráter estratégico do conhecimento histórico para os interesses nacionais –
tem-se dado muita ênfase à linguagem e à matemática, e de fato elas têm a sua
importância, mas se apenas a língua contasse, nós seríamos até hoje um só país com
Portugal, e isso não acontece porque a nossa história, a história dos nossos
interesses, nos faz diferentes, e às vezes antagônicos, apesar da proximidade
linguística. Atualmente os nossos interesses convergem muito mais para a China,
que não pode ter uma língua mais diferente da nossa, que para Portugal.
Considerando
o isolamento cultural das comunidades nas periferias das grandes cidades e do
campo, onde a existência de bibliotecas, cinemas, acesso à internet, teatro,
dança, museus, shows, etc., que dificultas a aprendizagem, inclusive, daquilo
que é nosso patrimônio histórico-cultural comum.
Considerando
o descaso e a quase inexistência de marcos históricos, em nossas comunidades,
que reforce o nosso sentimento de pertença à comunidade nacional, e até local –
vizinhos que partilham, por meio de ascendentes, conhecidos e admirados, de uma
mesma história – agravada pela destruição generalizada de documentos,
monumentos, prédios, e outros marcos históricos que poderiam complementar a
formação escolar da criança.
Considerando
a dinâmica do processo de aquisição de conhecimento pela criança, e qualquer
ser humano – já bastante conhecido por meio de trabalhos científicos de peso,
principalmente os de Jean Piaget – que parte do próximo para o distante, do
conhecido para o não conhecido, do atual para o remoto ou futuro.
Considerando
que as últimas reformas e medidas educacionais favoreceram ao ingresso de
crianças cada vez mais jovens e imaturas no Ensino Fundamental, que, associado
ao que se disse acima, apresentam uma enorme dificuldade de assimilar o
conteúdo de história do currículo atual.
Considerando
a inadequação psicológica e pedagógica de um rol de habilidades e competências
voltadas para o conteúdo, como acontece hoje.
Considerando
a realidade psicológica da expressão “só se ama o que se conhece”, reforçada
pela observação cotidiana das dificuldades de meus alunos das séries iniciais
em entender nomes e costumes tão estranhos, quando comparados ao seu entorno
cultural, que lhe serve de esquema de assimilação.
Considerando
que a abordagem cronológica prejudica sensivelmente a quantidade e a qualidade
da história do Brasil, uma vez que nós só contamos com 5 séculos de civilização
integrada à história do mundo, enquanto a História Geral conta com uns 60
séculos, e a nossa arqueologia não pode, em massa de dados, competir, sozinha,
com a do resto do mundo.
Considerando
que não convém que a escola, e menos ainda a história, se transforme em
instrumento para reforçar a baixa autoestima nacional, como acontece no atual
currículo.
Considerando
a grande diversidade microrregional, e, dentro desta, das escolas que compõem
cada diretoria, que inviabiliza um currículo tão “amarrado” como o atual.
Considerando
a plasticidade do raciocínio lógico, que não atua de forma linear e quantitativa,
como supõe a zona de desenvolvimento proximal.
Considerando
que a forma de aprendizagem e os interesses das crianças do Ensino Fundamental,
em matéria de história (e de outras disciplinas também), não são os mesmos de um
adulto, e menos ainda os de um especialista.
Considerando
que a questão da definição de uma identidade social (quem sou eu para os meus
pares?) é, de longe, o mais premente e angustiante desafio ou preocupação do
adolescente
Proponho: a
mudança dos conteúdos de história do Ensino Fundamental da seguinte maneira:
História do Brasil I (Colônia e Império) no 6° Ano; História do Brasil II
(República) no 7º Ano; História Geral I (da Pré-História até Grandes Navegações
(descobrimento do Brasil)) 8º Ano e História Geral II (da Colonização das
Américas até os dias de hoje).
JUSTIFICATIVAS
POLÍTICO-SOCIAIS
Assim como a memória é, para o
indivíduo, a principal fonte de sua identidade, a história é, para uma
comunidade, principalmente a comunidade nacional, a principal fonte de sua
identidade e unidade, e sem identidade e unidade não existe a nação, mesmo
quando há território e a soberania de leis, em que poucos acreditam.
Como principal fonte de identidade, a
história propicia condições para a formação de um sólido filtro ao cidadão comum,
para absorver a enorme gama de conteúdos culturalmente estranhos disponíveis na
Internet e em outros meios de comunicação social, lhe permitindo dar um sentido
que favoreça a ampliação e estabilização das possibilidades de suas
possibilidades de sobrevivência, e a de sua comunidade. Será justamente essa
identidade que lhe servirá critério, determinando o que convém ser descartado,
o que deve ser preservado e o que deve ser modificado. Neste momento ele também
aprende com a cultura e a história das outras nações.
Como principal fonte de unidade, a
história do Brasil tende a unificar sentimentos e aspirações de todos os
nascidos em nossa pátria, para objetivos comuns e convivência mais pacífica e
orgânica, reduzindo o caos social – claramente perceptível em comunidades que
perderam de vista o grande projeto nacional, delineado pelas linhas e sentidos
de sua história – favorecendo a que se estreitem os laços de vizinhança, pelo
culto, por meio da história, de ancestrais e vicissitudes comuns, diferente do
que acontecia na casa grande, onde o vizinho estava fora de vista, distante, e
a única história que interessava era a da relação do patriarca com seus
antepassados diretos, por linha paterna, enquanto na senzala, onde os vizinhos
praticamente se amontoavam sobre o indivíduo, e a única história possível era a
memória idealizada de terras distantes – que parece ainda hoje existir tanto
nos movimentos negros como na alta classe média que vive a idealizar seja a
África Negra seja a Europa Branca – além do ressentimento de estar ali, numa
terra estranha com gente estranha.
Essa nossa herança colonial não pode
ser ignorada ou menosprezada – por isso deve ser conhecida, e muito bem
conhecida – e isso é claramente visível, hoje, em sala de aula, quando alunos
de grupos minoritários, ou que se veem como minoritários, se agrupam em setores
da sala e, embora não agressivos, resistem à interação com o restante da turma,
enquanto nas ruas as formas sangrentas e impiedosas que o crime, organizado ou
não, vinculado ao consumo de drogas ilícitas, claramente ligadas ao estresse
derivado de uma realidade social que não integra, mesmo falando a mesma língua,
ganha corpo em nossas ruas, onde indivíduos, que se veem apenas como seres
isolados, não historicamente identificados, sendo massacrados por menores, a golpes
de faca, enquanto a multidão de passantes foge, por não ser capaz de
identificar aquela vítima como alguém a ela ligado, seja pelo afeto seja pela
história.
O conhecimento mais apurado, mais detalhado,
da história do Brasil é fundamental, nos dias de hoje, para recuperarmos a
nossa identidade brasileira, conspurcada, também, pelas tentativas
catastróficas, cada dia mais comum, de se dar nomes estrangeiros às crianças,
sem falar das próprias crianças – já tive uma aluna que queria que eu grafasse
o nome dela no meu diário com dois ípsilones, quando, nos seus documentos
estava escrito com “i” e “e”. Logo eles que, pela cor de sua pele, seriam
fortemente discriminados por essa cultura estrangeira onde buscam inspiração.
Pobre do povo que despreza a sua cultura em favor de outra, que o despreza como
povo. Precisamos urgentemente revalorizar a História do Brasil.
A história é, pois, um poderoso cimento
político-social que amplia as possibilidades de intervenção de grandes massas
humanas, e a sua transformação ao em povo consciente. No passado, quando ainda
não havia uma história como memória virtual transformada em realidade por meio
de documentos materiais, portanto melhor preservada, os povos encontravam a
justificativa de sua união para grandes empreendimentos em templos, onde várias
comunidades executavam ritos e crenças comuns. Faziam isso porque buscavam a eternidade
nas entidades e instituições espirituais ou religiosas. A nossa história também
precisa se eternizar, mas isso só acontecerá se for corretamente preservada, e
adequadamente ensinada. Os adultos podem brincar de se enganar, dizendo que
valorizam a nossa história, ao mesmo tempo em que a esvaziam nas escolas, mas
os jovens não se deixam enganar e estão com pressa.
Por fim nós precisaremos de uma forte,
e bem definida, identidade nacional, se quisermos contribuir no concerto das
nações mais poderosas do mundo, de uma forma assertiva, com projetos de alcance
mundial respeitáveis, deixando de oscilar entre o protagonismo desarrazoado e o
isolamento visceral, o que denuncia a falta de um padrão diplomático, fruto da
não clareza dos interesses nacionais de longo prazo, o que só é possível por
meio do conhecimento profundo de nossa história, sem os clichês ideológicos da
direita e da esquerda, pois é ela quem nos aclara onde nossos interesses
nacionais são mais claramente preservados e onde estão mais expostos, onde nós
podemos abrir mão e onde nos convém até enfrentar uma guerra, para preservá-los.
Fora isso é ficar ao sabor dos sentimentos do mandatário no poder, como nos
tempos do Ancient Regime, traindo-nos a nós mesmos.
Complementaria esse item com uma citação
de Jean Piaget, em seu livro Para onde
vai a educação:
“Proclamar que toda pessoa tem o
direito à educação não é, pois, unicamente sugerir... que todo indivíduo,
garantido por sua natureza psicobiológica ao atingir um nível de
desenvolvimento já elevado [adquirido previamente na família e a pré-escola],
possui, além disso, o direito de receber da sociedade a iniciação às tradições
culturais e morais; é, pelo contrário... afirmar que o indivíduo não poderia
adquirir essas estruturas mentais mais essenciais sem uma contribuição
exterior, a exigir um certo meio social de formação, e que em todos os
níveis... o fator social ou educativo constitui uma condição do
desenvolvimento... é pois assumir uma responsabilidade muito mais pesada que a
de assegurar a cada um a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo;
significa, a rigor, garantir para toda criança o pleno desenvolvimento das suas
funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais
que correspondem ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social
atual. E antes de mais nada... assumir a obrigação – levando em conta a
contribuição e as aptidões que distinguem cada indivíduo – de nada destruir ou
malbaratar das possibilidades que ele encerra e que cabe à sociedade ser a
primeira a se beneficiar” (7ª edição; Livraria José Olimpyo - Unesco; pg 33-34;
1980
JUSTIFICATIVAS
PSICOPEDAGÓGICAS.
A grande questão da pedagogia – entendida
como a ciência que trata da educação de jovens, ou seja, de sua inserção ao
mesmo tempo harmônica (conservação do ethos social) e conflituosa
(transformação do ethos social), com base no conhecimento da dinâmica de seu
processo de amadurecimento (cognitivo – intelectual; afetivo – motivação;
social – adaptação) – é, a meu ver, determinar as condições e o momento
adequado para apresentar os conteúdos culturais de uma sociedade para as novas
gerações. Nesse sentido ela é muito devedora da psicologia, em especial a
psicologia do desenvolvimento.
Durante o processo ensino-aprendizagem,
é necessário que ocorram os seguintes encaixes: o grau de complexidade da
estrutura mental da criança com as possibilidades espaciais e a complexidade
das normas de convivência dentro do ambiente escolar; o grau de complexidade da
estrutura mental da criança com a complexidade dos conteúdos a ser apresentados
para a criança; as características da estrutura mental da criança com a
proposta de abordagem, o método, sugerida pelo professor. Algo que o
profissional de educação pode encontrar de modo bastante minucioso na obra de
Jean Piaget e naqueles que o traduziram para os professores, em especial Lauro
de Oliveira Lima.
A criança que sai da pré-escola deveria
estar, se seguirmos a cronologia de Jean Piaget, pronta para ingressar na
última fase de seu desenvolvimento mental – que se manifesta, ou assim deveria,
de forma igual e solidária em seus aspecto cognitivo, afetivo e social – que
ele batizou de operatório lógico-formal, ou abstrato; um tipo de estrutura
mental absolutamente indispensável para que o aluno possa enfrentar as últimas
séries do Ensino Fundamental e do Médio, com chances mínimas de ser
bem-sucedido. Aqui, porém, acontecem dois problemas: esse desenvolvimento não
ocorre necessariamente na mesma velocidade para todos os alunos e esse
desenvolvimento pode ser afetado por diversos fatores, inclusive sociais.
O desenvolvimento mental não ocorre ao
mesmo tempo paras todas as crianças em virtude de ser um movimento espontâneo,
interior á criança, não no sentido de que esta possa aprender sem professor ou
sem a orientação de um adulto, mas no sentido que a resposta esperada à um
ensinamento ocorre na forma de um ‘insight’, de uma ‘descoberta’, da mente da
criança. Deve partir originalmente dela, e no tempo dela. É esse o sentido que
Piaget dá quando fala de “aquisições espontâneas” da criança.
