segunda-feira, 6 de julho de 2015

A ESCOLA DE FUTEBOL

Prof Eduardo Simões

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         Passando de taxi numa ao lado do estádio do Maracanã, no Rio, vi escrito numa parede o seguinte: “O Brasil é bom de bola, porque futebol não se aprende na escola”, provavelmente parafraseando um verso de Noel Rosa, em Feitio de oração, que diz: “ninguém aprende samba no colégio”, feito numa época em que quase 100 por cento dos negros, os inventores do samba, eram analfabetos, por falta de escolas, embora não fossem ignorantes, nem menos inteligentes que o branco comum, escrito por um homem que estudou no melhor colégio do Rio de Janeiro. Será que seus sambas não devem nada a essa formação? A verdade é que Noel, nesses versos, apenas critica a postura elitista da escola daquela época, que cultuava o canto orfeônico, a música clássica europeia, enquanto se fechava para esse autêntico ritmo nacional
Voltando ao Maracanã, eu e minha filha Silvia travamos o seguinte diálogo: “vocês viram o tamanho da idiotice daquela frase?”, “a cidade cesta cheia de frases como aquela, pintadas nas paredes”, respondeu ela, “é, já que as pessoas não estão querendo pensar, é melhor que fiquem pensando em besteiras, do que em coisa alguma!”, respondi. A frase infeliz, acima, me indignou pelas seguintes razões:
a) Forja um pretexto para desvalorizar a escola, em um país onde ela já é excessivamente desvalorizada.
b) fortalece uma mentalidade antiga e ignóbil, que está nos arrastando para o fundo do poço nos esportes... também: a ideia de que esporte é, apenas, uma extensão do marketing empresarial de grandes empresas, chamadas “clubes”, que nada têm a ver com a cultura nacional ou com o esporte enquanto via privilegiada de formação pessoal, como uma meta, absolutamente estratégica, para formar uma sociedade de pessoas saudáveis física, mental e afetivamente falando – aí se entende que o “professor” Dunga, numa entrevista, no Chile, reclame de “marcação muito ‘ríspica’”, que “o juiz deixou muito a ‘desiderar’”, ou o jogador da seleção que disse que iriam treinar durante a semana para “’acentuar’ nossos erros”.
Na contramão dessa mentalidade temos os países desenvolvidos que estimulam a formação de atletas nas escolas, criando, nestas, espaços de altíssimo nível para a prática dos mais variados esportes, como aquele país que nos derrotou no futebol, aqui dentro, por sete a um! Que dizer, então, das poderosas ligas esportivas americanas, desde o Ensino Médio até às Universidades, um ninho inesgotável de grandes atletas para o maior ganhador de medalhas olímpicas de todos os tempos, e maior potência de futebol do mundo. Pelo menos no futebol feminino.
Quem não se lembra, entre os que viram, o Pan-americano no Rio, quando as nossas meninas esmagaram todas as adversárias, vencendo-as com impressionantes goleadas, inclusive uma equipe universitária americana, escolhida de última hora para representar o seu país. Parecia que, finalmente, o futebol feminino, sem os vícios do masculino, iria ganhar a atenção que merecia, uma vez que, no masculino, as coisas só fazem degringolar, e já faz tempo, pois, convenhamos, pelo menos as meninas mostram raça, são lutadoras, ao invés dos marmanjos, indecisos entre jogar futebol e a praticar a canastrice teatral das faltas cavadas. Uma infâmia!
Nosso futebol feminino não deslanchou, e um analista, eu acho, resumiu bem a situação. Os clubes estão financeiramente esgotados para pagar os altos salários dos marmanjos, que não cessam de nos envergonhar, e não podem, portanto, arcar com as despesas do futebol feminino, ainda mais porque, os dados da polícia não me deixar mentir, as mulheres estão longe de serem valorizadas no Brasil, mesmo quando apresentam qualidades e virtudes que adoraríamos ver em nossos jogadores.
Não deu outra, este ano, oito depois do famoso Pan, nossas meninas amargaram uma campanha pálida, e um retorno antecipado para casa, depois de uma derrota magra para... a Austrália. A jogadora Formiga, já com 37 anos!, aparece na TV dizendo; “nem sempre os melhores vencem!” Pobre Formiga, não percebeu ainda o estrago que a falta de estrutura, organização e interesse geral podem provocar numa causa tão meritória quanto a dessas meninas. A única coisa que nos resta é a eterna ilusão de que ainda somos os melhores do mundo, em futebol. Chamar as escolas, que estão lotadas de material humano de primeira, para entrar no jogo, nem pensar. “Futebol não se aprende na escola”. E já começou a propaganda para o Pan no Canadá: “Venha torcer pelo Brasil de Cristiane!”, mais uma que vai cair de podre, no campo, por não ter quem a possa substituir à altura.
Enquanto isso o mundo continua girando e nos impressionando. O que foi aquela final da Copa Feminina de Futebol, em Edmonton, no Canadá, no dia 5 de junho? Por coincidência travada por dois países onde o futebol é aprendido nas escolas: Japão e Estados Unidos, e as americanas arrasaram as japonesas, que jogam muito bem, têm um time muito compacto, e um senso de coletivo espetacular, mas cujo esquema de jogo era também um tanto rígido e burocrático.
As americanas, por seu lado, também mostravam grupo coeso, mas dotado de uma velocidade, um entusiasmo, um domínio de bola e uma capacidade de criação e penetração espetacular. Elas envolviam a firme defesa japonesa quando bem entendiam, e os gols foram saindo aos borbotões: em cinco minutos já estava dois a zero, e aos quinze, quatro a zero. O terceiro gol americano, de Carli Lloyd, nasceu de um chute dado do círculo central, que encobriu a goleira japonesa, adiantada, um dos mais espetaculares e raros gols da história do futebol. Nosso Pelé tentou fazer um, em 70, e não conseguiu. Placar final: 5 x 2, para as americanas, exatamente o mesmo do Brasil contra a Suécia, na copa de 1958. As americanas garantiram o tricampeonato, em apenas sete edições de mundial, e ainda levaram três dos nove prêmios individuais dados pela FIFA, sem Blatter, “of course” – por falar em Pelé, Carli Lloyd, a Pelé americana, faz trabalho filantrópico na ONG Habitat for Humanity (Habitação para Humanidade), construindo casas para os mais pobres, enquanto o nosso Pelé acha “normal”, que morram um ou mais “pobres”, em obras para a Copa, sem falar na defesa de Joseph Blatter.
Eu não vi a Copa de 1958, mas vi a partida final da Copa do Mundo para Mulheres em 2015, disputada com estratégia, garra, luta, lealdade, habilidades futebolísticas raras, etc., além de um gol espetacular, com nada de firulas, cera, ou faltas forjadas. Nada de teatro. Dou-me por satisfeito, mas não de pleno, porque faltou o Brasil.
Quanto ainda falta, quantas humilhações ainda teremos que sofrer até que aprendamos a lição, que o melhor lugar para se formar gente, e, inclusive, grandes atletas, em qualquer modalidade, é a escola, que pode até não garantir a formação completa do craque, do esportista excepcional, mas pelo menos pode torná-lo mais gente.

E como nós estamos precisando disso agora!

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