O desenvolvimento mental pode sim ser
tolhido de várias maneiras, pois, segundo Piaget, o desenvolvimento mental
depende da correta integração entre quatro fatores:
a)
Maturação biológica: a capacidade de entender determinados conteúdos, ou mesmo
a forma de explorar determinados conteúdos, o método, varia com a idade, e está
relacionado ao amadurecimento do seu sistema nervoso e endócrino, partindo dos
conteúdos mais simples (para quem já os superou) para o mais complexo
(conteúdos só manipuláveis por adultos “inteligentes”) – é inócuo pedir a
crianças de 3 ou 4 anos para que debatam um tema, que se coloquem no lugar de
outra criança, etc. Se a criança for apresentada a um currículo antes de estar
biologicamente madura para entendê-lo, o mais provável é que desenvolva sérios
problemas de aprendizagem e/ou disciplinar. O ritmo da maturação biológica, de
uma maneira geral, é determinado pela evolução da espécie, embora possa variar,
dentro de limites, em cada indivíduo, como é o caso de alguns “superdotados”, bem
menos “superes” do que se imagina. No outro extremo, a criança que tiver a
higidez de seu sistema nervoso ou hormonal alterado por alguma afecção, poderá,
por conta disso, sofrer uma lentidão, retardo ou impedimento intransponível
para alcançar os mais elevados níveis de desenvolvimento mental.
b)
Experimentação pessoal: quando a criança é levada, ela mesma, a manipular os
materiais e objetos da realidade ao seu redor, ela aprende melhor e mais rápido.
Não adianta mostrar, é fundamental que a criança experimente por si mesma e
desenvolva um conceito compatível com o seu nível mental atual, que precisa ser
respeitado. Essa experimentação começa, é verdade, com objetos materiais, mas
com o passar do tempo, quando ela ingressa no período operatório lógico-formal,
essa experimentação ocorre também em relação a conceitos e valores, que são
minuciosamente dissecados e criticados, em busca de alguma contradição (aspecto
cognitivo) ou hipocrisia (aspecto moral), desde que a criança tenha liberdade
para tal. Quando essa liberdade não existe, seja porque essa criança é muito
mimada seja porque é muito reprimida, ela pode se atrasar no seu
desenvolvimento. Nas comunidades onde há mais repressão, por razões de
religião, política, higiene, etc., o nível médio de desenvolvimento mental (não
digo inteligência, para que não se confunda apenas com o cognitivo) tende a
cair.
c)
Transmissão social: refere-se ao peso da ideologia social dominante, expressa
por meio de palavras, modelos e comportamentos pelas pessoas do círculo social
da criança incluído pais, parentes, amigos e professores, na formação da
criança, que pode ter um caráter mais integrador, mais transformador, mais
conservador ou desintegrador. No primeiro caso há uma visão idílica da
sociedade e os pais fazem tudo para integrar a criança naquele que é, para
eles, o melhor dos mundos, gerando uma atitude de excessiva confiança – é o
jovem ‘new age’; no segundo caso a sociedade é vista como repleta de erros e
desvios que precisam ser corrigidos, os pais tendem a criar uma personalidade
mais voluntarista, afirmativa, às vezes de difícil convívio, mas capaz de altos
voos, de muita imaginação e utopias – é o jovem “revolucionário”, contestador,
tão saudável quanto temido pelo professor convencional; no terceiro caso há um
apego muito forte ao passado (um passado idealizado, acrítico), e a antigos
mitos e costumes, o medo dá as cartas e a racionalidade fica por um fio, criada
nesse tipo de ambiente a criança desenvolve uma forte repulsa, movida pelo medo
de “pecar”, a tudo o que está ao redor, e a sua postura mais comum é a de fuga,
de não experimentar – é o garoto beato, que não interage com ninguém, pois foge
de todos; no quarto caso o garoto já assimilou, por meio da família, amigos,
etc., a ideia de que o mundo e as pessoas são maus ou hipócritas, e por
conseguinte ele está desobrigado de agir honestamente no contato com as outras
pessoas, esse é o mundo do jovem marginal, com sérios desvios de comportamento;
ele é tão antissocial quanto o beato,
mas sua postura é de agredir a todo, seja por que meio for. Ultimamente tem se
tornado comum, entre nós, outro tipo de ideologia desintegradora, naquela
postura existencial de que só a sobrevivência imediata do individuo é o que
importa, privando-o de sequer tentar expressar alguma forma de juízo sobre o
que ocorre ao seu redor.
Por
conseguinte, os obstáculos a uma aprendizagem saudável e ao pleno
desenvolvimento são grandes, tornando indispensável que a ação pedagógica considere
o ambiente formativo da criança e a escola busque por todos os meios integrar a
família ao processo educacional, ou pelo menos não deixar que ela atrapalhe a
ponto de bloquear emocionalmente o desenvolvimento mental de seus filhos. A
ignorância dos aspectos afetivos da criança, que são afetados pelo convívio de
famílias desestruturadas não deve em hipótese alguma ser ignorado. É em casa, pela
transmissão social, que a criança aprende a respeitar o professor, amar o
conhecimento, esperar o momento de ganhar o presente que ela fez por merecer, e
se isso não for feito na família, a escola deverá dar uma resposta muito
incisiva ás demandas afetivas da criança, conforme sejam adequadas e
adaptativas ou inadequadas e desadaptativa, e se cercar de cuidados para fazer
com que algo de bom ainda aconteça na vida dessas crianças. A importância do
contexto familiar, escolar ou social no processo de desenvolvimento da criança
pode bem ser medido por um axioma piagetiano: “aquele conteúdo que não é
socializado tende a permanecer imaturo”, mesmo aqueles conteúdos que poderíamos
classificar como mais estritamente cognitivos, que podem bem ser memorizados
por quem só se dedica aos estudos, mas que nunca entendido em sua totalidade ou
possibilidades, como quando o aprendiz tem uma vida social mais rica e estável.
É a diferença entre ser superdotado (precocemente especializado) e ser
inteligente (adequadamente preparado); invariavelmente o primeiro trabalha para
o segundo.
d)
Equilibração: é um mecanismo interno de integração sistêmica da mente, que
organiza e dá sentido às experiências antigas, por meio das quais seleciona e
incorpora novas experiências, reorganizando o todo, orientando as estruturas
mentais para uma maior abertura e estabilidade, afinando, inclusive, a sua
sensibilidade, das estruturas mentais, no sentido de prever o desdobramento de
certas ações, sem nem precisar reproduzi-las concretamente ou leva-las até o
seu final, sejam elas feitas pelo próprio organismo ou por outros. Esse
mecanismo tão caro à operação mental de síntese e perspectiva, indispensável
para quem trabalha com projetos, está indissoluvelmente ligado aos outros três
fatores – cada um deles interfere na maturação dos outros três e é por estes modificado.
O sucesso da equilibração depende fundamentalmente de fatores internos ao
indivíduo, é algo a que só ele pode ativar e saber, antes de todos, aonde vai
dar.
Por
conseguinte, toda vez que um professor vai propor um conteúdo, e até um método
de explorar o conteúdo a uma turma ele precisa saber se todos os alunos, ou
pelo menos a maioria, a) dispõe de condições biológicas indispensáveis para isso
– não as possuem os alunos INTEL e aqueles que são promovidos ou matriculados
precocemente nos cursos; b) se eles se sentem autorizados para manipular, ainda
que só mentalmente, os conteúdos que o professor deseja transmitir – um beato
radical pode rejeitar a discutir temas como a evolução, uma doutrina materialista,
a evolução dos costumes sexuais na sociedade moderna, etc.; d) se a
ideologização que eles sofrem no ambiente doméstico ou no entorno é de tal
forma a ajudar na aquisição dos conteúdos escolares ou é antes um empecilho; e)
se o professor conhece as etapas do desenvolvimento mental da criança e é capaz
de explorar e valorizar a sua capacidade de dar respostas originais a antigos
questionamentos?
Isso
posto, vejamos o que ocorre atualmente na escola.
Situação Escolar Atual
Há
uma pressão, por parte do sistema educacional, com a conivência agradecida e
inconsciente da família – por isso mesmo repleta de sentimentos de culpa que
invariavelmente explodem em pequenos acidentes escolares, transformados, pelos
pais, em caso de polícia – no sentido de antecipar a entrada da criança nas
séries mais elevadas, sem considerar a maturidade mental (cognitiva, afetiva e
social) da criança, que, como vimos acima, é fundamental para que ela possa
adquirir o conhecimento que o currículo escolar espera dela. E nós, professores
desse nível de ensino, percebemos claramente os seus efeitos da seguinte
maneira:
a)
Os alunos não mostram ter captado nem as formas mais básicas da leitura de
textos na língua pátria, se é que ainda há alguma língua pátria na mixórdia em
que se tornou a aprendizagem da língua – eles ignoram as sílabas, a separação
das sílabas no final das linhas, as formas mais elementares de acentuação (o
acento desapareceu dos textos), as situações de letras maiúsculas (igualmente
extintas), o espaçamento dos parágrafos, etc. Os erros de ortografia são
brutais, assim como a deformação das letras que torna quase inviável o trabalho
de leitura e avaliação. Boa parte dessas dificuldades decorre da precocidade com
que estas crianças estão sendo apresentadas a conteúdos de uma complexidade bem
superior à de suas estruturas mentais.
b)
A transmissão social de conteúdos socialmente relevantes para a comunidade
falha de uma forma tal, que essas crianças, seja porque os pais estão muito
ausentes da educação dos filhos, a maioria lutando para lhes dar um mínimo de
conforto material, seja porque elas, as crianças, são muito novas, e ignoram
até as coisas mais básicas de sua existência concreta imediata, como o nome da
rua e do bairro onde moram, o nome do prefeito, para quem seus pais fizeram
campanha, o nome da capital do seu estado, os estados brasileiros, etc., quando
a complexidade do currículo das últimas quatro séries do Ensino Fundamental
supõe que elas já tragam isso bem estruturado de casa. Não é o que está
acontecendo.
c)
A transmissão social também falha miseravelmente quando se trata de ensinar, em
casa, as crianças a valorizar a escola, o conhecimento formal e a respeitar
seus professores, como o elo indispensável entre a família, a sociedade e um
conhecimento que lhe abrirá um caminho de possibilidades e superação sequer
imaginadas. A criança não está aprendendo, em casa, a respeitar o professor
enquanto pessoa – o professor é, no Brasil, apenas uma espécie de babá de luxo,
em um depósito de crianças, a escola, num país onde esse tipo de atividade, o
cuidador de crianças, foi historicamente exercido pelos escravos mais boçais,
sendo, por muito tempo, após a abolição, uma das fortes reminiscências do
sistema escravista – nem como profissional, porque muitos não acreditam mais na
eficácia dos estudos para prover a sobrevivência, num país onde astros
milionários do esporte e das artes são semianalfabetos, e as escolas não
conseguem ser polos de prática esportiva e berçário de atletas.
d)
A defasagem dessas crianças, tão prematuramente arrastadas ao Ensino
Fundamental, não é só intelectual, mas é também afetiva, e transparece na sua
incapacidade de mobilizar sua vontade, sua paciência, para enfrentar os
obstáculos, os desafios propostos à sua inteligência. Como as crianças menores,
pré-operatórias, nossos adolescentes desistem muito fácil, ante a primeira
dificuldade, e se entregam ao derrotismo, a um “não sei”, que está sempre na
ponta de suas línguas.
e)
Nas suas relações sociais também aparece os sintomas de sua imaturidade, na
forma como estão continuamente chamando a atenção do professor, como se fossem
crianças pequenas buscando a aprovação de papai e mamãe; nas eternas denúncias
contra seus próprios colegas; na dificuldade intransponível de interagir com
esse ou aquele, em virtude de algum detalhe aparentemente irrelevante, às vezes
a cor da pele; na natureza de suas demandas ou denúncias, absolutamente
incompatíveis com a dinâmica da escola, com se eles ainda estivessem em casa, e
o professor fosse uma espécie de parente, um “tio” ou “tia”, pronto a
satisfazer os seus caprichos.
É
claro que essas crianças estão defasadas, inclusive para a sua faixa etária, se
considerarmos os referenciais que Piaget criou para o desenvolvimento de
crianças europeias, no início do século XX!!! É que elas sofrem na pele, mais
do que ninguém o efeito da desestruturação das famílias resultantes da crise
econômica e de valores de nossa sociedade, mas desse mesmo cenário podemos tirar
um questionamento: como é que a crianças assim, tornamos ainda mais difícil a
aquisição de um conhecimento tão importante e estratégico como a história,
construindo um currículo baseado fundamentalmente na organização cronológica do
conteúdo, a partir da história geral?
O Conteúdo Atual de
História
É
verdade que a noção de tempo é primordial à construção do saber histórico, mas
também o é a noção de espaço, sem falar que, mesmo admitindo isso, ainda cabe
um questionamento fundamental: a noção de tempo e de espaço na criança e no
adolescente é exatamente a mesma do adulto, do professor universitário? A
natureza do seu conceito de história, as démarches que ela passa para
conceituar a sua realidade são as mesmas sofridas pelos adultos? A resposta é
um NÃO peremptório. Não iremos aqui entrar em maiores detalhes sobre esse assunto,
mas, por enquanto, é bom saber que até determinada idade as crianças não
conseguem representar, embora percebam perceptualmente, sequer as mudanças de posição de corpos no espaço, quanto menos o conceito de
evolução das sociedades, fundamental ao moderno entendimento da história. Como,
pois, vamos exigir uma noção de tempo que se conta em milhares (a evolução das
civilizações) e até milhões de anos (a evolução dos seres humanos), a crianças
ainda tão novas, algumas apresentando falhas mentais consideráveis.
O
tempo e o espaço, portanto, são apenas alguns dos fatores que entram no
entendimento do conceito de história, e não podem de maneira nenhuma ser
absolutizados, mas mesmo se considerarmos a questão do espaço, devemos ter em
mente que será um espaço não abstrato, não conceitual, não completamente
uniforme, ainda impossível nessa idade, mas antes de espaço vivencial,
experimentado pelo sujeito – é por isso que muita gente não acredita ainda que
o homem chegou à lua, porque não é capaz de construir um espaço conceitual onde
essa possibilidade existe.
Mas
não é só isso, todo conhecimento parte, como bem demonstrou Piaget, do que este
chama de “esquema de assimilação”, que é um conjunto articulado conhecimentos
prévios, um modelo de ação – todo conhecimento deriva sempre uma ação motora,
verbal ou mental – adquirido em casa e alhures, nos quais ele buscará suportes
significativos para dar sentido aos novos conhecimentos que vai adquirindo, por
meio de comparações, analogias, e outros esquemas lógicos derivados de
aprendizagem anterior. Ora, os esquemas anteriores de aprendizagem desses
alunos se referem às vivências no seio de sua família, de sua rua e bairro,
além dos amigos da escola, todos caudatários da cultura brasileira. Não há
ainda, como justificamos no parágrafo anterior, uma identidade brasileira
compreendida no tempo (evolução de nossa sociedade) e no espaço (todo o
território nacional minimante entendido em sua diversidade), que é preciso
construir agora. Esse é o tempo.
Como
podemos pedir a essas crianças que se familiarizem, de uma hora para outra, com
nomes e hábitos estranhos à sua cultura, quando elas sequer ainda absorveram o
mais profundo de sua própria cultura , num nívelcompatível com seu
desenvolvimento atual? Como esperar que elas criem uma noção de tempo tão
longa, quando elas se mostram incapazes até de lidar com contagem de séculos –
digo isso por experiência em sala de aula, onde até 90% dos alunos de 6º Ano se
mostram impermeáveis à aprendizagem da transformação de data em século, quando
não ignoram, em grande número, até o elementar dos algarismos romanos. A falha
no ensino da matemática, amplamente detectada em exames, repercute na história,
clamando para que esta se torne mais compatível com o desenvolvimento mental e
a cultura de nossos alunos.
Outra
grande inadequação é a preparação, para o ensino da história, iniciar-se por
uma introdução ao conceito abstrato de tempo, sobre o qual já falamos acima,
vendo como ele é tratado por diversas culturas, o que não ajuda em nada o
conhecimento histórico propriamente dito, que é, nessa fase da vida das
crianças, mais vivencial, mais comparativo, que conceitual, sem falar de toda
uma introdução aos temas das ex-“ciências auxiliares” da história, como
arqueologia, cronologia, epigrafia, paleontologia, etc., absolutamente inútil
nesse período de desenvolvimento, inclusive porque, como vimos, sequer se
formou ainda um conceito lógico, científico, de história pela criança. Isso é
um assunto mais para especialistas, e é por isso que, no passado, essa temática
só aparecia no Ensino Médio (o antigo científico)!
Outra
grande dificuldade é a apostila, uma vez que nela parecem problemas e texto
que, nas minhas turmas, têm–se mostrado muito acima da capacidade de resolução
e compreensão dos alunos, tornando-se uma fonte de estresse para estes e para
os professores. Para os alunos pelo fato de virem uma grande variedade de
exercícios não resolvidos, e folhas em branco, deixadas para trás, atestando o
quanto eles estão despreparados (uma bofetada na sua autoestima), e para os
professores que, percebendo que aquilo está bem acima da capacidade de seus
alunos, se questiona sobre sua capacidade, e a de seus colegas das séries
anteriores, e se ele, por ventura, não estaria se afastando da diretriz da
Secretaria de Educação (uma bofetada na sua motivação profissional). Por mais
que ele faça os alunos não entendem.
Para
mim, o grande problema da apostila é que ela tenta unificar, artificialmente, o
que é naturalmente diverso, ou seja, o nível de compreensão e de cultura médio
dos alunos de cada escola da SE. De fato, o nível de informação, e até de
entendimento, de um aluno que mora próximo a um bairro de classe média de uma
grande cidade, mesmo sendo pobre, normalmente excede a mesma capacidade de um
menino de uma escola rural, ou de uma cidade menor, isolada de uma série de
serviços culturais típicos de grandes centros, inclusive os vinculados à
história, como os museus, ainda que seja financeiramente abastado.
Vejamos
o primeiro conteúdo previsto no currículo do 6º Ano: “Sistemas sociais e
culturais de notação de tempo ao longo da história”. Ora, o próprio conceito de
cultura é um dos mais ambíguos e questionáveis entre os muitos das Ciências Humanas.
A possibilidade de o conteúdo “os suportes e os instrumentos de escrita”,
despertar algum interesse nos alunos é simplesmente nulo, mesmo que se façam
longos e tediosos atalhos buscando elementos vivenciais de comparação no mundo
da criança. A temática é abstrata, desinteressante, você precisa transpô-la às
pressas, para não matar o aluno de tédio, ou desviá-lo excessivamente da
essência do conteúdo, atordoando-o com um monte de novas experiências,
conceitos, frases e explicações.
Outro problema é a enumeração de
habilidades e competência, requeridas ou previstas para cada tema, voltadas
exclusivamente à aquisição de conteúdos, ou a aquisição de comportamentos,
muito indefinidos ou abertos a “n” interpretações como: “reconhecer os
acontecimentos históricos em sua temporalidade, estabelecendo relações de
anterioridade e posterioridade”. Uma habilidade dessas é impossível de ser
apresentada a um aluno, sendo de difícil compreensão até para um professor.
Repito:
se o conteúdo não for familiar e significativo ao aluno ele não se interessará,
ou como diria um grande professor, Lauro de Oliveira Lima: “o interesse (a
motivação) é o termômetro (é proporcional a) da necessidade”. Vejamos essa
habilidade a que nos propõe o currículo da SEE: “identificar nos códigos legais
a presença e a preservação de desigualdades que caracterizam as sociedades ao
longo da história”. Ou seja, o autor dessa proposta supõe que alunos da 5ª
série/6° Ano, entre dez e doze anos de idade, estão vivamente interessados em
questões jurídicas, e as suas consequências sociais, quando qualquer um sabe
que nem os pais delas pensam nisso, porque se pensassem o país não seria como é
hoje. Tampouco a esse respeito se preocupam sequer a maior parte dos estudantes
das universidades, que a muito tempo abandonaram as grandes lutas sociais, para
se concentrar no seu sucesso pessoal e na sobrevivência física da universidade pública.
Que pensar ainda de “reconhecer a África como o lugar do surgimento da
humanidade a partir de dados e vestígios arqueológicos” (idem). É possível
alguém “reconhecer” outra coisa com os dados que se tem hoje? É proibido pensar
o contrário se novos dados desmentirem essa “verdade”? Em que essa crença
ajudará a pessoa comum a viver melhor, que tipo de soluções trará aos problemas
da sua vida, ou o autor dessa proposta acredita na ciência “desinteressada”,
construída pelo simples amor à “verdade”, como havia na Grécia Antiga, graças
ao concurso de inúmeros escravos, ou o autor está querendo nos induzir a uma
ideia de superioridade racial subjacente (a da raça negra)?
Uma
coisa é reconhecer a presença da ideologia nas conclusões e sínteses científicas,
sempre insuficientes e histórica e culturalmente condicionadas. Mas outra bem
diferente, e muito mais grave, é transformar a ciência em ideologia, e o ato de
ensinar e aprender numa “catequese” político-ideológica, transformando o
conteúdo numa “camisa de força”, como acontece com essas “habilidades”
previstas e os exercícios da apostila da SEE. É preciso, por meio de
questionamentos livres, superar as condicionantes ideológicas do entorno do
aluno, dentro de suas possibilidades cogno-afetivas atuais, abrindo espaço para
uma escola que seja, de fato, transformadora.
Por
que ao invés dos exercícios estranhos da atual apostila, a SEE não se limita a
propor os temas de estudo da disciplina, de acordo com cada série, não estimula
e premia os professores que fizerem, eles próprios, textos didáticos adaptados
aos seus alunos sobre esses temas, desde que sejam submetidos ao crivo de
especialistas para questões de ortografia e outros impedimentos legais, sendo
esse um fator de promoção funcional?
Concluindo:
a atual conformação dos conteúdos, privilegiando o aspecto cronológico, faz um
desserviço à formação cidadã do aluno, que é, antes de tudo, o cidadão da
sociedade paulista e brasileira, antes de ser um cidadão do mundo, e o membro
de uma classe social ligada a elementos dessa mesma classe, dispostos, pelo
mundo inteiro, ligados por laços de solidariedade classista, que existem em vários
países, impermeáveis à realidade cultural, como nos quis fazer crer uma
doutrina bastante questionável? Sem uma boa base de história nacional não
haverá identidade possível, e sem identidade não haverá engajamento pela
melhoria da sociedade, mas apenas luta selvagem pela sobrevivência e bem estar
pessoal, inclusive à revelia da sobrevivência e de interesse de terceiros que a
história quis que fossem seus vizinhos e irmãos de projeto nacional. Querer
mudar o mundo sem antes mudar nosso próprio país é um equívoco grotesco.
Como
diria o psicólogo americano Paul H. Mussen: “Paralelamente á expansão de mundo
social, as crianças [adolescentes] descobrem outros modelos de identificação
[identificação entendida como “impulso ou motivo aprendido para ser semelhante
a outro indivíduo” (idem)]entre seus colegas, professores, ministros
religiosos, heróis de ficção, da televisão e do cinema [ele esqueceu de dizer
“da história”]. Tentam, então, adotar seus comportamentos, características e
ideais. No fim, a personalidade do indivíduo estará baseada numa longa série de
identificações. Algumas das características dos pais [por aí se vê o desastre
que é uma família desfeita], além do comportamento e ideias de um grande número
de agentes [sociais], serão incorporados. Erickson sugere que a A ADOLESCÊNCIA
É O PERÍODO CRÍTICO PARA A INTEGRAÇÃO E SÍNTESE DAS IDENTIFICAÇÕES PASSADAS,
para a eliminação ded algumas e o fortalecimento de outras. O adolescente
defronta-se com uma crise de identidade, que implica descobrir-se... [prossegue
citando Erickson] ‘A identidade que o adolescente procura esclarecer é a
referente a quem é ele, qual o deve ser o seu papel na sociedade’...” (O desenvolvimento psicológico da criança;
11ª edição; Guanabara; rio de janeiro; 1987; pg 109-111).
A
pedagogia não tem nada a dizer a respeito disso? Pois a história tem: “Os povos
ressentem-se eternamente de sua origem. As circunstâncias que os acompanharam
ao nascer e que os ajudaram a desenvolver-se influem sobre toda a sua
existência... Se fosse possível a todas as nações remontar... à origem de sua
história, não duvido que aí poderíamos descobrir a causa primária das
prevenções, dos usos e paixões dominantes, - de tudo, enfim quanto compõe o que
se chama caráter nacional” (Alexis Tocquiville, citado por Adolfo Varnhagen, in
História geral do Brasil – antes da sua
separação e independência de Portugal; 2ª edição; casa de E. e H. Laemmert;
s/d; edição online da Biblioteca Midlin - USP).
Pode-se
até contestar a validade ou a possibilidade de encontrar e definir um caráter
ou uma identidade para uma realidade social tão heterogênea como uma nação, mas
não se pode negar a importância fundamental que esses temas (caráter e
identidade) têm para a formação do indivíduo isolado, em geral na sua
adolescência e juventude, e menos ainda que esses temas, no indivíduo, sofrem
uma influência incontestável desses mesmos temas presentes na comunidade onde
vivem, que também se sujeita às pressões da comunidade nacional, sob pena de se
negar a presença da sociedade local na formação do indivíduo e da nação na
comunidade local. Um absurdo!
Precisamos
parar de atrapalhar, como acontece com a atual disposição dos conteúdos de
história, prevista no currículo, a difícil tarefa da busca por identidade de
nossos alunos.
PROPOSTAS
Quanto
ao Conteúdo
De uma maneira geral, nós
recomendamos o seguinte:
Dar mais ênfase, no Ensino Fundamental,
à História do Brasil, tratada como uma ferramenta fundamental para a formação
da identidade do aluno, e de sua relação unitária com a vizinhança próxima,
base indispensável para a formação de um conceito de “cidadania” – membros de
uma mesma cidade, ou comunidade, que se ajudam e respeitam, inclusive pela
preservação de um passado comum, abertos ao ingresso de novos membros e ao
contato com outras realidades sociais – neste ponto ninguém parte do zero,
antes, bem fundamentado na história da sua cultura, sabe melhor o que preservar
e o que modificar em sua cultura original.
Dar mais ênfase, nessa fase, à história
factual, para criar nos alunos uma base de dados, a mais vasta possível, que
lhe permita, posteriormente, dependendo do desenvolvimento de sua capacidade de
raciocínio, criar a sua própria concepção de história, no grau e profundidade
compatível com a sua escolha profissional ou área de conhecimento de sua
predileção. Não podemos perder de vista que a escola pública estadual é uma
escola generalista e que não pode, por conseguinte, exigir dos alunos um grau
de abstração, coleta de dados e conclusão compatíveis com o Ensino Superior e
os cursos de especialização – é claro que se houver um ou vários alunos nesse
nível o professor deve estimulá-los, sem perder aos outros de vista.
Que os professores e formuladores de
políticas públicas na área de educação tenham em mente as mudanças que a
aprovação de medidas, muitas vezes afobada e motivada por interesses nada
pedagógicos, provocam, e que demandam mudanças curriculares repentinas. É
necessário, a meu ver, flexibilizar mais o currículo, assim como a abordagem
dos conteúdos, ao invés de amarrá-los, como acontece hoje, em virtude da ênfase
conteudística atual.
Que o conteúdo do Ensino Fundamental
seja de forma a facilitar ganchos com a vivência anterior do aluno, na escola e
em sua comunidade, de tal sorte a facilitar-lhe o encontro de um sentido no novo
manancial de informações que lhe chega por meio das aulas e pesquisas em casa, e
que ele encontre, nesse manancial ressignificado por ele (aspecto cognitivo),
algum tipo de necessidade para a sua vida, ampliando a sua motivação á escola
(aspecto afetivo). O professor precisa estar atento ao tônus do aluno em sala
de aula.
Que o texto dos guias de estudo
(livro-texto e apostilas) seja vazado numa linguagem simples, e em poucas
palavras, preferindo-se a compreensão, antes que a erudição – ao invés de reproduzir
um texto antigo fielmente, traduzi-lo em termos contemporâneos, sem, no
entanto, cair na mediocridade. É preciso também dar algum estímulo para que o
aluno amplie o seu volume de leitura e o seu vocabulário.
Que o professor de história se esmere
na pronúncia correta das palavras e na correta apresentação da escrita, sendo
um exemplo do bom uso da norma culta da língua portuguesa.
Que os temas do conteúdo partam da
realidade imediata, ou mais próxima possível do aluno, expandindo-se
gradualmente para temas cada vez mais distantes no tempo e no espaço – do
passado do Brasil para o passado das civilizações, do espaço brasileiro para o
espaço mundial.
Que o conteúdo, nessa fase do
desenvolvimento, seja visto num sentido mais adaptativo, afinal trata-se de um
substrato, de um alicerce, onde mais tarde a criança, já um jovem, construirá o
seu projeto de mundo, ao mesmo tempo viável e absolutamente pessoal.
Que o que define a relevância histórica
de um conteúdo básico, como o que é visto na escola fundamental, é o seu peso no
conjunto da cultura nacional, e até no projeto nacional em curso, além da sua
aceitação na comunidade acadêmica e na comunidade de vizinhos e amigos da
criança – o aluno que dorme durante uma aula de matemática, português ou história,
às vezes mostra uma garra fenomenal quando entra num terreno baldio para jogar
uma “pelada” com seus pares (na adolescência o referencial psicossocial do
indivíduo é o seu grupo de amigos e não a grande comunidade nacional, o que só
acontecerá na etapa seguinte e final). É preciso, na escola, dar uma satisfação
ao projeto cultural nacional e também ao projeto de vida do aluno.
Que é necessário romper com a crença de
que se o aluno não vir esse ou aquele tema do conteúdo, o aluno nunca mais
saberá como lidar com ele, como se toda a imensa cultura histórica que move os profissionais
do ramo e os ‘leigos’ interessados derivasse diretamente do aprendizado que, dessa
ciência, se adquire no período escolar. Isso não é verdade em relação à
história nem a nenhuma das áreas do conhecimento. O fundamental é criar no
aluno uma espécie de interesse permanente pelo assunto que o mova a querer
adquirir mais informações sobre o assunto, mesmo depois de saído da escola ou
da universidade, ainda que de forma diletante, pelo prazer do conhecimento, já
na fase adulta.
Tampouco isso implica que o aluno não
aprenderá de forma adequada os temas que se seguirão no conteúdo da disciplina,
como se a aprendizagem de todas as matérias, inclusive as da área de humanas,
que têm uma dinâmica diferente das de ciências, passasse rigorosamente pelo
critério dos pré-requisitos, claramente perceptível na predominância dos
aspectos cronológicos na elaboração do atual currículo, como nos cursos de
especialização ou nas primeiras aprendizagens do período sensório motor (ver
Piaget), onde antes de andar a criança precisa, necessariamente ficar de pé, e
andar antes de correr, etc. Ora, não é assim que acontece nos últimos estágios
da inteligência, quando a mente adquire uma flexibilidade e uma estabilidade,
que é a principal marca das pessoas realmente inteligentes, flexibilidade essa
que deveria começar a aparecer no currículo, justo o contrário do que mais se
faz no sistema, que cada vez mais amplia seus mecanismos de controle, como se
estivesse lidando com a linha de produção de uma fábrica de conservas.
Tampouco implica que o aluno terá mais
facilidade de aprender a matéria se as escolas estiverem milimetricamente
engrenadas ao mesmo conteúdo, típico de uma visão quantitativista e linear do conhecimento.
Não é assim que acontece pelos seguintes motivos:
a) A mente da criança adolescente ou
jovem é flexível, ou deveria ser, e essa flexibilidade precisa ser maior ainda
na área de ciências humanas, onde a criação de leis, interpretação oficial dos
fatos, é de um artificialismo gigantesco, gerando um enfado maior ainda (é
curioso que as duas matérias mais detestadas pelos alunos, segundo o jornal
Folha de São Paulo, sejam justamente a matemática, que demanda muito raciocínio
sequenciado, disciplinado, embora por vários caminhos se possa chegar a um
mesmo resultado certo, e a história, que demanda um raciocínio mais criativo e
flexível, com vários caminhos e interpretações possíveis, sintoma do caráter
antinatural, antipsicológico, do atual currículo).
b) Os garotos, justamente pelo caráter
antinatural do currículo, não se sentem atraídos pelo trabalho escolar, mas
antes pelo encontro com os outros amigos (a percepção desse fenômeno fez as
escolas finlandesas optarem por recreios de 75 minutos, e colher seus fartos
frutos – ver http://www.businessinsider.com/finland-education-school-2011-12?op=1),
numa sociedade que sistematicamente ignora o jovem e as suas necessidades de
socialização, e que investe pouco em equipamentos públicos e lugares de encontros
seguros para o jovem que não quer entrar nas drogas. Eles adoram ir à escola
para jogar, para conversar, inclusive nos feriados e é isso que explica o
sucesso da Escola da Família, nas escolas que investiram nesse projeto. A isso
se soma ainda os métodos e posturas inadequados com que muitos professores, mal
preparados, se apresentam em sala de aula, gerando barreiras afetivas aos
conteúdos. Os meus alunos, que vieram de outras escolas e que eu
invariavelmente sondo sobre o que aprenderam, quase nunca tem algo a dizer
sobre o que viram lá e nunca alguém reclamou, além de uma observação isolada,
ou mostrou vantagem, por estar revendo no segundo bimestre uma matéria que já
vira no primeiro, em outra escola. Esta informação simplesmente esvaneceu-se na
sua mente, embora esteja detalhadamente escrita no seu caderno.
c) Uma engrenagem perfeita dos
conteúdos nas escolas é impossível de se alcançar porque não só os professores,
mas os alunos, são diferentes, têm um ritmo de ensino e de aprendizagem
diferentes. Não adianta decretar a inexistência da subjetividade por meio de
testes e outras medidas educacionais extemporâneas, isso é irreal. Sempre
haverá um descompasso nos conteúdos ou na forma de explorar o conteúdo das
escolas, que fará não fará grande diferença ao aluno que muda de escola. A
diferença que mais os preocupa a esse respeito é a possibilidade de não se
enturmar, (quem lida com jovens sabe que esse é que é o “X” da questão para o
menino ou menina que muda de escola, a preocupação com o conteúdo é mínima ou
nenhuma), mas nós podemos, pelo menos, não atrapalhar, amarrando excessivamente
um conteúdo para este ou aquele bimestre, dando mais espaço aos interesses
naturais dos alunos, que podem ser despertados por um filme, uma visita a uma
exposição, etc.
Essa
postura nova também demanda uma nova visão dos objetivos e da avaliação no
currículo, sobre o qual discorrerei um pouco abaixo.
Quanto
aos Objetivos e Avaliação
A esse respeito eu proponho que:
Que
os objetivos da educação não se reduzam apenas aos aspectos cognitivos,
capacidade de retenção (memória) e de ressignificação (reflexão crítica,
discernimento) dos temas apresentados, a partir dos critérios estabelecidos
pelo professor, mas se prolongue também para os aspectos afetivos (capacidade
de mobilizar a vontade para encarar os desafios de cada tema dos conteúdos), e
sociais (capacidade e interagir de maneira adequada com seus pares, com o corpo
docente, gestores e mão de obra não qualificada) da comunidade escolar. É mais
fácil o aluno mobilizar a sua vontade para encarar um desafio temático quando
este lhe diz respeito ou quando, de alguma forma, a ele se refere, de uma
maneira que o aluno consegue entender, a problemas que ele enfrenta no dia a
dia, ou imagina enfrentar.
A
esse respeito convém meditar as palavras do neurologista luso-americano António
Damásio, em seu livro O erro de Descartes:
“É
provável que as estratégias da razão humana não teriam se desenvolvido, quer em
termos evolutivos, quer em termos de cada indivíduo particular, sem a força
orientadora dos mecanismos de regulação biológica, dos quais a emoção e os
sentimentos são expressões notáveis (pg 12)... a segunda ideia presente no
livro é a de que a essência de um sentimento (o processo de viver uma emoção)
não é uma qualidade mental ilusória associada a um objeto, mas sim a percepção
direta de uma paisagem específica [que percebe]: a paisagem do corpo (pg 14)...
os sentimentos, juntamente com as emoções que os originam, não são um luxo.
Servem de guias internos e ajudam-nos a comunicar aos outros sinais que também
podem guiar. E os sentimentos não são nem intangíveis nem ilusórios. Ao
contrário da opinião científica tradicional, são precisamente tão cognitivos
como qualquer outra percepção (pg15)... A distinção entre doenças do “cérebro”
[cognição] e da “mente” [afetividade], entre problemas “neurológicos” e
“psicológicos” ou “psiquiátricos”, constitui uma herança infeliz que penetra na
sociedade e na medicina (pg 64)”.
Que
se abandone, no aspecto cognitivo, o rol atual de habilidades e competências
voltadas para os conteúdos em prol de outras competências e habilidades mais
gerais e mais fáceis de serem descobertas e mensuradas, voltadas para o
desenvolvimento mental, tomando como ponto de partida as formas mais gerais do
pensamento lógico, usadas como ferramenta de reflexão e crítica pelos alunos,
em qualquer um dos temas de conteúdos, viabilizando o trabalho de avaliação do
professor (no currículo atual é impossível avaliar com seriedade, dado o
excesso e a minúcia de habilidades e competências a serem avaliadas),
esvaziando o estresse conteudístico na transferência dos alunos entre unidades
escolares. Nesse sentido o professor avaliaria o domínio do aluno sobre as
premissas do pensamento lógico, a saber:
a)
Princípio da identidade: uma coisa é o que é, e não pode ser outra coisa.
b)
Princípio da não contradição: uma coisa não pode ser ela e o seu oposto, ao
mesmo tempo ou não. A contradição é algo comuníssimo, nos textos e debates
sobre temas de história feitos por alunos do Ensino Fundamental e Médio.
c)
Princípio do terceiro excluído: ou uma afirmação é verdadeira ou a sua negação
é que é verdadeira; não existe uma terceira possibilidade. Distorções desse
princípio também são comuns em salas de aula.
d)
Princípio da razão suficiente: tudo tem uma causa natural e suficiente para que
ocorra. Tudo o que existe provém de outra coisa que já existia previamente. É
impressionante o número de alunos assustados e impressionados com uma das mais
grosseiras falcatruas e falsificações da Internet: o ‘demônio’ Charlie, que
mexe nas canetas cruzadas. Isso mostra um nível de pensamento ainda irracional,
mágico, pré-científico, que domina inclusive jovens do Ensino Médio, saturados
de informações inúteis, para cujo tratamento ou superação (desse pensamento
mágico) a escola, pelo atual currículo, não tem nada a fazer: empurra-se mais
matéria, mas negar, simplesmente, não adianta e o conteudismo não favorece à
reflexão, à experimentação, à socialização e ao equilíbrio emocional, que
poderiam ajudar a superar esse tipo de temor irracional.
e)
Princípio da identidade dos indiscerníveis: se dois objetos têm igualmente as
mesmas propriedades, eles são idênticos.
Além
disso, outras ferramentas lógicas poderiam ser sugeridas aos alunos, de acordo
com cada exercício, e observadas pelo professor como a capacidade do aluno de
fazer ou entender uma analogia, uma metáfora, o sentido alegórico, a prova,
etc. Isso é fácil de ser observado, corrigido, avaliado, e tornaria, de per si,
os exercícios com conteúdo mais interessantes, sem falar que das pistas muito
boas para intervir na maturação intelectual do aluno. Mas para isso acontecer é
preciso que se mudem os objetivos e os parâmetros de avaliação do currículo.
Que, superando o cognitivismo,
superemos também a cultura importada dos exames e das questões objetivas do
tipo ‘marcar com um “X”’, que contaminam o sistema e induzem os alunos a
estudar apenas nas vésperas das provas, esquecendo tudo o que aprendeu após a
conclusão destas, sem falar dos inúmeros problemas que eu vivenciei na minha
juventude, nos anos 1960, e que agora experimento com meus alunos. Estamos
retrocedendo, indo atrás de modelos que nada têm a ver com nossa cultura, nem
com o que se sabe sobre psicologia do desenvolvimento, seguindo, principalmente,
a bitolante escola oriental. A escola finlandesa, campeã com louvores no PISA e
na formação de uma escola espetacular para uma nação idem, abomina testes e
exames – “There is only mandatory standardized test in Finland, taken when
children are 16”; Adam Taylor in: “26 Amazing Facts About Finland’s Unorthodox
Education Sistem”. Ou seja, uma única prova, realizada no final do equivalente
ao nosso Ensino Médio.
Não menosprezar a influência do
estresse afetivo, gerado pelo desacerto familiar, na capacidade da criança
mobilizar as suas forças para se desincumbir de suas tarefas escolares, para se
motivar a estas, e compete aos professores, equipe gestora e colaboradores,
envidar todos os esforços possíveis para que a discussão dos temas educacionais
não fique restrita apenas ao ambiente escolar, como se as experiências
familiares não fossem relevantes no processo. Fazendo a família entra no jogo,
inclusive no momento em que o menino, a menina, ainda pequenos, pedem aos pais
ajuda para a resolução de uma tarefa de história, para que eles não se defrontem
com nomes de civilizações e personagens antigos, há muito tempo esquecidos no
baú de sua memória pessoal, com acontece atualmente.
É preciso considerar os aspectos
afetivos do comportamento, presentes na capacidade da criança mobilizar-se na
resolução de problemas cognitivos, apesar das dificuldades intelectuais
inerentes aos trabalhos escolares e dos percalços da socialização,
conscientizando os professores para que observem e avaliem esse esforço, e o adicionem
ao resultado final dos bimestres, assim como apontem problemas e busquem
soluções para os desvios que observarem. Aqui nós poderíamos chamar a atenção
para a capacidade da criança manter o foco no objetivo proposto para ela, e a
sua resiliência ás frustrações.
No aspecto da socialização, o objetivo
deve ser o de tornar a criança mais autônoma possível, não dependente, aberta a
integrar-se aos grupos mais variados, não ficando adstrita às panelinhas ou
recusando-se a interagir com determinadas pessoas (pobres ou negras, brancas ou
ricas, etc.), tampouco ser dependente do professor, solicitando-o a cada
momento, para que aprove um trabalho ou uma iniciativa pessoal, confirme o que
está claramente descrito na lousa ou , o que é pior, fique sabendo da peraltice
oculta de um companheiro: eterno ‘dedo duro’. Nesse sentido é preciso que o
professor seja mais preparado nas técnicas de dinâmica de grupo, entendidas não
como a aplicação pura e simples de técnicas isoladas, pinçadas em alguma
revista ou recomendada por algum especialista, mais ou menos como um comprimido
que se toma para dor de cabeça, sem receita médica, mas antes como parte de uma
formação profissional, conectada com um claro conhecimento do comportamento
humano e da natureza das organizações coletivas.
As crianças podem ser classificadas de
acordo com o seu nível de predisposição e entendimento das tarefas coletivas,
ajudando aquelas que apresentam maior dificuldade, enquanto o sistema se
encarregará dos casos mais graves, com profissionais especializados.
DA
DISPOSIÇÃO DOS CONTEÚDOS
Essa é a minha proposta para os
conteúdos bem como a sua justificativa e ementa. Pode se ver que não
abandonamos completamente o esquema cronológico, apenas o relativizamos em
função da facilidade de aprendizagem das crianças dos temas da história de sua
própria nação. Nesse caso os esquemas de assimilação funcionam com mais
facilidade = maior aprendizagem.
Para o 6º Ano eu pensei na história do
Brasil Colonial, sob o domínio estrito de Portugal, e na fase de transição que
se seguiu, abarcada pelo Primeiro reinado e Regências, antes da criação de um
sistema político tipicamente brasileiro, cheio de contradições, como foi o
Segundo Reinado, deixado para o ano seguinte.
Quem ler essa proposta não deve se
preocupar muito com o excesso, ou a falta, de “entradas” ou temas. Não é isso
que importa, mas antes a forma mais ou menos detalhada com o texto ou o
professor vai explorar cada tema, tendo em mente que o 1º e o 2º Bimestres
devem ser mais “ralos”, em matéria de conteúdo, uma vez que os alunos estão só
começando o ano letivo.
6º
Ano
1º Bimestre: Brasil Colonial
- Os
Indígenas Brasileiros:
O professor buscaria explorar elementos
factuais mais evidentes e fáceis de serem retidos como: a primazia deles na
ocupação da terra, nome dos principais grupos ou povos indígenas, alguns de
seus hábitos e costumes, muita reflexão e perguntas sobre o que os alunos sabem
dos índios, se viram algum, se souberam alguma notícia recente deles, qual é a
sua opinião sobre os índios. É um momento interessante para desbastar
preconceitos trazidos de casa, de forma calma, convincente, sem fazer apelos a
lei, que, nessa época é inútil para eles. A questão usar da lógica da cidadania
e do respeito para conseguir o convencimento.
Nesse momento não se fala em
Pré-história, Povoamento da América, formação dos principais grupos indígenas
fora do Brasil, as primeiras comunidades, como os homens do Sambaqui, a
protobrasileira Luzia, sítios arqueológicos específicos, embora se possa falar
sobre achados arqueológicos, desde que trazidos à aula pelos alunos, etc. O
importante é trabalhar, agora, o Brasil e os brasileiros que eles estão vendo,
ou a partir da totalidade “Brasil”, que só passou a existir como conceito a
partir da chegada dos portugueses.
- A
Colonização Europeia do Brasil:
Aqui nós estudamos a vinda de Cabral, a
exploração do pau-brasil, a expedição de Martim Afonso (alguns detalhes de sua
estadia), a ação de contrabandistas, as Capitanias Hereditárias, o Governo
Geral, vilas e câmaras.
Nesse momento não nos referimos ainda à
história de Portugal, que nos obrigaria e mergulhar em outros conceitos
estranhos como Idade Média, Feudalismo, Expansão Comercial Europeia do Século
XV, Burguesia, etc. Não, vamos nos restringir só ao Brasil e à forma como os
naturais da terra receberam os “estranhos”, e como eles, após escorraçar aos
naturais, acabaram se apossando da terra e criando, junto com os nativos e os
africanos, a etnia nacional. Podemos dizer que será apenas a história da “nossa
casa”.
2º Bimestre: Brasil Colonial
- A
Economia Colonial:
1 – A agroindústria açucareira
A opção pela cana-de-açúcar, a questão
da mão de obra (escravização indígena), a vinda de africanos (causas e
consequências disso), a forma como se organizava o engenho, o beneficiamento do
açúcar, a sociedade açucareira.
Nesse momento ainda não se faz menção à
história dos reinos africanos, menos ainda da pré-história da África, assim
como da realidade política e social do continente nesse período. Outro ponto
também é não colocar muitos elementos, muitos detalhes, para não confundir a
criança nem se perder o essencial do tema, na visão do professor.
2 - A pecuária
A ligação com os engenhos, a
interiorização da pecuária, a colonização do semiárido, a sociedade do semiárido.
3 – As Drogas do Sertão
Definição, a ocupação da Bacia
Amazônica, a sociedade amazônica.
- A Religiosidade Colonial
Os jesuítas, os padres e bispos do rei,
a religião popular, as missões jesuíticas do sul.
- Invasões
Estrangeiras
Invasões Francesas, Invasões
Holandesas, resultado e marcas dessas invasões, com ênfase na ocupação
holandesa do Nordeste.
3º Bimestre: Brasil Colonial
-
Resistências à Colonização
A mudança de atitude de índios e
portugueses (de cooperação a confrontação), causas dessa mudança, os confrontos
com os índios, os Bandeirantes Paulistas, os quilombos afro-americanos (com
ênfase em Palmares), as lutas dos índios da Amazônia.
A Religiosidade
Colonial
Os jesuítas, os padres e bispos do rei,
a religião popular, as missões jesuíticas do sul.
- A
Sociedade Mineradora
A descoberta de ouro em Minas, as
consequências disso para a colonização, o aumento da repressão colonial, a
costumes da sociedade mineradora, apogeu da mineração. O empobrecimento de Portugal, o aumento da cobrança de impostos, a
Inconfidência Mineira, a Conjura Baiana.
4º Bimestre: Brasil Colonial e
Transição
- A
vinda da Família Real
A chegada de D. João, os principais
acontecimentos da corte no Rio de Janeiro, a volta de D João VI, a
Independência do Brasil.
Esse tema, assim como o anterior, por
estar situado no final do ano letivo, e por serem temas bons para o
entendimento do que se virá, pode ser vistos com mais minúcia e vagar.
-
O Primeiro Reinado
O governo de D Pedro I, a Constituição
de 1824, a Confederação do Equador, o Reconhecimento da Independência, a Guerra
da Cisplatina, Abdicação.
- As
Regências
Tempo de crise e violência, luta entre
os grupos, o Golpe da Maioridade.
7º
Ano
1º Bimestre: o Brasil Imperial
- A
Sociedade Imperial
a) A política do Império: o poder do
imperador, os partidos, o poder das grandes famílias, a nobreza imperial.
É possível até falar sobre o
Parlamentarismo às Avessas, mas de uma maneira muito superficial e sem muita
cobrança, pois a complexidade do sistema parlamentarista está muito acima da
compreensão deles, e o resultado pode ser uma distorção, por excesso de
informação ou analogias mal elaboradas ou mal entendidas. É melhor falar apenas
superficialmente.
b) A economia do Império: a herança
colonial, a monocultura, o café, os déficit financeiros, o acirramento do
escravagismo.
c) a política externa do Império: as
Questões Platinas, a Guerra do Paraguai.
2.º Bimestre: o Brasil Republicano
-
A crise do Império e a República
A Questão Religiosa, a Questão Abolicionista,
a Questão Militar, a Proclamação da República.
- A
República das Oligarquias
Os primeiros presidentes, as principais
revoltas e grupos armados (cangaceiros), a sociedade nesse período, o jogo
político, o Coronelismo, o povo longe do poder.
3° Bimestre: Brasil Republicano
- A
Era Vargas
A Revolução de 1930, o levante
paulista, a Constituinte de 1934, o levante comunista, o Golpe do Estado Novo,
a ditadura getulista, a industrialização do Brasil, o Brasil na Segunda Guerra.
- A
Democracia Populista
Características do período entre 1945 e
1964, mudanças na sociedade brasileira, a agitação nas ruas, o Golpe Militar.
4º Bimestre: Brasil Republicano
- O
Regime Militar
Os primeiros anos, os Anos de Chumbo,
distenção, a sociedade do Regime Militar, o fim do Regime Militar.
Em que pese eu preferir a expressão
Oligarquia Militar a Regime Militar, como o termo é estranho à realidade dos
alunos, usarei o termo mais simples na esperança de que cause menos mal
entendidos.
- A
Democratização
A democracia plena no Brasil, a grande
crise econômico-financeira, a sociedade brasileira atual.
8º
Ano
Creio que os alunos do 8º Ano avançaram
bem, em relação aos do 6º Ano no que tange a sua capacidade de realizar
raciocínios complexos ou lógicos, com suas variedades, estabelecer analogias,
fazer comparações, projeções, etc. mas tudo ainda numa linguagem simples,
despojada e direta, sem muitos elementos de destaque no texto.
1°
Bimestre: Pré-História e Antiguidade Oriental
-
Pré-história
Os períodos da Pré-história
a)
Paleolítico: os antigos homens pré-históricos, o modo de vida (nômade), grandes
descobertas do paleolítico (fogo, arte, magia), o povoamento da América (a
origem dos índios brasileiros, assim como os desafios provocados pelas
escavações arqueológicas no Brasil (Luzia, Sitio da Pedra Furada, etc.) e
alhures), descobertas pré-históricas em Portugal.
Não
creio ser adequado entrar em discussões arqueológicas controvertidas, como a
descoberta do crânio de Luzia, Lagoa Santa e o sítio da Serra da Capivara, que
podem ser citados de passagem.
b)
Neolítico: mudança tecnológica, a descoberta da agricultura, as primeiras
cidades (sedentarização), o comércio, a cerâmica, etc.
-
Antiguidade
a)
Antiguidade Oriental: uma menção muito rápida sobre as grandes civilizações
dessa região, a saber: os egípcios, os sumérios, os babilônicos, os assírios,
os hebreus, os fenícios e os persas, de preferência referindo-se a realizações
desses povos que podem ser vistas até hoje, ou realizações intelectuais até
hoje em uso ou conceitos muito usados como: as pirâmides, os zigurates, os
Faraós, religiões politeístas, matemática, astronomia, as escritas, A epopeia
de Gilgamesh, etc. Pode-se explorar um pouco mais dos persas, para fazer um
gancho com o tema que se segue.
2º Bimestre: Antiguidade Ocidental
(continuação da precedente)
- Mundo
Greco-romano
b)
Antiguidade Ocidental: vista com mais vagar e minúcia, porque faz parte mais
fortemente da nossa herança cultural, do nosso modo de pensar e enxergar a
realidade, diferente dos orientais.
b.1.
Civilização Grega: Os cretenses, os Aqueus, as grandes Pólis (Esparta e
Atenas), as Guerras Greco-Pérsicas, a Guerra do Peloponeso, a dominação
macedônia, o Helenismo, a sociedade grega (costumes, cultura, etc.).
b.2.
Civilização romana: a origem de Roma, a sua expansão na República, as Guerras
Púnicas, o domínio do Mediterrâneo, o Império Romano, a sociedade romana, o
escravismo romano, as influências de Roma na nossa cultura via Portugal.
3º
Bimestre – Idade Média
- Invasões Bárbaras
A
crise do Império Romano, a queda de Roma e as mudanças na Europa, o Reino
Franco, as sociedades germânicas, novas invasões, o fim do Império Carolíngio
-
O Islamismo
A
religião islâmica, a expansão islâmica, a conquista da Península Ibérica, a
sociedade islâmica, a influência islâmica na nossa formação.
-
O Feudalismo
As
características políticas, econômicas e sociais do feudalismo, as grandes
guerras feudais (Cem Anos e Cruzadas), a formação de Portugal, a formação dos
estados africanos ao sul do Saara.
4º
Bimestre – Transição
- Crise do Feudalismo
Cultura
medieval, Renascimento, Reforma
-
Surgimento do Capitalismo
Revolução
urbana e comercial, as grandes navegações (com ênfase em Portugal), o
descobrimento do Brasil, o impacto da escravidão nas sociedades africanas.
-
Colonização da América
Colonização
espanhola, colonização Inglesa, colonização portuguesa.
9º Ano
1º
Bimestre - Transição
- Monarquias Europeias (com ênfase na Inglaterra e França)
Formação
do sistema parlamentar inglês, teorias absolutistas, o Absolutismo na França.
-
O iluminismo e a Revolução Francesa
A
teoria iluminista, as independências americanas, a Revolução Francesa, a Era
napoleônica.
2º
Bimestre – Era contemporânea
-
A Revolução Industrial
A
Primeira Revolução Industrial, a Segunda revolução Industrial,
- As Lutas Sociais
Burgueses
e operários, liberalismo, socialismo e marxismo,
-
O Imperialismo
A
partilha da África (como uma forma de expansão capitalista e alocação de
excedentes humanos, para redução das tensões sócias na Europa, a custa dá
África)
3º Bimestre – Era Contemporânea
- A
Decadência da Europa Ocidental
Primeira Guerra Mundial, Facismo,
Nazismo.
-
A Ascensão do EUA
A expansão para o Oeste, a Guerra
civil, o Imperialismo americano, a quebra da bolsa de Nova York, a Segunda
guerra Mundial.
4° Bimestre – Mundo atual
Mundo
Pós-guerra
Guerra Fria, descolonização (África,
Ásia, América Latina), fim do bloco soviético, globalização.
RECOMENDAÇÕES
FINAIS
A quantidade de temas, dentro do
conteúdo da disciplina, deve ser a mais simples e reduzida possível, para que o
professor possa aprofundar apenas aquilo que ele, de acordo com a sua percepção
do curso, possa levar mais vantagens, facilitando a compreensão, para os seus
alunos.
O
ritmo de exploração dos temas deve se coordenar com o ritmo médio de aprendizagem
da turma, de sorte que o professor não se veja tentado a empurrar,
precipitadamente, uma carrada de informações superficiais sobre o aluno, que
mal dá conta de pouco volume de conteúdo, gerando estresse para este e o
professor.
A disposição dos temas também deve ser
modificada, sempre que o professor sentir que, pela sua forma de abordar os
temas de história, que um conteúdo mais à frente, se encaixa melhor que o
imediatamente a seguir.
Que a SEE, incentive os professores,
tanto do ensino Fundamental como do Médio, para que escrevam, eles mesmos, os
manuais para seus alunos, adaptados às necessidades destes e à sua abordagem de
história, com a Secretaria apenas determinado a ordem dos conteúdos, com os
autores recebendo do governo apoio para o financiamento e distribuição dessas
obras entre seus alunos, podendo, por meio desses textos, melhorar a sua
posição dentro do sistema – ascender funcionalmente, conseguir ganhos
salariais, etc. prêmios esses que seriam acrescidos sempre que a obra fosse
atualizada, dentro de certo espaço de tempo. Creio que esse tipo de iniciativa
estimularia a continuidade rigorosamente necessária entre pesquisa e prática,
elevaria a autoestima dos professores e substituiria com vantagens a as atuais
apostilas, que induzem, inutilmente, a uma uniformização de conteúdos
intolerável.
Dentro da perspectiva de melhoria das
condições de ensino, em especial do professor, que está muito decaído e
desesperançado – não existe nada mais deprimente e sufocante que uma sala de
professores – está a criação de mecanismos, em especial órgãos colegiados
dentro das escolas, com a participação de professores e com poderes de fato
para dirigir o funcionamento da escola, cessando o absolutismo dos diretores, e
outros que de alguma forma ajudassem a prestigiar a categoria, sem que,
necessariamente, se façam aumentos substanciais de salários, até isso é
possível, desde que o professor perceba que é valorizado e estimado pelas
autoridades e pelas pessoas da comunidade. Esse é o maior impulso que a
categoria precisa receber nesse momento, em que as pessoas o tratam como uma
reles babá de luxo, sem qualquer estresse para os cofres públicos.
Além de uma campanha para valorização
dos professores, é preciso que seja feita outra para a valorização da escola,
pois em virtude de políticas recentes, tanto a nível estadual como federal,
criou-se no seio da população a ideia de que a escola não passa de um depósito
de crianças. É preciso que as famílias, principalmente as mais pobres, vejam,
como antigamente, a escola como a grande alternativa à sua pobreza e exclusão
ancestral, valorizando o tempo que o menino passa nela e o trabalho dos
professores. Hoje muitas famílias pobres veem na escola apenas o espaço rouba
da família a possibilidade de ganhar mais dinheiro com o trabalho das crianças.
É preciso fazer algo a esse respeito. As famílias pobres precisam parar de
detestar a escola.
Que o Estado transforme toda gravidez
precoce em matéria de direito público, obrigando, principalmente à família dos
rapazes a assumir o sustento da criança que a sua impetuosidade mal educada
gerou. Atualmente eles ameaçam as parceiras de morte, se estas recorrerem à
justiça, principalmente aqueles que têm parte com o crime organizado, e saem
para fazer mais bebês em outras. Essas crianças, filhas de lares desajustados,
são o maior tormento das comunidades escolares hoje em dia.
É preciso criar mecanismos mais firmes
e abrangentes, inclusive obrigatórios, para que as famílias participem mais da
educação dos filhos. Boa parte dos problemas em sala de aula, hoje, decorre do
imenso estresse que os jovens trazem do ambiente doméstico, protegido pela
privacidade, enquanto os professores são expostos por não conseguirem o milagre
de um rendimento adequado na escola, a um menino ou menina barbaramente
traumatizados em casa.
Em relação à História no Ensino Médio
eu proporia o seguinte:
a) Aumentar, em pelo menos uma aula, a
quantidade de aulas de história por semana. As duas aulas que temos atualmente
é impraticável.
b) Com três aulas por semana, eu
proporia a seguinte divisão: duas aulas a serem gastas com a aquisição de dados
e informações sobre História Geral, e uma aula só para análise e discussão
sobre problemas levantados pela evolução histórica da sociedade brasileira, do
tipo: as capitanias eram feudos? Por que a escravidão africana superou a
indígena? Quais as causas da preservação de instituições tão questionáveis,
como a escravidão, por tanto tempo? Como a escravidão interferiu na nossa
formação? Etc. Em um ambiente de liberdade de expressão, isso suscitaria
debates e textos críticos dos alunos, e ajudaria a tornar a escola mais
transformadora da realidade. “Só se muda o que se conhece”. Para realizar esse
objetivo seria necessário que as faculdades tivessem uma disciplina correlata,
onde os alunos só aprendessem sobre os grandes temas controversos da História
do Brasil, como as diversas correntes de historiadores se posicionaram diante
desses problemas, habilitando-se para lecionarem dessa forma e produzir textos
que possam conduzir as discussões no nível dos launos.
De
onde viria o tempo para o aumento das aulas de história? Creio que está na hora
de nos debruçar sobre um fato tão trágico quanto óbvio: a contínua degradação
das notas de português e matemática em exames nacionais e internacionais,
apesar da quantidade imensa de aulas e materiais despendidos nessas duas
disciplinas, o que nos remete aos seguintes questionamentos:
a)
Está havendo uma saturação desses tremas na mente dos estudantes que começam a
mostrar rejeição pelo excesso, principalmente aqueles mais imaturos que têm a
necessidade compulsiva de contrariar as expectativas dos adultos. Há uma
excessiva expectativa e investimentos na área dessas duas disciplinas.
b)
É possível que a forma como a linguagem está sendo ensinada esteja errada,
passando tanto pelo método alfabético, a meu ver antinatural e contrário à
linguística, à proibição inexplicável da caligrafia – a respeito disso
recomendo a página http://discoverykidsbrasil.uol.com.br/pais/artigos/a-importancia-de-escrever-a-mao-na-infancia/
- o abandono excessivo da gramática, etc., ou tudo isso junto. É preciso
valorizar a língua portuguesa que é expressa pelos professores de outras
disciplinas; não é porque não somos especialistas nessa área que nós não temos
nada a dizer sobre isso aos alunos, o português que é usado nas outras
disciplinas precisa ser também valorizado e computado como tempo de estudo da
língua, a não ser que a Secretaria se reconheça como incapaz de fazer uma
seleção séria de professores e que está contratando semianalfabetos para dar as
aulas no sistema.
BIBLIOGRAFIA
COMENTADA
Ajuriaguerra, J. de; Manual de psiquiatria infantil;
trad Paulo C Geraldes e Sonia R P Alves; 2ª tiragem; Masson; 1983
Famoso
manual, muito detalhado, sobre causas e tratamentos de distúrbios mentais nas
crianças, com as quais o professor pode se defrontar no seu dia a dia – eu
particularmente já enfrentei um caso sério de anorexia em uma aluna – e que
seria interessante ter algum conhecimento a respeito para saber a hora exata tanto
de ficar calmo como de soar o sinal de alerta. É quase completo no que diz
respeito aos problemas de ajustamento clássicos de crianças e adolescentes,
embora, por causa de sua “idade provecta”, não incorpore alguns problemas mais
recentes como o bullying e as perturbações originadas do uso excessivo da
tecnologia, mas a descrição e as orientações que ele dá sobre os problemas
clássicos são tão amplas, profundas e didáticas, que lança luzes preciosas
sobre o que está acontecendo hoje.
Cole, Michael e Cole, Sheila; O desenvolvimento da criança e do adolescente; 4ª edição; trad
magda F. Lopes; Artmed; Porto Alegre; 2003.
Um
manual-calhamaço muito vasto e abrangente, cuja maior vantagem de ser atualizado,
mas que também lança algumas questões interessantes sobre o que acontece com
crianças e jovens no seu processo de desenvolvimento. Os autores são americanos
‘típicos’, e o texto, prolixo, por vezes, padece da simploriedade com que eles,
os americanos ‘típicos’, tratam do assunto, psicologia do desenvolvimento, considerando
um tanto superficialmente o cerne de questões graves – tudo é simples e já foi
estudado por eles, eles têm que ser os pioneiros em tudo – em especial quando
criticam os autores que não partilham do behaviorismo local, principalmente
Jean Piaget, que, em vida, os criticava de maneira genérica, ironizando o “mal
americano”: a mania deles em estar sempre tentando acelerar o desenvolvimento
de suas crianças, para serem as primeiras em tudo, uma tentação muito comum a
pais, professores e psicopedagogos também no Brasil. Outra característica,
também americana, é a bibliografia gigantesca, ao final, que nos faz pensar
como eles encontraram tempo para fazer outras coisas, inclusive entender o que
leram e escrever o seu livro!
Damásio, António; O erro de descartes – emoção, razão e o cérebro humano; trad. Dora
Vicente e Georgina Segurado; Companhia das Letras; São Paulo; 1996.
Esta obra
fundamental esclarece, porque não dizer prova, o caráter integrativo das
relações entre mente, cérebro, corpo e emoções, mostrando que as nossas
reações, habitualmente apresentadas de uma forma dissociada, estanque, em
categorias do tipo emoção, razão, socialização, afetividade, etc. Estudadas
separadamente, por especialistas específicos, elas, entretanto, estão tão
interligadas que só pode haver uma conclusão: reagimos em conjunto, em bloco,
aos estímulos do meio, de tal sorte que à determinada faixa de maturação
biológica deve corresponder uma determinada maturidade intelectual, afetiva e
social, como Piaget, aliás, já predissera uns sessenta anos antes, de forma
indireta, observando apenas comportamentos aparentes, enquanto Damásio fez uso
de sofisticados parelhos de ressonância. Eis algumas de suas conclusões: “É
provável que as estratégias da razão humana não se tenham desenvolvido, quer em
termos evolutivos [da espécie], quer em termos de cada indivíduo particular,
sem a força orientadora dos mecanismos de regulação biológica, dos quais a
emoção e o sentimento são expressões notáveis [só isso é suficiente, a meu ver,
para denunciar todo o ‘vazio’ de um currículo estritamente cognitivo e
conteudista] (pg 12)... Os sentimentos, juntamente com as emoções que os
originam, não são um luxo. Servem de guias internos e ajudam-nos a comunicar
aos outros sinais que também os podem guiar. E os sentimentos não são nem
intangíveis nem ilusórios... são precisamente tão cognitivos como qualquer
outra percepção” (pg15).
Debray-Ritzen & Melekian, Badrig; Perturbações no comportamento da criança – descrições – causas –
tratamento; trad. Berenice Fialho Moreira; Nova Fronteira; s/d; Rio de
Janeiro
Este livro,
muito didático, faz um apanhado muito geral sobre diversos problemas
comportamentais de crianças, dando algumas pistas a respeito do diagnóstico e
do processo de tratamento e cura. Muitos termos e muitas intervenções não fazem
parte do vocabulário comum dos professores e mesmo de suas possibilidades de
ação, mas é bom tê-lo à mão, para se ter uma ideia geral sobre o assunto, e se
acudir dele, quando um comportamento inusitado se fizer presente na sala de
aula.
Dolle, Jean-Marie; Para compreender Jean Piaget – Uma introdução à Psicologia Genética
Piagetiana; 4ª edição; trad. Maria José J. G. de almeida; Guanabara; Rio de
Janeiro; 1987.
Este é um
manual básico, fácil, bem escrito e traduzido, sobre a teoria de Jean Piaget. O
grande problema, para nós professores das últimas séries do Ensino Fundamental
e Ensino Médio, é que ele dedica a maior parte do livro, e as exposições mais
brilhantes, aos primeiros anos de vida da criança, que para um piagetiano
clássico são fundamentais e, decerto, ajudam muito para entender as aquisições
seguintes – e nesse sentido podemos dizer que Piaget inverteu Freud, pois
enquanto este tenta explicar a criança a partir de conceitos e análises
elaboradas do estudo de adultos, aquele explica o adulto a partir do que se
aprende sobre a criança; Piaget, por assim dizer, prova que a infância vem
antes da idade adulta (sic!) – mas certamente é um dos melhores e mais simples
manuais sobre o assunto. O autor também escreveu o livro, já traduzido para o
português Para além de Freud e Piaget,
um tema que também interessou ao argentino Leandro Lajonquière, em De Piaget a
Freud, onde ele, Dolle, critica, com certa razão, um certo reducionismo,
visível na forma com Piaget trata a questão da afetividade
Fagundes, Antônio Jayro M.; Descrição, definição e registro de comportamento; 6ª impressão;
EDICON; São Paulo 1981
Este manual
básico, muito prático e didático sobre o assunto (observação e descrição de
comportamentos, tão importantes quanto desprezadas pelos professores
brasileiros (tanto quanto a observação à distância de comportamentos, quanto
das avaliações cognitivas habituais, como quanto à imparcialidade dessa observação)),
chama-nos a atenção para a ausência, e a consequente necessidade, de uma
observação mais objetiva do comportamento das crianças, para obtermos subsídios
mais confiáveis a dirigir futuras intervenções corretivas, preferível às
avaliações cheias de projeções psicológicas e valores, com as quais os
professores ‘etiquetam’ determinados alunos – ao invés de dizer que o aluno fez
“isso” ou “aquilo”, os professores começam, antes, a denunciar as intenções dos
alunos, muitas vezes invisíveis até para estes (processos inconscientes).
Flavell, John H.; A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget; 2ª edição; trad.
Maria Helena S. Patto; Pioneira; São Paulo; 1985.
Este é, na
minha opinião, o melhor e um dos mais completos e claros manuais sobre o com
junto da obra de Piaget, em língua portuguesa, inclusive pela qualidade da
tradução, assim como pelo extenso capítulo, de umas 40 páginas, dedicado às
críticas e problemas em geral observados na teoria de Piaget. Não há o que
dizer além da recomendação premente da sua leitura, embora ressaltando que é um
livro escrito mais para psicólogos que para professores e pedagogos. Piaget
escreveu, em 1962, um pequeno prefácio para esse livro onde se lê: “O quadro
fornecido pelo professor Flavell abrange apenas os trabalhos realizados até
1960, e não pode ser considerado como a palavra final. Mesmo assim é excelente
em relação ao período que abrange, e nosso simpático porta-voz e
comentarista... seguramente conquistou a nossa mais profunda gratidão” (pg
XIII).
Freitag, Bárbara; Diário de uma alfabetizadora; Papirus; Campinas; 1988
Este livro
é maravilhoso! Nele a autora, fazendo doutorado na Suécia, relata como nesse
período alfabetizou a sua doméstica, Maria, uma senhora já madura e pobre,
moradora da periferia de São Paulo, que ela levara para cuidar de sua filha, de
Bárbara, e de sua casa, enquanto ela se dedicava à extenuante tarefa de
preparar a sua tese. Parcialmente bem sucedida na tarefa de alfabetizar, Maria
não desenvolveu o hábito da leitura nem do falar e escrever fluente, a
professora descobriu que sua aluna, após alfabetizada, ainda carregava consigo,
nas explicações que dava sobre os fenômenos da natureza, as crenças mágicas do
período anterior, que a faziam supor que a lua fosse um ser vivo, afinal ela
anda no céu, e outras mais, que não se modificaram nadinha, apesar da aquisição
da habilidade leitora e escritora. Esse episódio é uma prova cabal de que a
inteligência é, como afirma Piaget, um fenômeno básico, muito mais geral que a
simples aquisição de habilidades referentes à expressão de uma língua. Isso
inviabiliza completamente a ideia da inteligência como um conteúdo, passível de
ser transmitido, aos poucos, pela ação magisterial, como o supõem os
behavioristas e defensores da zona de desenvolvimento proximal. Partindo dessa
concepção, a de Piaget, Lauro O Lima dirá: “um analfabeto pode ser inteligente
[e até muito inteligente]”, o que não era o caso de Maria, assim como
verdadeira é a sua contraparte: um mestre acadêmico pode ser um homem bitolado,
pouco inteligente, que só pensa em conservar o seu prestígio, adquirido na
defesa de teses politicamente corretas ou na bajulação de pessoas próximas ao
poder, sem nunca acrescentar nada à sua área de conhecimento.
Hargreaves, Andy; O ensino na sociedade da informação – educação na era da insegurança;
trad. Roberto C. costa; reimpressão 2008; Artmed; Porto Alegre; 2004
Para quem
quer conhecer as mazelas do atual currículo, seus efeitos danosos em sociedades
que o implementaram a mais tempo, sem falar das mazelas da educação atual como
um todo, esse livro é exemplar. É incrível que, embora falando de uma realidade
aparentemente distante de nós, os sistemas escolares americano e canadense,
suas denúncias se encaixam, quase milimetricamente, no cenário que estamos vivendo
em nossas escolas. O autor denuncia que uma nova realidade, educacionalmente
tão rica, como a atual, dominada pelas tecnologias da informação, está sendo
brutalmente empobrecida por manobras de pequenos grupos, ligados ao grande
capital, em se apoderar e dar o sentido dessas mudanças, apenas de acordo com
os seus interesses econômicos imediatos, reduzindo as conquistas da sociedade
do conhecimento. Nesse movimento espúrio, as primeiras e grandes vítimas, na
opinião do autor, são os professores, a quem ele dedica a maior parte de suas
observações, porém, é perfeitamente dedutível do texto que a grande perdedora
desse processo todo é a sociedade humana. O livro imperdível que fará o
professor brasileiro, inclusive o de zona rural, finalmente entender o que
acontece na sua escola! Texto: “a melhoria dos padrões de desempenho, na forma
de metas com base em disciplinas, ou a ênfase excessiva na alfabetização e na
matemática, marginalizam a atenção dada ao desenvolvimento pessoal... e
eliminam a atenção interdisciplinar à educação global que está no coração da
identidade cosmopolita [e que levou a Finlândia ao topo do da educação mundial]...
os professores são tratados e formados não como trabalhadores do conhecimento
de habilidades e capacidades elevadas, mas como geradores de desempenho
padronizados, complacentes e monitorados de perto... com vidas profissionais
supercontroladas...” (pg 22).
Lima, Lauro de Oliveira; ---------------------- ; Dinâmica de grupo no lar na empresa e na
escola; 5ª edição; Vozes; Petrópolis; 1976.
É um manual
completo, teoricamente muito bem fundamentado, que analisa o conjunto das
relações humanas sobre uma ótica estritamente piagetiana. A sua composição é
revolucionária: ele pode ser lido praticamente de qualquer página, pois todos
os assuntos estão interligados e remetem-se reciprocamente uns aos outros. Os
textos, em geral curtos e aparentemente truncados são cheios de provocações
geniais que já começam pela introdução, onde ele prega a necessidade de se dar
mais atenção a esse aspecto que para ele, e Piaget, é básico; a socialização do
indivíduo. “A socialização do homem é a tarefa mais grave da humanidade [que
dizer da escola!]. Por que supor, gratuitamente, que o homem “tende” para a
socialização quando é e vidente que só coopera forçado pelas circunstâncias ou
a partir de um ideal superior livremente aceito?” (pg 15); “A cooperação é,
pois, não um ato irracional produzido por “instintos”, mas uma atividade
superior do espírito” [que a escola não cultiva] (pg16); “a sociabilidade é um
produto da cooperação, como a cooperação é um produto da sociabilidade” [note-se
a importância, mas não a suficiência, do ‘estar juntos’, como na escola, de
onde a necessidade da dinâmica de grupo intensiva nesse ambiente] (pg 17); “as
emoções individuais... ao entrarem em contato, tendem a provocar
turbulências... Para aproveitá-las, produtivamente, é preciso submetê-las à “formalização”
dos equilíbrios inteligentes [conseguido por meio de propostas de atividades
grupais graduadas de acordo com o nível mental dos participantes]. A enorme
afetividade do ser humano, em vez de ter contribuído para a socialização –
talvez, tenha sido o grande obstáculo á cooperação” [por não ser considerada na
sua importância, e não ter sido trabalhada convenientemente na educação] (pg
18); “Como, então, construir “uma psicoterapia dos normais”? Primeiro, levando
professores, sacerdotes e psicoterapeutas a substituir a verbalização [os
conselhos intermináveis aos renitentes] por ação real, isto é, por atividades
cooperativas...” (pg 19) [como acontece nos trabalhos de grupo da escola, desde
que corretamente organizados; no seu livro Mutações (ver abaixo), ele chega a
afirmar que uma partida de futebol induz mais os jovens à cooperação, do que um
longo sermão: ele está errado?].
---------------------
; Mutações em educação segundo McLuhan;
10ª edição; Vozes; Petrópolis; 1976
Este é um
verdadeiro manifesto aos professores desse gênio da educação brasileira e
mundial, Lauro de Oliveira Lima, ou LOL, como ele às vezes assinava seus
artigos, onde ele, comentando um artigo do comunicólogo e pensador canadense
Marshall MCLuhan, que causou furor nos anos 60 e 70, em virtude de suas sacadas
geniais, de suas inferências sobre os modernos meios de comunicação sociais,
aproveita para passar a limpo os objetivos mais gerais da educação brasileira.
Nessa época ainda havia algum. Lauro demole, uma a uma, as principais crenças
da escola e dos professores tradicionais, e aponta para um futuro
revolucionário, inclusive para os dias de hoje. Nós que lemos e entendemos esse
livro, além de acompanhar todo o vibrante debate educacional desse período,
ficamos com a impressão de que a educação regrediu no Brasil. Eis algumas de
suas “sacadas”: “a ideia de escola, como um espaço confinado é incompatível com
os meios de comunicação modernos [o computador pessoal ainda não havia sido
inventado]. É mesmo possível... que a escola média, e até elementar, se divida
[no futuro] em “institutos especializados”... passando a chamar-se “escola”
apenas um “centro de integração” que coordene a reflexão global das
experiências polivalentes, recebidas de maneira fragmentária nos centros
especializados [ou do mundo em geral]” (pg 8); “Já não se pode dizer que a
escola é uma “preparação para a vida”, uma vez que só os profetas podem prever
como será a vida das crianças que hoje entram nas escolas. Uma disciplina que
hoje prepararia o aluno para a vida... seria a Ficção Científica” (pg14-15); “Quanto menos hábitos intelectuais
fixos e mais poder de adaptação à situação nova mais preparado estará o jovem
para a vida” (pg 15) ... No final do livro ele cita um questionamento que um de
seus filhos lhe fez, depois de assistirem juntos ao filme 2001 uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick: “VELHO, NÃO ESTÃO
VENDO QUE VAI FICAR ASSIM... POR QUE NÃO COMEÇAM LOGO!!!!” O que estamos vendo
agora? Aonde foi parar tudo isso? Quem matou a esperança desses jovens? E olha
que nessa época nós vivíamos numa ditadura horrorosa.
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; Piaget para principiantes; 4ª
edição; Summus; São Paulo; 1980.
O título
não nos deve enganar, pois apesar do termo “principiantes”, Lauro despeja nesse
livro uma tal quantidade de cultura moderna, erudição e reflexões ousadas que
dificilmente essa obra poderia ser classificada com “introdutória”, porém
poucas vezes no mundo a teoria de Piaget foi analisada com tanta profundidade e
descortino como nesse livro, e, principalmente, ninguém foi tão longe nas
projeções possíveis dessa teoria como aqui. É um livro genial de gênio febril e
obcecado, ansioso por revelar ao mundo um tesouro que descobriu, e que, até
hoje, pouco querem compreender e se aproveitar dele. O seu capítulo sobre
linguagem: “Você falaz porque pensa (não pensa porque fala) – a aprendizagem da
linguagem e a linguagem como instrumento de aprendizagem”, é simplesmente
antológico; eis o seu trecho final: “Como não sep ode viver só de lógica e
eficiência [aprendidas com as ciências naturais e a história], nem de poesia e
autismo [as divagações literárias, grandiosas ou não], o processo adaptativo
deve dar [ensinar] a estas duas formas de viver, de forma que a eficiência da
ação esteja plena de amorização (é preciso logicizar o amor e amorizar a
lógica) (pg. 269). Uma leitura indispensável para professores e psicólogos.
Lauro de Oliveira Lima é sem dúvida o grande tradutor e adaptador de Piaget,
talvez até a nível mundial, para a educação, mas infelizmente, mais para nós do
que para ele, não nasceu com uma qualidade indispensável para se fazer carreira
nesse país: ele não é estrangeiro, e por isso se preferiu seguir os conselhos
da grande prestidigitadora de Piaget: Emilia Ferrero, e as suas “teorias” sobre
alfabetização.
Micotti, Maria Cecilia de O.; Piaget e o processo de alfabetização; 2ª edição; Pioneira; São
Paulo; 1987.
Esta autora
traduz como poucos, para área da alfabetização, os conceitos do grande
pesquisador suíço, que ajudam a tornar mais compreensível o que acontece na
mente da criança, no plano cognitivo, durante esse processo. Quando, no corpo
do livro, ela comenta alguns conceitos de Piaget, o faz de uma forma tão segura
e tão bem argumentada que tudo fica mais claro! É um livro para a cabeceira do
alfabetizador.
Millot,
Catherine; Freud
antipedagogo; trad. Ari
Roitman; Jorge Zahar; Rio de Janeiro; 1987.
Li muito
pouco desse livro, e o que li não me agradou, pela sua linguagem tipicamente
freudiana, para mim confusa ou prolixa, mormente descolada da realidade, mas
tem partes que valeram a sua leitura como estas: “ [a recomendação dos
analistas é de] maior veracidade ante a criança, dado que a neurose toma
partido pela mentira, essa mentira que contamos a nós mesmos... tributária da
mentiras parentais... limitar a ação pedagógica supõe a redução desse campo [o
do imaginário, em prol da realidade], no que lhe incumbe pelo educador... a
mentira consciente ou inconsciente toma partido pelo narcisismo [hipertrofia do
indivíduo em detrimento da comunidade]... não há aplicação possível da
psicanálise na pedagogia; não há pedagogia analítica no sentido de que o
pedagogo... adotaria uma atitude “analítica” [neutra, no sentido afetivo e da
moral dos valores]... tudo o que o pedagogo pode aprender da e pela análise é a
saber por limites à sua ação...” (pg154). Eu, Lauro O Lima , e outros,
defendemos a necessidade do candidato a professor passar por uma entrevista de
caráter analítico, obrigatória, antes de ser admitido à profissão e,
principalmente, à sala de aula. Um professor neurótico é uma catástrofe para as
crianças, e os exames de concurso atuais não detectam isso.
Munari, Alberto; Jean Piaget; trad Daniele Saheb, Fundação Joaquim Nabuco – Editora
Massangana; Recife; 2010.
Este livro,
muito didático e de linguagem simples, tenta nos apresentar uma breve biografia
de Piaget, escorada em vários textos do biografado, dando uma ênfase especial
ao aspecto educacional da obra dele. Por ele ficamos sabendo de todo o capricho
e cuidado que Piaget dedicava aos relatórios anuais sobre a questão
educacional, à frente do Birô Internacional de Educação, da ONU, e que uma
massa extraordinária de escritos sobre esse tema continua ignorada e oculta do
grande público, pois Piaget presidiu essa instituição por quarenta anos! Será
que o essencial das orientações de Piaget para a educação já foi-nos revelado,
nesse pouquíssimo que já foi publicado? Ali encontramos colocações preciosas
como: “uma verdade aprendida não é mais que uma meia verdade, enquanto a
verdade inteira deve ser reconquistada, reconstruída ou redescoberta pelo
próprio aluno” (pg 17); “Ora, na maior parte dos países, a escola forma
linguistas, gramáticos, historiadores [hoje nem tanto], matemáticos, mas não
educa o espírito experimental. E necessário insistir na dificuldade muito maior
[e muito mais necessária em um mundo dominado pelas tecnologias ligadas às
ciências da natureza] de se formar o espírito experimental do que o espírito
matemático nas escolas primárias e secundárias [e esse foi, infelizmente, justo
o caminho em que nós nos metemos]... É muito mais fácil raciocinar do que
experimentar [o raciocínio é ‘irmão gêmeo’ da racionalização, um mecanismo de
defesa, no sentido freudiano do termo, que nos dá certeza matemática para os
nossos medos, crenças e preconceitos]... O ensino das ciências é a educação
ativa da objetividade e dos hábitos de verificação” (pg. 19).
Piaget, Jean – Inhelder, Barbel; A
psicologia da criança; trad. Octavio Mendes Cajado; 9ª edição; Difel; São
Paulo; 1986
Piaget faz
uma síntese das possibilidades de aplicação de sua epistemologia genética à
psicologia, estádio por estádio, desde o nascimento até a formação da última
estrutura mental. É um resumo de tudo o que ele observou no comportamento das
crianças ao longo de sua carreira. Uma grande síntese, indispensável a quem
quer tomar conhecimento de sua teoria, e saber o básico de como analisar
piagetianamente a evolução do comportamento das crianças, suas possibilidades
de aprendizagem, mas com alguns problemas: a citação de autores acadêmicos
europeus, desconhecidos por aqui – estamos mais familiarizados à produção
acadêmica americana – e a forma desenvolta como apresenta os seus mais velhos
recentes conceitos, sem muita explicação; às vezes, também, tentando ser
sucinto, ele omite alguma coisa tornando difícil a compreensão do que ele quer
dizer. Nada que a paciência ou a consulta não possa resolver. É outro livro fundamental,
imperdível.
------------------- et alli; O julgamento moral na criança; trad. Elzon Lenardon;
Mestre Jou; São Paulo; 1977.
Um livro
genial, fácil de ler, embora prolixo e minucioso, quase enfadonho, mas que
coloca o dedo na ferida daquela que é, a meu ver, a principal função da escola:
aprimorar as relações sociais possíveis das novas gerações, ainda mais por uma
razão de ordem moral superior: o autor defende não só a superioridade, com até
a necessidade, de uma moral nascida do consentimento e não na imposição da
autoridade, como necessária ao completo desenvolvimento do indivíduo. Piaget
inverte Freud: é a criança, no seu processo de desenvolvimento, que explica o
adulto, e não o adulto à criança. Ao falar de relações baseadas no consentimento
e não na autoridade, Piaget é clero: há
uma evolução necessária, que passa pelo crivo sim da autoridade do professor
nas séries mais jovens, e nos caso de crianças ou jovens muito imaturos; de
forma nenhuma a moral do consentimento justifica a que se entregue
precipitadamente a escola e a sala de aula ao poder dos alunos, indiferente ao
nível mental que já atingiram; a esse respeito Lauro O Lima tem palavras
admiráveis; “Há muito a discutir-se ... na pedagogia de Neil [criador da escola
de Summerhill, na Inglaterra, onde os alunos podiam fazer o que queriam; no
Brasil se optou por um sistema misto: ora pode ora não pode, de acordo com o
humor da diretora, do burocrata e do juiz de plantão]... que prega antes o individualismo que a cooperação (apesar das assembleias
deliberativas [dos alunos] que não configuram o fenômeno de grupo, mas produzem
comportamentos mais ou menos anônimos de adultos não organizados para a
cooperação). Sobretudo, a absolutização do conceito de liberdade (autonomia),
antes que a criança disponha dos instrumentos de deliberação (lógica, sistema
de valores, objetividade) deixa muito a desejar nesta “pedagogia”, que pode
levar a estados de ansiedade e desorganização mental perigosos. A liberdade
(autonomia) é uma conquista que envolve o desenvolvimento global (lógico,
afetivo, informacional)” (Escola
secundária moderna; pg 291). Esse livro é, a meu ver, indispensável não só
para formação de indivíduos, como no sistema escolar, mas para ser usado como um
manual de formação de sociedades, indispensável a quem lida com liderança e
julgamentos.
-------------------; Para onde vai a educação; trad.
Ivette Braga; Livraria José Olympio; Rio de Janeiro; 1973.
Neste livro
Piaget comenta o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da
ONU, onde se fala dos direitos à educação. Desse pequeno texto ele tece uma
série de comentários e recomendações simplesmente geniais, que devem ser lidos
por todos, principalmente por aqueles que sempre trataram o autor com um
burguês acomodado, fechado em um laboratório, despreocupado com o que acontecia
com o resto do mundo, a serviço do capitalismo selvagem, como é relativamente
comum nos nossos meios acadêmicos mais... ‘bem informados’. Eis um trecho: “Em
primeiro lugar existe o problema social da valorização
ou revalorização do corpo docente primário ou secundário [destaque do
autor, mostrando o quanto esse tema é caro a Piaget, e isso, até hoje, é uma
ideia revolucionária no Brasil], a cujos serviços não é atribuído o devido
valor pela opinião pública [fugindo à tentação demagógica, Piaget, aqui, coloca
o dedo na ferida e denuncia que a desvalorização do professor não é um mera
estratégia de um grupo no poder, a revelia da sociedade, mas antes expressão do
valor médio que uma sociedade, no seu conjunto, dá a educação e que permite a
ascensão de demagogos de direita e de esquerda], donde o desinteresse e a
penúria que se apoderam dessas profissões e que constituem um dos maiores
perigos para o progresso e para a sobrevivência de nossas civilizações [aqui
ele se torna um profeta, e olhando para o Brasil hoje, exclamamos: e que
profeta!]. A seguir existe a formação intelectual e moral [meu destaque] do corpo docente, problema muito difícil, pois
tanto melhores são os métodos preconizados para o ensino, mais penoso se torna
o ofício de professor...” [ou seja, exige uma mudança na formação e nas
condições de trabalho do professor, situação que a Finlândia, por exemplo,
enfrentou e resolveu muito bem!](pg 28-29).
--------------------- ; Psicologia e pedagogia; 6ª impressão; trad. Dirceu Accioly Lindoso;
Forense Universitária; Rio de Janeiro; 1982.
Aqui,
Piaget trata de uma maneira geral e muito fácil de ser lida – o que não é comum
nos livros dele – problemas gerais da psicologia e da pedagogia, dando ênfase, para
nós, professores, maravilhosa, aos problemas que os mestres, em outras partes
do mundo, e já há tanto tempo, enfrentavam, e que são praticamente os mesmos
que nós enfrentamos hoje no Brasil, principalmente a questão dos baixos
salários e o desprestígio da profissão. Fora isso os seus comentários são muito
gerais, e aqui e ali se pode pescar alguma coisa muito sólida para melhorar a
nossa prática de ensino e nossas proposições de mudanças para o sistema. É um
dos poucos livros, em língua portuguesa, disponível sobre o pensamento de
Piaget na educação. Piaget, não foi pedagogo, mas o que ele descobriu sobre o
funcionamento e o desenvovlimento da inteligência da criança é vital para a
prática pedagógica.
-------------------- ; Seis estudos de psicologia; 8ª edição; col. Universidade Moderna
39; trad Nina C Pereira; Dom Quixote; Lisboa; 1978
Neste livro
Piaget faz um apanhado dos principais conceitos da sua epistemologia genética,
considerando-os pela sua implicação no estudo teórico, conceitual, da psicologia.
É um dos textos mais fáceis de Piaget, mas nem por isso de leitura fácil, pois
ele sempre procura ser muito detalhista e explorar todas as consequências
possíveis de um conceito empregado no meio do texto, minúcia típica de alguém
que viveu no meio acadêmico, e está sempre ‘disputando’ com outros acadêmicos,
e acadêmicos europeus, familiarizados com uma vasta erudição, por vezes
valorizando-a mais do que o razoável para um melhor entendimento por parte de
seus escritos. Nesse sentido os americanos vendem melhor o ‘seu peixe’. O que é
precisão conceitual para muitos acadêmicos é confusão para um leigo. Outro
problema é o da qualidade de algumas traduções brasileiras, mas esse texto
português está bem claro. É um livro básico, imperdível.